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Pontos fortes e deficiências da Aprendizagem Baseada em Problemas sob a perspectiva profissional de enfermeiras1 1 Artigo extraído da tese de doutorado "Ensino e aprendizagem de enfermagem um currículo integrado através da aprendizagem baseada em problemas", apresentada à Facultad de Pedagogía, Universidad de Barcelona, Barcelona, Espanha

Resumos

OBJETIVO:

identificar os pontos fortes e as deficiências na competência percebidos pelas enfermeiras formadas com um currículo totalmente constituído por competências resultantes da Aprendizagem Baseada em Problemas, realizada com grupos pequenos.

MÉTODO:

foi utilizado um estudo de caso intrínseco que analisa essa inovação através de ex-alunas (da primeira turma), após completarem três anos de prática profissional. Os dados foram coletados por meio de questionários e grupos de discussão.

RESULTADOS:

mostram que seu nível de competência é avaliado de forma muito satisfatória, contrastando, paradoxalmente, com a deficiência de conhecimento teórico que perceberam ao terminar os estudos e ingressar no campo de trabalho em saúde.

CONCLUSÕES:

julgam que a estratégia de ensino foi fundamental para motivar um estudo aprofundado e despertar o desejo de saber. Além disso, a Aprendizagem Baseada em Problemas favorece e reforça a decisão de aprender, tão necessária durante toda a vida profissional.

Enfermagem; Aprendizagem baseada em problemas; Curriculo; Educação Baseada em Competências


OBJECTIVE:

to identify competency strengths and weaknesses as perceived by nursing professionals who graduated with a integrated curriculum and competency-based through Problem Based Learning in small groups.

METHOD:

an intrinsic case study method was used, which analyzes this innovation through former students (from the first class) with three years of professional experience. The data were collected through a questionnaire and discussion groups.

RESULTS:

the results show that their competency level is valued in a very satisfactory manner. This level paradoxically contrasts with the lack of theoretical knowledge they perceived at the end of their education, when they started working in clinical practice.

CONCLUSIONS:

the teaching strategy was key to motivate an in-depth study and arouse the desire to know. In addition, Problem Based Learning favors and reinforces the decision to learn, which is that necessary in the course of professional life.

Nursing; Problem-Based Learning; Curriculum; Competency-Based Education


OBJETIVO:

identificar fortalezas y debilidades competenciales que perciben las profesionales de enfermería formadas con un currículum totalmente integrado por competencias mediante el Aprendizaje Basado en Problemas en grupos pequeños.

MÉTODO:

utilizado fue el de un estudio de caso intrínseco que analiza dicha innovación a través de ex alumnas (de primera promoción) cuando llevaban tres años de ejercicio profesional. Los datos se recogieron mediante cuestionario y grupos de discusión.

RESULTADOS:

muestran que se valora de manera muy satisfactoria su nivel competencial. Nivel que contrasta, paradójicamente, con el déficit de conocimientos teóricos que han percibido al terminar los estudios e incorporarse al campo laboral asistencial.

CONCLUSIONES:

arrojan que la estrategia docente fue clave para motivar un estudio en profundidad y despertar el deseo de saber. También, que el Aprendizaje Basado en Problemas favorece y refuerza la decisión de aprender tan necesaria a lo largo de la vida profesional.

Enfermería; Aprendizaje Basado en Problemas; Curriculum; Educación Basada en Competencias


Introdução

Entrar no processo de convergência europeia do ensino superior permitiu uma revisão dos paradigmas de formação mais adequados ao aprender a aprender ao longo da vida. Além disso, as rápidas mudanças das últimas décadas também têm tornado evidente a relevância das aprendizagens baseadas na aquisição de competências que ultrapassam os conhecimentos específicos de uma disciplina. Consequentemente, a cultura docente está se desviando da transferência de conhecimentos consolidados (sua formação acadêmica reconhecida), para incentivar os alunos a desenvolver a capacidade de análise e síntese, curiosidade, pensamento crítico, trabalho em equipe e habilidades de comunicação, que exigem novas abordagens de ensino-aprendizagem.

É parte do conceito de competência em Enfermagem um conjunto de habilidades, atitudes, conhecimentos e processos complexos para a tomada de decisões, que permitem que a enfermeira esteja em um nível pertinente a todo momento. Isso envolve não só a capacidade de colocar o conhecimento em prática, as habilidades e as atitudes próprias da profissão para resolver e prevenir problemas de saúde, mas, também, a referência de um "saber fazer", que é estruturada em pelo menos três dimensões: a) as conceituais ou de pensamento crítico que envolvem o conhecimento, a tomada de decisões, a análise e a formulação de problemas; b) as interpessoais, tais como valores e atitudes e c) as habilidades técnicas. Todas essas competências podem ser expressas em termos de responsabilidade para com o paciente/usuário, a própria enfermeira, a equipe de saúde, a profissão, a comunidade e a sociedade em geral.

A prática em saúde requer que as enfermeiras sejam capazes de pensar criticamente, a fim de escolher as melhores ações para resolver os problemas identificados. Nesse processo, o aprender a pensar da mesma forma que uma profissional é uma das etapas mais complexas, em termos cognitivos, e um dos temas mais relacionados à tomada de decisões( 1. Lira ALBC, Lopes MVO. Nursing diagnosis: educational strategy based on problem-based learning. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(4):936-43. ).

Nesse contexto, a proposta de Aprendizagem Baseada em Problemas, a ABP, foi estabelecida como uma metodologia para o desenvolvimento da aprendizagem, cujo ponto de partida é um problema ou uma situação problematizada da vida real, que permite desenvolver hipóteses explicativas e identificar necessidades de aprendizagem, possibilitando ao aluno compreender melhor o problema e alcançar os objetivos previamente determinados. Além disso, também possibilita a identificação dos princípios que se relacionam com o conhecimento adquirido e que podem ser aplicados a outras situações ou problemas. É uma metodologia centrada na aprendizagem, com os alunos como protagonistas( 2. Branda LA. El Aprendizaje Basao en Problemas. De herejía artificial a res popularis. Educ. Méd. 2009;12(1):11-23. ). A evolução da ABP vem sendo configurada como uma filosofia, como uma forma de entender a educação e como um estilo de aprendizagem( 3. Rué J, Font A, Cebrian G. El ABP. Un enfoque estratégico para la formación en Educación Superior. REDU. 2011;9(1):25-44. ).

São muitos os estudos que mostram evidências das contribuições da ABP para a qualidade de ensino em estudos de medicina( 4. Schmidt HG, Vermenlen L, van der Molen HT. Longterm effects of problema.based learning.: a comparison of competencies acquired by graduates of a problema-based and a conventional medical school. Med. Educ. 2006;40(6):562-7.

. Koh GC-H, Khoo HE, Wong ML, Koh D. The effects of problem-based learning during medical school on physician competency: a systematic review. CMAJ. 2008;178:34-41.
- 6. Cohen-Schotanus J, Muijitens AM, Schönrock-Adema J, van der Vleuten CP. Effects of conventional and problem-based learning on clinical and general competencies and career development. Med. Educ. 2008 Mar;42(3):256-65. ), mas são menores as evidências no âmbito da Enfermagem, a partir de uma perspectiva de profissionais graduados, formados com a ABP( 7. Chicotas NE. Problem-based learning and clinical practice: the nurse practitioners' perspective. Nurse Educ. Practice 2009;9(6):393-7. ).

O estudo apresentado parte da inovação de um currículo de Enfermagem totalmente constituído por competências, que substituiu as aulas expositivas pela ABP aplicada em pequenos grupos. Essa experiência permitiu passar de um paradigma docente centrado no professor e nos conteúdos das diferentes disciplinas, a outro focado nos estudantes, nas competências e nas habilidades básicas do perfil profissional. Para encerrar o processo, a inovação necessitava de uma análise geral da qualidade docente, a fim de obter critérios claros, visando a melhoria do processo de ensino e aprendizagem.

O objetivo específico foi identificar e descrever os pontos fortes e deficiências da competência percebidos pelos enfermeiros que haviam se formado por meio da ABP.

A coleta de dados começou quando os profissionais formados na primeira turma com a ABP tinham completado três anos de experiência profissional, para que fossem colocados na categoria de enfermeiros "competentes" nos níveis de especialistas, descritos por Patricia Benner( 8. Benner P. Práctica progresiva en enfermería. Manual de comportamiento profesional. Barcelona: Grijalbo; 1987. ) (Figura 1).

Figura 1
- Níveis de competência de acordo com Patricia Benner

Método

Optou-se por um Estudo de Caso Intrínseco, uma vez que um programa inovador ou escola podem ser um caso, e porque os dois têm um funcionamento específico e complexo( 9. Stake RE. Investigación con estudio de casos. 3a ed. Madrid: Morata; 2005. ). O propósito do estudo exigia que as participantes tivessem três anos de experiência profissional e essa característica era verificada nas ex-alunas da primeira turma formadas com a ABP. Esse prazo foi estabelecido porque se tomou como referência a "enfermeira competente" que, segundo Benner, é aquela que leva de dois a três anos desempenhando um trabalho nas mesmas circunstâncias ou em circunstâncias semelhantes e que, embora não lhe faltem a rapidez e flexibilidade que a enfermeira avançada possui, vivencia a sensação de que tem o controle do trabalho e está preparada para enfrentar e resolver as diversas situações da Enfermagem clínica.

Os critérios de seleção foram: a) a continuidade na atividade de cuidado em saúde, b) a proximidade geográfica de sua residência atual e c) disponibilidade de tempo.

Para cumprir os critérios éticos, as participantes assinaram um Termo de Consentimento Informado, onde constavam a confidencialidade e o anonimato dos seus dados e declarações. Também foi obtida a aprovação da direção docente e da direção assistencial.

Para a coleta de dados, foi elaborado um questionário e foram realizados grupos de discussão. O primeiro permitiu selecionar as ex-alunas, conhecer sua realidade profissional e recolher as suas opiniões sobre a influência que deve ser formada com um currículo integrado por competências. Para reforçar a parte aberta do mesmo, foi pedida uma avaliação numérica das habilidades de competência que nortearam seu processo de formação. Foi atribuído 1 à avaliação deficiente e 8 à de excelência. Isso permitiu uma análise individual, antes de passar para a fase de grupos de discussão, em que as ideias eram esclarecidas com novas perguntas. Com a permissão das participantes, os grupos de discussão foram gravados, transcritos na íntegra e devolvidos às participantes para sua aprovação.

Para a análise qualitativa, foi utilizado o método das comparações constantes que combina a codificação indutiva de categorias com a comparação simultânea de todas as unidades de significado encontradas. Para isso, foi utilizado o programa Atlas Ti, versão 4.1.

Resultados e discussão

Foi possível localizar e informar sobre o estudo 81% das ex-alunas da primeira turma, das quais 33% participaram (29 ex-alunas). A avaliação que fizeram de suas competências está resumida a seguir, na Tabela 1.

Tabela 1
- Avaliação das competências com escala de 1 a 8, sendo 1 o valor de deficiência e 8 o de excelência. Barcelona, Espanha, 2008

O restante das competências segue uma pontuação semelhante entre elas e não foi acompanhado por avaliações que gerassem unidades significativas: 7, 12 (de 8) na observação de uma conduta ética e 6, 24 (de 8) na gestão cuidados de Enfermagem.

As deficiências surgiram com base na análise das perguntas abertas sobre as dificuldades encontradas, trabalhando como profissionais, atribuídas à maneira como se formaram. Destaca-se, de forma contundente, a falta de conhecimentos teóricos em relação a outras dificuldades consideradas próprias de uma enfermeira iniciante.

É reconhecida como ponto forte a influência direta da APB na forma de analisar e resolver problemas, quando uma enfermeira é comparada com as colegas de trabalho que têm o mesmo tempo e as condições profissionais. Os pontos fortes da competência descritos colocam as profissionais em um nível de competência 4, de avançado, quando lhes corresponderia o 3, de competente.

Em relação ao trabalho em equipe, as suas declarações reforçam a opinião de que a metodologia utilizada na formação básica influencia fortemente a atividade e a atitude profissional.

...A vantagem de ter formado com a ABP é ter trabalhado muito em equipe, o que diminui a dificuldade de se trabalhar com diferentes profissionais. (...) Também ajuda quando você está por conta própria, embora eu não tenha nenhum problema em pedir ajuda. Tenho colegas que têm dificuldade em pedir ajuda em caso de dúvida (GD[1]: 11:7)[2].

Esse pedido de ajuda no âmbito da cooperação é interpretado como um valor complementar e também é inerente à aprendizagem social que ocorre dentro de um conjunto de práticas( 1010 . Laperriere H. Community health nursing practices in contexts of poverty, uncertainty and unpredictability: a systematization of personal experiences. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2007;15(nº esp):721-8. ). É um compromisso mútuo para que a competência de cada um seja compartilhada e se consiga atingir os objetivos. A cooperação, entendida de forma bidirecional, é a característica mais valiosa do trabalho em equipes de saúde. Para superar esse obstáculo, é fundamental reconhecer que uma formação de profissionais através de problemas, com igualdade de responsabilidade de todos os membros do grupo de tutoria, ajuda a construir um conceito de trabalho que não seja uma mera sobreposição de disciplinas.

...Um dos pontos fortes da ABP é que incentiva o trabalho em equipe, a aprendizagem cooperativa dos diferentes membros, a fim de alcançar um objetivo comum. O trabalho em equipe é o pilar da Atenção Primária, onde trabalho atualmente (EE[3]:5:65).

A qualidade do trabalho cooperativo na equipe de saúde requer troca contínua de informações, realizada em espaços e tempos comuns; desse modo, exige que cada profissional assuma suas próprias funções e conheça as competências dos demais, para evitar confusão de papéis e responsabilidades.

Nos últimos cinquenta anos, a profissão de enfermeiro tem avançado muito em rigor e método, mas, no conjunto, continua com uma cultura de baixa autoestima, em comparação com outros profissionais da equipe de saúde. O fato de que os primeiros profissionais formados com a ABP se sentem seguros dentro da equipe é um indicador de que o termômetro da autoestima está se movendo.

Para o trabalho interdisciplinar são necessários: a responsabilidade, habilidades de diálogo, aliança, integração, adaptação a mudanças, tolerância e saber administrar a incerteza. Para os profissionais de saúde consolidarem o desafio do diálogo interdisciplinar como ferramenta de trabalho, precisa-se de uma posição simétrica que permita a cada uma das disciplinas se expressar em pé de igualdade entre elas( 1111 . Ruiz V. Interdisciplinariedad y trabajo en equipo en los cuidados de enfermería al paciente psicogeriátrico. Rev. Inform. Psiquiátricas. 2008;(192):159-62. ).

As habilidades de comunicação fazem parte das competências básicas dos profissionais de saúde e são a peça-chave para um bom atendimento às pessoas.

...a ABP facilita as habilidades de comunicação porque não é a mesma coisa estudar durante três anos ouvindo os professores falando os conceitos, do que uma pessoa que por três anos foi à procura de informações e orientações de maneira objetiva e sintetizada. Esta comunicação constante na orientação da ABP ajuda muito (GS:11:33).

A metodologia da ABP em pequenos grupos é um bom contexto para se trabalhar aspectos difíceis que um aluno possa ter em relação às habilidades de comunicação. Dificuldades a serem detectadas pela tutora e identificadas pelo aluno podem ser trabalhadas, supervisionadas e melhoradas antes que esse seja colocado em contato com os pacientes, familiares e equipe de saúde, no contexto da prática clínica.

Por sua vez, os relacionamentos são a base para acompanhar momentos de fraqueza que as pessoas com problemas de saúde vivem. Momentos que são únicos assim como são as reações e respostas de cada pessoa. Os vínculos que a enfermeira instaura ajudam para que se estabeleça uma relação de esperança ou desespero.

...O que mais me ajudou na ABP foi melhora no meu relacionamento com as pessoas. Antes de eu começar a estudar Enfermagem era difícil interagir e ter uma conversa com pessoas totalmente desconhecidas. Na nossa profissão, devemos estar sempre em contato com as pessoas, falar com elas para que entendam você, resumir conceitos... (EE:6:4).

Paralelamente, há uma consciência generalizada de que a formação básica geral e três anos de experiência profissional não dão bagagem suficiente nem maturidade para que os relacionamentos interpessoais sejam impregnados por valores humanistas e de cuidados embasados no conhecimento da pessoa, na saúde e no meio ambiente, tendo sempre em mente as emoções, a empatia, a compreensão, a autenticidade, a escuta ativa, a reciprocidade, a intuição e a disponibilidade(12), mas são reconhecidas na ABP condições para começar.

As relações estabelecidas nas tutorias e na avaliação contínua entre iguais permitem praticar a relação de ajuda estabelecida com o desafio dos membros do grupo. Essas interações são uma fonte de aprendizagem das habilidades sociais básicas para a democracia e para a sociedade do conhecimento, na qual o conhecimento dos outros é também uma competência fundamental( 1313 . Labra P, Kokaly ME, Iturra C, Concha A, Sasso P, Vergara MI. El enfoque ABP en la formación inicial docente de la Universidad de Atacama: el impacto en el quehacer docente. Estud. Pedagóg. 2011;37(1):167-85. ).

Ao manter os conhecimentos atualizados, as ex-alunas se sentem mais autônomas no momento de decidir sobre o cuidado mais adequado e percebem como a cultura do tecnicismo está abrindo caminho para a sabedoria do cuidar em áreas como o bem-estar, a adaptação e o acompanhamento.

...Você é mais autônoma no momento em que age não só como técnica, mas quando procura por informações, isso te impulsiona no caso de ocorrer uma mudança e você não saber direito como agir (...), mas você terá capacidade para encontrar as melhores evidências de como cuidar e como ajudar (PGD:6:44).

Essa autonomia, que quebra a rigidez normativa, pode levar os enfermeiros a serem mais tolerantes quando se deparam com situações ambíguas, visando desenvolver o pensamento criativo e intelectual para gerir a incerteza e implantar o pensamento crítico diante de evidências contraditórias.

A autonomia na aprendizagem é uma competência que pode ser aumentada, se se levam em conta as condições em que essa se desenvolve. Nos comentários das participantes, essa autonomia está ligada à motivação para continuar, que gera a atitude de permanecer aprofundando e atualizando os seus conhecimentos.

...Eu agora sou muito mais consciente de tudo o que não sei, isso faz com que me forme continuamente. A ABP tem me proporcionado esta "curiosidade" para aprender e melhorar (PGD:5:74).

Partindo da premissa de que a motivação é o produto de um bom ensino e não seu requisito, pode-se concluir que a motivação para esses profissionais é intrínseca, uma vez que os leva a uma abordagem profunda da aprendizagem, com interesse e noção de sua importância. Observam que a estratégia utilizada tem sido fundamental para a motivação e concordam que o ensino está estimulando o desejo de conhecimento, criando estratégias de ensino que intensifiquem e diversifiquem o desejo de saber, o que favorece e reforça a decisão de aprender.

A ABP estimula o sentido de responsabilidade porque compromete os alunos consigo mesmos( 1414 . Paranhos VD, Rino MM. Competency-Based Curriculum and Active Methodology: Percepctions of Nursing students. Rev. Latino-Am. Emfermagem. 2010;18(1):109-15. ). Eles têm que alcançar objetivos pessoais e de grupo, além de serem avaliados entre si e pela tutora. Apesar de descreverem a motivação como um ponto forte, às vezes se referem a ela como uma necessidade derivada da falta de conhecimentos, conforme descrito na seção sobre deficiências.

...Todos sabemos o grau de responsabilidade que tem ao frequentar uma tutoria. Você deve estar preparado com o plano de trabalho feito e assimilado para poder fornecer aos companheiros e para que eles possam fornecer a você (SGD: 3:22).

Existe a crença de que profissionais formados nesse paradigma incorporaram habilidades e competências que repercutirão no futuro da profissão. Se esses alunos foram envolvidos na gestão autônoma de suas aprendizagens, como profissionais também serão mais autônomos na gestão de cuidados de Enfermagem e terão elementos para romper o papel histórico de dependência, fundamentarão tudo o que fazem com evidências e obterão conhecimentos sólidos a partir de sua prática.

As ex-alunas consideraram um ponto forte a segurança que adquiriram com a ABP, mas, por outro lado, se sentem mais inseguras na hora de agir se não estiverem bem convencidas de que entendem o que fazem. Em geral, não há medo ou vergonha em reconhecer o que não se sabe; pelo contrário, isso é visto como um valor positivo para a segurança das pessoas que atendem.

...Diante de uma sintomatologia ou medicação que não conheço, ou não entendo muito bem, tenho o recurso que eu aprendi com esta metodologia, que é buscar informações e ampliar o conhecimento em fontes apropriadas (EE:05:55).

Para concluir esta seção dos pontos fortes, nada melhor do que a resposta de uma delas sobre se, após três anos da formatura, está ciente da mudança de paradigma que ocorreu em sua formação.

...Eu acho que a enfermeira que eu sou é o resultado da forma como me formei. Estudei com entusiasmo, desejo, curiosidade, dúvidas, em equipe e individualmente, com habilidades de comunicação, de saber ouvir, questionar e respeitar (EE:5:75).

Em relação às deficiências, pode-se dizer que uma competência integrada através da ABP em pequenos grupos envolve uma demanda maior de tempo, quando comparada com as aulas expositivas para grupos grandes. Isso implica que, com a mesma quantidade de tempo, não existe a possibilidade de trabalhar o mesmo número de temas. Essa redução faz com que os alunos percebam lacunas sobre a possível gama de temas a serem desenvolvidos pelo ensino tradicional. No entanto, considera-se que os temas trabalhados sejam compreendidos a fundo.

...Com a ABP nos faltaram conhecimentos sobre Farmacologia e Anatomia. Esta deficiência nos dá uma insegurança muito grande porque as patologias que estudamos nós sabemos muito mais do que as pessoas que estudaram com a metodologia de sempre, mas as que não tínhamos estudado, não tínhamos nem ideia (SGD:11:02).

Seja qual for a estratégia utilizada, os responsáveis pelo ensino garantem a formação de profissionais competentes, que respondam às necessidades da população. Assim, os problemas de se trabalhar com ABP devem abranger todos os casos possíveis de casuística que encontrarão quando forem profissionais, e o processo de avaliação deve conter rigor suficiente para garantir que a certificação final do aluno esteja de acordo com as competências esperadas.

Para analisar a percepção de falta de conhecimento, é preciso lembrar que as enfermeiras são incorporadas ao serviço em saúde na manhã seguinte à graduação. Na melhor das hipóteses, nos serviços em que elas fizeram as últimas práticas do curso. Até que a enfermeira não complete dois ou três anos de experiência nas mesmas circunstâncias (mesmo serviço), não tem a sensação de conhecimento suficiente para enfrentar as situações. Portanto, não é de se surpreender que essa enfermeira sinta a falta de conhecimento até que adquira o nível de iniciante avançado, logo que acaba de entrar no local de trabalho, sem o acompanhamento de uma profissional sênior, e lhe é exigido o mesmo nível de competência que o dessa profissional.

Os conhecimentos que faltam ocorrem na área das ciências básicas: Farmacologia, Anatomia e Fisiologia, conhecimentos estáveis e descritivos que a enfermeira deve saber para entender o que acontece com o paciente. Chama a atenção que seja precisamente a Farmacologia a ser percebida como menos conhecida, uma vez que, embora a enfermeira deva conhecer a farmacodinâmica e a farmacocinética para monitorar suas interações e efeitos adversos, a responsabilidade pela prescrição e dosagem é competência médica.

...Quando o curso termina todos se sentem um pouco importantes. Eu cheguei ao serviço de Terapia Intensiva e me lembro como eu não tinha experiência prática e tinha muitas dúvidas e era inevitável. Era lógico, porque, independentemente de como nos formamos, todos nós começamos a partir da realidade de que éramos principiantes, nos faltava experiência e tínhamos muitas dúvidas (SGD:11:26).

Com a ABP em grupos pequenos existem temáticas que o aluno não vai ver até que as encontre na prática clínica. No entanto, aquelas que executam, analisam e estudam a fundo, conseguem ter uma boa assimilação dos princípios e conceitos necessários para resolver o problema e saber expandir esse conhecimento para situações semelhantes. É claro que os conhecimentos que faltam acrescentam mais estresse ainda ao que o principiante já tem.

Conclusões

Segurança, responsabilidade e habilidades para gerenciar situações novas, junto com a avaliação muito positiva do seu nível de competência, são as principais características que colocam as ex-alunas no nível avançado e não no de competente, conforme era o esperado dos profissionais que, apesar de terem três anos de prática profissional, não a haviam exercido no mesmo serviço. Embora este primeiro resultado seja muito satisfatório, contrasta com o paradoxo de ajuste com a insuficiência de conhecimentos teóricos que são percebidos como deficiência. Essa contradição torna difícil distinguir onde está o limite que separa a força de motivação para continuar impulsionado pela estratégia de formação ABP, da necessidade de compensar os conhecimentos que dizem que lhes faltaram.

Houve unanimidade na percepção da falta de conhecimento nas áreas básicas de Farmacologia, Anatomia e Fisiologia e unanimidade, também, na insegurança que essa percepção acrescenta ao novo profissional; mas este estudo não permite distinguir se a percepção de falta de conhecimento é o resultado de: a) uma aprendizagem superficial ou um aprendizado em espiral sem limite, realizado em uma profissão que usa muitas outras disciplinas para monitorar os resultados das decisões de outros profissionais; b) avanços científicos constantes que impõem uma reciclagem contínua; c) exigências da prática de Enfermagem que continua a colocar mais ênfase sobre o papel da colaboração para o acompanhamento e tratamento médico, do que na autonomia dos cuidados; ou d) falta de coordenação e orientação adequadas dessas aprendizagens nas diferentes situações-problema, por parte dos professores.

Nota-se, também, a possibilidade de que uma percepção de falta de conhecimento em áreas tão específicas e relacionadas com o estudo de doenças e tratamentos não esconda a pouca visibilidade que a sociedade tem dos cuidados e dos profissionais que os aplicam. Invisibilidade que repercute fortemente sobre a identidade e a imagem profissional das enfermeiras. Os tratamentos médicos e técnicas de curas sempre foram um reconhecimento social e profissional; ele nunca teve o apoio, a educação sanitária que realizam os enfermeiros, e que são essenciais e imprescindíveis para a qualidade de vida das pessoas.

Finalmente, destaca-se neste estudo a evidência do trabalho em equipe como ponto forte. A marca que deixa a aquisição da competência, adquirida pelas profissionais formadas com a ABP, deve ser aproveitada ao máximo para formular uma proposta de futuro que aproxime o trabalho em equipe da interdisciplinaridade necessária ao desempenho dos profissionais da área de saúde.

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    EE: entrevista do estudiante

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2013
  • Aceito
    16 Jun 2014
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