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Além da DOTS (Directly Observed Treatment Short-Course) no controle da tuberculose: interface e compartilhamento de necessidades

Resumos

O presente estudo buscou analisar os significados que trabalhadores da saúde apresentam sobre a estratégia no controle da tuberculose, e apontar alternativas que contribuam para o seu desempenho. Após aprovação do projeto por Comitê de Ética em Pesquisa, foram entrevistados 15 trabalhadores da saúde da Subprefeitura da Sé da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, de agosto a dezembro de 2004, por meio de roteiro semiestruturado. O estudo foi conduzido sob o referencial da hermenêutica-dialética e a teoria de determinação social do processo saúde-doença. A DOTS contribui para a adesão ao tratamento, promove a interface de encontro e conversa entre trabalhadores e usuários, no âmbito institucional e territorial, o que possibilita a identificação de necessidades de saúde e o encaminhamento para intervenções apropriadas. Um dos desafios de sua implementação é concretizar-se como espaço que permita apreender-decodificar-reconstruir significados em relação ao processo saúde-doença, incluindo o tratamento e os projetos de vida das pessoas acometidas pela tuberculose.

tuberculose; controle de doenças transmissíveis; relações profissional-paciente


This study analyzes meanings that health workers attribute to DOTS and points out alternatives that contribute to its performance. After the Research Ethics Committee approved the project, a semi-structured interview was applied to 15 health workers from the central region of the city of São Paulo, SP, Brazil between August and December 2004. This study used hermeneutic-dialectic reference and the theory of social determinants of the health-disease process. DOTS contributes to treatment adherence and promotes interfacing in encounters and conversations between workers and users at the institutional and territorial levels, which permits identifying health needs and implementing appropriate interventions. One of the main challenges to its implementation is to become a space that enables grasping, decoding and reconstructing meanings in relation to the health-disease process including the treatment and life projects of patients with tuberculosis.

tuberculosis; communicable disease control; professional-patient relations


El presente estudio buscó analizar los significados que los trabajadores de la salud presentan sobre la estrategia en el control de la tuberculosis, y apuntar alternativas que contribuyan para su desempeño. Después de la aprobación del proyecto por el Comité de Ética en Investigación, fueron entrevistados 15 trabajadores de la salud del Submunicipio de la Sé, de la Secretaría de Salud del Municipio de Sao Paulo, de agosto a diciembre de 2004, por medio de un guión semiestructurado. El estudio fue conducido bajo el marco de la hermenéutica dialéctica y la teoría de la determinación social del proceso salud enfermedad. La DOTS contribuye para la adhesión al tratamiento, promueve la comunicación de encuentros y conversa entre trabajadores y usuarios, en el ámbito institucional y territorial, lo que posibilita la identificación de las necesidades de salud y el encaminamiento para intervenciones apropiadas. Uno de los desafíos de su implementación es concretizarse como espacio que permita aprender, decodificar y reconstruir significados en relación al proceso salud enfermedad, incluyendo el tratamiento y los proyectos de vida de las personas acometidas por la tuberculosis.

tuberculosis; control de enfermedades transmisibles; relaciones profesional-paciente


ARTIGO ORIGINAL

Além da DOTS (Directly Observed Treatment Short-Course) no controle da tuberculose: interface e compartilhamento de necessidades

Alba Idaly Muñoz SanchezI; Maria Rita BertolozziII

IEnfermeira, Doutor, Professor da Facultad de Enfermería, Universidad Nacional de Colômbia, Colômbia, e-mail: aimunoz@unal.edu.co, lyiballa@usp.br

IIEnfermeira, Doutor, Professor Doutor da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: mrbertol@usp.br

RESUMO

O presente estudo buscou analisar os significados que trabalhadores da saúde apresentam sobre a estratégia no controle da tuberculose, e apontar alternativas que contribuam para o seu desempenho. Após aprovação do projeto por Comitê de Ética em Pesquisa, foram entrevistados 15 trabalhadores da saúde da Subprefeitura da Sé da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, de agosto a dezembro de 2004, por meio de roteiro semiestruturado. O estudo foi conduzido sob o referencial da hermenêutica-dialética e a teoria de determinação social do processo saúde-doença. A DOTS contribui para a adesão ao tratamento, promove a interface de encontro e conversa entre trabalhadores e usuários, no âmbito institucional e territorial, o que possibilita a identificação de necessidades de saúde e o encaminhamento para intervenções apropriadas. Um dos desafios de sua implementação é concretizar-se como espaço que permita apreender-decodificar-reconstruir significados em relação ao processo saúde-doença, incluindo o tratamento e os projetos de vida das pessoas acometidas pela tuberculose.

Descritores: tuberculose; controle de doenças transmissíveis; relações profissional-paciente

INTRODUÇÃO

Apesar de tantos anos após o descobrimento da terapêutica eficaz e de tantas tecnologias de saúde à disposição do mundo moderno, a tuberculose permanece no cenário epidemiológico mundial. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2005, houve 8,8 milhões de casos novos e ocorreram 1,6 milhões de óbitos devidos à doença(1-2).

A não adesão ao tratamento é um dos principais obstáculos ao controle da enfermidade, contribuindo para aumentar a possibilidade de transmissão do bacilo, além da probabilidade de resistência aos fármacos, e de ocasionar maior chance de recidivas(3).

A OMS define como abandono o tratamento interrompido durante dois meses consecutivos. A mesma Organização aponta, ainda, estar bastante documentado que pelo menos 30% de todos os pacientes que recebem medicação, por meio da modalidade de tratamento autoadministrado, não aderem à terapêutica nos primeiros dois ou três meses. A consequência imediata da precária adesão é a falência do tratamento e um dos resultados, em termos de saúde pública, conforme anteriormente mencionado, pode ser a emergência da multirresistência, um dos problemas mais importantes a ser enfrentado pela saúde pública(4).

Várias situações têm sido associadas à adesão ao tratamento e envolvem barreiras sociais, culturais, demográficas, assim como aquelas relacionadas ao processo de produção de serviços de saúde, além de problemas relacionados aos medicamentos. A situação social precária dos doentes, a falta de tempo disponível para a procura de assistência e a falta de informação acerca da enfermidade e do tratamento, além de, muitas vezes, difícil relacionamento entre a equipe de saúde e os doentes, são outros fatores chave para a não adesão ao tratamento da tuberculose(5).

Em estudo para analisar a adesão à DOTS, na Índia, verificou-se a necessidade de orientar as investigações em relação à doença, aos doentes e aos trabalhadores da saúde, fundamentais nesse processo. Os pesquisados apontam que a pesquisa pode orientar as práticas de saúde, além de políticas efetivas e sustentáveis para o controle da enfermidade(6).

Tendo em vista a difusão da estratégia da DOTS no Brasil, como estratégia para melhorar a adesão e com a finalidade de aprimorar os indicadores de morbimortalidade em relação à tuberculose, o presente estudo buscou analisar os significados que trabalhadores da saúde apresentavam sobre a estratégia e a sua influência na adesão ao tratamento. Também buscou apontar alternativas que contribuam para o desempenho do Programa de Controle da Tuberculose.

MÉTODO

O referencial teórico do presente estudo pauta-se em duas linhas de sustentação: a hermenêutica-dialética e a determinação social do processo saúde-doença. A hermenêutica "(...) ocupa-se da arte de compreender textos, o termo 'texto' é aqui usado num sentido amplo: biografia, narrativa, entrevista...". Funda-se na compreensão e, no caso do presente estudo, na compreensão dos depoimentos dos protagonistas do processo de produção da saúde em relação à tuberculose. É intimamente relacionada à intersubjetividade, que se refere à "capacidade de colocar-se no lugar do outro"(7).

A hermenêutica exige compreender o todo a partir da parte e o contrário, surgindo assim, uma relação circular: "(...) a antecipação do sentido que visa o todo chega a uma compreensão explícita através do fato de que as partes que se determinam a partir do todo determinam, por sua vez, esse todo"(8). Assim, a compreensão ocorre quando há consistência entre o geral e o particular.

O conceito de dialética relaciona-se à crítica, à mudança, à contradição. Os princípios que o método dialético adota focalizam a vertente processual e o encadeamento dos processos em espiral, sempre em renovação, nunca iguais: as coisas se compõem na contradição(9). A articulação entre as duas abordagens, a dialética e a hermenêutica, permite proceder à análise da realidade, havendo dependência e complementariedade entre ambas.

A teoria da determinação social do processo saúde-doença se constitui como outra linha de sustentação teórica, uma vez que tal processo está intrinsecamente articulado à estruturação da sociedade: "(...) as condições e possibilidades individuais fundem-se num todo social, numa média geral ou resultante comum, que não anula a participação individual, já que os contigentes dos indivíduos contribuem para esse resultante"(10).

Assim, o caráter social do processo saúde-doença pode ser verificado empiricamente na expressão do perfil patológico dos grupos humanos e de suas diferenças nos espaços sociais, que se distinguem pela forma particular como se relacionam às formas de trabalho e de desenvolvimento da vida.

Partindo-se dessa premissa, foram analisados os depoimentos de profissionais de saúde, envolvidos na atenção básica, e depoimentos dos responsáveis pelas ações de assistência e vigilância epidemiológica das seguintes unidades básicas de saúde que tinham implementada a estratégia DOTS: Unidade Básica de Saúde (UBS) Dr.Humberto Pascalli - Santa Cecília, UBS Alexandre Vranjac - Barra Funda, UBS Dr.João de Azevedo Lage - Humaitá, UBS Cambuci, UBS Dr.Armando D.Arienzo e Serviço de Assistência Especializada de DST/AIDS de Campos Elíseos.

Tais unidades de saúde integravam a Coordenadoria de Saúde Centro-Oeste, Subprefeitura da Sé, da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo que, na ocasião da coleta dos dados, era integrada pelos Distritos Administrativos: Bela Vista, Bom Retiro, Cambuci, Consolação, Liberdade, República e Santa Cecília, com o total de 339 269 habitantes(11-12). Tal região foi escolhida tendo em vista a magnitude com que se apresentava a tuberculose no momento da pesquisa, com taxa de incidência de 169,1 por 100 000 habitantes, além das precárias condições de vida e de trabalho da maior parte da população residente.

O projeto foi inicialmente submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, tendo sido aprovado (Registro 213/2004). Os trabalhadores foram convidados a participar do estudo, mediante o termo de consentimento livre e esclarecido, o qual assinaram. Os dados foram coletados em entrevistas, gravadas, tendo sido mantido o sigilo da identidade do depoente e todos os demais cuidados constantes da Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(13).

O número de sujeitos que integrou o estudo não foi definido a priori, em virtude da metodologia adotada, sendo seu limite identificado por ocasião da repetição das informações contidas nos depoimentos.

O instrumento para a realização da entrevista consistiu de roteiro semiestruturado que foi submetido a teste piloto e, posteriormente, analisado por pesquisador qualificado antes de se iniciar a coleta dos dados. Algumas questões que orientaram o roteiro da entrevista foram as seguintes: fale a respeito de seu dia a dia aqui no serviço. Como é lidar com pessoas com tuberculose? Fale a respeito do tratamento diretamente supervisionado. Quais são os pontos positivos (facilidades) do tratamento supervisionado? Quais são os pontos negativos (dificuldades) do tratamento supervisionado? Como esses pontos podem ser superados? O tratamento supervisionado contribui para a adesão ao tratamento?

Os depoimentos foram analisados segundo técnica de análise de discurso, apoiada na Teoria Gerativa de Sentido. Essa pressupõe que o discurso tem uma estrutura, a sintaxe, que apresenta tanto certa autonomia em relação às formações sociais como à semântica discursiva, mais dependente dessas e que se refere à estrutura das determinações inconscientes, ou seja, à dimensão ideológica(14).

Todos os depoimentos foram analisados procurando-se a racionalidade e seu sentido, com foco na saúde-doença, no tratamento, com ênfase no tratamento diretamente supervisionado e na adesão ao tratamento.

A profundidade e a literalidade das falas dos sujeitos foram privilegiadas por meio de várias leituras de cada depoimento, buscando-se os temas e as figuras subjacentes. Os depoimentos foram sintetizados em frases temáticas, que foram agrupadas segundo as categorias analíticas, constituindo um corpus temático.

As entrevistas foram gravadas e a coleta dos dados ocorreu no período de agosto a dezembro de 2004.

RESULTADOS E DISCUSSAO

Foram entrevistados 15 profissionais de saúde: 6 eram auxiliares de enfermagem, 5 enfermeiras e 4 médicos.

Os significados atribuídos à tuberculose pelos trabalhadores da saúde permitiram verificar atitudes e conhecimentos que ainda revelam estigma e medo em relação à enfermidade. Permitiram, ainda, visualizar a condição de precariedade social da maior parte dos usuários atendidos nas unidades básicas de saúde que compuseram o presente estudo, os quais, em geral, em parcela expressiva, eram moradores de rua e usuários de albergue.

As seguintes potencialidades em relação à DOTS foram apontadas pelos trabalhadores entrevistados:

- propicia o vínculo, o diálogo, o compartilhamento entre o profissional e o doente;

- permite identificar as necessidades dos doentes;

- a possibilidade de inserção social, no caso de moradores de rua e de usuários de albergue;

- diminui a possibilidade de recidiva da doença;

- contribui para a correta administração dos medicamentos;

- diminui a resistência aos medicamentos;

- é espaço para oferecer informações de cunho educativo.

Por outro lado, também foram apontadas limitações da estratégia, que se referem mais especificamente à sua operacionalização, como:

- número de funcionários restrito e falta de equipes interdisciplinares;

- a restrição dos incentivos (lanche, cesta básica) frente às necessidades dos doentes;

- a resistência de alguns profissionais de saúde na assistência aos pacientes;

- as deficiências na rede de referência e o sistema de informação em saúde;

- deficiências na infraestrutura das unidades, principalmente no que se refere ao espaço físico, acarretando limitações nas ações de biosegurança;

- a sobrecarga de trabalho, em decorrência das ações burocráticas que integram o tratamento supervisionado, como o preenchimento de impressos e a entrega de vale-transporte.

Ainda que com tais limitações, verificou-se que a DOTS, no encontro entre sujeitos: profissional de saúde-paciente, pode se constituir como espaço para a manifestação de subjetividades e, nesse sentido, pode ajudar a resgatar as potencialidades para a vida das pessoas acometidas pela tuberculose durante os encontros no cotidiano. Ao mesmo tempo, possibilita a identificação de vulnerabilidades e de necessidades que podem ser trabalhadas processualmente, orientadas para a busca de sua superação(15).

A carência de condições objetivas que sustentam o desenvolvimento da vida digna da maior parte das pessoas enfermas deve ser considerada como questão fulcral no entendimento da tuberculose. Não se pode deixar de apreendê-la e, assim, defende-se que os trabalhadores da saúde possam se valer de instrumentos como a DOTS, permitindo extrapolar a escuta e as intervenções para além da abordagem unívoca, participando da construção solidária de projetos de cidadania, integrando diferentes saberes disciplinares, dado que se trata de atender às necessidades de pessoas portadoras de vulnerabilidades.

Sob a proposta da regionalização, contida no Sistema Único de Saúde brasileiro, as unidades básicas de saúde apresentariam capilaridade para interpenetrar no território onde se concretiza a vida e o trabalho de seus usuários. Assim, a DOTS seria um instrumento a ser acrescentado para a captação de necessidades e para a implementação de alternativas para a superação do momento de adoecimento. As demandas de saúde que emergem nesses cenários vão além daquelas biomédicas, o que aponta para a necessidade de ações em equipe multiprofissional. Mais ainda, a DOTS poderia de fato configurar-se como tecnologia relacional(16).

Inspirando-se no modelo proposto(17), apresenta-se, através da Figura 1, que a DOTS pode se constituir como uma "interface". O autor, recorrendo a Pierre Levy, estudioso do tema da inteligência coletiva, aponta que: "[...] Toda interface condiciona o modo da captura da informação que é oferecida aos atores da 'comunicação' que ela torna possível. Ela abre ou fecha e, sobretudo, ela orienta os domínios de ação e significação (emoções e linguagem), as utilizações possíveis daquele 'meio' que 'interfaceia' [...]".


A DOTS está posta nos serviços de saúde dotados do Programa de Controle da Tuberculose e tais serviços se constituem como "rede de interfaces"(17). Assim, a estratégia também se configura como interface, compondo-se de outras interfaces, pois está interligada a outras atividades/setores que, por sua vez, são influenciadas por outras interfaces internas e externas ao serviço.

Assim a DOTS é proposta, neste estudo, como uma possibilidade de interface na rede que integra o processo de produção da saúde (Figura 1).

Nessa Figura, o círculo nuclear corresponde à DOTS, os círculos que lhe seguem podem ser interpretados como os diferentes serviços, meios e instrumentos que integram as unidades básicas (UBS): a consulta médica, de enfermagem, o laboratório, os programas de saúde, entre outros. Todos esses interagem com o Programa de Controle da Tuberculose. Os círculos que se seguem representam interfaces de âmbito mais macro e que se referem à relação entre a UBS e outros equipamentos, de saúde e sociais (igrejas, escolas, e outros), ademais, do círculo que integra os saberes, os conhecimentos para agir sobre o complexo tema da saúde.

A operacionalização da DOTS tem a potencialidade de se aproveitar dos encontros(16), da conversa, da relação e essa interface deve estar pautada pela abertura e disponibilidade para a apreensão das necessidades dos indivíduos que apresentam a enfermidade em questão. O encontro cotidiano entre sujeitos possibilita desenvolver, nessa interface, o acolhimento como processo de compartilhamento(18), acoplamento, contato e pactuação entre o trabalhador e o usuário na promoção da autonomia desse último, no cotidiano de suas vidas, sempre tendo em vista a dupla face indivíduo/coletivo.

Assim, o grande desafio da DOTS, além de contribuir para a adesão ao tratamento da tuberculose, é concretizar-se como espaço que permita apreender-decodificar-reconstruir significados em relação ao processo saúde-doença, incluindo o tratamento e os projetos de vida das pessoas acometidas pela tuberculose. Assim, a adesão é concebida aqui como processo de não imposição, mas de intercâmbio, de encontro, que tome a compreensão da realidade de vida como disparador para responder às necessidades sociais e de saúde(16).

A análise dos depoimentos dos trabalhadores de saúde evoca, ainda, a necessidade de revisar as políticas e estratégias para o enfrentamento da tuberculose, dentre as quais a forma como se dá o processo de assistência em saúde nas unidades básicas, uma vez que a problemática social do doente vai além do biológico, do âmbito individual e das medidas farmacológicas. Não se pode desconhecer os esforços concentrados para operacionalizar a estratégia DOTS nos municípios considerados prioritários(19). No entanto, é imperativo rever o gerenciamento dos recursos e o planejamento das ações de saúde para o oferecimento da DOTS em diferentes cenários, além da unidade básica, melhorando o acesso a outros níveis e serviços do sistema de saúde, tendo em conta as necessidade sociais dos doentes e suas famílias(20).

Há que se afirmar, entretanto, que a adoção e a operacionalização da DOTS não substituem a necessidade de transformar radicalmente os processos que geram o adoecimento, nesse caso, a tuberculose. Ações meramente pontuais e que tomem os indivíduos como unidades aritméticas, alvo tradicional das ações programáticas de maneira geral, não atingirão as metas propostas pelos governos e organismos internacionais em relação ao controle da doença, além de pouco contribuir para a continuidade do sofrimento dos doentes.

No caso específico da tuberculose, o trabalhador de saúde atua no cotidiano do processo de produção da saúde nas unidades básicas de saúde com pessoas que, de forma predominante, se encontram em condição de pobreza e alguns próximos da exclusão social. Esse encontro é oportunidade a ser aproveitada pela equipe para compartilhar informações que orientem as pessoas acerca do processo saúde-doença, sobre o funcionamento do sistema de saúde, sobre os direitos que deve reivindicar, exercer e defender.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desenvolvimento deste estudo permitiu evidenciar as potencialidades da DOTS nas unidades de saúde estudadas. A principal fortaleza que emerge da DOTS, além da contribuição para a melhora dos indicadores de adesão ao tratamento, refere-se à possibilidade de fazer aflorar necessidades de saúde que podem ser alvo de construção de intervenções conjuntas, entre os trabalhadores de saúde e os doentes.

Por outro lado, há que se apontar as muitas lacunas na organização dos serviços de saúde que devem ser captadas, compreendidas e objeto de transformação, dentre as quais o fato de que as estruturas hierárquicas precisam se transformar em interfaces, em encontros, nos quais sejam reconhecidos os aportes que cada categoria profissional pode oferecer no cotidiano dos serviços de saúde.

A tuberculose, como produto social, requer ser entendida pelos trabalhadores como decorrente da forma como se organiza a sociedade e não como um estado decorrente de comportamentos individuais. O trabalho dos profissionais de saúde, orientado para o estabelecimento do vínculo com o doente, requer a superação da tradicional concepção de saúde-doença, ademais, buscando operacionalizar a prática do cuidado democrático, responsável, respeitoso e empático, tendo em conta a realidade de vida do doente, incentivando a sua participação ativa e crítica no cotidiano do processo de atenção, na adesão ao tratamento e na construção de projetos de vida.

A DOTS, no Programa de Controle da Tuberculose, deve seguir os princípios doutrinários que regem o Sistema Único de Saúde. Nesse, a saúde é tomada como direito de cidadania, sendo esse preceito um avanço que permite vislumbrar a esperança de reconstrução, transformação e reorientação das políticas e práticas de saúde. É no espaço das unidades básicas de saúde e no território onde se localizam que os trabalhadores de saúde devem visualizar os usuários como sujeitos portadores de vulnerabilidades e de potencialidades. Essa é uma das formas de superar a naturalização do processo saúde-doença e legitimar a saúde como direito no cotidiano das práticas de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2009
  • Data do Fascículo
    Out 2009

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2008
  • Aceito
    18 Jun 2009
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