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Doação de leite humano e apoio social: relatos de mulheres doadoras

Resumos

O estudo objetivou caracterizar o comportamento de doação de leite humano e descrever o apoio social informal e institucional, segundo relatos de mulheres doadoras. Trata-se de estudo exploratório, descritivo, de corte transversal, com entrevista domiciliar baseada em roteiros estruturado e semiestruturado. Participaram 36 mulheres cadastradas em dois bancos de leite humano da rede pública de saúde do Distrito Federal. Foram realizadas análises estatísticas descritivas de dados quantitativos e categorial de conteúdo dos dados qualitativos. Categorias de motivos que mais influenciaram na frequência da ordenha: alimentação, disponibilidade de tempo, emoções negativas e ingestão de líquidos. A ordenha manual foi referida como técnica predominante. O uso da “conchinha” foi citado por quase um terço das doadoras. Sugestões mais frequentes para melhorar o apoio institucional foram maior atenção e apoio dos bancos de leite às doadoras. O estudo poderá servir de estímulo para implementação de estratégias técnicas e políticas que favoreçam essa prática.

Apoio Social; Leite Humano; Bancos de Leite; Gênero e Saúde


The study aimed to characterize the behavior of human milk donation and to describe the informal social and formal institutional support, according to reports from women donors. It is an exploratory, cross-sectional, descriptive study using domicile interviews based on structured and semi-structured scripts. The participants were 36 women enrolled in two human milk banks of the public health system of the Federal District. Statistical analysis of quantitative data and categorical content analysis of qualitative data were performed. Categories of reasons that most influenced the frequency of expressing were: food, time availability, negative emotions and fluid intake. The manual expressing technique was reported as predominant. The use of breast shells was cited by almost a third of the donors. Most frequent suggestions for improving institutional support were more attention and support from the milk banks for the donor. The study may serve as a stimulus for the implementation of technical and political strategies to encourage this practice.

Social Support; Milk, Human; Milk Banks; Gender and Health


El estudio objetivó caracterizar el comportamiento envuelto en la donación de leche humana y describir el apoyo social informal e institucional, según relatos de mujeres donadoras. Se trata de un estudio exploratorio, descriptivo, de corte transversal, con entrevista domiciliar basada en guiones estructurados y semiestructurados. Participaron 36 mujeres registradas en dos bancos de leche humana de la red pública de salud del Distrito Federal. Fue realizado el análisis estadístico descriptivo de los datos cuantitativos, y el categórico de contenido de los datos cualitativos. Las categorías de motivos que más influyeron en la frecuencia de la extracción de leche: alimentación, disponibilidad de tiempo, emociones negativas e ingestión de líquidos. La extracción de leche manual fue referida como técnica predominante. El uso de la “conchita” fue citado por casi un tercio de las donadoras. Sugerencias más frecuentes para mejorar el apoyo institucional fueron mayor atención y apoyo de los bancos de leche a las donadoras. El estudio podrá servir de estímulo para implementación de estrategias técnicas y políticas que favorezcan esa práctica.

Apoyo Social; Leche Humana; Bancos de Leche; Género y Salud


ARTIGO ORIGINAL

Doação de leite humano e apoio social: relatos de mulheres doadoras1

Lucienne Christine Estevez de AlencarI; Eliane Maria Fleury SeidlII

Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, DF, Brasil:

INutricionista, Mestre em Psicologia. E-mail: luciennealencar@terra.com.br

IIPsicóloga, Doutor em Psicologia, Professor. E-mail: seidl@unb.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O estudo objetivou caracterizar o comportamento de doação de leite humano e descrever o apoio social informal e institucional, segundo relatos de mulheres doadoras. Trata-se de estudo exploratório, descritivo, de corte transversal, com entrevista domiciliar baseada em roteiros estruturado e semiestruturado. Participaram 36 mulheres cadastradas em dois bancos de leite humano da rede pública de saúde do Distrito Federal. Foram realizadas análises estatísticas descritivas de dados quantitativos e categorial de conteúdo dos dados qualitativos. Categorias de motivos que mais influenciaram na frequência da ordenha: alimentação, disponibilidade de tempo, emoções negativas e ingestão de líquidos. A ordenha manual foi referida como técnica predominante. O uso da "conchinha" foi citado por quase um terço das doadoras. Sugestões mais frequentes para melhorar o apoio institucional foram maior atenção e apoio dos bancos de leite às doadoras. O estudo poderá servir de estímulo para implementação de estratégias técnicas e políticas que favoreçam essa prática.

Descritores: Apoio Social; Leite Humano; Bancos de Leite; Gênero e Saúde.

Introdução

Nas últimas décadas, o conceito de apoio social tem sido alvo de estudos de vários pesquisadores brasileiros e estrangeiros no campo da saúde(1-2). Uma definição inicial do conceito de apoio social assinala que se trata da “informação que leva o indivíduo a crer que ele é cuidado, amado, estimado e que pertence a uma rede social com obrigações mútuas”(2).

Estudos sobre apoio social focalizam a percepção quanto à disponiblidade e o tipo de apoio recebido, abarcando, ainda, a satisfação com o mesmo. Duas categorias de apoio têm prevalecido na literatura: instrumental e emocional. A primeira categoria refere-se à disponibilização de ajuda que auxilie a pessoa no manejo ou resolução de situações práticas ou operacionais do cotidiano, como apoio material, financeiro ou das atividades diversas do dia a dia. O apoio emocional consiste em comportamentos como escutar, prover atenção ou fazer companhia que contribuem para que a pessoa se sinta cuidada e/ou estimada(1).

Outro aspecto de interesse diz respeito às fontes de apoio social. Essas podem ser informais (como familiares, amigos, pessoas do grupo religioso), como formais (instituições, profissionais), podendo, entretanto, atuar de modo complementar. Portanto, é necessário considerar esses aspectos nos estudos que investigam os tipos de apoio recebidos pelas pessoas nos diferentes contextos de saúde, doença e vulnerabilidade.

O conceito de apoio social faz interface com o de rede social, que também tem norteado estudos na área de saúde. Como exemplo, pesquisadores elaboraram mapas de rede social de mulheres que amamentavam(3). Os resultados indicaram a presença de vínculo forte dessas mulheres com pessoas da rede primária como amigas,vizinhas, a mãe ou com o pai da criança, sendo essas as mais envolvidas com as mães no processo de aleitamento. As autoras concluíram que o referencial metodológico de rede social pode favorecer abordagem abrangente desse tema em estudos e intervenções profissionais.

Uma questão emergiu, então, no presente estudo: como se estrutura o apoio social à mulher doadora de leite humano, tanto informal quanto formal? Como ela percebe esse apoio? Inicialmente, é importante assinalar que a mulher doadora se encontra em um momento de vida que pode incluir aspectos adaptativos, eventualmente com características estressantes: a experiência recente de maternidade, o cuidado do bebê, muitas vezes o primeiro filho, a doação como atos contínuos e por um período de tempo, diferentemente da doação de sangue que se realiza em um único episódio(4-5).

Outra questão se refere ao fato de que a conduta de doação de leite se consolida a partir de ações que envolvem instituições públicas - o Banco de Leite Humano (BLH), o Corpo de Bombeiros (CB) - implicando relação regular: contatos no domicílio para coleta e disponibilização de insumos necessários, como vidros para armazenamento e touca. Nessa perspectiva, os BLHs têm se constituído, nos últimos anos, como elementos estratégicos no que tange à promoção e incentivo ao aleitamento materno e à doação de leite humano, além de representarem polos propulsores de política estatal, vindo a sofrer uma série de mudanças ideológicas em sua prática institucional, desde a primeira unidade implantada no país em 1943(6). Assim, é notório que o apoio social para a mulher doadora se encontra relacionado às políticas públicas de saúde, incluindo BLH e CB, como, também, sua família e pessoas inseridas em seu vínculo social. Todavia, apresenta peculiaridades que ainda não estão bem elucidadas, como a percepção dessas mulheres sobre o apoio recebido por esses atores sociais(7-8).

A presente pesquisa teve por objetivo caracterizar o comportamento de doação e descrever o apoio social informal e formal/institucional, identificando o nível de satisfação quanto ao apoio recebido, segundo relatos de mulheres doadoras, cadastradas em dois bancos de leite da rede pública de saúde do Distrito Federal.

Métodos

Trata-se de estudo exploratório, descritivo, de corte transversal, com amostra de conveniência. Este trabalho faz parte de um estudo maior realizado pela primeira autora(9), sob orientação da segunda autora, que teve como objetivo principal identificar motivos, crenças e sentimentos relativos ao comportamento de doação, segundo relatos de mulheres doadoras, tendo sido realizado no período de maio de 2005 a novembro de 2006(8).

O projeto, primeiramente, foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal. Após aprovação, foi realizado estudo piloto com a finalidade de avaliar a adequação do roteiro de entrevista elaborado para a pesquisa e do procedimento de coleta de dados proposto (entrevista em ambiente domiciliar). Foram realizadas entrevistas com base em roteiros estruturado e semiestruturado, elaborados para o estudo, contendo questões pertinentes aos objetivos da pesquisa. As participantes foram 36 mulheres cadastradas em dois BLHs da rede pública de saúde do DF. Esse número de mulheres representava 20,2% do total de 178 doadoras dos BLHs incluídos no estudo. Vinte e sete mulheres eram doadoras atuais e nove ex-doadoras recentes, com base nos critérios estabelecidos.

As análises estatísticas descritivas de dados quantitativos incluíram medidas de frequência, dispersão e tendência central, com base na utilização do software Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 13.0. No que tange à análise qualitativa de dados, foram usados procedimentos da análise de conteúdo categorial(10).

As entrevistas foram, primeiramente, transcritas na íntegra. Procedeu-se, então, à leitura de modo horizontal das questões abertas, para todas as participantes. Os relatos verbais foram analisados e categorizados, a partir de seu conteúdo, por dois pesquisadores, de modo independente (a pesquisadora e a orientadora), visando concordância igual ou superior a 70% para a identificação, nomeação e frequência das categorias. Trechos de relatos das mulheres participantes do estudo foram selecionados como exemplos das categorias.

Resultados

A idade das participantes variou entre 14 e 33 anos (m=24,78; dp=5,22). Uma questão de interesse tratou da frequência de retirada de leite pelas mulheres participantes, conhecida com o nome técnico de ordenha. Observou-se que a maioria (n=26; 72,2%) das mulheres ordenhava seu leite mais de uma vez ao dia, 8,3% (n=3) referiram retirada uma vez ao dia e 19,4% (n=7) informaram que essa frequência era variável.

Quanto à forma como o leite humano estava sendo ordenhado pelas participantes, observou-se que a técnica de ordenha manual prevaleceu em relação às demais (n=22; 61,1%), o que vai ao encontro das normas técnicas para bancos de leite humano(11). No entanto, quase um terço (n=11; 30,5%) referiu uso de conchinha, que não tem sido recomendada em função da possibilidade de consequências negativas no que se refere às chances de risco de contaminação microbiológica do leite ordenhado. O uso da bomba manual ou elétrica foi mencionado pelo restante das participantes (n=3; 8,4%). Quando questionadas sobre se algum fator interferia na frequência da ordenha, 83,3% (n=30) das entrevistadas responderam afirmativamente, algumas delas referindo mais de um motivo para isso. A rigor, essa frequência tinha relação com a produção láctea. A Tabela 1 apresenta as razões em categorias relacionadas à frequência da ordenha, como também a classificação quanto à influência positiva ou negativa dos aspectos mencionados. Assim, foi considerado, a partir dos relatos, o que poderia favorecer ou prejudicar essa produção.

Em relação à frequência com que os BLHs iam buscar o leite na casa das entrevistadas, 25 (69,4%) delas referiram que isso ocorria semanalmente e onze (30,6%) mencionaram frequência quinzenal. É importante ressaltar que essa frequência do BLH depende de aspectos organizacionais da instituição, tais como a presença de transporte e de recursos humanos para essa tarefa. Quando interrogadas sobre se sabiam o que acontecia com seu leite, após doá-lo para o BLH, dezesseis (44,4%) delas informaram que não sabiam sobre os procedimentos realizados, doze (33,3%) estavam precariamente informadas e oito (22,2%) satisfatoriamente informadas, tendo por base seus relatos.

No que se refere ao recebimento de informação sobre doação de leite humano antes de o bebê nascer, dezesseis (44,4%) referiram que não haviam recebido. Nove delas (25%) mencionaram que isso ocorreu durante o pré-natal e seis (16,7%) receberam informações em gestações anteriores. Sobre a ocorrência de dúvidas no início do processo de doação, a maioria delas (n=24; 66,7%) relataram procedimentos higiênico-sanitários necessários no processo de ordenha, tais como fazer a ordenha, como esterilizar no domicílio materiais para armazenar o leite, quanto tempo o leite pode ficar na conchinha, como armazenar o leite, onde colocar o leite depois de ordenhado, uso de máscara, touca, porque o bebê não pode mamar em uma outra mulher doadora.

Quando questionadas acerca da presença de dúvidas sobre doação no momento da pesquisa, 29 (80,6%) mulheres responderam que não possuíam e sete (19,4%) delas admitiram ainda ter dúvidas sobre doação, as quais estão categorizadas na Tabela 2.

Ao serem questionadas sobre o apoio recebido de pessoas de seu convívio familiar para a conduta de doação, 32 mulheres (88,9%) responderam afirmativamente. A partir das descrições das modalidades de apoio recebidas, os relatos foram categorizados. A Tabela 3 apresenta as categorias, sua frequência e exemplos de relatos de comportamentos, considerados pelas entrevistadas como de apoio à doação.

Quando convidadas a relatar o apoio recebido das instituições envolvidas no processo de doação (BLH e/ou CB), 36,4% (n=12) das entrevistadas responderam que não se sentiram apoiadas por nenhum desses serviços. Por outro lado, 30,3% (n=10) mencionaram ter recebido apoio do BLH e 21,2% (n=7) do CB e do BLH. Sobre a satisfação das participantes com o apoio recebido por pessoas de seu convívio social e pelas instituições responsáveis, 91,7% (n=33) e 58,3% (n=21) manifestaram estar satisfeitas, respectivamente. Em relação ao apoio institucional, dez mulheres (27,8%) referiram insatisfação e cinco (13,9%) mencionaram estar parcialmente satisfeitas. Os relatos a seguir exemplificam a satisfação com o apoio institucional recebido:

Eu acho que as meninas que vêm pegar o leite... dão apoio, elas se mostram próximas da gente... toda vez que elas vêm elas perguntam como eu estou, (..) na questão da quarentena que(...) não tá podendo sair de casa muito e aí sempre que elas vinham perguntavam como eu estava se eu estava bem e davam algumas dicas, eu vejo que o apoio delas foi bem gratificante (D8).

Um relato ilustra o nível parcial de satisfação:

Eu acho que eles deveriam ter mais um apoio... mais um incentivo... pra pessoas poderem doar... que tem muita gente que num tem iniciativa de doar, então eu acho que eles poderiam tá incentivando mais... pra gente poder doar, procurar alguma maneira, não sei como pra poder tá incentivando mais algumas pessoas, às vezes as pessoas até pode doá, querem doar mas num sabem, é poucas informações, então acaba num doando (D22).

Quanto à insatisfação com o apoio institucional, o relato a seguir é ilustrativo:

Não, não considero como um apoio não, acho que eles têm os interesses deles que é no leite mas apoiar a gente eles não apoiam não, na minha opinião. Eu fico satisfeita em doar leite, mas não com o apoio deles (D11).

Todas as participantes foram unânimes em responder que não tinham recebido visita de servidor do BLH para onde doavam ou doaram seu leite, além das visitas que tinham o objetivo de coletar o leite armazenado pelas doadoras. Para melhorar o apoio dos BLHs e do CB às mulheres doadoras, as participantes fizeram uma série de sugestões, quando instigadas pela pesquisadora, categorizadas na Tabela 4.

Diante da pergunta que solicitava uma avaliação sobre a experiência de doação, 33 participantes (91,7%) referiram que foi positiva. Das 27 participantes que estavam doando leite, dezoito (66,7%) afirmaram que tinham a intenção de continuar doando, enquanto tivessem excesso de leite.

Discussão

Um dos principais propósitos desse trabalho foi o de realizar aproximação com o tema doação de leite humano, a partir de relatos de mulheres doadoras. Por esse motivo, foram incluídos dois BLHs tidos como polos de abrangência na região, sendo que um deles se destacava como referência no Distrito Federal.

Pode-se hipotetizar que muitas doadoras em potencial já tiveram suas intenções frustradas, não chegando a colocar em prática seu papel de doadora. É pertinente, inclusive, sugerir que sejam repensadas as rotinas de coleta e a relação entre BLHs-doadoras, à luz das questões colocadas pelas participantes. Apesar dos relatos de satisfação com o apoio institucional recebido, as sugestões apresentadas por elas falam a favor da necessidade de se aprimorar o suporte técnico, de acolhimento e de acompanhamento às doadoras(12), em especial, no que se refere aos aspectos educativos e de atenção à mulher que podem, inclusive, aumentar o tempo de doação e a qualidade do leite ordenhado. Nesse sentido, vem à tona o uso da conchinha - manejo que parece favorecer o processo de ordenha - mas que não tem sido recomendado pelas normas técnicas(11).

O processo de tomada de decisão para a doação pode ser influenciado pelo tipo de atendimento recebido, se é humanizado ou não, e pela valorização da autonomia, cabendo ressaltar que a comunicação adequada tem efeito fundamental nesse processo. Outro ponto importante, já mencionado anteriormente, que merece ser discutido no presente estudo é o manejo da ordenha. É preferível que a coleta de leite humano seja feita por meio de ordenha manual, podendo também ser utilizada a bomba elétrica ou manual, porque a qualidade do leite humano ordenhado, que será pasteurizado, depende diretamente dos procedimentos higiênico-sanitários aplicados no momento da ordenha(11).

No grupo das mulheres que referiram ordenhar mais de uma vez ao dia, o manejo por ordenha manual foi predominante, todavia, metade das participantes desse grupo referiu utilizar a concha para extração do seu leite. Focalizando o total da amostra, quase um terço das participantes afirmou fazer uso de concha. Esse tipo de manejo torna a situação preocupante, porque a preferência por esse artefato está relacionada, segundo as entrevistadas, à praticidade, conforto e economia de tempo, dispensando a utilização de gorro e máscara para executá-la. Isso caracteriza provável desinformação sobre os procedimentos adequados, conforme recomendado na literatura científica(11).

Pode-se sugerir, como medida educativa, que sejam viabilizadas informações às doadoras pela rede de apoio formal sobre os riscos que podem ocasionar a contaminação do leite humano ordenhado cru, especialmente quando coletado em conchas. Isso poderia contribuir significativamente para evitar gastos desnecessários para os BLHs, pois esforços são empreendidos no desenrolar das etapas pelas quais o leite humano passa, até ser consumido. É importante que os BLHs recebam insumos financeiros, como também de recursos humanos, para poder disponibilizar tempo para atender às demandas das doadoras. Sugere-se que ações preventivas sejam implementadas, por meio do acompanhamento continuado dessas mulheres, pelo menos no momento em que os BLHs fizessem a primeira coleta domiciliar.

Quanto às interferências sobre sua produção láctea, notou-se que os aspectos mais citados pelas doadoras, como ingestão de líquidos, tipo de alimentação, presença de emoções negativas, frequência da ordenha e mamadas do bebê, encontram-se mencionados na literatura(7,13) como fatores que influenciam no aumento ou na diminuição da produção de leite, indicando consonância entre essas respostas e as evidências científicas. No entanto, o uso de anticoncepcional, saídas da mãe e retorno à atividade laborativa podem ser considerados variantes subjetivas que cada mulher enfrenta no seu dia a dia. Situações como falta de disponibilidade de tempo, cansaço físico e preguiça para ordenhar o leite são categorias citadas que merecem ser mais bem estudadas, pois ordenhar manualmente demanda uma série de cuidados que tomam tempo e, dependendo dos afazeres das voluntárias, pode estar limitando a prática de doação. Isso justifica o fato de várias mulheres incluídas nesse estudo terem afirmado que poderiam ter doado seu leite mais frequentemente, mas não o fizeram. Nessa perspectiva, ações educativas poderiam ser implementadas pelos BLHs, primeiramente, ouvindo as mães para depois instruí-las sobre as dificuldades, oferecendo suporte e orientação para o enfrentamento das mesmas. Isso talvez possa contribuir para o estreitamento do vínculo entre os BLHs e as doadoras e, quiçá, diminuir as dificuldades das mães e contribuir para que aumente a frequência da ordenha(13).

A precariedade das informações das doadoras sobre o processamento e destino do leite doado ao BLH é evidente. Em virtude disso, sugere-se que sejam feitos trabalhos educativos pelos BLHs com as doadoras de leite humano, explicando-lhes como é o tratamento dispensado ao leite humano ordenhado cru, como também esclarecê-las sobre quem são os principais destinatários que irão receber o leite pasteurizado. Realizar palestras com as mulheres no período do pré-natal e convidá-las a visitar o BLH, quando ainda gestantes, levá-las para conhecer a maternidade, mostrar-lhes quem são os consumidores do leite humano doado, convidá-las a observar in loco as etapas pelas quais o leite humano doado cru passa, até o momento em que é consumido, são algumas sugestões propostas pelas mulheres entrevistadas e que poderiam ser implementadas pelos BLHs.

Acredita-se que a primeira visita de profissionais do BLH ao domicílio da doadora seja importante para esclarecer as possíveis dúvidas que a doadora possa ter. Oferecer atendimento humanizado, explicar como se dá a identificação acerca do excesso de leite, ou sugerir que essa faça uma visita ao BLH para que seja examinada por um profissional tecnicamente habilitado podem servir como elementos que contribuam para dirimir dificuldades, dúvidas e desistências do ato de doação(4,7). Considera-se que a realização de visitas de servidores do BLH, fora dos dias nos quais são realizadas as coletas, poderia amenizar as dúvidas advindas da prática da doação e garantir que o leite humano doado preencha os requisitos determinados pelas normas técnicas. Todavia, para que isso ocorra, é importante que os BLHs recebam apoio técnico e político, priorizando recursos financeiros e humanos para que essas sugestões possam ser postas em prática.

Conclusão

Tendo em vista os resultados encontrados, conclui-se que o atendimento institucional humanizado, permeado por ações de incentivo e de aprimoramento do processo de comunicação sobre doação(12), associados ao apoio social de parte de pessoas significativas para a doadora, poderão contribuir para fortalecer uma rede de doação de leite humano, facilitando a fidelização dessas voluntárias, caso engravidem novamente. Outra possibilidade é que essas doadoras exerçam um papel multiplicador junto a seus relacionamentos sociais, disseminando informações e valores que favoreçam o engajamento de novas mulheres doadoras.

Ademais, o aprimoramento de processos institucionais/organizacionais e a capacitação de recursos humanos que atuam nessa área poderão qualificar a rede de bancos de leite e as entidades parceiras, com o objetivo de melhorar as respostas dessas instituições às demandas das pessoas interessadas, em especial de mulheres doadoras de leite humano.

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  • Corresponding Author:
    Lucienne Christine Estevez de Alencar
    SQN 108 K 202
    Bairro Asa Norte
    CEP: 70744-110 Brasília, DF, Brasil
    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Master’s Thesis "Doação de leite humano no Distrito Federal: aspectos psicossociais e experiências de mulheres doadoras" presented to Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, DF, Brazil.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Recebido
      07 Jun 2009
    • Aceito
      03 Mar 2010
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