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Liderança em enfermagem: análise do processo de escolha das chefias

Resumos

O processo de escolha de dirigentes reveste-se de importância estratégica para o alcance dos resultados desejados do cuidado de enfermagem. Este estudo apresenta pesquisa exploratória, descritiva, com o objetivo de analisar o processo de escolha de chefias de unidade, na área de enfermagem de um hospital de ensino, tendo-se coletado dados com enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, mediante entrevista semiestruturada e evocação livre de palavras. Da análise de conteúdo, emergiram três categorias temáticas: processo de escolha de chefias, competências gerenciais do futuro chefe e articulação da equipe. Liderança compreendeu a palavra mais frequentemente associada ao processo de escolha de chefia. O processo consultivo para a escolha dos chefes contribui para o sucesso da gestão, pois corresponsabiliza os membros da equipe pelos resultados alcançados e legitima o futuro chefe em seu grupo.

Liderança; Gestão em Saúde; Equipe de Enfermagem; Comportamento de Escolha


The process of choosing heads can be strategic to achieve desired results in nursing care. This study presents an exploratory and descriptive research that aims to analyze the process of choosing heads for the ward, in the nursing area of a teaching hospital in Porto Alegre. Data was collected from registered nurses, technicians and nursing auxiliaries through a semi-structured interview technique and free choice of words. Three theme categories emerged from content analysis: process of choosing heads, managerial competences of the head-to-be and team articulation. Leadership was the word most frequently associated with the process of choosing heads. The consultation process for the choice of the leader also contributes to the success of the manager, as it makes the team members feel co-responsible for the results achieved and legitimizes the head-to-be in their group.

Leadership; Health Management; Nursing, Team; Choice Behavior


El proceso de elección de dirigentes se reviste de importancia estratégica para el alcance de los resultados deseados en el cuidado de enfermería. Este estudio presenta una investigación exploratoria descriptiva, con el objetivo de analizar el proceso de elección de jefes de unidad, en el área de enfermería de un hospital de enseñanza, habiendo recolectado datos con enfermeros, técnicos y auxiliares de enfermería, mediante entrevista semiestructurada y evocación libre de palabras. Del análisis de contenido, emergieron tres categorías temáticas: 1) proceso de elección de jefes, 2) competencias administrativas del futuro jefe y, 3) articulación del equipo. La palabra liderazgo fue la más frecuentemente asociada al proceso de elección de jefes. El proceso de consulta para la elección de jefes contribuye para el éxito de la administración, ya que responsabiliza a los miembros del equipo por los resultados alcanzados y otorga legitimidad al futuro jefe del grupo.

Liderazgo; Gestión en Salud; Equipo de Enfermería; Comportamiento de Elección


ARTIGO ORIGINAL

Liderança em enfermagem: análise do processo de escolha das chefias

Gisela Maria Schebella Souto de MouraI; Ana Maria Müller de MagalhaesII; Clarice Maria Dall'agnolIII; Beatriz Cavalcanti JuchemIV; Daniela dos Santos MaronaV

IDoutor em Administração, Professor, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. Núcleo de Estudos sobre Gestão em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: giselasm@terra.com.br

IIEnfermeira, Doutoranda e Professor, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: amagalhaes@hcpa.ufrgs.br

IIIDoutor em Enfermagem, Professor, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. Núcleo de Estudos sobre Gestão em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: clarice@adufrgs.ufrgs.br

IVEnfermeira, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. Doutoranda, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. Núcleo de Estudos sobre Gestão em Enfermagem, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: bjuchem@hcpa.ufrgs.br

VEnfermeira, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. Mestranda, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: dmarona@hcpa.ufrgs.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O processo de escolha de dirigentes reveste-se de importância estratégica para o alcance dos resultados desejados do cuidado de enfermagem. Este estudo apresenta pesquisa exploratória, descritiva, com o objetivo de analisar o processo de escolha de chefias de unidade, na área de enfermagem de um hospital de ensino, tendo-se coletado dados com enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, mediante entrevista semiestruturada e evocação livre de palavras. Da análise de conteúdo, emergiram três categorias temáticas: processo de escolha de chefias, competências gerenciais do futuro chefe e articulação da equipe. Liderança compreendeu a palavra mais frequentemente associada ao processo de escolha de chefia. O processo consultivo para a escolha dos chefes contribui para o sucesso da gestão, pois corresponsabiliza os membros da equipe pelos resultados alcançados e legitima o futuro chefe em seu grupo.

Descritores: Liderança; Gestão em Saúde; Equipe de Enfermagem; Comportamento de Escolha.

Introdução

A continuidade da assistência é uma das características do trabalho da enfermagem, na área hospitalar, em que profissionais se alternam em turnos de trabalho sequenciais, para assegurar a manutenção do atendimento aos usuários, nas 24 horas do dia. Nesse âmbito, a produção dos cuidados de enfermagem resulta do trabalho em equipe e configura-se como dinâmica que transcende o simples somatório de esforços individuais. Para alcançar resultados qualificados de cuidado, é imprescindível que haja padrão de liderança igualmente compatível na equipe de trabalho. Essa, por sua vez, é impulsionada e potencializada, quando pode contar com coordenação estratégica e integradora, capaz de articular o trabalho coletivo, visando o alcance de objetivos comuns.

Nessa direção, pressupõe-se a inequívoca habilidade de liderança que deveria perpassar o papel do chefe, embora nem todo chefe seja líder(1). O termo chefe ou gerente usualmente remete à ocupação de um cargo, embora só o cargo não torne alguém líder. São os comportamentos e as atitudes que revelam se uma pessoa, de fato, ocupa posição de liderança(1). Mesmo assim, nas organizações, esperar que todo chefe seja um líder converte-se em regra de ouro.

Além disso, no estágio atual das relações de trabalho, vem-se conferindo especial importância a equipes líderes e proativas, com fomento de arranjos organizacionais mais colegiados e participativos que democratizem a gestão(1-3). Essa condição reforça a necessidade de olhar atento aos processos de condução aos cargos de chefia, na área de enfermagem. Cogita-se que, de alguma forma, a (re)produção do imaginário das equipes sobre essa questão tão relevante repercuta no perfil e no respectivo preparo dos enfermeiros para a ocupação dos cargos formais estratégicos, na estrutura hospitalar. Em alguns contextos(4-5), inclusive, vem-se falando no preparo do staff de enfermagem, em resposta ao planejamento da sucessão de enfermeiros, em posições administrativas que usufruem de visibilidade e de influência nos fluxos ascendente, descendente e horizontal da vida organizacional.

Nesses processos, também é preciso levar em conta o papel de dupla representação, que recai no enfermeiro em cargo de chefia/gerência: de um lado, ele lida com necessidades e expectativas do grupo de trabalho sob sua coordenação; de outro, depara-se com necessidades e expectativas que são demandadas pela própria instituição, em prol dos objetivos organizacionais. Nesse sentido, o desafio de gerenciar unidades de serviços de saúde desencadeia repercussões entre esses trabalhadores da linha de frente que, em meio às dificuldades do cotidiano, passam a confrontar a liderança exercida pelo enfermeiro(6).

Diante dessas considerações e da relevância dos hospitais de ensino como modelo de práticas e construção de conhecimento em saúde, o presente estudo busca contribuir para aprimorar os processos gerenciais, o que pode se refletir em melhores resultados para pacientes e profissionais.

O objetivo geral do estudo consistiu em analisar o processo de escolha de chefias de unidade, na área de enfermagem, de um hospital de ensino. Os objetivos específicos foram: identificar critérios utilizados pelos diferentes segmentos que compõem as equipes (enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem), na escolha dos candidatos, descrever estratégias utilizadas para articular a eleição e, por fim, conhecer expectativas em relação ao futuro chefe.

No hospital que serviu de cenário para o estudo, o processo de escolha de chefias de unidade ocorre por meio de uma proposta participativa, em que enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem participam da escolha de sua chefia, no setor onde trabalham, através do voto. Isso ocorre na perspectiva de um processo consultivo e, como tal, não se reveste de autonomia excludente, pois os resultados dessas consultas compõem listas nominais, geralmente tríplices, para serem apreciadas pela administração central (AC). Uma das prerrogativas da AC, quanto à decisão final, diz respeito a eventuais empates entre candidatos, por ocasião do processo consultivo, além de outras situações específicas. Apesar dessa configuração, ao longo de sucessivas gestões, o voto consultivo tem sido bastante definidor na escolha dos enfermeiros para esses cargos de chefia.

Cabe ressaltar que o processo participativo para a escolha de dirigentes não é alternativa que se esgota em si mesma na solução dos problemas organizacionais. A participação pressupõe maturidade, preparo e comprometimento de todos os envolvidos para que os resultados sejam positivos. O "eleitor" precisa ter consciência da importância de seu "voto" e capacidade para discriminar potencialidades e fragilidades dos candidatos, no que concerne a atributos de liderança, para o satisfatório exercício da chefia.

Método

A reflexão em torno do tema conduziu ao desenho de investigação do tipo exploratória e descritiva. Estudos exploratórios permitem que o pesquisador avalie situações relacionadas aos comportamentos humanos, identificando variáveis relevantes, estabelecendo prioridades e sugerindo hipóteses de pesquisa. Esses estudos raramente representam um fim em si mesmo, desvelando possibilidades para outras investigações sobre o tema(7-8). A pesquisa descritiva tem a finalidade de observar, descrever e documentar os aspectos de uma situação(9).

Local de realização e sujeitos

O estudo foi realizado em um hospital de ensino, integrante da rede de hospitais do Ministério da Educação. Na época do estudo, o hospital contava com 749 leitos e aproximadamente 4.416 funcionários, dos quais 1.841 eram da enfermagem e, desses, 441 eram enfermeiros. Entre os 284 professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, diretamente envolvidos na condução de processos e atividades que movem a estrutura organizacional, contavam-se 28 docentes de enfermagem.

Os sujeitos totalizaram 62 profissionais da área de enfermagem, aí incluídos enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, integrantes dos 34 setores, comumente designados como unidades.

Para compor a amostra, foi realizado um sorteio, adotando-se como critério de inclusão ter participado como "eleitor", no último processo consultivo de escolha de chefias de unidade. Foram excluídos enfermeiros que vinham ocupando esse cargo por ocasião da coleta de dados e funcionários em licenças prolongadas ou em férias.

Coleta de dados e procedimentos de análise

A coleta de dados ocorreu entre junho e setembro de 2009, durante a jornada de trabalho dos entrevistados, em uma sala da unidade, sendo assegurada a privacidade da entrevista. As entrevistas oscilaram entre quinze e vinte minutos e foram realizadas pela equipe do projeto.

O procedimento, mediante gravação em áudio, era iniciado com a técnica de associação livre, solicitando-se que os sujeitos dissessem livre e rapidamente palavras relacionadas à pergunta indutora: "quais as três primeiras palavras que lhe vêm à cabeça quando você escuta a expressão processo de escolha de chefias de unidade?". Na sequência, ocorria a entrevista, mediante roteiro composto de questões semiestruturadas. Ao participante era solicitado que expressasse livremente sua opinião e relatasse a vivência sobre o tema em estudo, destacando critérios utilizados na escolha da chefia de unidade, estratégias empregadas nesse processo e expectativas em relação ao futuro chefe.

Após transcrição literal das informações, procedeu-se à análise categorial temática(10), com a agregação de informações oriundas da associação livre de palavras e das questões semiestruturadas da entrevista. Em um primeiro momento, procedeu-se à quantificação simples das palavras evocadas pelos sujeitos, conforme a ordem de importância por eles atribuída. Posteriormente, averiguaram-se pontos de convergência e reforço, bem como de complementaridade explicativa na interlocução desse conteúdo com os depoimentos que emanaram dos relatos, nas entrevistas. Os resultados foram agrupados em três categorias temáticas.

Precauções com aspectos éticos do estudo

O projeto de pesquisa tramitou no Comitê de Ética em Pesquisa da instituição onde foi realizado o estudo, e foi homologado sob no07-275.

Para a gravação em áudio das entrevistas, obteve-se anuência dos sujeitos, mediante assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Para manter o anonimato das informações, as falas dos sujeitos foram codificadas em números, seguindo o ordenamento das entrevistas.

Apresentação e discussão dos resultados

Na técnica de evocação livre, liderança foi a palavra mais mencionada pelos entrevistados: apareceu 22 vezes como palavra relacionada à expressão "processo de escolha de chefias de unidade", dentre 185 manifestações. Quando analisada por posição – primeira, segunda e terceira –, igualmente foi a mais citada.

A frequência de aparição da palavra sugere intensa relação de significados entre os termos chefia e liderança. Esse fato pode, de um lado, indicar confusão conceitual, advinda do senso comum, entre os dois termos, como referido na introdução deste artigo; de outro, apontar a liderança como competência necessária ao futuro chefe.

Com relação às demais palavras, observou-se um conjunto que foi mencionado entre duas e cinco vezes por posição. Algumas focavam no processo de escolha de chefias: por exemplo, democrático, escolha, grupo, eleição, mudança; enquanto outras, nas competências gerenciais do futuro chefe: por exemplo, competência, conhecimento, responsabilidade, seriedade, confiança, imparcialidade, entender, humanização. As demais palavras mencionadas foram verbalizadas apenas uma vez, constituindo um universo bastante heterogêneo, o que não permitiu a configuração de uma categoria.

A análise de conteúdo das perguntas abertas referendou a classificação dos dois grupos acima mencionados e acrescentou uma terceira categoria emergente, qual seja, a forma de articulação da equipe para o processo de escolha de chefia.

A seguir, descrevem-se as três categorias construídas a partir da análise das informações emanadas das entrevistas semiestruturadas. A transcrição literal de trechos das entrevistas foi utilizada para ilustrar as categorias.

Processo de escolha de chefias: um processo dinâmico

Os profissionais de enfermagem, ao se referirem à escolha de chefias de enfermagem, enfatizam o aspecto dinâmico, democrático e participativo desse processo. A construção desse espaço é percebida por alguns como um diferencial da enfermagem em relação às outras áreas do hospital, onde a escolha das chefias não segue um modelo consultivo, e não há discussão ou participação na definição de nomes para ocupar os cargos gerenciais que irão liderar o trabalho das equipes. Os trechos que seguem ilustram essa ideia.

No hospital, é o único serviço que é a enfermagem que faz esse processo de escolha e isso eu acho superimportante, porque ele é democrático, digamos assim [...]. Tem como escolher (10). Então o processo consultivo é uma das maneiras de a gente expressar através de um voto a insatisfação ou a satisfação que a gente tá com aquela pessoa ou a pessoa nova que vai entrar num cargo de chefia (15).

Apesar de ser destacado o aspecto democrático e participativo, também surgem críticas às conduções em algumas unidades, quando é manifestada a existência de sentimentos de medo e de opressão por parte das próprias chefias, dos enfermeiros e, em alguns casos, dos próprios colegas, no momento em que se articulam na defesa do nome de um candidato. Isso foi verbalizado por um auxiliar de enfermagem, no trecho a seguir.

Teve unidades aí em que a chefia anterior pressionou, intimidou o pessoal pra votar na pessoa que ela queria que [...]. Nós não tivemos esse problema, mas sabemos que teve unidades que o pessoal foi pressionado (23).

A ideia de equipe e da liderança como fenômeno construído em grupo também permeia as falas dos respondentes. Nesse sentido, as seguintes falas assinalam a importância de participar da escolha da própria chefia, e indicam que esse processo mobiliza os membros do grupo para definir suas lideranças.

[...] tu podes escolher as pessoas que tu te identifica melhor e ajudar nesse processo. Porque eu acho que a liderança não acontece sozinha, ela tem que ter o trabalho do grupo (10). [...] maravilhoso. Porque eles te dão a oportunidade de escolher, né. Não é uma coisa imposta (3).

As experiências com o processo de escolha de chefias, de forma eletiva ou consultiva, são retratadas como importantes para o crescimento do grupo, mas também são apontadas experiências em que as chefias escolhidas não permaneceram nos cargos, demonstrando uma fragilidade do processo ou um despreparo das lideranças, tanto para assumir cargos de coordenação do trabalho em equipe como da equipe de trabalho para indicar uma liderança capaz de assumir os encargos de chefia de unidade. Essa ideia é ilustrada nos trechos a seguir.

Porque todas as outras vezes não deu certo, as pessoas renunciaram. E eu vim pra cá, a pessoa que ganhou aqui também renunciou (3). [...] talvez mais pessoas pensando juntas, das pessoas poderem votar sem medo (17).

Quando descrevem o processo de escolha das chefias ou definem os critérios para essa escolha, os respondentes manifestam a importância de manter esse tipo de participação da equipe de trabalho. No entanto, é levantada, como fator obstaculizador do processo, a carência de lideranças nos grupos de trabalho, pelo fato de, em vários momentos, haver apenas uma candidata para concorrer à chefia. A presença de apenas um candidato é descrita como fator que contribui para a diminuição das oportunidades de debate e de discussão, as quais são vistas pelos participantes do estudo como forma de expressar os anseios dos membros da equipes e de comprometer os candidatos com a construção conjunta de propostas para a área. A ocorrência de situações com duas ou três candidatas foram enunciadas poucas vezes, como pode ser visto nas verbalizações que seguem.

Esse já é o terceiro processo de eleição de que eu participo. O primeiro processo que foi quando eu entrei no hospital, tinha mais candidatas. Tinha, pelo menos, umas três candidatas, quando eu trabalhei na unidade de internação pediátrica. Depois, os outros dois processos foram aqui, e aí tinha apenas uma única candidata [...] (9). [...] de tudo e também porque não tinha muito a outra opção, entre as que a gente via aqui como chefia, o pessoal não via nas outras alguém que pudesse ser uma chefe e tal (11).

O processo participativo é um dos caminhos disponíveis para a identificação de lideranças. Ele conta com a perspicácia dos membros do grupo na identificação de indivíduos com características que favoreçam o exercício da liderança, tanto de si como da equipe, considerando que todos os indivíduos têm potencial para o desenvolvimento da liderança, mesmo que, muitas vezes, ainda não tenham descoberto e desenvolvido.

Competências gerenciais do futuro chefe

Na análise dos critérios adotados para a escolha das chefias, observou-se forte ênfase naqueles atribuídos às habilidades técnicas, administrativas e relacionais que um líder necessita para exercer a gerência de uma área. Nesse aspecto, as equipes reconhecem intrincada relação entre liderança e chefia.

Os respondentes referem-se à importância de o futuro chefe ter domínio de conhecimento e competência técnica na área de enfermagem específica, demonstrando habilidade clínica reconhecida, através de cuidado de enfermagem de alta qualidade ao paciente e à família. A habilidade técnica pressupõe raciocínio crítico para avaliar condições clínicas e necessidades do paciente, além de elaborar diagnósticos e intervenções de enfermagem que levem aos melhores resultados assistenciais. Também são esperados conhecimentos sobre equipamentos, materiais e recursos para desenvolver as ações de cuidado. As verbalizações que seguem ilustram essas ideias.

Alguém que tu já tá observando no dia a dia. Competência, a pessoa tem que ser competente. Tem que conhecer bem a unidade, não é conhecer a unidade, é conhecer o serviço que tem na unidade, saber a importância do enfermeiro, dos outros profissionais, da organização, o quê que é prioridade (21). [...] o tempo de serviço dela, a experiência que ela já tinha tanto nesse hospital quanto em outro ... que está sempre estudando, querendo ter uma nova visão (32).

Em convergência com a literatura, esse achado destaca a importância de identificação das equipes com a forma de atuação do enfermeiro junto ao paciente e à equipe de trabalho, em seu desempenho como enfermeiro clínico (enfermeiro da beira de leito). A equipe identifica um líder a partir da paixão que ele demonstra no cuidado ao paciente, refletindo, assim, na alta qualidade da assistência de enfermagem. Semelhante comportamento proporciona motivação, entusiasmo e sentimento de que ele está fortemente conectado com as necessidades de sua equipe(3).

Reconhecendo que o cuidado é a essência da enfermagem, os valores da liderança devem ser orientados nesse sentido(11). Assim, é possível inferir que o reconhecimento do enfermeiro com boa atuação clínica ou assistencial é fator fundamental para que ele seja aceito pela equipe como possível líder ou futuro chefe, além de contribuir para o resgate do cuidado como foco central da liderança da enfermeira.

A habilidade administrativa é abordada pela necessidade de domínio dos processos, da estrutura da unidade e dos recursos materiais necessários para o desenvolvimento das ações de cuidado. É destacada, também, a importância do domínio das normas e regras administrativas, assim como a visão da estrutura institucional e seus determinantes na organização da unidade. Desse modo, além da visão específica da unidade, o líder/chefe deverá desenvolver visão ampliada de toda a instituição e das interações que ocorrem em todos os níveis, o que repercute no cotidiano de seu local de trabalho, conforme é representado nas falas que seguem.

[...] conhecimento da estrutura do hospital, porque, apesar de ser uma área fechada ou uma unidade assim ... entendimento desta estrutura, dessa instituição (1). Que fosse uma pessoa bem acessível, flexível, que tivesse uma visão ampla de toda a unidade, imparcial, que tivesse, assim, vontade de manter o que estava bom e mudar o que não estava tão bom (18). [...] ela tem que ter visão geral de tudo. Tem que ter olhos pra tudo (19).

As habilidades administrativas esperadas nas competências gerenciais do futuro chefe remetem a estudos na literatura que assinalam a relevância de o enfermeiro desenvolver conhecimentos e competências ancoradas em pesquisas sobre gestão, liderança e poder(12-13).

A habilidade relacional foi salientada como característica essencial do futuro líder, e descrita pelos entrevistados como a capacidade de lidar com as pessoas, saber ouvir, compartilhar, saber trabalhar em grupo e motivar os membros da equipe.

[...] um líder tem que saber trabalhar com outras pessoas, estimular essas pessoas, não só cobrar (14). [...] acessível, flexível, que tivesse uma visão ampla de toda a unidade, imparcial, que tivesse. [...] Que saiba ouvir a opinião dos outros, não simplesmente impor o que pensa (18). A parte humana também da pessoa, porque não adianta ser um bom líder e não ter aquela parte que tu precisa, de ser mais humana (29).

A dimensão interpessoal e a competência humana do enfermeiro líder é fator de motivação e suporte para o trabalho em equipe. A capacidade do líder de perceber, atender e estar conectado às necessidades da equipe de trabalho reforça o sentimento de pertencimento e nutre a autoestima de todos no grupo, com o objetivo de atingir a excelência na prática clínica. Os líderes de sucesso são aqueles que reconhecem cada indivíduo como um universo de carências, entendem que cada um reage de forma diferente aos estressores do ambiente de trabalho e proporcionam suporte para o grupo, oferecendo feedback, a fim de que cada integrante se sinta valorizado(14-15).

Mesmo que o conhecimento seja considerado insubstituível nas práticas clínicas, ele não prescinde da dimensão interpessoal dos relacionamentos, os quais se constroem por meio de vivências, inferências, interpretações e criatividade dos saberes(15). Dessa forma, entende-se por habilidade relacional do líder/chefe a capacidade de integrar os conhecimentos técnicos e administrativos numa prática concreta que alia o racional e o humano de cada situação.

A responsabilidade do candidato e a confiança que nele se tem são apontadas como elementos fundamentais nos critérios de escolha das chefias. A responsabilidade é reconhecida pelo comportamento, atitude e desempenho do candidato como membro da equipe em outras posições que não a de chefe, e a confiança é descrita como algo construído ao longo da relação e da interação com os membros da equipe de trabalho.

A capacidade dos gerentes de estabelecer relações de confiança e de respeito entre os membros da equipe, pode auxiliar cada um a perceber que será apoiado em momentos difíceis, que o líder irá lutar por todos e que estará sempre presente(16).

Pode-se inferir, a partir dos fatores apontados, que existe tendência de as equipes apoiarem os candidatos da própria unidade, os quais já são conhecidos pelo trabalho como membro da equipe em diferentes papéis, como exemplificado nos depoimentos seguintes.

[...] normalmente o grupo vai optar por alguém que confia, que conhece, que trabalha bem, que trabalhe bem tanto para os pacientes quanto pros funcionários [...] convivência nos mostra muita coisa (4). Conhecer a pessoa, confiança. Confiança na capacidade dessa pessoa (3). [...] eu votaria justamente porque eu conheço como ela trabalha (20).

Entre as competências gerenciais, nas dimensões técnicas, administrativas e relacionais, foram elencados critérios considerados imprescindíveis para a escolha de uma chefia/liderança, destacando-se transparência no processo de gestão, inteligência emocional e racional, capacidade de liderança e de trabalhar em grupo, gestão participativa, competência no relacionamento interpessoal, honestidade, idoneidade e senso de justiça.

Articulação da equipe

A articulação interna dos grupos passa por diferentes estágios. Em alguns, existe mobilização, organização de reuniões, debates e elaboração de propostas conjuntas; em outros, o processo ainda é mais centralizado nas enfermeiras e discutido informalmente com os membros das equipes.

Ao investigar como a equipe se organiza para preparar o processo de escolha de chefias, ficou evidente a divisão interna dos grupos, identificada nas expressões como elas (enfermeiras) e nós funcionários (técnicos e auxiliares). O que chama a atenção, nesse processo, é a manifestação da diferença entre as diversas categorias profissionais de enfermagem, o que se caracteriza pelo distanciamento entre as enfermeiras e os auxiliares e técnicos de enfermagem. Esse achado esteve mais presente nas falas dos auxiliares e técnicos, como retratado nos trechos que seguem.

Os nomes vieram, pelo que eu me recordo, assim, já indicados pelas enfermeiras (6). Porque a candidata que, digamos, as enfermeiras queriam colocar, os técnicos não aceitavam, então buscaram uma chefia fora, uma candidata fora [...] acordo entre as enfermeiras e a outra que já era chefe antes (11).

O distanciamento existente entre enfermeiros e auxiliares/técnicos de enfermagem já foi abordado como um dos principais nós críticos no relacionamento das equipes de trabalho(17). Uma das possíveis explicações para a origem dessa situação pode estar relacionada à divisão técnica e social do trabalho, repercutindo de forma contundente na construção das relações no grupo(18).

Além da hierarquia das relações, percebe-se, nas falas dos respondentes, um sentido de não pertencimento à equipe (elas/nós; elas/a gente; as enfermeiras/os funcionários). Principalmente os auxiliares e os técnicos de enfermagem referem-se às enfermeiras como profissionais distantes e, não, como funcionárias que estão na mesma condição e que fazem parte da mesma equipe e da mesma instituição.

Parte deles enfermeiros. Elas fazem a chapa delas e lançam e a gente é que escolhe [...] ainda tá muito fechado entre supervisão e funcionários. Eu acho que deve dar mais entrada (2). [...] elas fizeram várias reuniões [...] elas conversaram conosco (12). Não sei, isso é uma coisa que eles que escolhem. A gente só fica analisando as candidatas depois que é escolhida (32). O nome das candidatas geralmente é feito entre elas mesmas [...] as enfermeiras mesmo. Nessa questão a gente não entra nisso. A gente entra só depois na eleição, na escolha dos nomes já dados (28).

O surgimento de divisões e dos subgrupos nas equipes retratam, em parte, como as dificuldades são enfrentadas e como as relações de poder no seu interior vão sendo tecidas. Em alguns casos, acontece a polarização de poder entre as pessoas, caracterizando uma hierarquia nas relações que tende a se reproduzir na divisão técnica e social do trabalho: aquelas que pensam "podem mais" e mandam naquelas que sabem menos e, portanto, "podem menos"(19).

Os pronunciamentos, no conjunto, sugerem diferentes práticas e modos de gestão entre as equipes. Assim, no contraponto das falas anteriores, deparou-se com outras que sinalizam a existência de equipes em que subjaz um espaço de comunicação e de construção mais integrado e cooperativo. Pressupõe-se que, nesses casos, o grupo consegue agir operativamente, em direção ao fortalecimento coletivo. Mesmo reconhecendo as diferenças, os espaços de disputa e conflitos, buscam estratégias de superação e de contínua aprendizagem no ambiente de trabalho, a fim de melhorar as relações interpessoais, como pode ser ilustrado nos comentários seguintes.

[...] nós escolhemos ela desde antes mesmo de acabar o mandato dela, porque ela não queria continuar. Então, foi um processo bem legal, porque nós fizemos uma campanha para que ela ficasse. Ao invés dela fazer campanha, nós é que fizemos. Nós é que fizemos a cabeça dela pra ela ficar, na verdade (7). [...] diferente a experiência porque eu participei desde o início do processo, eu que fazia parte da subcomissão, a gente foi organizando tudo (8).

Os aspectos apontados na articulação das equipes para a construção de um processo coletivo de escolha de chefias sinalizam um ponto de vulnerabilidade a ser discutido pelos profissionais da área, uma vez que a divisão interna nos grupos não potencializa os esforços de todos na transformação de realidades dos espaços da enfermagem.

Considerações finais

O processo de escolha de chefias, quando alicerçado na opinião dos próprios trabalhadores de enfermagem, por meio do voto, é tentativa de exercitar um modelo de gestão participativa, como se verificou no contexto do presente estudo. Esse processo, no entanto, é perpassado de vieses e de peculiaridades inerentes às relações humanas no trabalho, em que é preciso compatibilizar necessidades diversas que remetem ao indivíduo, à equipe de trabalho e à organização como um todo. Ao levar em conta o alcance de tais necessidades, eleitores e candidatos deparam-se com expectativas e compromissos bilaterais, tecidas em rede. Nesse espaço, liderança é a palavra-chave, como foi apontada neste estudo.

O exercício da liderança, embora complexo, é inerente à organização do trabalho e repercute na articulação das equipes. Além disso, também adquire especial significado na escolha das chefias, na medida em que, explícita e implicitamente, se espera do chefe que seja líder. Viu-se, no enunciado dos sujeitos, que esse é importante quesito que interfere no voto, por ocasião do processo consultivo.

À primeira vista, dar-se conta de que é necessário ter competência técnica, habilidades gerenciais e talento para um bom relacionamento interpessoal pode desencorajar os profissionais que não se percebem contemplados com todas essas qualidades. Entretanto, há que se reconhecer que esses atributos são passíveis de serem desenvolvidos na prática diária do enfermeiro, mesmo que esse atue no âmbito assistencial, à beira do leito, o que reitera a indissociabilidade entre gestão e cuidado.

A prática clínica constitui-se em excelente laboratório para, também, exercitar a tecnologia de saberes que recaem no processo de liderança e, como foi destacado neste estudo, é justamente durante essa prática que o grupo de trabalho reconhece os potenciais líderes da equipe.

O fato de proporcionar aos grupos de trabalho a oportunidade de participar na escolha das chefias é fator que contribui para o sucesso da gestão, na medida em que também corresponsabiliza os membros da equipe pelos resultados alcançados. Além disso, a estratégia contribui para a aceitação do novo chefe, por parte do grupo.

Para finalizar, pondera-se que o trabalho da enfermagem é gerado na articulação do trabalho coletivo de equipes que se alternam em turnos consecutivos no atendimento aos pacientes e cuja resultante deve superar o somatório dos esforços individuais. Assim, a operatividade grupal precisa ser construída e retroalimentada nas interações do cotidiano de trabalho, esperando-se do chefe, como líder legitimado, que, efetivamente, assuma o papel de articulador e de motivador desse contexto.

Agradecimentos

As autoras agradecem a valiosa colaboração da enfermeira Rosana Fraga da Silva e das alunas Dayanna Machado Lemos, Andréia Peres de Oliveira e Louíse Viecili Hoffmeister, na etapa de coleta de dados.

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  • Corresponding Author:
    Gisela Maria Schebella Souto de Moura
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem.
    Departamento de Assistência e Orientação Profissional
    Rua São Manoel, 963
    Bairro Bom Fim
    CEP: 90620-110 Porto Alegre, RS, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      12 Jan 2010
    • Aceito
      30 Set 2010
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