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Rupturas biográficas pela pandemia da COVID-19 sobre adolescentes e jovens homens trans e transmasculinos: demandas para a enfermagem* * Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS.

Resumo

Objetivo:

compreender as rupturas biográficas causadas pela pandemia da COVID-19 sobre adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas no contexto do Brasil.

Método:

estudo qualitativo - survey on-line, multicêntrico. Participaram 97 homens trans e 22 pessoas transmasculinas, autoidentificados, que responderam formulário semiestruturado em duas etapas. Os dados foram submetidos à Análise de Conteúdo Temática Reflexiva. Realizou-se a interpretação com base sociológica, a partir do conceito de ruptura biográfica.

Resultados:

derivadas cinco categorias: interrupção da hormonização, cirurgias e acompanhamento especializado; desconfortos precipitados pela ruptura das características masculinas, autoimagem, autopercepção e identidade; vulnerabilidade a partir das perdas de familiares e pessoas significativas, emprego e fragilização das redes de apoio; emergência de problemas psicoemocionais, como perda do sentido da vida; demandas para o cuidado de enfermagem e valorização da vida de adolescentes e jovens transmasculinos no pós-pandemia.

Conclusão:

as rupturas biográficas provocadas pela pandemia ameaçaram as identidades de homens trans e pessoas transmasculinas de adolescentes e jovens, produziram degradação e descontinuidade das biografias, conduzindo-os à perda de sentido da vida. Profissionais de enfermagem podem ser estratégicos

e essenciais na superação das ameaças, intervindo antecipadamente.

Descritores:
Transexualidade; Minorias Sexuais e de Gênero; Saúde do Homem; Saúde do Adolescente; Vulnerabilidade em Saúde; Cuidados de Enfermagem

Abstract

Objective:

to understand the biographical ruptures caused by the COVID-19 pandemic on adolescent and young trans men and transmasculine people in the Brazilian context.

Method:

qualitative study - multicenter, online survey. A total of 97 self-identified trans men and 22 transmasculine people participated and completed a semi-structured form in two stages. The data was subjected to Reflective Thematic Content Analysis. The interpretation was made on a sociological basis, based on the concept of biographical rupture.

Results:

five categories were derived: interruption of hormonization, surgeries and specialized follow-up; discomforts caused by the rupture of masculine characteristics, self-image, self-perception, and identity; vulnerability from the losses of family members and significant people, employment, and weakening of support networks; emergence of psycho-emotional problems, such as loss of meaning in life; demands for nursing care and valuing the life of transmasculine adolescents and young men in post-pandemic times.

Conclusion:

the biographical ruptures caused by the pandemic threatened the identities of trans and transmasculine people of adolescents and youth, degraded and interrupted biographies, leading them to the loss of meaning in life. Nursing professionals can be strategic and essential in overcoming threats by intervening early.

Descriptors:
Transsexualism; Sexual and Gender Minorities; Men’s Health; Adolescent Health; Health Vulnerability; Nursing Care

Resumen

Objetivo:

comprender las rupturas biográficas provocadas por la pandemia del COVID-19 en adolescentes y jóvenes hombres trans y personas transmasculinas en el contexto de Brasil.

Método:

estudio cualitativo - encuesta en línea - multicéntrico. Participaron 97 hombres trans y 22 personas transmasculinas autoidentificadas, que respondieron un formulario semiestructurado en dos etapas. Los datos se sometieron al Análisis de Contenido Temático Reflexivo. La interpretación se realizó sobre una base sociológica a partir del concepto de ruptura biográfica.

Resultados:

surgieron cinco categorías: interrupción de la terapia hormonal, cirugías y seguimiento especializado; malestares precipitados por la interrupción de las características masculinas, autoimagen, autopercepción e identidad; vulnerabilidad por la pérdida de familiares y seres queridos, empleo y debilitamiento de las redes de apoyo; aparición de problemas psicoemocionales, como la pérdida del sentido de la vida; demandas de atención de enfermería y valoración de la vida de adolescentes y jóvenes transexuales en el pospandemia.

Conclusión:

las rupturas biográficas provocadas por la pandemia amenazaron las identidades de los hombres trans y personas transmasculinas adolescentes y jóvenes, produjeron degradación y discontinuidad de las biografías, llevándolas a perder el sentido de la vida. Los profesionales de enfermería pueden ser estratégicos e imprescindibles en la superación de estas amenazas al promover una intervención anticipada.

Descriptores:
Transexualidad; Minorías Sexuales y de Género; alud del Hombre; Salud del Adolescente; Vulnerabilidad en Salud; Atención de Enfermería

Destaques:

(1) Explicita rupturas biográficas nas transmasculinidades na pandemia. (2) Elucida ameaças ao alcance da identidade trans desejada. (3) Revela barreiras nos serviços que impedem a transição hormonal. (4) Apresenta o discurso do suicídio e de novos estressores em saúde mental. (5) Traz convocatórias para a prática/cuidado de enfermagem na saúde adolescente.

Introdução

No contexto pandêmico da COVID-19, grupos específicos, a exemplo da população trans, vivenciaram múltiplos impactos na vida e na saúde11. Ramírez-Pereira M, Abarca RP, Machuca-Contreras F. Políticas públicas de promoción de salud en el contexto de la COVID-19, en Chile, una aproximación desde el análisis situacional. Global Health Promotion. 2021;28(1):10. https://doi.org/10.1177/1757975920978311
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2. Perl L, Oren A, Klein Z, Shechener T. Effects of the COVID19 Pandemic on Transgender and Gender Non-Conforming Adolescents’ Mental Health. Psychiatr Res. 2021;302:114042. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2021.114042
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-33. Burgess CM, Batchelder AW, Sloan CA, Leong M, Streed CG Jr. Impact of the covid-19 Pandemic on Transgender and Gender Diverse Health Care. Lancet Diabetes Endocrinol. 2021;9(11):729-31. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(21)00266-7
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) que ainda não foram considerados nos planos de enfrentamento. Estudo brasileiro estimou que aproximadamente três milhões (1,9%) de pessoas trans vivem no país e são, em média, mais jovens que a população cisgênero (32,8±14,2 anos)44. Spizzirri G, Eufrásio R, Lima MCP, Nunes HRC, Kreukels BPC, Steensma TD, et al. Proportion of People Identified as Transgender and Non-Binary Gender in Brazil. Sci Rep. 2021;11(1):2240. https://doi.org/10.1038/s41598-021-81411-4
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.

As vozes de homens trans - homem que teve o gênero feminino designado ao nascer - e de pessoas transmasculinas - pessoa cuja identidade de gênero é masculina, mas que não necessariamente se identifica como homem, o que envolve uma dimensão de masculinidade, nesse caso, transmasculinidades55. Pereira PLN, Gaudenzi P, Bonan C. Debating Trans masculinities: a literature review on trans masculinities in Brazil. Saude Soc. 2021;30(3):e190799. https://doi.org/10.1590/s0104-12902021190799
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-66. Souza ER. Transmasculine Bodies, Hormones and Techniques: Reflections on Possible Materialities. Cad Pagu. 2020;(59):e205910. https://doi.org/10.1590/18094449202000590010
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- foram silenciadas na tomada de decisões e os sujeitos invisibilizados na construção de políticas públicas77. Comisión Interamericana de Derechos Humanos, Relatoría Especial sobre los Derechos Económicos, Sociales, Culturales y Ambientales. Informe sobre personas trans y de género diverso y sus derechos económicos, sociales, culturales y ambientales [Internet]. Washington, D.C.: REDESCA; 2020 [cited 2022 May 17]. Available from: Available from: http://www.oas.org/es/cidh/informes/pdfs/PersonasTransDESCA-es.pdf
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. Essa violência estrutural e sistêmica tem um componente patriarcal e normativo de gênero, que historicamente silenciou os grupos em vulnerabilidades, um fenômeno passível de ser explicado a partir do conceito de rupturas biográficas (RB)88. Bury M. Chronic Illness as Biographical Disruption. Sociol Health Illn. 1982;4(2):167-82. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep11339939
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9. Williams G. The Genesis of Chronic Illness: Narrative Re-Construction. Sociol Health Illn. 1984;6(2):175-200. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep10778250
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-1010. Castellanos MEP, Barros NF, Coelho SS. Biographical ruptures and flows in the family experience and trajectory of children with cystic fibrosis. Ciên Saúde Colet. 2018;23(2): 357-68. https://doi.org/10.1590/1413-81232018232.16252017
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.

Diante das rupturas biográficas, as pessoas desenvolvem o processamento da realidade mediante três características inter-relacionadas e distintas. Primeiramente, o início da experiência da doença, que aqui definiremos como a condição causal da RB (que pode ser um adoecimento ou ameaça à integridade), implica a fissura de suposições e comportamentos incorporados ao cotidiano, que leva a pessoa a conceber a vida como um conjunto caótico de eventos desvinculados88. Bury M. Chronic Illness as Biographical Disruption. Sociol Health Illn. 1982;4(2):167-82. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep11339939
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. Em segundo lugar, se experimenta “repensar a biografia e o autoconceito de uma pessoa”. Nesse momento, as pessoas são instadas a refletir de modo consciente sobre o que elas pensavam em relação ao próprio futuro e como terão que manejar as interrupções para esses futuros88. Bury M. Chronic Illness as Biographical Disruption. Sociol Health Illn. 1982;4(2):167-82. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep11339939
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. Por fim, se observa a mobilização de novos recursos para enfrentar o caos decorrente da RB1111. Engman A. Embodiment and the Foundation of Biographical Disruption. Social Sci Med. 2019;225:120-7. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2019.02.019
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.

A literatura científica aponta o agravamento de problemas de saúde, precarização do cuidado, sobreposição de barreiras na atenção à saúde integral, o que reitera a justificativa deste estudo1212. Bispo JP Júnior, Santos DB. COVID-19 as a syndemic: a theoretical model and foundations for a comprehensive approach in health. Cad Saúde Pública. 2021;37(10):e00119021. https://doi.org/10.1590/0102-311x00119021
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-1313. Sousa AR, Cerqueira CFC, Porcino C, Simões KJF. The LGBTI+ people and COVID-19: for us to think about health issues. Rev Baiana Enferm. 2021;35:e36952. https://doi.org/10.18471/rbe.v35.36952
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. Se acrescentarmos a isso o fato de que pessoas trans têm necessidades de saúde diferentes e que os programas de saúde existentes são insuficientes para resolver problemas multifatoriais e oferecer cobertura para a população trans, o contexto se torna ainda mais preocupante1414. Souza LB, Aragão FBA, Cunha JHS, Fiorati RC. Intersectoral actions in decreasing social inequities faced by children and adolescents. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2021;29:e3427. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4162.3427
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-1515. Nascimento FK, Reis RA, Saadeh A, Demétrio F, Rodrigues ILA, Galera SAF, et al. Brazilian transgender children and adolescents: Attributes associated with quality of life. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2020;28:e3351. https://doi.org/10.1590/1518-8345.3504.3351
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. Assim, esse movimento teórico de desobediência prática e epistemológica deve suscitar atenção especial ao ciclo vital da adolescência1616. Silva FC, Souza EMF, Bezerra MA. (Dis)ordering the Cisgender Norm and its Derivatives. Rev Estud Fem. 2019;27(2):e54397. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n254397
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) e assinala a existência de uma problemática de saúde global e prioritária na agenda pública, o que justifica a realização, utilidade e relevância deste estudo, tal como a lacuna na produção do conhecimento científico sobre esse tema.

Partimos do pressuposto de que a partir da pandemia da COVID-19 todos os humanos vivenciaram uma ruptura biográfica ou ameaça e, por isso, nos interessa compreender as singularidades desse fenômeno para adolescentes e jovens que já experienciavam um cotidiano de afirmação de gênero. Nesse sentido, esta investigação foi proposta guiada pela questão: como adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas experienciaram as rupturas biográficas decorrentes da pandemia da COVID-19 no Brasil? O objetivo deste estudo foi compreender as rupturas biográficas causadas pela pandemia da COVID-19 sobre os adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas no contexto do Brasil.

Método

Delineamento do estudo

Este é um estudo qualitativo, de base sociológica1717. Haguette TMF. Metodologias qualitativas na sociologia. 14. Pétropolis: Vozes; 2013., estruturado a partir das recomendações do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Studies - COREQ. Realizou-se uma survey on-line1818. Braun V, Clarke V, Gray D. Coleta de dados qualitativos: Um guia prático para técnicas textuais, midiáticas e virtuais. Petrópolis: Vozes; 2019., multicêntrica nacional intitulada: “Análise dos impactos da pandemia da COVID-19 na saúde de homens trans e pessoas transmasculinas”.

Local da coleta de dados

A pesquisa envolveu todas as regiões do Brasil, a partir da amostragem consecutiva em cadeia, snowball sampling1919. Naderifar M, Goli H, Ghaljaie F. Snowball Sampling: A Purposeful Method of Sampling in Qualitative Research. Strides Dev Med Educ. 2017;14(3). https://doi.org/10.5812/sdme.67670
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. Os participantes foram recrutados nas redes sociais digitais: Facebook, Instagram, Twitter, Scruff, Grindr, Tinder, em grupos de homens trans e pessoas transmasculinas, e/ou transgeneridades e/ou de movimentos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers, intersexos, assexuais ou com vivências de variabilidade de gênero, representadas no símbolo “+” (LGBTQIA+) nos aplicativos WhatsApp e Telegram2020. Baltar F, Brunet I. Social Research 2.0: Virtual Snowball Sampling Method Using Facebook. Internet Res. 2012;22(1):57-74. https://doi.org/10.1108/10662241211199960
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.

Para determinar a onda zero do recrutamento, inicialmente dez participantes homens trans e pessoas transmasculinas foram incluídos como “sementes” - termo adotado para designar os participantes que iniciaram a amostragem em cadeia de referência, escolhidos de forma não aleatória1919. Naderifar M, Goli H, Ghaljaie F. Snowball Sampling: A Purposeful Method of Sampling in Qualitative Research. Strides Dev Med Educ. 2017;14(3). https://doi.org/10.5812/sdme.67670
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. Eles foram estimulados a convidar novos participantes, o que possibilitou rastrear o recrutamento de cinco grandes sementes, uma de cada região do país, assim como as respectivas cadeias de novos informantes, os “filhos das sementes” - indivíduos recrutados pelas sementes -, e resultou na representação de 17 estados2121. Heckathorn DD. Respondent-Driven Sampling: A New Approach to the Study of Hidden Populations. Social Problems. 1997;44(2):174-99. https://doi.org/10.2307/3096941
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.

Instrumentos utilizados para a coleta das informações

Foram utilizados cards temáticos, com avatares virtuais, para estabelecer comunicação com os participantes, conforme ilustrado nas Figuras 1 e 2. Além disso, a divulgação nas redes sociais ocorreu por meio de perfis e páginas criadas exclusivamente para o projeto, a saber: @cuidadoasaudedehomens, e das hashtags: #pesquisasaudehomenstransnapandemia; #pesquisasaudepessoastransmasculinasnapandemia; #saudedepessoastransmasculinaspandemia; #saúdehomenstranspandemia, e de acesso aos participantes: #homenstrans; #pessoatransmasculina; #transmasculinos; #garotostrans e #adolescentestrans.

Figura 1
Cards temáticos de divulgação da pesquisa. Salvador, BA, Brasil, 2022

Participantes

Participaram do estudo 97 homens trans e 22 pessoas transmasculinas autoidentificadas que atenderam aos critérios de inclusão: ter 18 anos ou mais, residir no Brasil, estar no país durante a pandemia da COVID-19, autoafirmar-se/reconhecer-se com identidade de gênero masculina. Foram excluídas do estudo pessoas que estavam de passagem pelo Brasil - viajantes internacionais e recém-chegadas ao país, em contexto de imigração ou refúgio. A definição de adolescente/jovem neste estudo se pautou no consenso da Organização Mundial da Saúde (OMS) e, por razões éticas, foram selecionados participantes a partir dos 18 anos, devido à impossibilidade de acessar os responsáveis dos menores por meios remotos2222. World Health Organization. Adolescent Health [Internet]. Geneva: WHO; s.d. [cited 2022 Apr 12]. Available from: Available from: https://www.who.int/southeastasia/health-topics/adolescent-health
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.

Coleta de dados

Os dados foram coletados em três etapas. A primeira foi realizada entre os meses de março e dezembro de 2021, por meio de um formulário semiestruturado on-line autoaplicado, hospedado no aplicativo da web software Google Forms, com duração de 20 a 30 minutos. Tal escolha deveu-se à ampla difusão da ferramenta no Brasil, além de ser gratuita, de fácil acesso, permitir criar e editar pesquisas on-line, com colaboração de diferentes autores em tempo real, criar design/temas personalizados, submeter as informações coletadas automaticamente para uma planilha e disponibilizar Uniform Resource Locator (URL), sob a oferta de upload file para acesso dos participantes2323. Google Forms [Internet]. 2022 [cited 2022 May 17].Available from: Available from: https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Google_Forms&oldid=1079496751
https://en.wikipedia.org/w/index.php?tit...
-2424. Como usar os Formulários Google [Internet]. 2022 [cited 2022 Mar 31]. Available from: Available from: https://support.google.com/docs/answer/6281888?visit_id=637842710058322274-&hl=pt-BR
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. O software dispõe de recursos para validação de resposta inteligente, que permite detectar a entrada de texto e sua correção. O aplicativo também adota medidas de segurança e proteção de dados, em convergência com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) vigente no país2525. Presidência da República (BR), Secretaria-Geral, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei Nº13.853, de 8 de julho de 2019. Altera a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, para dispor sobre a proteção de dados pessoais e para criar a Autoridade Nacional de Proteção de Dados; e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, 9 jul. 2019 [cited 2022 May 17]. Available from: Available from: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13853.htm#art1
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.

O formulário integrou perguntas relativas aos dados de caracterização socioidentitária, econômica, laboral e de saúde, além das seguintes questões abertas: após um ano da pandemia de COVID-19 no Brasil, você viveu algo importante e representativo em relação à sua saúde que deseja nos relatar? A pandemia da COVID-19 causou algum impacto na saúde e no cuidado da saúde? Descreva o que ocorreu.

Na segunda etapa, em fevereiro de 2022, foram realizadas entrevistas individuais remotas com os mesmos entrevistados (vinte participantes escolhidos aleatoriamente), por meio do Google Meet e de chamadas de vídeo e mensagens de áudio do WhatsApp, guiadas por um roteiro composto por questões abertas. As entrevistas ocorreram em um único encontro. Elas foram agendadas previamente, mediante autorização e disponibilidade dos participantes, a fim de responder à pergunta-guia: conte-nos mais sobre os impactos na saúde vivenciados após a pandemia?

Em posse desse conjunto de dados, procedeu-se com: (1) extração dos dados da planilha gerada pelo Google Forms; (2) verificação dos dados quanto à integridade, duplicação e incompletude; (3) organização e sistematização em arquivos próprios personalizados com o uso de códigos de identificação; (4) transcriação e correção linguística dos dados das entrevistas; (5) preparo do corpus; (6) transferência para o software NVivo12, e (7) análise dos dados2626. Fontanella BJB, Magdaleno R Júnior. Theoretical saturation in qualitative research: psychoanalytical contributions. Psicol Estudo [Internet]. 2012 [cited 2022 May 17];17(1):63-71. Available from: Available from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=287123554008
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=2...
.

Na terceira etapa, ocorrida em março de 2022, buscou-se validar as categorias e subcategorias encontradas na primeira fase com participantes e suscitar debate sobre estratégias para o cuidado da saúde e enfrentamento das adversidades evidenciadas. Assim, foram encaminhados convite e formulário on-line, respondido por dez participantes, contendo a descrição de categorias e subcategorias obtidas na análise inicial. Nessa etapa, perguntou-se aos participantes: quais são as estratégias de enfrentamento e de cuidado em saúde para homens trans e pessoas trans masculinas? O que você apontaria como importante para superar o problema apresentado na categoria? Essa fase seguiu as mesmas etapas de análise e critérios de saturação descritas na primeira e segunda fase. Considerou-se a saturação teórica dos dados a partir da densidade teórica empírica apresentada nos achados2626. Fontanella BJB, Magdaleno R Júnior. Theoretical saturation in qualitative research: psychoanalytical contributions. Psicol Estudo [Internet]. 2012 [cited 2022 May 17];17(1):63-71. Available from: Available from: https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=287123554008
https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=2...
.

Tratamento e análise dos dados

Todo material empírico foi submetido à Análise de Conteúdo Temática Reflexiva nas três etapas da pesquisa. Para isso, foram realizados vários momentos cíclicos de análise dos dados, em espiral, como forma de garantir maior abstração teórica e reflexividade. Foi procedida a leitura aprofundada, a constituição do corpus de análise, seguidas da atribuição de rótulos, o ajustamento da homogeneidade dos dados, a formulação de indicadores empíricos de análise, a ordenação, a explicação, a nomeação dos códigos e a derivação de categorias, subcategorias e os respectivos temas2727. Braun V, Clarke V. Using Thematic Analysis in Psychology. Qual Res Psychol. 2006;3(2):77-101. https://doi.org/10.1191/1478088706qp063oa
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28. Braun V, Clarke V. (Mis)Conceptualising Themes, Thematic Analysis, and Other Problems with Fugard and Potts’ (2015) Sample-Size Tool for Thematic Analysis. Int J Social Res Methodol. 2016;19(6):739-43. https://doi.org/10.1080/13645579.2016.1195588
https://doi.org/10.1080/13645579.2016.11...
-2929. Braun V, Clarke V. Reflecting on Reflexive Thematic Analysis. Qual Res Sport Exercise Health. 2019;11(4):589-97. https://doi.org/10.1080/2159676X.2019.1628806
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. Por fim, a equipe de pesquisa validou internamente os códigos, por meio do consenso entre os pares, como critérios para alcance da qualidade da análise e submeteu as categorias à corroboração pelos participantes3030. Guba EG. Criterios de Credibilidad en la Investigación Naturalista. In: Gimeno Sacristán J, Pérez Gómez A. La Enseñanza: su Teoría y su Práctica. Madrid: Ediciones Akal; 2008; p. 148-65..

Após os participantes validarem as categorias e subcategorias obtidas nas etapas, a equipe de pesquisa reconfigurou sua apresentação a partir de ajustes sugeridos. Além disso, as perguntas realizadas na terceira etapa fizeram emergir duas novas categorias. Em seguida, os achados foram interpretados a partir do conceito teórico de RB. Embora esse conceito tenha sido inaugurado pela sociologia médica e considerado a experiência da doença como referente, neste estudo adotou-se o conceito, mais ampliado, de que a RB envolve uma rotura/fissura sobre a capacidade do indivíduo de decretar uma orientação corporificada em relação ao mundo. Nesse sentido, não resulta da doença, mas das maneiras pelas quais os processos que ameaçam a integridade afetam as capacidades de uma pessoa de se envolver com a vida cotidiana88. Bury M. Chronic Illness as Biographical Disruption. Sociol Health Illn. 1982;4(2):167-82. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep11339939
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9. Williams G. The Genesis of Chronic Illness: Narrative Re-Construction. Sociol Health Illn. 1984;6(2):175-200. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep10778250
https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep1077...

10. Castellanos MEP, Barros NF, Coelho SS. Biographical ruptures and flows in the family experience and trajectory of children with cystic fibrosis. Ciên Saúde Colet. 2018;23(2): 357-68. https://doi.org/10.1590/1413-81232018232.16252017
https://doi.org/10.1590/1413-81232018232...
-1111. Engman A. Embodiment and the Foundation of Biographical Disruption. Social Sci Med. 2019;225:120-7. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2019.02.019
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2019...
. Assim, o conceito tem se mostrado útil para análise do fenômeno investigado, diante do conjunto de ameaças provocadas pela pandemia da COVID-19, como a transfobia.

Aspectos éticos

Este estudo respeitou as recomendações éticas em todas as etapas e atendeu à Regulação 466 de 2012 do Conselho Nacional de Saúde3131. Ministério da Saúde (BR), Secretaria-Executiva do Conselho Nacional de Saúde. Resolução No 466, de 12 de dezembro de 2012 [Internet]. Diário Oficial da União, 13 jun. 2013 [cited 2022 Apr 06]. Available from: Available from: https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
https://conselho.saude.gov.br/resolucoes...
, as diretrizes para pesquisas na ambiência virtual, os cuidados de vigilância e proteção dos dados gerados: uso de senhas, códigos e pastas zipadas, não utilização de correios eletrônicos coletivos, não armazenamento de dados em nuvens, preservação do anonimato com identificação dos participantes por meio da inicial H e número ordinal, por exemplo, H01, H02, H03…3232. Ministério da Saúde (BR), Secretaria-Executiva do Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Orientações para condução de pesquisas e atividade dos CEP durante a pandemia provocada pelo coronavírus SARS-COV-2 (COVID-19) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2020 [cited 2022 May 06]. Available from: Available from: https://cep.ensp.fiocruz.br/sites/default/files/orientacao_conep_covid_geral.pdf
https://cep.ensp.fiocruz.br/sites/defaul...
-3333. Ministério da Saúde (BR), Secretaria-Executiva do Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. Ofício circular No 2/2021/CONEP/SECNS/MS. Assunto: Orientações Para Procedimentos Em Pesquisas Com Qualquer Etapa Em Ambiente Virtual [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2021 [cited 2022 May 06]. Available from: Available from: http://conselho.saude.gov.br/images/Oficio_Circular_2_24fev2021.pdf
http://conselho.saude.gov.br/images/Ofic...
. Além disso, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi aplicado na modalidade imagética, e sua cópia disponibilizada por e-mail ou outra forma de escolha do participante.

Resultados

A maioria dos participantes se autoidentificou como homem trans (97), seguido de pessoas transmasculinas (22), orientação sexual heterossexual, negros (52 pretos e 47 pardos), na faixa etária entre 18 e 24 anos, solteiros, com ensino médio completo. Com relação à renda salarial, os participantes foram classificados como sem renda e com salário de até 2.900 reais, que diminuiu significativamente na pandemia. Eles trabalhavam em atividades informais (autônomo, sem carteira assinada, estudante com renda).

Quanto à situação de saúde, apontaram problemas como: ansiedade, asma, alergias respiratórias e dermatológicas/cutâneas, depressão, diabetes mellitus, dislipidemia, epilepsia, gastrite, glaucoma, hipertensão arterial, vírus da imunodeficiência humana (VIH), hiper e hipotireoidismo, hipoplasia medular, obesidade, ovários policísticos, transtorno bipolar, transtorno do pânico. Eles utilizavam exclusivamente o Sistema Único de Saúde (SUS), avaliaram a situação de saúde mental como ruim, seguido de muito ruim e consideraram a saúde espiritual, física e sexual como regular. A maior parte não foi diagnosticada com COVID-19, no entanto 18 participantes disseram ter vivenciado complicações da doença e seis tiveram reinfecção e estavam vacinados contra ela. Por fim, 47 participantes relataram ter perdido alguma pessoa próxima vítima da COVID-19.

Da análise de conteúdo, emergiram cinco categorias temáticas, apresentadas a seguir:

Tema central - Rupturas do processo de afirmação de gênero ameaçam as identidades e biografias transmasculinas

Categoria 1 - Interrupção da hormonização, cirurgias e acompanhamento especializado

[…] não consegui realizar exames de rotina, nem encontrar hormônios disponíveis nas farmácias. (H11); […] minhas consultas foram todas canceladas, precisei adiar a cirurgia de retirada das mamas. (H43); […] a paralisação dos atendimentos nos ambulatórios trans prejudicaram a minha transição hormonal. (H58); […] a produção de testosterona diminuiu na pandemia, trouxe impactos para a harmonização, não houve nenhuma política de oferta dos hormônios, por parte do governo, que nega a existência trans, não se importa com a nossa saúde. (H72); […] tive que interromper a transição e aguardar o retorno das consultas e acompanhamento no ambulatório trans. (H70); […] adiei a mastectomia; a redesignação de gênero, por meio da mastectomia masculinizadora e a histerectomia era algo muito importante, mas foi impedida com a pandemia. (H119).

Categoria 2 - Desconfortos precipitados pela ruptura das características masculinas, autoimagem, autopercepção e identidade

[…] tive de me afastar dos acompanhamentos e isso prejudicou a forma como eu me via e me percebia enquanto homem. (H10); […] tem sido muito difícil conseguir realizar agendamento no Sistema Único de Saúde (SUS), e sem os hormônios eu não consigo adquirir a passabilidade masculina. (H11); […] só tem me restado buscar por serviços de urgência, mas não resolvem as demandas da transição. (H28); […] a dificuldade em realizar exames diagnósticos e avaliação me impedem de manter a transição hormonal. Com isso, eu não alcanço as características masculinas. (H36); […] eu já tenho mais de 10 anos em hormonização, estou em um processo avançado de transição. Isso significa que as preocupações em manter a característica masculina e/ou um padrão de aparência, através das aplicações de testosterona, diminui um pouco, mas não se torna ausente, pois o meu corpo pede pela manutenção dos hormônios. É uma demanda indispensável, assim como a inserção de um diu uterino. (H119).

Categoria 3 - Vulnerabilidade a partir das perdas de familiares e pessoas significativas, emprego e fragilização das redes de apoio

[…] perdi minha mãe vítima da covid-19, o que me deixou muito vulnerável emocionalmente. (H1); […] passei a desenvolver fobia social. (H13); […] perdi amigos pela covid-19, alguns eram trans e isso trouxe um impacto grande na minha interação social e saúde mental. (H17); […] as perdas de pessoas importantes me deixaram desamparado. (H40); […] eu moro sozinho e a pandemia me deixou em “bad” pela solidão, isolamento e ausência de companhia. (H52). […] perdi o emprego, tive aumento de problemas de saúde. (H35); […] ficou tudo mais difícil financeiramente. (H27); […] aumentaram as dificuldades para me manter na escola, por falta de renda. (H31); […] perdi o emprego, fiquei sem renda fixa, fui impedido de continuar estudando. (H32); tive dificuldade para me alimentar e comprar gás para cozinhar. (H46); […] dificultou o acesso ao álcool em gel, máscara descartável. (H92).

Categoria 4 - Emergência de problemas psicoemocionais com perda do sentido da vida

[…] eu tentei suicídio. (H05); […] descobri que tenho transtorno bipolar e agravamento da depressão. (H27); […] vivenciei muitos episódios de ideação suicida. (H41); […] parecia que o meu psicológico não estava mais presente nem funcionando. Os pensamentos suicidas eram constantes na pandemia. Pensei em acabar com a vida. (H46); […] eu parei de ter interesse pela vida, engordei 15 quilos e tentei me matar. (H40); […] durante a pandemia eu recebi o laudo médico que transtorno de personalidade borderline e bipolar. (H41); […] a ansiedade e a depressão aumentaram tanto que eu tentei suicídio. (H43); […] um sofrimento e uma angústia insuportável, tão intenso que cheguei a pensar em suicídio. (H47); […] meus dias estão quase sempre tristes e com psicose, agravados pelo isolamento e o trabalho intenso na pandemia. Não sinto mais desejo de viver. (H54); tentei tirar a minha vida fazendo uso de medicamentos, pois não estava mais suportando. (H65); […] recebi o diagnóstico de depressão e transtorno de ansiedade generalizada e síndrome de pânico. (H94).

Categoria 5 - Demandas para o cuidado de enfermagem e valorização da vida de adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas no pós-pandemia

[…] a assistência de enfermagem à pessoa trans necessita ser ampliada para reduzir os danos à saúde mental. (H10); […] a criação de ações educativas virtuais para homens trans pode fornecer informações relacionadas ao cuidado com o corpo físico, mobilidade, higiene e imunidade, importante em tempos de isolamento social. (H11); […] criar uma linha de cuidados específica para o atendimento de homens trans com sequelas pós-covid-19 seria uma grande contribuição da enfermagem. (H27); […] podem desenvolver programas de saúde para enfrentamento das disforias de gênero. (H37); […] intervir diante dos agravos psiquiátricos mais prevalentes. (H54); […] as enfermeiras podem investir na construção e divulgação de informativos educativos sobre cuidados em saúde mental para homens trans. (H65); […] o uso de hormônios deve ser trabalhado pelos profissionais de enfermagem, buscando criar protocolos para manipulação, orientação do uso doméstico, tipos a serem utilizados, interações com outros fármacos, locais de aplicação, exames necessários, avaliação de taxas metabólicas, relação com demandas ginecológicas, a exemplo da lubrificação e/ou o ressecamento vaginal. (H94); […] as enfermeiras poderiam criar grupos educativos de apoio psicossocial, presencial ou virtual e gratuito, a fim de melhorar os vínculos afetivos entre os profissionais e os homens trans e transmasculinos. (H112).

Do processo analítico, elaborou-se um modelo explicativo da experiência de adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas na pandemia da COVID-19, no Brasil, diante das rupturas biográficas (Figura 2). Destacam-se no modelo as rupturas biográficas, especialmente aquelas relacionadas ao corpo e ao gênero (identificação de gênero atribuída), a interrupção da redesignação social, o acesso a tecnologias de adequação corporal, e a manutenção da saúde mental, comprometida pela exacerbação de problemáticas já vivenciadas e da emergência de novas perturbações psicoemocionais. Além disso, evidenciam-se o aumento da barreira no acesso aos serviços e às tecnologias em saúde, no alcance e na manutenção da renda, assim como o empobrecimento e a vulnerabilidade empregatícia, intelectual e laboral.

Figura 2
Modelo explicativo da experiência de adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas na pandemia da COVID-19, no Brasil, diante das rupturas biográficas. Salvador, BA, Brasil, 2022

Discussão

Este estudo revelou que rupturas biográficas somadas aos efeitos sindêmicos da pandemia comprometeram os processos de transição de gênero, repercutindo negativamente na saúde, na qualidade de vida, no bem-estar psicológico e social, nas práticas de cuidado de si e da saúde e na qualidade da atenção ofertada na rede de serviços disponíveis no Brasil. Os participantes deste estudo lançaram um olhar aguçado sobre os serviços e o cuidado, além de propor medidas para superação desse cenário.

As rupturas biográficas vivenciadas por adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas se evidenciam por mudanças no processo de afirmação de gênero, que envolve a hormonização, o acesso às tecnologias de adequação corporal, redesignação sexual e o acompanhamento especializado. Mais que isso, eles vivenciaram arranhaduras sobre a autoimagem, autoconceito, identificação, desconfortos gerados pela descontinuidade do cuidado de manutenção das características masculinas atribuídas ao corpo/gênero/imagem, assim como a produção de ameaças às identidades e biografias transgêneras masculinas no âmbito da adolescência e juventude, que contribuiu para a manifestação de sofrimento psíquico.

A atuação sensível e tecnicamente qualificada da equipe de enfermagem e a integração da equipe multiprofissional de saúde e de áreas transdisciplinares são essenciais para que durante esse ciclo vital os sujeitos alcancem seus objetivos individuais relacionados à aparência e à “passabilidade”44. Spizzirri G, Eufrásio R, Lima MCP, Nunes HRC, Kreukels BPC, Steensma TD, et al. Proportion of People Identified as Transgender and Non-Binary Gender in Brazil. Sci Rep. 2021;11(1):2240. https://doi.org/10.1038/s41598-021-81411-4
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. Além disso, tais ações podem envolver aspectos como a escolha do nome, gerenciamento de situações conflitantes como a presença da menstruação, volume das mamas e a necessidade de escondê-las com o uso de binder, dificuldade no engrossamento da voz e adequação vocal, crescimento de pelos - configuração da barba -, aplicação das primeiras doses de testosterona e até mesmo a utilização/emprego de objetos para construção de um “volume peniano” (cueca com volume/enchimento), uso de prótese (packers) no dia a dia e durante relações íntimas e/ou de pump para o crescimento clitoriano3434. Sousa D, Iriart J. “Living with dignity”: health needs and demands of trans men in Salvador, Bahia State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2018;34(10). https://doi.org/10.1590/0102-311x00036318
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.

Neste estudo se evidenciou a abrupta suspensão dos processos de cuidado que asseguravam a corporeidade e preservação da identidade dos participantes. Destaca-se que, além da suspensão de atendimento especializado para aqueles em processo de transição, muitas pessoas que procuraram recentemente cuidados de saúde de afirmação de gênero tiveram que adiar seus projetos33. Burgess CM, Batchelder AW, Sloan CA, Leong M, Streed CG Jr. Impact of the covid-19 Pandemic on Transgender and Gender Diverse Health Care. Lancet Diabetes Endocrinol. 2021;9(11):729-31. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(21)00266-7
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.

Ao provocar descontinuidades nas formas de viver e nas trajetórias identitárias expressas pelos indivíduos, a pandemia enquanto situação crítica poderá ser responsável pela transformação das vidas e pela reconstrução narrativa das biografias88. Bury M. Chronic Illness as Biographical Disruption. Sociol Health Illn. 1982;4(2):167-82. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep11339939
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9. Williams G. The Genesis of Chronic Illness: Narrative Re-Construction. Sociol Health Illn. 1984;6(2):175-200. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep10778250
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10. Castellanos MEP, Barros NF, Coelho SS. Biographical ruptures and flows in the family experience and trajectory of children with cystic fibrosis. Ciên Saúde Colet. 2018;23(2): 357-68. https://doi.org/10.1590/1413-81232018232.16252017
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-1111. Engman A. Embodiment and the Foundation of Biographical Disruption. Social Sci Med. 2019;225:120-7. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2019.02.019
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, que podem reproduzir reelaborações narrativas das relações entre futuro, passado e presente1010. Castellanos MEP, Barros NF, Coelho SS. Biographical ruptures and flows in the family experience and trajectory of children with cystic fibrosis. Ciên Saúde Colet. 2018;23(2): 357-68. https://doi.org/10.1590/1413-81232018232.16252017
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. Assim, acrescenta-se a necessidade da compreender as sobreposições e os entrecruzamentos de marcadores sociais - por exemplo, ser adolescente, trans e/ou transmasculino, negro, pobre, homossexual - que amplificaram as vulnerabilidades na pandemia na América Latina3535. Oliveira E, Couto MT, Separavich MAA, Luiz OC. The contribution of intersectionality on understanding young men’s health-disease and care in contexts of urban poverty. Interface (Botucatu). 2020;24:e180736. https://doi.org/10.1590/interface.180736
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.

Nossos achados indicam a complexidade da degradação da situação de saúde física e psicossocial, sinalizando o declínio do bem viver e bem-estar psicossocial em anos futuros. Além de danos à corporeidade e à saúde mental, direta e indiretamente causados pela pandemia, os participantes foram afetados por complicações decorrentes da COVID-19, como sintomas prolongados por síndromes e/ou sequelas da doença. Eles evidenciaram, ainda, ameaças à manutenção da identidade trans nos espaços de socialização, como no ambiente escolar e universitário, no mundo do trabalho e da empregabilidade formal, no alcance de rentabilidade econômico-financeira para a subsistência em tempos de crise, que se somaram à fragilização das redes de apoio socioafetivas, formais/institucionais ou informais, o que coloca a população pesquisada em extrema desvantagem, em termos de proteção, seguridade social e acesso aos direitos humanos.

A partir desses dados se reforça a necessidade de atentar para os desejos e vontades, muitas vezes gerenciados pela ambientalização de pessoas trans nos espaços públicos a partir das violências sociais e coletivas cometidas - bullying, rechaço, discriminação, estigmatização, representações sociais estereotipadas3636. Oliveira EM, Oliveira JF, Porcino C, Campos LCM, Reale MJOU, Souza MRR. “Male body with female gestures?”: a transvestite’s image made by nurses. Interface (Botucatu). 2019;23:e170562. https://doi.org/10.1590/interface.170562
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. Assim, a população que já era estigmatizada sofre os maiores impactos, desencadeando adoecimentos, como depressão e ansiedade, relacionados a preconceitos no ambiente de trabalho, o que gerava ainda mais insegurança e incertezas. Para as pessoas trans, a diminuição da renda resultou em menos acesso aos tratamentos hormonais de rotina e, consequentemente, mudanças corporais que afetam sua identidade de gênero, um fator estressor3737. Jarrett BA, Peitzmeier SM, Restar A, Adamson T, Howell S, Baral S, et al. Gender-Affirming Care, Mental Health, and Economic Stability in the Time of COVID-19: A Multi-National, Cross-Sectional Study of Transgender and Nonbinary People. PLoS One. 2021;16(7):e0254215. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0254215
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) significativo, conforme verificado neste estudo.

A instabilidade econômica e as barreiras do direito à dignidade humana, muitas vezes relacionadas à internalização do preconceito e às dúvidas inerentes ao período da juventude, fazem com que os adolescentes e jovens trans se culpabilizem, percam o sentido e o propósito da vida, diminuam a sua força de potência, a alegria e a esperança. Com esse caminho, muitas vezes sem saída, tentam o suicídio3838. Silva GWS, Meira KC, Azevedo DM, Sena RCF, Lins SLF, Dantas ESO, et al. Factors Associated with Suicidal Ideation among Travestis and Transsexuals Receiving Assistance from Transgender Organizations. Ciên Saúde Colet. 2021;26(Suppl 3):4955-66. https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.3.32342019
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39. Corrêa FHM, Rodrigues BB, Mendonça JC, Cruz LR. Suicide thoughts among transgender population: an epidemiological study. J Bras Psiquiatr. 2020;69(1):13-22. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000256
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-4040. Mak J, Shires DA, Zhang Q, Prieto LR, Ahmedani BK, Kattari L, et al. Suicide Attempts Among a Cohort of Transgender and Gender Diverse People. Am J Prev Med. 2020;59(4):570-7. https://doi.org/10.1016/j.amepre.2020.03.026
https://doi.org/10.1016/j.amepre.2020.03...
.

A desesperança na vida de pessoas trans surge desde as primeiras expressões da identidade de gênero com a qual se identificam, ainda na adolescência. Por exemplo, um estudo que avaliou a prevalência de ideação suicida em uma população trans nordestina no Brasil observou que a amostra tinha “assumido” a identidade de gênero antes dos 18 anos (67,3%). No grupo estudado, aqueles que assumiram na adolescência apresentavam maior prevalência de ideação suicida (36,2%)3939. Corrêa FHM, Rodrigues BB, Mendonça JC, Cruz LR. Suicide thoughts among transgender population: an epidemiological study. J Bras Psiquiatr. 2020;69(1):13-22. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000256
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. Essa fase da vida é consonante com o início das expressões de violências e agressões em suas vidas33. Burgess CM, Batchelder AW, Sloan CA, Leong M, Streed CG Jr. Impact of the covid-19 Pandemic on Transgender and Gender Diverse Health Care. Lancet Diabetes Endocrinol. 2021;9(11):729-31. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(21)00266-7
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,4141. Wiepjes CM, den Heijer M, Bremmer MA, Nota NM, de Blok CJM, Coumou BJG, et al. Trends in Suicide Death Risk in Transgender People: Results from the Amsterdam Cohort of Gender Dysphoria Study (1972-2017). Acta Psychiatr Scand. 2020;141(6):486-91. https://doi.org/10.1111/acps.13164
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-4242. Stevens HR, Acic I, Rhea S. Natural Language Processing Insight into LGBTQ+ Youth Mental Health During the COVID-19 Pandemic: Longitudinal Content Analysis of Anxiety-Provoking Topics and Trends in Emotion in LGBTeens Microcommunity Subreddit. JMIR Public Health Surveill. 2021;7(8):e29029. https://doi.org/10.2196/29029
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. Não responder aos desejos e às normas das famílias é o grande primeiro obstáculo vivenciado por essas pessoas4343. Nowaskie DZ, Roesler AC. The Impact of COVID-19 on the LGBTQ+ Community: Comparisons between Cisgender, Heterosexual People, Cisgender Sexual Minority People, and Gender Minority People. Psychiatry Res. 2022;309:114391. https://doi.org/10.1016/j.psychres.2022.114391
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. Por essas razões, o comportamento suicida se torna comum na comunidade trans, principalmente na juventude, associado às situações vexatórias e violentas às quais estão expostas, ocasionando melancolia, egodistonia e tristeza profunda4444. The Human Rights Campaign Foundation. The Economic Impact of COVID-19 Intensifies for Transgender and LGBTQ Communities of Color [Internet]. Washington, D.C.: HRC; s.d. [cited 2022 Apr 21]. Available from: Available from: https://assets2.hrc.org/files/assets/resources/COVID19-EconImpact-Trans-POC-061520.pdf?_ga=2.221041181.481573267.1659131157-1044277091.1659131157
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.

Nos Estados Unidos, as iniquidades econômicas foram registradas na comunidade LGBTQIA+. Identificou-se que 19% de pessoas transgênero e de gênero diverso e 26% de minorias étnicas transgênero e pessoas de cor com diversidade de gênero perderam empregos em comparação com 12% da população em geral33. Burgess CM, Batchelder AW, Sloan CA, Leong M, Streed CG Jr. Impact of the covid-19 Pandemic on Transgender and Gender Diverse Health Care. Lancet Diabetes Endocrinol. 2021;9(11):729-31. https://doi.org/10.1016/S2213-8587(21)00266-7
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,4545. Reisner SL, Jadwin-Cakmak L, Sava L, Liu S, Harper GW. Situated Vulnerabilities, Sexual Risk, and Sexually Transmitted Infections’ Diagnoses in a Sample of Transgender Youth in the United States. AIDS Patient Care STDS. 2019;33(3):120-30. https://doi.org/10.1089/apc.2018.0249
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. Outra investigação comparou pessoas cisgênero e trans na pandemia da COVID-19 e apontou significativo aumento da instabilidade financeira e da degradação da vida no público transgênero4646. Bordiano G, Liberal SP, Lovisi GM, Abelha L. COVID-19, Social Vulnerability and Mental Health of LGBTQIA+ Populations. Cad Saúde Pública. 2021;37(3):e00287220. https://doi.org/10.1590/0102-311x00287220
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.

A diminuição de acesso aos cuidados e a restrição de participação em grupos de conexão social ocasionaram piora nos indicadores de saúde mental, com aumento das taxas de depressão, ansiedade e suicídio4747. Pontes JC, Silva CG, Nakamura E. Transgender “Children” and “Adolescents”. Categories construction among health professionals. Sex Salud Soc (Rio J). 2020;(35):112-32. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2020.35.06.a
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. Um estudo apontou que, em relação a adolescentes LGBTQIA+, durante a pandemia de COVID-19 houve aumento da dependência de acesso a fóruns anônimos para discussão de temas que provocam ansiedade. Presume-se que isso se deve ao fato de os fóruns anônimos serem percebidos como espaços seguros para discutir estressores do estilo de vida diante das restrições aos encontros, a exemplo do fechamento de escolas4848. Araneda N, Sanhueza P, Pacheco G, Sanhueza A. Suicide in adolescents and young adults in Chile: relative risks, trends, and inequalities. Rev Panam Salud Pública. 2021;45:1. https://doi.org/10.26633/RPSP.2021.4
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.

O agravamento dos determinantes sociais da saúde durante a pandemia é um alarme que sinaliza a importância da atenção à saúde mental da população LGBTQIA+ para além dos marcadores de saúde sexual/reprodutiva, que têm o foco nas ações de cuidado a esse público, comumente reduzindo-se à prevenção e ao tratamento de infecções sexualmente transmissíveis (IST)4949. Romito M, Salk RH, Roberts SS, Thoma BC, Levine MD, Choukas-Bradley S. Exploring transgender adolescents’ body image concerns and disordered eating: Semi-structured interviews with nine gender minority youth. Body Image. 2021;37:50-62. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2021.01.008
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-5050. Santana ADS, Melo LP. COVID-19 pandemic and LGBTI+ people. (In)visibilities of social impacts. Sex Salud Soc (Rio J). 2021;(37):e21202. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2021.37.e21202a
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A adolescência trans em países como o Brasil, cuja expectativa de vida de pessoas trans é de 35 anos, sendo o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo, tem sido permeada por invasão da autonomia e violência de fórum privado, experienciada ainda na infância no ambiente intrafamiliar, repercutindo na “fuga de casa” e em comportamento violento na fase adulta5050. Santana ADS, Melo LP. COVID-19 pandemic and LGBTI+ people. (In)visibilities of social impacts. Sex Salud Soc (Rio J). 2021;(37):e21202. https://doi.org/10.1590/1984-6487.sess.2021.37.e21202a
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. Esse cenário conturbado para a vivência adolescente na transgeneridade pode ocasionar vulnerabilidades, como a prostituição e a migração forçada, envolvendo o trabalho sexual de elevado risco para o HIV, como registrado pela literatura científica sobre mulheres trans nos Estados Unidos5151. Andrzejewski J, Dunville R, Johns MM, Michaels S, Reisner SL. Medical Gender Affirmation and HIV and Sexually Transmitted Disease Prevention in Transgender Youth: Results from the Survey of Today’s Adolescent Relationships and Transitions, 2018. LGBT Health. 2021;8(3):181-9. https://doi.org/10.1089/lgbt.2020.0367
https://doi.org/10.1089/lgbt.2020.0367...
e homens trans no Canadá5252. Matthen P, Lyons T, Taylor M, Jennex J, Anderson S, Jollimori J, et al. “I Walked into the Industry for Survival and Came out of a Closet”: How Gender and Sexual Identities Shape Sex Work Experiences among Men, Two Spirit, and Trans People in Vancouver. Men Masc [Internet]. 2018 [cited 2022 May 17];21(4):479-500. Available from: Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6326376/
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.

Mesmo diante de múltiplas dificuldades, esses resultados indicaram que adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas exercitaram a autopercepção de si e da saúde em relação à pandemia de COVID-19. Além disso, eles apontaram as fragilidades dos serviços que prestam assistência à saúde, o que pode ser compreendido como denúncia, mas também como conclamação de um “pedido de socorro”. Diante de tudo que vivenciaram, os participantes indicaram caminhos para a superação dos problemas gerados pela pandemia, os quais gestores públicos de organizações governamentais e não governamentais, assim como profissionais de enfermagem, podem se beneficiar, ao conhecer e posteriormente intervir.

Dessa forma, ao enfrentar as ameaças às identidades e as rupturas impostas pela pandemia, as proposições feitas podem assegurar o domínio sobre o caos e a retomada de seus projetos inacabados e, assim, garantir um futuro resgate do controle de sua vida cotidiana88. Bury M. Chronic Illness as Biographical Disruption. Sociol Health Illn. 1982;4(2):167-82. https://doi.org/10.1111/1467-9566.ep11339939
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-1111. Engman A. Embodiment and the Foundation of Biographical Disruption. Social Sci Med. 2019;225:120-7. https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2019.02.019
https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2019...
. O equilíbrio após tais rupturas reivindicará a aceitação do corpo trans em constante mudança, pois viver implica relacionar-se com seu corpo e colocá-lo em interação contínua com outros corpos4949. Romito M, Salk RH, Roberts SS, Thoma BC, Levine MD, Choukas-Bradley S. Exploring transgender adolescents’ body image concerns and disordered eating: Semi-structured interviews with nine gender minority youth. Body Image. 2021;37:50-62. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2021.01.008
https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2021.01...
.

Assim, especificamente para o campo da enfermagem, este estudo apontou diversas proposições que podem contribuir para a redefinição das ações/intervenções, competências e habilidades de enfermagem na saúde de homens5353. Oliveira JA, Araújo IFM, Silva GTR, Sousa AR, Pereira A. Strategies and competences of nurses in men’s health care: an integrative review. Rev Bras Enferm. 2020;73(Suppl 6):e20190546. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0546
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-5454. Sousa AR, Oliveira JA, Almeida MS, Pereira A, Almeida ES, Vergara-Escobar OJ. Implementation of the National Policy for Comprehensive Attention to Men’s Health: challenges experienced by nurses. Rev Esc Enferm USP. 2021;55:e03759. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2020023603759
https://doi.org/10.1590/s1980-220x202002...
. Esta pesquisa também sugere a elaboração de novas propostas, que poderão acontecer no campo da gestão/gerenciamento do serviço e da assistência/cuidado de enfermagem, da formação e da pesquisa, a partir do desenvolvimento de projetos e investigações que se comprometam com a melhoria da qualidade/expectativa de vida da população trans, além da atuação técnico-profissional na intervenção clínica e educativa com adolescentes e jovens homens trans e pessoas transmasculinas5555. Rosa DF, Carvalho MVF, Pereira NR, Rocha NT, Neves VR, Rosa AS. Nursing Care for the transgender population: genders from the perspective of professional practice. Rev Bras Enferm. 2019;72(Suppl 1):299-306. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0644
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
, como a proteção à saúde mental masculina e a melhoria dos hábitos de vida e cuidados pós-pandemia5656. Sousa AR, Alves GV, Queiroz AM, Florêncio RMS, Moreira WC, Nóbrega MPS, et al. Men’s mental health in the COVID-19 pandemic: is there a mobilization of masculinities?. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1):e20200915. http://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0915
http://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-09...
-5757. Sousa AR, Teixeira JRB, Mota TN, Santana TS, Santos SD, Merces MC, et al. Coping strategies, concerns, and habits of Brazilian men in the COVID-19 context. Rev Bras Enferm. 2021;74(Suppl 1):e20210040. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0040
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0...
.

Nesse sentido, é emergencial o engajamento de profissionais de enfermagem no acolhimento e na produção do cuidado sensível e inclusivo. Além disso, deve-se advogar pelo fortalecimento de iniciativas já institucionalizadas, como o Programa Saúde na Escola, o conjunto de ações da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, as ações da Varas da Infância e da Juventude e dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social. É preciso defender também a existência dos movimentos sociais e dos coletivos de pessoas trans e pessoas transmasculinas, seja na ambiência física ou virtual.

Este estudo tem limitações, pois mostra um cenário parcial da realidade, uma vez que as múltiplas interseccionalidades que estão em jogo nos contextos particulares abrem novos limites que precisam de ser explorados. Independentemente de o fenômeno ser temporário (sindêmico), existe uma doença social (reforçada durante a pandemia) que é a transfobia, que continua sendo um fio comum nas experiências dos jovens e adolescentes transexuais masculinos.

Os esforços analíticos apresentados possibilitaram um trabalho de evidenciar vozes interditadas e construir um espaço de reivindicação por meio da pesquisa. Este estudo também revelou como a pandemia de COVID-19 produziu degradação e descontinuidade (rupturas) nas biografias dos participantes, expressas no comprometimento identitário, oportunizado pela transição de gênero, conduzindo-os à perda de sentido da vida. Assim, a pesquisa demonstrou os impactos na vida de jovens homens trans e pessoas transmasculinas e colaborou para o avanço do conhecimento na área ao construir um modelo explicativo que poderá servir de instrumento instrutivo no cuidado em enfermagem.

Conclusão

Este estudo compreende que a pandemia de COVID-19 ocasionou prejuízos à saúde mental e à qualidade de vida da população estudada, evidenciados pelas rupturas biográficas do processo de transição e afirmação de gênero e redesignação sexual, assim como pela dificuldade de acesso aos serviços de saúde.

Esta pesquisa também indica possibilidades para o trabalho em enfermagem na promoção da transgeneridade saudável na adolescência e juventude, agindo com ações estratégicas e essenciais na superação das ameaças, intervindo antecipadamente. Ademais, o estudo evidencia resultados que serão úteis para instrumentalizar agentes públicos, profissionais de saúde e a sociedade civil organizada na promoção e prevenção de agravos em saúde, em um exercício coletivo de resiliência pós-pandemia.

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  • *
    Este artigo refere-se à chamada temática “Saúde dos adolescentes e o papel do enfermeiro”. Editado pela Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. A publicação deste suplemento foi apoiada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). Os artigos passaram pelo processo padrão de revisão por pares da revista para suplementos. As opiniões expressas neste suplemento são exclusivas dos autores e não representam as opiniões da OPAS/OMS.

Editado por

Editora Associada: Andrea Bernardes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2022
  • Aceito
    25 Jul 2022
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