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Acidentes de trabalho com motoristas de ambulâncias que realizam socorro de urgência

Resumos

Estudou-se a ocorrência de acidentes de trabalho (AT) com motoristas de ambulância que realizam Socorro de Urgência (SU), buscando evidenciar os tipos desses eventos e suas causas. A investigação foi quanti-qualitativa, entrevistando-se 22 trabalhadores que atuam em uma cidade paulista. Os sujeitos eram masculinos, com idade entre 36 e 40 anos (40,9%), casados (81,82%), com Ensino Fundamental incompleto (40,9%), renda individual (90,9%) e familiar (54,55%) entre dois e quatro salários míninos e sem outra ocupação (45,45%). A maioria dos AT foram típicos, por excesso de exercícios e movimentos vigorosos e repetidos (42,11%) e agressão por meio de força corporal e outros meios (26,33%). Os AT ocorrem, principalmente, porque os motoristas executam tarefas não condizentes com a sua formação profissional.

trabalho; acidentes de trabalho; ambulâncias; socorro de urgência; serviços médicos de emergência


We analyzed the occurrence of occupational accidents (OA) among ambulance drivers in Emergency Relief (ER), with a view to disclosing the types of events and their causes. A quantitative-qualitative study was carried out through the interview of 22 workers in a city in São Paulo, Brazil. The subjects were male, between 36 and 40 years old (40.9%), married (81.82%), with uncompleted primary education (40.9%), individual (90.9%) and family (54.55%) income between two and four Brazilian minimum wages, not performing any other paid occupation (45.45%). The majority of the OA were typical, due to an excess of exercises and vigorous and repeated movements (42.11%) and aggression through body strength and other means (26.33%). The OA occurs mainly because drivers carry out tasks that do not suit their professional formation.

work; accidents, occupational; ambulances; emergency relief; emergency medical services


Fue estudiada la frecuencia de accidentes del trabajo (AT) con chóferes de ambulancia que brinda Atención de Urgencia (AU), buscando encontrar los tipos de accidentes y sus causas. La investigación fue cuanti-cualitativa, para lo cual fueron entrevistados 22 trabajadores de una ciudad en el Estado de São Paulo. Los sujetos eran de sexo masculino, con edades entre 36 y 40 años (40,9%), casados (81,82%), con educación primaria incompleta (40,9%), sueldo individual (90,9%), sueldo familiar (54,55%) entre dos y cuatro sueldos mínimos y sin otra ocupación (45,45%). La gran mayoría de los AT fueron típicos, por exceso de ejercicios, movimientos enérgicos y repetidos (42,11%) y daño por fuerza corporal y otras formas (26,33%). Los AT se dieron principalmente porque los chóferes realizaban actividades que no iban de acuerdo con su formación profesional.

trabajo; accidentes de trabajo; ambulancias; socorro de urgencia; servicios médicos de urgencia


ARTIGO ORIGINAL

Acidentes de trabalho com motoristas de ambulâncias que realizam socorro de urgência1 1 Trabalho extraído da Tese de Doutorado

Elisabete TakedaI; Maria Lúcia do Carmo Cruz RobazziII

IEnfermeira, Professor Doutor da Faculdade de Medicina de Marília, Brasil, e-mail: etakeda@terra.com.br

IIEnfermeira do Trabalho, Professor Titular da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS/OPS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem,Brasil, e-mail: avrmlccr@eerp.usp.br

RESUMO

Estudou-se a ocorrência de acidentes de trabalho (AT) com motoristas de ambulância que realizam Socorro de Urgência (SU), buscando evidenciar os tipos desses eventos e suas causas. A investigação foi quanti-qualitativa, entrevistando-se 22 trabalhadores que atuam em uma cidade paulista. Os sujeitos eram masculinos, com idade entre 36 e 40 anos (40,9%), casados (81,82%), com Ensino Fundamental incompleto (40,9%), renda individual (90,9%) e familiar (54,55%) entre dois e quatro salários míninos e sem outra ocupação (45,45%). A maioria dos AT foram típicos, por excesso de exercícios e movimentos vigorosos e repetidos (42,11%) e agressão por meio de força corporal e outros meios (26,33%). Os AT ocorrem, principalmente, porque os motoristas executam tarefas não condizentes com a sua formação profissional.

Descritores: trabalho; acidentes de trabalho; ambulâncias; socorro de urgência; serviços médicos de emergência

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

Durante o ensino prático de estudantes universitários em situações de Socorro de Urgência (SU), observou-se, de modo empírico, o trabalho executado por motoristas de uma Central de Ambulâncias (CA) de uma cidade do interior paulista. Enquadrados sob o código CBO: 9-85.90 da Classificação Brasileira de Ocupações em "outros condutores de automóveis, ônibus, caminhões e veículos similares"(1), eles dirigem veículos do tipo ambulância a fim de transportar pacientes para os serviços de saúde, realizando, além disso, o SU, em sua maioria, sozinhos e sem preparo profissional para tal. Por isso, são conhecidos regionalmente como motoristas socorristas (MS).

Nas observações realizadas, percebeu-se que se encontram expostos a várias situações/fatores de riscos ocupacionais, incluindo-se a possibilidade de sofrerem Acidentes de Trabalho (AT). Esses eventos ocorrem pelo exercício laboral, a serviço da empresa ou pela execução do trabalho dos segurados especiais, provocando-lhes lesão corporal ou perturbação funcional que podem ocasionar morte, perda ou redução permanente ou temporária da capacidade para o trabalho. Sabe-se que devem ser notificados, porém a realidade tem mostrado que, ao contrário, são subnotificados, o que acaba limitando os estudos e conhecimento sobre esses acidentes(2). Quanto menos preparado profissionalmente para execução de suas tarefas se encontrar o trabalhador, maior é a possibilidade de vir a sofrer AT.

Estudos sobre AT, ocorridos com os motoristas de ambulâncias, são escassos, sendo, no entanto, encontradas investigações relativas aos condutores profissionais, abordando as condições inseguras com que trafegam com os veículos(3), a importância, na gênese acidentária, do fato de dirigirem alcoolizados(4), o não reconhecimento em relação a seu trabalho e a necessidade de dirigirem em vias inadequadas e estarem sujeitos à criminalidade e à violência(5), o risco de acidentes devido à sonolência(6-7), à fadiga(8) e à expressiva gama de agentes de riscos físicos, químicos, biológicos e situações antiergonômicas aos quais estão expostos, podendo acarretar enfermidades relacionadas ao trabalho(5), além de outros problemas.

Diante do exposto e visando aumentar o conhecimento sobre o assunto, elaborou-se o presente estudo com os seguintes objetivos: identificar a ocorrência de AT com motoristas de ambulância que realizam SU, bem como os tipos e as causas desses eventos acidentários.

PERCURSO METODOLÓGICO

Natureza da investigação: é descritiva, com abordagem quanti-qualitativa, no que concerne aos AT ocorridos no cotidiano das atividades profissionais dos MS.

Local do estudo e suas características: foi realizado em uma cidade do interior do Estado de São Paulo, em uma CA, que faz o transporte de pacientes graves e que atende também pessoas sem recursos para locomoção até os hospitais ou outros serviços de saúde. Conta com 26 MS, dos quais 23 realizam escala de trabalho do tipo 12 por 36 horas e três trabalham 8 horas em plantão diurno. Atuam, ainda, no local, quatro auxiliares de enfermagem e quatro telefonistas num esquema de 12 por 36 horas. Por serem em menor número, as auxiliares acompanham apenas alguns dos motoristas nas ambulâncias, auxiliando-os no SU, deixando os demais sem a sua ajuda. A cidade não contava com Serviços Médicos de Emergência (SME), na ocasião da coleta de dados.

Critérios de inclusão e exclusão e número de sujeitos investigados: os participantes do estudo eram maiores de 18 anos, trabalhavam como MS da CA há, pelo menos, um ano e consentiram em participar da pesquisa. Foram excluídos quatro recém-admitidos e sem experiência no emprego, com os quais foi testado o formulário de coleta de dados. Observados esses critérios, constituíram-se sujeitos do estudo 22 MS.

Procedimentos éticos: antes do início da coleta de dados, encaminharam-se exemplares do projeto de pesquisa para análise, junto ao Comitê de Ética em Pesquisa envolvendo Seres Humanos da Faculdade de Medicina e da Secretaria Municipal de Higiene e Saúde da cidade onde se localiza a CA, tendo-se obtido aprovação para a sua realização. Os trabalhadores foram informados sobre a natureza do estudo, seus objetivos, métodos e benefícios previstos, potenciais riscos e possíveis incômodos. Elaborou-se o termo de consentimento livre e esclarecido, em que eles manifestaram sua participação voluntária no estudo, obtendo-se o consentimento de todos os sujeitos, conforme preconiza a normatização nacional(9).

Procedimentos metodológicos: a coleta de dados foi realizada por meio de entrevista estruturada, com auxílio de um formulário, cujo roteiro constituiu-se de duas partes. A primeira continha os dados relacionados às características sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, grau de escolaridade, renda individual e familiar e outra ocupação); a segunda, às experiências dos sujeitos relativas aos AT aos quais estiverem expostos, com o seguinte questionamento: você já sofreu algum tipo de AT como MS no dia-a-dia de seu trabalho? Se sim, relate suas experiências, no que se refere aos AT aos quais esteve exposto trabalhando como MS. Explique o tipo de acidente, onde ocorreu, como ocorreu, por que ocorreu, o que fez (providência tomada) e qual a providência tomada pela instituição empregadora. O formulário foi elaborado pelos pesquisadores que o apresentaram a quatro professores universitários, especialistas em saúde do trabalhador, os quais opinaram quanto ao seu conteúdo, clareza e objetividade. Posteriormente, foi antecipadamente testado, por meio de entrevista com os motoristas recém-admitidos citados anteriormente, constatando-se ainda a necessidade de ajustes da linguagem para a formulação das questões, objetivando sua melhor compreensão.

Após a etapa de acertos do formulário, as entrevistas foram agendadas previamente com a chefia do serviço e de acordo com a escala mensal de trabalho dos MS. Foram realizadas pelos pesquisadores no próprio ambiente laboral da CA, em uma sala destinada para tal. Um dos sujeitos, que se encontrava em férias, foi entrevistado em sua casa. As falas foram gravadas e, em seguida, transcritas e digitadas; as fitas foram novamente ouvidas e as transcrições corrigidas. Cada trabalhador foi codificado com a letra E (entrevistado), seguido de um número de 1 a 22.

A coleta de dados foi efetuada na primeira quinzena de janeiro de 2002. Para a análise qualitativa das informações, utilizaram as recomendações de estudiosos no assunto(10-11). Para dar seguimento ao trabalho, realizou-se a leitura exaustiva das respostas de todos os entrevistados e após as falas, foram categorizadas e agrupadas de acordo com as causas/códigos da CID(11) dos AT.

Para a análise quantitativa utilizou-se a estatística descritiva e também a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID)(11) para a categorização e o agrupamento das falas relacionadas às causas/códigos da CID dos AT.

RESULTADOS

Os dados referentes às características sociodemográficas dos MS encontram-se apresentados a seguir.

Dos 22 MS da CA, 13 (59,09%) mencionaram ter sofrido 19 AT, ou seja, houve uma média de 1,4 acidentes por trabalhador. Todos os AT foram típicos ou tipo, isso é, ocorreram durante o exercício do trabalho, a mando da empresa (CA) em questão.

Em relação às causas dos AT, foram categorizadas e agrupadas as falas relacionadas às seguintes causas e códigos da CID: X50 Excesso de exercícios e movimentos vigorosos e repetitivos, relacionados ao peso; Y04 Agressão por meio de força corporal e Y08 Agressão por meios especificados; W01 Quedas no mesmo nível por escorregão, tropeção ou passos em falso [traspés]; W20 Impacto causado por objeto projetado ou em queda e W22 Impacto acidental, ativo ou passivo, causado por outros objetos; W54 Mordedura ou golpe provocado por cão e W44 Penetração de corpo estranho no/ou através de olho ou orifício natural(11).

DISCUSSÃO

Todos os 22 motoristas são do sexo masculino, fato comum entre essa categoria de trabalhadores(3,6). Quanto à idade, a maioria possui entre 36 e 40 anos (40,9%), seguida de 27,29% entre 41 e 45 anos; os sujeitos não são, portanto, tão jovens e encontram-se em plena fase produtiva. A maior parte é casada (81,82%) e não terminou o ensino fundamental (40,9%); 59,1% concluíram o ensino médio.

Embora haja recomendação para que todos os condutores de veículo de SME tenham o ensino fundamental completo e capacitação em direção defensiva(12), isso não acontece na CA em questão. Somente 31,82% desses trabalhadores possuem essa escolaridade e dois (9,09%) informaram possuir tal capacitação, entendida como o conjunto de procedimentos para prevenir situações de risco, antevendo-se reações de outros motoristas e pedestres, permitindo decisões rápidas frente aos perigos repentinos(13).

O condutor deve ser maior de vinte e um anos e ter disposição geral para a atividade(12). Pelas entrevistas realizadas, os depoentes informaram apresentar essa disposição e gostar do serviço que realizam. Entretanto, apesar de lidarem com pessoas enfermas e acidentadas, faltam-lhes conhecimentos a respeito de cuidados a serem tomados diante da exposição aos casos de doenças contagiosas e dos meios que podem utilizar, relativos à adequada proteção laboral.

Quanto ao montante mensal, a renda individual da maioria (90,9%) encontra-se entre dois e quatro salários mínimos, insuficiente ou muito baixa, segundo a própria opinião deles. Um (4,55%) recebe entre cinco e sete salários e outro (4,55%) mais que sete salários mínimos vigentes. A renda mensal familiar é proveniente do salário mensal, acrescida de outras rendas que o MS e/ou outro(s) membro(s) de sua família recebe. A maior parte das famílias ganha entre dois e quatro salários mínimos (54,55%), 31,82% recebem entre cinco e sete, três (13,63%), acima de sete salários mínimos.

Questionados sobre a existência de outra ocupação remunerada, 10 (45,45%) dos depoentes referiram que não a possuíam, cinco (22,72%) exercem a função de encanador/eletricista/pedreiro/pintor, dois (9,09%) informaram ser micro-empresários, dois (9,09%) motoristas em outros serviços, um (4,55%) montador de móveis, outro (4,55%) motorista particular/pedreiro ou realiza manutenção em serviços gerais, e um (4,55%) trabalha na fabricação de peças de motocicletas.

Observa-se que 12 (54,54%) dos MS exercem outra função remunerada, ou seja, executam trabalho extra, podendo-se inferir que, com essa rotina, não lhes sobra tempo suficiente para um adequado descanso, o que pode gerar cansaço e aumentar a probabilidade de AT, além de adoecimentos variados.

Em estudo sobre motoristas de transporte urbano, ficou evidente que as condições gerais de vida e de trabalho, bem como o ambiente laboral (ruído, poluentes variados, vibração), além de outros fatores, podem determinar diversas situações na vida dos trabalhadores, influenciando sua saúde de modo negativo(5).

Conforme já foi descrito anteriormente, em relação aos 19 AT sofridos por 13 MS, evidenciou-se que foram, basicamente, acidentes típicos. Nenhum esteve relacionado a colisões, apesar de os trabalhadores, no exercício de seu trabalho, permanecerem no trânsito, com carros que relataram ser deficientes em relação à manutenção. Estudo feito com trabalhadores de uma Unidade de Terapia Intensiva Móvel descreve que o MS deve ser o responsável direto pela manutenção e bom estado de conservação da viatura e, quando constatar alguma irregularidade, deve providenciar o seu conserto o mais rapidamente possível. É importante haver uma política de manutenção preventiva desses veículos, com reparos e trocas periódicas de peças, para evitar o desgaste excessivo e afastar a ambulância de suas atividades(14).

No presente estudo, o único relato de colisão foi em muretas de proteção entre as pistas da rodovia, porém, sem lesão de pacientes e nem do MS, é o que se segue.

(...) estava chovendo muito (...), mesmo eu estando andando em baixa velocidade, o carro derrapou (...) deu uma batidinha na mureta, mas não teve vítima fatal, nada (...). Eu estava com paciente na ambulância (...) encostei, tirei a ambulância da pista (...) primeiro eu fui socorrer os pacientes (...) graças a Deus não aconteceu nada (E11).

Com essa ausência lesional, o acidente não foi considerado como sendo um AT. O percentual de sujeitos acidentados é importante: 59% em relação aos 22 MS; desses 13 acidentados, cinco (38,46%) relataram ter sofrido mais que um AT e oito (61,54%) tiveram, cada um, um acidente, durante todo o tempo de trabalho. Dos 38,46% com mais de um evento acidentário, quatro sofreram dois cada um e um apresentou três AT, podendo ser considerados poliacidentados.

A ocorrência desses acidentes relaciona-se, possivelmente, ao fato de os MS não somente dirigirem veículos, mas executarem as funções dos trabalhadores dos SME, de auxiliar/socorrer as pessoas que vão transportar, tanto as que estão mais gravemente enfermas como as menos adoecidas, além de as deslocarem entre os serviços de saúde e suas residências, conforme explicitado anteriormente. Trabalham, então, executando tarefas diversas daquelas que lhe são devidas, com o agravante de não possuírem experiência e formação para tal.

A CA apresenta-se, por conseguinte, como prestadora de um vasto serviço social, pois oferece à população 24 horas diárias de atendimento e acaba preenchendo os vazios deixados por outros atores e instituições que atuam no domínio social(15).

Em relação aos AT possíveis de acontecer entre trabalhadores de UTI móveis, incluindo-se os motoristas, apontam-se os seguintes: falhas mecânicas da ambulância, deslocamento desse veículo no trânsito, espaço interno restrito, gravidade do atendimento, utilização de equipamentos biomédicos, instalação elétrica da ambulância ou equipamentos eletrônicos(14).

No presente estudo, oito (42,11%) dos AT entre os MS ocorreram em decorrência de excesso de exercícios e movimentos vigorosos ou repetitivos. Isso possivelmente acontece devido ao fato de eles trabalharem sozinhos e, constantemente, necessitarem solicitar o auxílio dos transeuntes e familiares dos pacientes a serem atendidos, os quais, às vezes, se recusam e/ou nem sempre conseguem ajudá-los. Encontram, muitas vezes, mulheres e crianças nas residências, sem força física suficiente para auxiliá-los a carregar as macas com os pacientes. Verbalizaram, então, que o esforço prejudica a sua coluna vertebral, tendo dores e outras queixas. Tais causas estão relacionadas ao carregamento de peso, conforme retratado a seguir.

(...) eu sofri um acidente uma vez (...) pegando maca sozinho (...) (E3).

(...) sofri um acidente (...) eu fui pegar uma senhora idosa, ela tinha caído no chão e era muito obesa (...) (E6).

(...) eu fui pegar um paciente e tinha escadaria (...) e a pessoa que tava ajudando não agüentou o peso, soltou o peso em cima de mim (...) (E17).

No estudo em questão, as queixas de lombalgias dos depoentes revelam que são ocasionadas, possivelmente, pelo esforço físico que o trabalhador faz para sustentar no colo, ou na maca, os pacientes que transportam. Isso se deve, então, ao excesso de peso que são obrigados a carregar sozinhos (peso da maca adicionado ao do paciente). Soma-se a isso a postura diária que é a de permanecerem sentados nos bancos dos carros ergonomicamente incorretos, acrescida, ainda, da vibração do motor. A esse respeito, estudo que realizou revisão de 14 anos da literatura sobre o adoecimento de motoristas, evidenciou 57% de prevalência de dor lombar em 2045 motoristas dinamarqueses, além de significativa taxa de intervenção hospitalar por hérnia de disco lombar. O sedentarismo e a vibração de corpo inteiro foram apontados como possíveis fatores contributivos para o desenvolvimento das lombalgias(5). De modo geral, os efeitos danosos das vibrações provocam no corpo humano, entre outros sintomas: cansaço, dores nos membros, dores na coluna, artrites, lesões ósseas, entre outros. A combinação da vibração e posição sentada é prejudicial à coluna vertebral(14), podendo provocar-lhe dores.

Sabe-se que os AT podem ocasionar danos físicos e/ou funcionais ou óbitos nos trabalhadores, além de prejuízos econômicos e materiais às empresas. Ferimentos podem acontecer pelo contato do indivíduo com um objeto, uma substância ou outra pessoa, porque se expõe aos riscos que envolvem esses objetos, substâncias, pessoas ou condições e, também, pelo movimento realizado por outrem(14).

Entre os MS, os AT estavam relacionados ao contato com pessoas e/ou objetos que eles encontraram/manipularam, em decorrência do exercício do seu trabalho. Em vários depoimentos, eles denunciaram o problema do excesso de peso da maca. A fim de se averiguar o peso desse equipamento, as macas foram pesadas pelos pesquisadores enquanto estavam vazias comprovando-se que uma delas, que é articulada e de alumínio, pesa 37 quilos e uma outra, mais simples, pesa 20 quilos. Adicionando-se o próprio peso da maca (37 quilos) com o de um paciente obeso, com 140 ou 160 quilos, por exemplo, situações essas relatadas pelos MS, estima-se que, em tais situações, chegam a carregar entre 177 e 197 quilos, respectivamente. Estudo brasileiro, realizado com a equipe de trabalho de uma Unidade de Terapia Intensiva Móvel, mostrou que muitas são as atividades de trabalho envolvendo levantamento, transporte e descarga de objetos e instrumentos pesados, acrescentando-se o transporte e movimentação de pacientes obesos e incapacitados de movimentação. A atividade de transportar pacientes exige esforço muscular exagerado, por si só, e pode ser agravada pelas más condições dos equipamentos e a falta de preparo técnico dos funcionários(14).

No presente estudo, caso o paciente pese cerca de 50 quilos, com a soma do peso da maca, o total a ser carregado chega a ser de 70 a 87 quilos, o que parece ocorrer costumeiramente na jornada laboral. Acresce-se o fato de que, muitas vezes, os MS encontram-se sozinhos carregando os pacientes, o que demonstra a realização do trabalho em condições de excesso de peso. Além disso, necessitam vencer obstáculos tais como escadarias, redes de esgoto e ruas sem pavimentação para transportar as pessoas até à ambulância e, depois, no hospital, auxiliar na sua remoção da maca para o leito ou maca hospitalar.

A legislação existente sobre ergonomia explicita o carregamento de peso, relacionando-o ao transporte manual de cargas e não de pessoas. Também não estipula o limite da carga a ser carregada pelo trabalhador(16).

Quanto às demais causas dos AT, se forem computados os diversos tipos de agressão, contabilizam cinco casos (26,33%), incluindo-se três por meio de força corporal (Y04) e duas por outros meios especificados (Y08), correspondendo, cada uma, a 15,8 e 10,53%. Essa situação retrata a violência que acontece, de modo global e, inclusive, no mundo do trabalho. Aquilo que é aquela que se origina no modo de produção e toma corpo na organização do processo laboral. Provoca desgaste, sofrimento, adoecimento e morte relacionada ao trabalho; o que é violento no trabalho acaba relacionando-se não ao labor propriamente entendido como tal, mas à sua estrutura organizacional, técnica e social(17).

Alguns exemplos de agressões sofridas pelos depoentes podem ser observadas nas seguintes falas.

(..) tive um problema com um paciente que me deu uma cotovelada (...) um alcoólatra e me deu uma cotovelada e uma cabeçada que arrancou sangue (...) fui socorrer ele no meio da rua, ele levantou e me agrediu (...) (E8).

(...) eu fui pegar um paciente (...) conforme eu peguei, o cara torceu (...) machucou um pouco, notei, eu trabalhei bastante (...) à noite inteira (...) (E15).

(...) fui buscar uma paciente alcoolizada, agressiva, gestante e portadora de HIV (...) ela arranhou (...) (E16).

(...) eu já fui mordido (...) por paciente psicótico (...) foi questão de fechar a porta e andar um quarteirão (...) ele agrediu a mãe dele, começou a dar soco (...) ele veio avançou em mim, já, eu tentei me defender e eu caí, tropecei na guia e caí (...) (E17)

(...) teve uma mordida que levei de um paciente psiquiátrico (...) (E 21).

Essas formas de comportamento agressivo ou abusivo que acontecem durante o trabalho podem causar danos físicos, psicológicos ou desconforto em suas vítimas, sejam esses alvos intencionais ou acidentais. A esse respeito, nos ultimos anos, os acidentes e a violência transformaram-se em importantes problemas, ocupando local de destaque nas estatísticas de saúde, além de sequelas e morte(17). Os MS foram agredidos então de várias formas pelos usuários aos quais procuravam atender.

Quanto aos AT ocasionados por quedas, a somatória e a contabilização dos impactos sobre os mesmos resultam em 10,52%, para cada uma dessas causas. As quedas de mesmo nível por escorregão, tropeção ou passos em falso (W01) (10,52%) encontram-se ilustradas nos depoimentos seqüenciais.

(...) parei no Hospital Municipal, tem aquela rampa, (...) conforme eu abri a porta, como é muito estreito ali eu escorreguei (...) (E11).

(...) acidente que aconteceu comigo foi (...) na porta do pronto-socorro, eu entrei na ambulância (...) e ao descer eu escorreguei (...) (E16).

O impacto causado por objeto projetado ou em queda (W20) e o impacto acidental ativo ou passivo causado por outros objetos (W22), compreendendo 5,26% cada um, podem ser melhor compreendidos, pelos relatos que se seguem

(...) foi quando a maca caiu em cima (...) eu fui buscar um paciente caído na rua e o paciente era obeso e precisava pôr na maca, aí eu pedi a um rapaz que tava passando (...) (E9).

(...) fui descer um paciente, um senhor (...) e a maca (...) caiu nas minhas perna (...) (E15).

Quanto à causa W54, referente à mordedura provocada por cão (5,26%), pode ser ilustrada pelo depoimento seguinte.

(...) um paciente psicótico (...) quando eu entrei na casa, (...) o cachorro veio por trás (...) " catou", mas "catou" legal mesmo (...) (E15).

A penetração de corpo estranho no/ou através de olho (W44) (5,26%) aconteceu, diante da seguinte circunstância.

(...) um parto que eu fiz (...) na hora de cortar o cordão umbilical eu cortei e o sangue voou dentro do meu olho (...) (E21).

Observa-se, de acordo com esse depoimento, que os MS encontram-se constantemente expostos ao risco de AT com material biológico estando, assim, em contato com diversos agentes causadores de doenças, como bactérias, fungos, bacilos, parasitas, protozoários e vírus entre outros(2,14). No depoimento em que o AT ocorreu devido ao contato com sangue, o trabalhador está exposto ao risco de adquirir doenças veiculadas pelo sangue, como a hepatite B e a síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA/AIDS).

Constata-se, então, pelos relatos das causas desses AT, que os MS da CA realizam SU. Algumas cidades do país têm o sistema de SU ou SME estruturado, cuja equipe conta com profissionais de saúde. No entanto, os motoristas da CA do presente estudo, sem a devida formação, acabam exercendo um desvio de sua função, ou seja, assumem tarefas dos trabalhadores da saúde, que deveriam compor a equipe das ambulâncias, fato preocupante, já que muitas vezes, não possuem sequer qualquer curso voltado à área de saúde. Dessa forma, as tarefas reais que realizam suplantam aquelas que lhes são prescritas; a falta de conhecimento que possuem, associada a seu desvio de função, pode levá-los a apresentar alguns adoecimentos semelhantes aos dos profissionais de saúde, como também aqueles transmitidos pela ausência de lavagem das mãos entre a manipulação de um paciente e outro.

Os cargos de motoristas de ambulância declarados na CA não indicam, portanto, a função real que desempenham, nem a verdadeira responsabilidade que possuem, já que realizam atividades mais complexas do que isso. As tarefas que realmente realizam não são apenas as prescritas para eles, pois entram nas casas dos pacientes, cuidam deles até sua chegada ao pronto-socorro, negociam com os pacientes/familiares a sua remoção para o hospital, acalmam os violentos e o desespero e a angústia das pessoas, chegando a fazer partos. Sem esses trabalhadores, que deveriam denominar-se "motoristas-atendentes-paramédicos-psicólogos-parteiros", a CA não funcionaria(15).

Nesse sentido, a exposição dos MS ao risco de ocorrência de AT encontra-se evidente. A organização e implantação de um SME pode minimizar essa situação, já que, em sua composição, há a previsão de uma equipe multidisciplinar ocupando muitas das funções realizadas atualmente, pela equipe de 22 MS do estudo em questão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os MS da CA atuam realizando atividades diversificadas, além das determinadas, em relação a conduzir veículos automotores. Efetivamente, tais tarefas diferem das prescritas, uma vez que eles acabam se envolvendo, também, na assistência à clientela, em contato próximo à mesma. Sendo assim, estão expostos aos riscos ocupacionais, além daqueles específicos para a sua categoria ocupacional. Pelas causas de AT que sofreram, evidencia-se que se encontram submetidos aos riscos biológicos, físicos, químicos e a situações antiergonômicas, entre outros, o que está em acordo com a literatura sobre o assunto(5,14).

Muitos dos AT relacionados a esses trabalhadores poderiam ser minimizados, caso houvesse uma equipe de trabalhadores de saúde especializada em atendimentos de urgência/emergência pré-hospitalar. Assim, não haveria necessidade de os motoristas de ambulância assumirem as funções outras que não a de dirigir tais veículos, arriscando-se e sofrendo AT, de diversas causas, e submetendo-se, também, a outros possíveis problemas capazes de alterar a sua saúde.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 18.4.2005

Aprovado em: 4.3.2007

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  • 1
    Trabalho extraído da Tese de Doutorado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      04 Mar 2007
    • Recebido
      18 Abr 2005
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