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Representação da alimentação e de programa alimentar entre mulheres responsáveis por crianças mexicanas menores de 5 anos

Resumos

O estudo foi realizado com 14 responsáveis pelo cuidado de menores de 5 anos, moradoras da cidade de Tizimín, México, durante o período de janeiro a abril de 2008. O objetivo foi compreender as representações sociais dessas pessoas em relação à alimentação e ao Programa Oportunidades, considerando o contexto social e cultural. A investigação qualitativa, com abordagem antropológica, tipo etnográfica, baseou-se em observação participante e em entrevistas semiestruturadas, dirigidas às responsáveis. Dos resultados, emergiram duas categorias empíricas: 1) dar de comer e 2) uma ajuda. A primeira tratou da forma como as responsáveis representam a alimentação da criança menor de 5 anos e a segunda revelou que o Programa é considerado uma ajuda, promovendo benefícios e ajudando a solucionar parte de suas necessidades. O estudo permitiu alcançar os objetivos propostos ao compreender as responsáveis nesta complexa tarefa que realizam de alimentar tais crianças e, assim, propor estratégias, em várias esferas, para melhorar a nutrição infantil.

antropologia cultural; cultura; características culturais; alimentação; alimentos; desnutrição; programas de nutrição; pobreza


This study was carried out between January and April 2008 with 14 caregivers of children younger than 5 years residing in Tizimín city, Mexico. It aimed to understand the social representations of eating and the Programa Oportunidades [Opportunity Program] held by caregivers taking into account their social and cultural context. This qualitative investigation with an ethnographic approach was based on participant observation and semi-structured interviews. Two empirical categories emerged: 1) feeding and 2) an aid. The first refers to the caregivers' representation of eating patterns of children younger than 5 years and the second reveals that the program is considered an aid, which favors and helps caregivers to meet part of their needs. The study achieved the proposed objectives since it enabled us to understand caregivers in the complex task of feeding these children and also to propose strategies in several spheres to improve infant nutrition.

anthropology, cultural; culture; cultural characteristics; feeding; food; malnutrition; nutrition programmes; poverty


El estudio fue realizado con 14 responsables del cuidado del menor de 5 años en Tizimín, México, durante el período de enero la abril de 2008. Se buscó comprender las representaciones sociales de estas personas en relación a la alimentación y la los componentes de nutrición del Programa Oportunidades, considerando el contexto social y cultural. La investigación cualitativa con abordaje antropológico, tipo etnográfico tuvo como base la observación participante y las entrevistas semiestructuradas, dirigidas a las responsables. De los resultados emergieron dos categorías empíricas: 1) dar de comer y 2) una ayuda. La primera se refiere a cómo las responsables representan la alimentación del menor de 5 años y la segunda reveló que el Programa es considerado una ayuda y que las apoya a solucionar, en parte, sus necesidades. Se alcanzaron los objetivos al comprender a las responsables en esa tarea compleja que realizan de alimentar a los niños y así proponer estrategias, en varias esferas, para mejorar la nutrición infantil.

antropología cultural; cultura; características culturales; alimentación; alimentos; desnutrición; programas de nutrición; pobreza


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ARTIGO ORIGINAL

Representação da alimentação e de programa alimentar entre mulheres responsáveis por crianças mexicanas menores de 5 anos1

Gloria de los Ángeles Uicab-PoolI; Maria das Graças Carvalho FerrianiII; Romeu GomesIII; Blanca Pelcastre-VillafuerteIV

IDoutoranda, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil. Professora e pesquisadora, Facultad de Enfermería, Unidad Tizimín, Universidad Autónoma de Yucatán, México. E-mail: hasyga15@yahoo.com, upool@uady.mx

IIProfessor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: caroline@eerp.usp.br

IIIProfessor Titular, Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ, Brasil, e-mail: romeu@iff.fiocruz.br

IVProfessora e pesquisadora, Centro de Investigación en Sistemas de Salud, Instituto Nacional de Salud Pública, México, e-mail: bpelcast@correo.insp.mx

RESUMO

O estudo foi realizado com 14 responsáveis pelo cuidado de menores de 5 anos, moradoras da cidade de Tizimín, México, durante o período de janeiro a abril de 2008. O objetivo foi compreender as representações sociais dessas pessoas em relação à alimentação e ao Programa Oportunidades, considerando o contexto social e cultural. A investigação qualitativa, com abordagem antropológica, tipo etnográfica, baseou-se em observação participante e em entrevistas semiestruturadas, dirigidas às responsáveis. Dos resultados, emergiram duas categorias empíricas: 1) dar de comer e 2) uma ajuda. A primeira tratou da forma como as responsáveis representam a alimentação da criança menor de 5 anos e a segunda revelou que o Programa é considerado uma ajuda, promovendo benefícios e ajudando a solucionar parte de suas necessidades. O estudo permitiu alcançar os objetivos propostos ao compreender as responsáveis nesta complexa tarefa que realizam de alimentar tais crianças e, assim, propor estratégias, em várias esferas, para melhorar a nutrição infantil.

Descritores: antropologia cultural; cultura; características culturais; alimentação; alimentos; desnutrição; programas de nutrição; pobreza

INTRODUÇÃO

A alimentação da criança não é apenas uma necessidade, a alimentação é um direito que deve ser respeitado porque dele depende, em parte, a saúde e o desenvolvimento que a criança poderá ter em sua vida adulta. Fatores sociais e culturais interferem e determinam a forma de alimentá-la.

Nos primeiros anos de vida da criança, a alimentação mostra-se fundamental para o seu desenvolvimento em suas múltiplas dimensões e crescimento e, quando há consumo insuficiente, gera, para a criança, quadro de desnutrição(1).

Nos países em desenvolvimento, como é o caso do México, uma em cada quatro crianças menores de 5 anos tem peso abaixo do recomendado, o que significa que 146 milhões de crianças, menores de 5 anos, têm baixo peso. A fome e a desnutrição não são apenas consequências da falta de alimento, mas também da pobreza, da desigualdade e de questões políticas(2). O México tem longa história de desenvolvimento de programas e políticas direcionadas à melhoria da nutrição de grupos vulneráveis(3).

Entre as estratégias, destaca-se a criação de um sistema de subsídios aos consumidores e aos produtores, por meio de diversas agências interligadas. Desde 1997 até a atualidade, o Governo Federal desenvolve o Programa Oportunidades (anteriormente chamado Programa Progresa), com enfoque integral, abrangendo aproximadamente 300.000 famílias de baixa economia, nas áreas rurais(4). Seu principal objetivo é interromper a transmissão da pobreza de uma geração à outra e, sobretudo, estabelecer as bases para que tal mudança seja permanente.

As famílias não recebem esses benefícios sem que frequentem, com regularidade, as clínicas de saúde, onde recebem assistência de saúde e nutrição. O programa também distribui suplementos alimentares a todas as crianças de 6 a 23 meses de idade e aos de baixo peso, de 2 a 4 anos, nas residências selecionadas.

Considerando que crianças menores de 5 anos são muito dependentes das pessoas que delas cuidam, mais vulneráveis a doenças, requerendo mais atenção e carinho, torna-se relevante investigar aspectos, inclusive culturais, que podem desempenhar papel predominante nessa alimentação. Tal necessidade se potencializa justamente por se tratar do momento em que adquirem mais conhecimentos, fortalecem hábitos, valores e costumes que, somados, vão contribuir para seu desenvolvimento pessoal. Para refletir sobre o tema, foram propostas as seguintes questões:

- como a alimentação da criança menor de 5 anos é representada, pelas mulheres responsáveis pelo seu cuidado, de acordo com seu contexto sociocultural, em Tizimín, Yucatán, México?

- que significados as mulheres responsáveis pelo cuidado da criança menor de 5 anos atribuem ao Programa Oportunidades em Tizimín, Yucatán, México?

OBJETIVOS

Analisar as representações sociais atribuídas pelas mulheres responsáveis pelo cuidado da criança menor de 5 anos à alimentação e ao programa alimentar, na cidade de Tizimín, Yucatán, México, considerando seu contexto sociocultural, identificando-se: as características sociodemográficas das mulheres responsáveis pelo cuidado da criança menor de 5 anos; os significados atribuídos à alimentação pelas responsáveis pelo cuidado da criança menor de 5 anos; o significado atribuído pelas responsáveis ao Programa Oportunidades.

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

O presente estudo teve como referencial conceitual as representações sociais, sob perspectiva antropológica e sociológica. As representações sociais constituem-se em um tipo de saber socialmente negociado, contido em um senso comum, em dimensão cotidiana, o qual confere às pessoas uma visão de mundo, orientando-as nos projetos e nas estratégias de ação desenvolvidas em seu meio social(5).

A metodologia baseou-se na abordagem de pesquisa qualitativa, do ponto de vista antropológico, em que se busca compreender idéias, significados e representações atribuídas pelos sujeitos do estudo(6). O desenho do estudo, do tipo etnográfico, buscou descrever os valores, perspectivas e ciências de um grupo que compartilha uma cultura, interpretando os significados como resultado da interação social(7).

Sob essa perspectiva, a alimentação e a nutrição infantil são processos bioculturais, ou seja, têm base biológica como substrato para os processos metabólicos, mas são moldadas pela cultura. Nos primeiros anos de vida, a alimentação é crucial para o desenvolvimento humano, onde confluem questões sociais e práticas socioculturais da criança(8). Não obstante existem outros fatores que favorecem ou limitam a nutrição das crianças, entre eles: o poder aquisitivo das famílias, a escolaridade materna, a expansão dos serviços básicos, atenção de saúde e saneamento(9).

SUJEITOS

Participaram do estudo 14 responsáveis pelo cuidado de menores de 5 anos. Definiu-se responsável toda pessoas que se encarrega de preparar os alimentos, alimentar e cuidar da criança durante a maior parte do tempo, podendo ser a mãe, o pai, a tia ou a avó. A grande maioria das responsáveis participantes do estudo era a mãe, sendo que somente uma criança era cuidada pela avó. A cada responsável pelo cuidado da criança menor de 5 anos correspondeu uma única criança, cuja alimentação foi avaliada, mesmo que essa responsável cuidasse de outras crianças.

As responsáveis residem no Módulo 8 e são assistidas na Unidade de Saúde da Faculdade de Enfermagem, da cidade de Tizimín, Yucatán, México. Nessa área da cidade, há, predominantemente, famílias que vivem em pobreza ou pobreza extrema, com empregos informais ou eventuais, cujos membros são analfabetos ou com baixa escolaridade. Observa-se ainda que, na área estudada, existe mescla de comportamentos urbanos e rurais, por se situar na periferia da cidade.

O número de entrevistas realizadas se baseou em critério de saturação teórica(6). A amostra foi por conveniência, buscando, de maneira intencional, as responsáveis e as crianças com as seguintes características: a) idade da criança (menores de 5 anos); b) grau de nutrição da criança (com desnutrição); c) escolaridade da responsável do menor (saber ler e escrever e não saber ler ou escrever) e d) beneficiária do Programa Oportunidades.

As responsáveis e as crianças foram selecionadas a partir de consulta realizada no microdiagnóstico da unidade de saúde, que contém dados demográficos e de saúde. Posteriormente, as pessoas selecionadas foram visitadas, em seus domicílios, e convidadas a participar do projeto, previamente aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, pertinente à Legislação Mexicana. Às participantes foi entregue o termo de consentimento livre, informando-as sobre os objetivos do estudo e de sua plena liberdade para participar ou não do projeto, podendo dele se retirar a qualquer momento, sem que isso prejudicasse o acesso ao serviço de saúde, ao qual têm direito. A participação foi voluntária, sem que tivessem recebido qualquer remuneração.

Os dados foram coletados durante o período de janeiro a abril de 2008. Primeiramente, foi realizada a observação participante no domicílio dos participantes, utilizando um roteiro que considerava: a) práticas alimentares das crianças antes, durante e depois da alimentação do menor; b) o tipo de alimento que ingerem as crianças; c) horários, quantidades e interações familiares que ocorrem antes, durante e depois da comida. Posteriormente, foram realizadas as entrevistas semiestruturadas, de acordo com o dia e hora indicados pela responsável. Durante o desenvolvimento da entrevista, foi utilizado um roteiro temático, previamente elaborado, com os seguintes temas: a) alimentação do menor de 5 anos; b) principais saberes, costumes e práticas que giram em torno da alimentação do menor de 5 anos e c) significado do Programa Oportunidades. A entrevista durou, em média, duas horas, foram gravadas e depois transcritas e digitadas em arquivo Word.

A análise do material implicou na organização do material, dividindo-o em partes, buscando tendências, convergências e divergências, utilizando-se princípios e procedimentos da análise de conteúdo(6). Os dados coletados foram confrontados com o marco teórico, de modo a estabelecer relações entre a teoria e os resultados empíricos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados do estudo foram divididos em duas partes principais: cenário do estudo - condições em que vivem as responsáveis e as crianças menores de cinco anos - e compreensão das representações de alimentação e do programa alimentar, segundo a ótica das responsáveis pelas crianças.

O cenário do estudo

A investigação permitiu identificar vários aspectos referentes ao cenário do estudo. Entretanto, serão destacados, no presente artigo, aqueles que têm maior abrangência no contexto investigado.

Das 14 responsáveis pelo cuidado e alimentação de menores de cinco anos que participaram do estudo, 13 eram as próprias mães que cuidam e as alimentam e apenas uma delas era a avó da criança. As idades das responsáveis variaram entre 21 e 50 anos. Em relação à idade das crianças, cuja alimentação oferecida pelas responsáveis foi analisada e que participaram no momento em que foram coletados os dados, 2 eram menores de 6 meses, 2 entre 7 e 11 meses, 4 tinham um ano, 3 tinham 2 anos, 1 estava com 3 anos e 2, com 4 anos.

Dentre as características sociodemográficas, encontra-se o tipo de família que pode ser nuclear ou expandida; a nuclear é conformada pelos pais e filhos dependentes, a expandida inclui os avós, sogros, tios, primos, entre outros(10). Destaca-se que a família expandida, comparada à nuclear, teve papel importante na alimentação, considerando que, de acordo com o observado e apreendido nas entrevistas, esse tipo de família permitia o apoio econômico, de maneira positiva, compartilhando gastos relacionados à alimentação, além de se organizarem para a compra de alimentos, seu preparo, dar de comer e cuidar das crianças, constituindo-se, assim, em apoio para a responsável.

As condições sociais e econômicas nas quais viviam as responsáveis pelas crianças foram similares, uma vez que todas careciam de recursos econômicos para atender às suas necessidades básicas de alimentação, saúde, educação e moradia. Viviam em condições de pobreza e pobreza extrema e eram pessoas humildes, sinceras e cordiais.

O gasto semanal para alimentação familiar era de 400 pesos (61,5 reais) aproximadamente, considerado recurso limitado para todas as famílias, constituindo-se em ameaça às crianças que apresentam alto risco de ficarem desnutridas e para aquelas já desnutridas, que poderiam ter sua situação agravada. Observa-se que eram mais beneficiadas as famílias que recebiam apoio de diferentes programas. Nesses casos, era mais fácil evitar que as crianças padecessem de desnutrição e, caso a tivessem, pudessem se recuperar, uma vez que cada programa realiza ações diferenciadas dirigidas à família.

Em relação à escolaridade, o fato de as responsáveis serem alfabetizadas (saber ler e escrever) possibilitou a elas maiores oportunidades para buscar e obter apoio, criar redes, aproveitar melhor os recursos e potencializá-los, quando comparadas às responsáveis que eram analfabetas.

Outra característica que se destacou no sentido de favorecer a alimentação adequada a todas as crianças foi o número de pessoas que trabalhavam na família - maior número de familiares sustentando o gasto familiar permite prover alimentos às crianças. Há, portanto, concordância com estudos que reportam que as famílias compartilham, entre seus membros, suas potencialidades e fragilidades, assim como os significados e conhecimentos que têm sobre si próprias e sobre sua realidade(10).

O número de filhos também foi característica relevante, uma vez que indica possível associação à desnutrição, conforme o observado em uma família com 6 crianças, na qual dois menores apresentavam desnutrição severa (a criança de 1 ano e sua irmã de 3 anos).

Observou-se, ainda, que algumas responsáveis amamentavam a criança maior de um ano e, diante da falta de comida, complementavam a alimentação com pequenas quantidades de suprimentos à base de farinha, tortilhas de milho e arroz, na tentativa de amenizar a fome.

Também se observou que havia famílias que, em algumas ocasiões, tinham o recurso econômico para a compra de alimentos e preferiam comprar os industrializados, tais como: embutidos, sucos, cereais, doces, entre outros. Assim, faz-se necessário proporcionar educação nutricional às responsáveis para que tenham informação e motivação necessárias para melhorar a qualidade das dietas das crianças e sua saúde(11).

Compreendendo as representações da alimentação e do programa alimentar em seu contexto cultural

Foram consideradas as diferentes características sociodemográficas, resultando na construção de duas categorias empíricas: 1) dar de comer e 2) é uma ajuda.

A categoria dar de comer contém os significados que as responsáveis atribuem à alimentação, saberes, hábitos e práticas que realizam ao alimentar a criança menor de 5 anos, assim como a relação que estabelecem entre alimentação e saúde da criança.Entre as ações que realizavam ao dar de comer estão: oferecer comida em horários determinados durante o dia, vigiar para que os alimentos fossem ingeridos, não causando danos ao estômago da criança, deixando-a saciada e satisfeita. Essas práticas, em geral, são aprendidas com suas mães ou sogras, conforme estudo realizado no Chile(12).

Para as responsáveis, com menores recursos econômicos, a principal preocupação era ter comida para poder alimentar as crianças, independentemente do tipo de alimento e, quando o faziam, ficavam tranquilas, sentindo ter cumprido sua responsabilidade.

A falta de recursos econômicos para adquirir alimentos nutritivos foi uma das situações que impediram que as responsáveis proporcionassem alimentação correta, ou seja, uma alimentação completa, equilibrada, inócua, suficiente, variada e adequada. Essas características, apesar de serem conhecidas por algumas delas, em especial por aquelas que pertencem ao Programa Oportunidades, ou a algum programa de saúde, não eram colocadas em prática, dada a restrição financeira.

Pequeno número de responsáveis consumia e dava aos seus filhos frutas e verduras, cultivadas em hortas e pomares, reforçando a alimentação. Essa prática demonstra que recursos naturais, disponíveis no ambiente doméstico, podem ser utilizados para a melhor alimentação.

Entre os alimentos referidos como bons, o leite foi o mais valorizado e, portanto, as responsáveis faziam esforço para comprá-lo por considerarem que contém mais vitaminas e nutrientes necessários para o crescimento da criança, além do cálcio que contribui para a formação dos ossos. Em relação aos alimentos industrializados, as responsáveis preocupavam-se e esforçavam-se por comprá-los, apesar do alto custo, acreditando que tais produtos ajudariam no crescimento e contribuiriam para a ausência de enfermidades. Por outro lado, no que se refere aos alimentos naturais, com alto valor nutritivo, seu consumo foi quase nulo.

Em relação à chaya (planta rica em proteínas cultivada no Estado), um reduzido grupo de famílias a consumia, preparada em chanchac, ou seja, caldo de chaya, com semente moída de abóbora e limão, acompanhado de gorditas (pãezinhos salgados feitos de milho, manteiga e assados em grelhas que, em maia, se diz pimes). Diante disso, torna-se necessário divulgar as propriedades nutritivas e medicinais da chaya, aos diferentes atores (políticos, educadores, profissionais de saúde, economistas, entre outros) relacionados à saúde e à alimentação, para que a chaya seja considerada parte importante dos programas alimentares, aprofundando-se o estudo dessa planta em suas diferentes propriedades.

Os alimentos de caldo predominaram como principal e de grande valor para a saúde, entre as crenças das responsáveis. Outro aspecto a ser destacado foi o fato de as responsáveis não oferecerem, de forma conjunta, o pescado e o leite por acreditarem que essa associação causaria mal de pinto (doença causada por uma bactéria, ocasionando manchas na pele) nas crianças ou nas pessoas. Assim, as crianças eram privadas de um alimento importante em decorrência dessa crença.

Em relação às características identificadas em uma criança enferma, as responsáveis referiram que, quando isso ocorre, a criança não quer comer, não brinca, não corre, não tem vontade de caminhar, não tem energia, é apática, distraída, quer estar no colo, chora muito, dorme muito, é triste, incomodada e chic nak (estado de ânimo descrito pelos maias para indicar que está arredia e agressiva); também identificam que são crianças de baixo peso, requerendo processo lento para sua recuperação.

A categoria de análise é uma ajuda refere-se à forma como as responsáveis representaram o Programa Oportunidades.

Primeiramente, para as responsáveis, o Programa Oportunidades representou uma ajuda para as famílias que dele necessitam; foi considerado um bom programa na medida em que beneficiava a alimentação e a saúde, tanto da criança como da família, ao proporcionar diferentes apoios em saúde, alimentação, educação e gastos energéticos (luz, carbono ou água). Tais achados coincidem com os resultados da investigação qualitativa realizada em nove Estados do México(13).

No que se refere às suas corresponsabilidades junto ao Programa, entendem como um pacto justo porque, ao receberem apoio do programa, tinham que, ao mesmo tempo, demonstrar, por meio do cumprimento de algumas ações, que reconheciam que essas são para benefício de suas famílias. Vale destacar que esse Programa tem ajudado muitas delas a melhorar as condições de saúde dos moradores e da comunidade. Outras, no entanto, realizavam as ações do Programa por obrigação, ou por se sentirem pressionadas a fazê-las, pois, caso contrário, há redução no valor recebido bimestralmente, podendo ainda perder, definitivamente, o apoio que recebiam.

Diante desse panorama, sugere-se ao pessoal de saúde que organize, em parceria com as responsáveis (beneficiárias do Programa), as atividades que devem realizar de maneira coletiva: supervisionar áreas como medida preventiva contra a dengue, realizar limpeza da unidade de saúde, apoiar nas campanhas de vacinação canina, entre outros, a fim de que todas participem, de acordo com suas possibilidades e que se sintam estimuladas. Outro aspecto que se considera relevante é ensinar as crianças maiores de 3 anos que estão na pré-escola e, ainda, capacitar os professores sobre temas relacionados à alimentação. No caso dos professores, também devem ser capacitados sobre técnicas de avaliação do estado nutricional da criança, a fim de que possam cooperar na vigilância nutricional e promoção de nutrição saudável.

Em relação às atividades de autocuidado em saúde (prática em saúde), as responsáveis reconheceram que tais atividades as ajudavam, em muito, para que soubessem como cuidar da criança, quando estava sadia, ou enferma, e como alimentá-la.

Em síntese, pode-se dizer que o Programa Oportunidades significou uma ajuda para as responsáveis que viviam em condições de pobreza e pobreza extrema, característica predominante em todas elas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo permitiu conhecer as representações que as responsáveis pelas crianças atribuíam à alimentação, os valores atribuídos aos alimentos, os quais consumiam ou davam de comer. As práticas que geralmente realizavam ao dar de comer, assim como a forma de relacionar a alimentação à saúde da criança, fundamentavam-se em suas crenças culturais.

Outro aspecto ressaltado foi a ausência de conhecimentos específicos, por parte das responsáveis, sobre a alimentação da criança, tais como o aleitamento, desmame, características de uma alimentação saudável, importância do consumo de diferentes grupos de alimentos e conhecimento de suas funções, a relevância da identificação precoce dos sinais de alarme da desnutrição, entre outros.

Algumas observações do estudo indicam que a questão da desnutrição extrapola o contexto familiar e local, por ser um problema social, histórico, econômico e político, afetando, principalmente, as crianças, tornando-as mais vulneráveis ao adoecimento. Assim, torna-se necessário continuar sensibilizando as autoridades políticas, educacionais, de saúde, entre outras, de forma a buscar estratégias que ajudem a melhorar a economia das famílias, persistindo no investimento em programas de alimentação e de saúde para a alimentação da criança e apoiando todas as famílias que deles necessitem.

Pode-se, assim, dizer que, ainda que os componentes alimentares do Programa Oportunidades representassem uma ajuda para as responsáveis, também é importante considerar, novamente, as condições de pobreza e pobreza extrema nas quais vivem essas famílias, o que torna insuficiente o apoio recebido de modo a contribuir para a melhoria da alimentação e saúde das crianças.

A contribuição da investigação realizada, comparativamente com outros estudos(14-15) é permitir conhecer, de maneira mais objetiva, como a cultura, no caso a cultura maia, tem papel muito relevante, no momento em que as responsáveis têm que decidir sobre o que as crianças comem ou não comem, dando ou não comida aos menores de 5 anos, considerando suas crenças e o valor que dão aos alimentos. Tais achados permitirão aos profissionais de saúde levar em conta o momento de oferecer orientação alimentar e, assim, contribuir para reverter crenças que não têm sustentação científica e reforçar aquelas que podem beneficiar a saúde e nutrição das crianças. Por outro lado, o estudo permite compreender que o fato de pertencer a um programa de alimentação e contar com seus benefícios não é suficiente para enfrentar os problemas de alimentação das crianças (desnutrição). É preciso considerar os cenários da vida familiar, a pobreza em que vivem e os costumes e crenças que as responsáveis têm sobre a forma de alimentar os menores de 5 anos. Tais situações se sobrepõem aos apoios que podem outorgar o Programa Oportunidade e, portanto, essa iniciativa, de maneira isolada, se torna insuficiente para enfrentar esse problema(15).

Representa, portanto, um grande desafio que requer constante participação dos diferentes setores sociais envolvidos, atuando, em conjunto, com vistas à solução dos problemas de alimentação em crianças.

Por isso, é necessário o compartilhamento, a união de esforços e o trabalho conjunto para poder oferecer ajuda àquelas famílias e suas crianças para terem melhor qualidade de vida, melhores condições de saúde e futuro mais promissor. Nesse sentido, abaixo são apresentadas propostas a serem realizadas por setores, de acordo com suas possibilidades.

Setor saúde

Formar equipes interdisciplinares e capacitar o pessoal que trabalha nas unidades de saúde de nível primário sobre os temas alimentação e nutrição do menor de 5 anos. Oferecer as práticas de autocuidado às responsáveis que cuidam de crianças menores de 5 anos. Incorporar, aos programas educacionais de saúde, temas como autoestima e desenvolvimento pessoal que ofereçam às responsáveis estratégias para superar problemas e realizar atividades em benefício de sua própria saúde e da sua família. Elaboração de roteiros de orientação sobre a alimentação dessas crianças, dirigidas ao pessoal de saúde e às responsáveis. Incorporar, na dieta das crianças e das famílias, o consumo de chaya e soja. Apoiar e possibilitar a inserção de famílias com necessidades em outros programas sociais, independentemente de receberem o apoio do Programa Oportunidades.

Setor educacional

Reforçar a alfabetização de mulheres adultas, para que tenham mais instrumentos para o cuidar da criança. Ensinar crianças maiores de 3 anos, que frequentam as escolas, sobre a importância da alimentação saudável. Trabalhar, em conjunto com o pessoal de saúde, a elaboração de cardápios saudáveis do café da manhã nas escolas.

Setor político

Apoiar profissionais que desejem realizar serviço social em comunidades rurais, proporcionando-lhes subsídios para alimentação, moradia e transporte. Prover materiais para cultivo de hortas, a fim de obter melhor aproveitamento dos recursos naturais. Continuar investindo em programas sociais, inclusive para fornecimento gratuito de leite.

Sociedade civil

Apoiar as famílias mais necessitadas, incentivar e constituir grupos de pais, nos quais sejam fornecidos instrumentos para enfrentamento de problemas, de forma a atender às necessidades dessas famílias.

Comunidade científica

Desenvolver investigações que permitam compreender os costumes, hábitos e crenças da equipe de saúde, mulheres grávidas, ou daquelas que estão amamentando, sobre os problemas enfrentados no momento de amamentar. Incentivar pesquisas que permitam conhecer os significados e valores atribuídos à saúde e à enfermidade, por parte da população rural maia, dos responsáveis pela medicina tradicional e do pessoal de saúde. Atualizar estudos bromatológicos (composição química) sobre a planta chaya que possam comprovar suas propriedades nutricionais e curativas. Avaliar, de maneira qualitativa e constante, o Programa Oportunidades para melhor entender os problemas apresentados em seu interior e durante a operacionalização do mesmo.

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  • 1
    Paper extracted from Doctoral Dissertation, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Brazil, in agreement with Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia de Celaya, Universidad de Guanajuato, Mexico.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      29 Jul 2008
    • Aceito
      28 Jul 2009
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