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Vivências de familiares de pacientes com colostomia e expectativas sobre a intervenção profissional

Resumos

OBJETIVO:

o objetivo foi compreender a experiência de um grupo de familiares de pacientes com colostomia, revelando suas expectativas em relação à intervenção de profissionais de saúde.

MÉTODO:

pesquisa qualitativa, com abordagem fenomenológica social de Alfred Schütz, realizada em Montevidéu, em 2012. Participaram doze familiares de pacientes com colostomia de um serviço de ostomia de uma instituição de saúde.

RESULTADOS:

foram identificadas as seguintes categorias: o vínculo familiar, a confiança na equipe de saúde, a enfermeira como articuladora do processo, o desejo de humanizar o cuidado e a adaptação a uma nova vida familiar.

CONCLUSÕES:

foram conhecidas a vivência e as expectativas das famílias de pacientes com colostomia, enfatizando-se as relações familiares prévias, a fim de se construir sobre elas, e a confiança na equipe de saúde, enfatizando a enfermeira como articuladora do processo. As expectativas foram centradas no desejo de cuidado humanizado, melhorando a adaptação da família nuclear ao novo modo de vida, resgatando e potencializando os seus pontos fortes, e colaborando para a superação de suas fraquezas.

Colostomia; Cuidados de Enfermagem; Acontecimentos que Mudam a Vida; Família; Relações Profissional-Família


OBJECTIVE:

the objective was to understand the experience of a group of family members of patients with colostomies, revealing their expectations regarding the intervention of health professionals.

METHOD:

qualitative research, with the social phenomenological approach of Alfred Schütz, conducted in Montevideo in 2012; twelve family members of patients with colostomies participated, from an ostomy service of a health institution.

RESULTS:

the following categories were identified: family ties, trust in the health care team, the nurse as the articulator of the process, the desire to humanize care, and adaptation to new family life.

CONCLUSIONS:

knowing the experience and expectations of the families of colostomy patients was achieved, emphasizing the previous family relationships to build upon them, and the trust in the health team, emphasizing the nurse as articulator of the process. Expectations focused on the desire for humanized care, enhancing adaptation of the nuclear family to the new way of life, restoring and enhancing its strengths, and collaborating in overcoming its weaknesses.

Colostomy; Nursing Care; Life Change Events; Family; Professional-Family Relations


OBJETIVO:

el objetivo fue conocer la vivencia de un grupo de familiares de pacientes portadores de colostomía, develando sus expectativas en relación a la intervención de los profesionales sanitarios.

MÉTODO:

investigación cualitativa, con enfoque fenomenológico social de Alfred Schütz, realizada en Montevideo en 2012, participaron doce familiares de pacientes portadores de colostomía, de un servicio de Ostomizados de una institución sanitaria.

RESULTADOS:

se identificaron las categorías: el vínculo familiar, la confianza en el equipo de salud, la enfermera como articuladora del proceso, el deseo de humanización del cuidado y la adaptación a la nueva vida familiar.

CONCLUSIONES:

se logró conocer la vivencia y expectativas de los familiares de pacientes colostomizados, enfatizando en las relaciones familiares previas para construir sobre ellas y la confianza en el equipo de salud, destacando a la enfermera como articuladora del proceso. Las expectativas se centran en el deseo de un cuidado humanizado, favoreciendo la adaptación del núcleo familiar al nuevo modo de vida, rescatando y potenciando sus fortalezas, y colaborando en la superación de sus debilidades.

Colostomía; Atención de Enfermería; Acontecimientos que Cambian la Vida; Familia; Relaciones Profesional-Familia


Introdução

O câncer colorretal ocupa a primeira posição em termos de incidência e mortalidade, como o terceiro tipo de câncer mais comum em homens e o segundo em mulheres em todo o mundo( 11. World Health Organization - International Agency for Research on Cancer. Colorectal Cancer Incidence, Mortality and Prevalence Worldwide. France: Globocan; 2008. ), o que significa problema de saúde pública de particular complexidade. O Uruguai não escapa a essa realidade, de acordo com dados da Comissão Honorária de Luta Contra o Câncer no país, organização que integra a rede de Sistemas de Informação e Epidemiologia do Câncer (Redepican), que inclui registros da Espanha e da América Latina( 22. Comisión Honoraria de Lucha contra el Cáncer (UR). Informe 2010. Programa de Vigilancia Epidemiológica. Registro Nacionald el Cáncer. Montevideo (Uruguay); 2010. ).

Esse tipo de câncer, apesar de não ser a única causa, é uma das principais razões para a realização de colostomia, como uma das intervenções indicadas para descomprimir e evacuar a área afetada de maneira aceitável, entre outras. Em um sistema de saúde com dados epidemiológicos, como aqueles destacados acima, a experiência das pessoas que vivem com colostomia é um fenômeno cuja compreensão completa é necessária, para proporcionar a melhor qualidade dos cuidados de saúde. Há teorias que abordam o processo de cuidado em relação ao tema, fornecendo insumos para a compreensão do impacto causado por esse tipo de alteração, cuja compreensão pelos profissionais que fazem parte da equipe de saúde é necessária( 33. Ferreira A. Proceso de atención al paciente ostomizado: gestión de cuidados integrales. Montevideo: Ed. Psicolibros Waslala; 2011. ). Alguns estudos enfatizam a importância de ir além da esfera puramente biológica em direção a uma abordagem biopsicossocial, em que a abordagem abrangente, oferecendo apoio na tomada de decisões, torna-se relevante para responder ao cuidado que o usuário requer( 44. Kingsley L, Simmons J. Adjustment to colostomy: stoma acceptance, stoma care self-efficacy and interpersonal relationships. J Adv Nurs. 2011; 60(6):627-35. - 55. Souza PCM, Costa VRM, Maruyama SAT, Costa ALRC, Rodrigues AEC, Navarro. As repercussões de viver com uma colostomia temporária nos corpos: individual, social e político. Rev Eletr Enferm. [Internet]. 2011 [acesso 21 fev 2013]; 13(1):50-9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v13i1.7928.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216...
).

Nessa linha, entende-se que, a fim de abordar a pessoa com colostomia de forma abrangente, ela deve ser vista como um ser com os outros, dentro de um contexto familiar ao qual pertence e com o qual interage por meio de relações intersubjetivas. O apoio da família é fundamental para a aceitação e a adaptação a uma nova forma de vida( 66. Santana J, Dutra B, Tameirão M, Silva P, Moura I, Campos A. O significado de ser colostomizado e participar de um programa de atendimento ao ostomizado. Cogitare Enferm. 2010;15(4):631-8. ).

Por essas razões, é necessário que os profissionais de saúde possam entender como é viver com uma ostomia, em todas as suas múltiplas dimensões, de maneira que possam pensar sobre o cuidado como uma resposta às necessidades que são geradas, muitas das quais estão relacionados ao ambiente social e de trabalho, à sexualidade, ao medo da rejeição( 77. Batista MRFF, Rocha FCV, Silva D, Silva F. Autoimagem de clientes com colostomia em relação à bolsa coletora. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1043-7. ). É fundamental entender os hábitos, percepções e atitudes, sentimentos e emoções demonstradas nas mais diversas situações que acontecem aos pacientes( 88. Maruyama S, Zago M. O processo de adoecer do portador de colostomia por câncer. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2005;13(2):216-22. ), enquanto compreende-se aqueles que acompanham e os apoiam nessa experiência de mudança de vida( 99. Bellato R, Maruyama S, Moraes e Silva C, Castro, P. A condição crônica ostomia e as repercussões que traz para a vida da pessoa e sua familia. Ciênc Cuid Saúde. 2007;6(1):40-50. ).

Há evidências da importância do envolvimento da família no processo em todos os níveis de atenção, incluindo o ambiente de casa, tanto no âmbito da assistência hospitalar como no ambiente domiciliar( 1010. Bachelet V, Collet G, Ribal A. The role of the stoma therapy nurse in the preoperative period. Rev Infirm. 2012;(181):25-6. ). Tanto no cuidado hospitalar quanto no ambiente domiciliar, as famílias são referência para os profissionais, que lhes permitem desenvolver seu plano de cuidados. Assim, a compreensão da vida dos membros da família como atores relevantes no processo e enfatizados pelo paciente( 1111. Silva A, Shimizu H. O significado da mudança no modo de vida da pessoa com estomia intestinal definitiva. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2006;14(4):483-90. ) pode gerar conhecimento que permita melhorias na prática profissional e, portanto, alcançar melhor cuidado com benefícios para o receptor do cuidado, que é apoiado pelo meio ambiente como um lugar biográfico de vida e de experiências( 1212. Alvarenga P, Neide A. Perspectiva educativa do cuidado de enfermagem sobre a manutenção da estomia de eliminação. Rev Bras Enferm. 2011;64(2):322-7. ). Nesse sentido, os serviços e profissionais de saúde devem estar preparados e organizados para esse desafio, entre outras coisas, pois o cuidado da família é um apoio indispensável no processo de doenças crônicas, impactando positivamente os sistemas de saúde e a saúde pública( 1313. Ledón L. Enfermedades crónicas y vida cotidiana. Rev Cubana Salud Pública. 2011;37(4):488-99. ).

Com base no exposto, este estudo foi guiado pelas seguintes questões: qual é a experiência de ser um familiar de um paciente com colostomia? Quais são as expectativas que os membros da família têm em relação ao cuidado de profissionais de saúde? Como visualizam os processos familiares no futuro? Diante de tais questões e da necessidade de se obter informações ricas e profundas, foi escolhido o método qualitativo, com abordagem fenomenológica social, conhecendo as possibilidades de compreensão que ele oferece, conforme descrito abaixo.

Nessa linha, o objetivo deste estudo foi definido como: conhecer a experiência de um grupo de familiares de pacientes com colostomia, revelando suas expectativas em relação à intervenção de profissionais de saúde.

Métodos

Este foi um estudo qualitativo, baseado na premissa de que só é possível o conhecimento sobre os indivíduos com uma descrição da experiência humana, como é vivida e definida por seus atores. Foi escolhido o método fenomenológico como referencial teórico-filosófico, a fim de compreender a realidade da vida cotidiana em que os sujeitos foram imersos( 1414. Andrade C, Holanda A. Apontamentos sobre pesquisa qualitativa e pesquisa empírico-fenomenológica. Estud Psicol. (Campinas). 2010;27(2):259-68. ).

A abordagem escolhida foi a da fenomenologia social de Alfred Schütz, que oferece um método sistemático para melhor compreensão dos aspectos sociais da ação humana. Essa abordagem fornece um caminho que articula conceitos de intersubjetividade, situações biográficas, relações sociais, expectativas e outros que possam melhor entender o mundo social das pessoas( 1515. Camatta M, Nasi C, Schaurich D, Schneider J. Contribuciones de la sociología fenomenológica de Alfred Schütz para las investigaciones en enfermería. Braz J Nurs. 2008;7(2):78-98. ), e, nesse caso, das relações paciente/família. A compreensão do fenômeno envolve análise do comportamento social em relação aos motivos e propósitos. Schütz distinguiu dois tipos de motivos para o comportamento social: aqueles que envolvem a ação e a finalidade são os "motivos dados..." ou "motivos para...", e aqueles que assumem o cenário dos atores, o ambiente, a disposição psíquica são os "motivos devido a..." ou "motivos porque..."( 1616. Schutz A, Luckmann T. Las estructuras del mundo de la vida. Buenos Aires: Amorrortu; 2009. ).

Essa abordagem é permeada por conceitos que são baseados em nosso mundo, que é composto por semelhanças, com uma intersubjetividade compartilhada, em que as experiências são interpretadas reciprocamente( 1616. Schutz A, Luckmann T. Las estructuras del mundo de la vida. Buenos Aires: Amorrortu; 2009. ), em que a referência é a ideal para a compreensão dos processos intersubjetivos que ocorrem no ambiente doméstico com o paciente. Por sua vez, as atitudes são influenciadas pelo estoque de conhecimento e pela situação biográfica de cada sujeito, de modo que experiências vividas anteriormente são armazenadas, determinando os elementos relevantes da ação. Essas contribuições também são importantes para a compreensão dos processos de interação profissional/paciente/família, contribuindo para a melhoria da prática profissional( 1515. Camatta M, Nasi C, Schaurich D, Schneider J. Contribuciones de la sociología fenomenológica de Alfred Schütz para las investigaciones en enfermería. Braz J Nurs. 2008;7(2):78-98. ).

O estudo foi realizado na cidade de Montevidéu, Uruguai, com doze participantes familiares adultos de pacientes com colostomia, de ambos os sexos, com idade entre 32 e 62 anos, cujo grau de parentesco era de filho, cônjuge ou irmão. Os critérios de inclusão foram: familair com mais de 18 anos de idade de um paciente no pós-operatório, por três meses ou mais, que vive com o paciente, antes e após a cirurgia, sendo a referência de apoio da família. Os indivíduos foram cuidadosa e intencionalmente selecionados a partir de um banco de dados conhecido pelo pesquisador, a partir de um serviço de estoma de uma instituição de saúde, em Montevidéu, Uruguai. Foram selecionados por seu potencial de oferecer informações profundas e detalhadas sobre o assunto de interesse, dado o tipo de estudo( 1717. Martínez-Salgado C. El muestreo en investigación cualitativa: principios básicos y algunas controversias. Ciênc Saúde Coletiva. 2012;17(3):613-9. ). Inicialmente, entrou-se em contato por telefone e, em seguida, por uma visita, para explicar o escopo da sua participação. A coleta de dados foi realizada entre junho e outubro de 2012, por meio de entrevistas, em profundidade, em torno de 60 minutos de duração. As entrevistas foram estabelecidas de acordo com os sujeitos participantes e ocorreram em suas casas, em um espaço livre de interrupções, garantindo o anonimato, privacidade e confidencialidade das informações fornecidas. As considerações éticas estabelecidas no Decreto nº 379/008, para a pesquisa envolvendo seres humanos do país, foram respeitadas, informando os participantes sobre os objetivos do estudo, o escopo, e todos os aspectos relacionados no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi assinado. O estudo foi aprovado pelo Comitê Consultivo de Ética da Escola de Enfermagem e Tecnologias da Saúde da Universidad Católica del Uruguay (Universidade Católica do Uruguai), com número de Protocolo 005/2012.

Dado o tipo de estudo, o número de participantes não foi previamente definido, sendo a coleta de dados encerrada quando as preocupações do estudo foram respondidas e os objetivos alcançados, com as respostas começando a se tornar repetitivas( 1818. Noreña A, Alcaraz-Moreno N, Rojas J, Rebolledo D. Aplicabilidad de los criterios de rigor y éticos en la investigación cualitativa. Aquichán-Col. 2012;12 (3):213-27. ), apresentando sinais que desvendassem o fenômeno. As entrevistas foram marcadas com códigos para respeitar o anonimato dos sujeitos, identificando-os com a letra E (de entrevista, na língua espanhola), seguida por um número sequencial de 1 a 12.

As questões norteadoras foram: qual é sua experiência como familiar de um paciente com colostomia? Quais são suas expectativas em relação ao cuidado de profissionais de saúde? Como você visualiza sua família no futuro? Essas questões foram definidas à luz do referencial teórico-filosófico escolhido, em busca de um guia para o desvendar do fenômeno em questão. As entrevistas foram gravadas em um dispositivo eletrônico e transcritas com precisão, garantindo a integridade do processo.

A análise dos dados seguiu os mesmos passos propostos para métodos qualitativos, análise de dados fenomenológica( 1919. Merighi MAB, Jesus MCP, Domingos SRF, Oliveira DM, Baptista PCP. Being a nursing teacher, woman and mother: showing the experience in the light of social phenomenology. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(1):164-70. ) por meio de leitura cuidadosa de cada entrevista para compreender o sentido global da experiência vivida de cada sujeito; agrupamento dos aspectos significativos para compor categorias concretas, análise dessas categorias, buscando a expressão da experiência dos familiares de pacientes com colostomia; discussão dos resultados à luz da fenomenologia social e outras referências relacionadas ao tema. As categorias concretas foram compostas por descrições que mostram a experiência dos sujeitos, nomeando-os para encontrar convergências à luz da referência.

Resultados

Na análise das entrevistas, utilizando a abordagem fenomenológica, categorias emergiram: o vínculo familiar, a confiança na equipe de saúde, a enfermeira como articuladora do processo, o desejo de humanizar o cuidado e a adaptação à nova vida familiar.

Considerando os conceitos de princípio da referência filosófica, observou-se que em cada categoria os "motivos porque" (contexto e experiências pessoais) e os "motivos para" (projetos e expectativas) emergiram. Trechos de entrevistas que levaram às categorias formadas são apresentados a seguir.

O vínculo familiar (motivos porque)

Os sujeitos do estudo mostraram em seus discursos a importância do vínculo familiar prévio, a partir dos quais as relações foram construídas com o paciente. Alguns trechos de entrevistas que resultaram nessa categoria estão mostrados abaixo.

Nós sempre tivemos um relacionamento muito aberto muito honesto, contávamos tudo um ao outro e não tínhamos tabus. Isso ajudou muito, a confiança de saber que sua esposa está lá para você o que quer que aconteça ajuda você a se sentir mais confiante (E2).

Não foi fácil, nada fácil, mas eu tenho certeza de que ele confia em nós. No início, foi muito difícil, aparecer, até sentar para jantar, e eu dizia a ele: mas, velho, não nos conhecemos hoje, faz 20 anos que estamos juntos, eu conheço você, as crianças sabem como você é (E6).

A confiança na equipe de saúde (motivos porque)

Esta categoria foi composta pelas referências dadas à equipe de saúde e os diferentes níveis de confiança neles gerados, com intervenções como:

Eu estava muito tranquila, porque desde o início, vimos que o médico e a enfermeira sabiam o que estavam fazendo. Nos explicaram tudo, o enfermeiro veio duas vezes à nossa casa e nos deu confiança, disse que iria nos acompanhar todo o caminho (E4).

Foi difícil, não conhecia ninguém e estávamos meio sozinhos. Ele foi para a sala de emergência com uma dor horrível na barriga e me separaram dele, porque eles tinham que fazer as coisas. Eu senti medo... Ninguém me explicou nada e eu estava meio desconfiada, porque eles iam e vinham, e colocavam coisas nele e ninguém me explicava nada (E7).

O enfermeiro como articulador do processo (motivos porque)

A figura do enfermeiro emerge, em todos os casos, como aquele que articula, coordena e conduz o processo de apoio e aconselhamento do processo de cuidado, como parte da situação contextual do paciente e da família. Alguns trechos de entrevistas que enfatizaram esse aspecto são apresentados abaixo.

A enfermeira que vinha nos ajudou muito, tem uma que se especializa nisto e é como se tudo ficasse claro pra você. Acontece uma relação que te dá tranquilidade. E ela falava pra nós dois, eu e ele, e esclarecia uma pilha de coisas sobre as quais tínhamos dúvidas. Eu recorri a ela muitas vezes para vir e mediar, porque ele ficava tão mal quando se sujava (E3).

Teve muitos dias difíceis. Desde o primeiro dia, teve uma enfermeira que era a única que conhecia o "ânus não natural". Foram na nossa casa e nos explicaram como usar o banheiro, e reuniram eu, ele e minha filha para nos dizer como fazer para apoiar (E8).

O desejo de humanizar o atendimento (motivos para)

Em relação às expectativas e projeções futuras, surgiu o desejo de cuidado humanizado que se mantinha, entre outros, nas falas como as seguintes.

Eu sempre tive a sensação de frieza que existe nos hospitais, onde por mais o que o atendam bem, tem coisas que são tão frias. O que eu valorizo e que eu gostaria é que eles fossem mais humanos com a gente, isto é, não são eles, é que o lugar é assim, tão diferente da nossa vida diária, né? (E5).

Minha grande expectativa é a proximidade, que aconteceu em alguns casos, o jovem que nos atendia era um luxo, como se fosse amigo da família. Vinha, sentava e explicava tudo com palavras iguais às nossas (E9).

A adaptação a uma nova vida familiar (motivos para)

Os novos desafios enfrentados pela família emergiram da seguinte maneira:

Oh, Deus, temos tanta coisa para fazer, mas o que importa é que ele está bem, operado, mas bem e com a gente... e como eu disse, agora você tem que pensar no futuro, temos que nos adaptar a umas coisas, mas a vida continua (E4).

E você tem que se acostumar, né? A enfermeira nos contou tudo que seria novo, deixou tudo anotado e isso serve para estudar (ri), você tem que se acostumar a levar aros e essas coisas que estão anotadas aqui, e eu vou apoiá-lo para se acostumar mais (E7).

Eu tinha tantas coisas novas para aprender que o meu desejo era estar acompanhada, que me ajudassem a me adaptar às coisas novas, o que sei eu, agora, tem que se adaptar a levar coisas nas viagens, nas saídas, você tem se organizar (E9).

Discussão

Compreender a experiência de vida dos sujeitos do estudo, como familiares de pacientes com colostomia, permite a visualização de alguns aspectos relacionados ao seu contexto e suas experiências com base a partir da qual interagem, convivem e contribuem para o cuidado de saúde, assim como outros em relação às suas expectativas e projeções futuras. Evidenciou-se a maneira pela qual vivenciam o mundo cotidiano familiar, a partir da abordagem fenomenológica social( 1616. Schutz A, Luckmann T. Las estructuras del mundo de la vida. Buenos Aires: Amorrortu; 2009. ).

As categorias emergidas, relacionados aos "motivos porque", representaram a bagagem com que contam os sujeitos, a partir da qual constroem sua realidade ao lado do paciente com colostomia, mostrando que os membros da família ressaltam temas relacionados ao vínculo familiar, à confiança na equipe de saúde e à enfermeira como articuladora do processo.

Em relação ao vínculo familiar, destaca-se que é construído a partir do que cada pessoa traz de sua experiência anterior, tendo como ponto de partida as circunstâncias de sua situação biográfica, acervo de conhecimentos e experiências anteriormente vividas( 1414. Andrade C, Holanda A. Apontamentos sobre pesquisa qualitativa e pesquisa empírico-fenomenológica. Estud Psicol. (Campinas). 2010;27(2):259-68. , 1616. Schutz A, Luckmann T. Las estructuras del mundo de la vida. Buenos Aires: Amorrortu; 2009. ). Na ausência de conhecimento prévio desse tipo de situações, as pessoas tornam-se suscetíveis, tanto os pacientes quanto seus familiares, vivenciando a falta de adaptação e depressão como achados comuns( 2020. Cotrim H, Pereira G. Impact of colorectal cancer on patient and family: implications for care. Eur J Oncol Nurs. 2008;12(3):217-26. ). As relações familiares anteriores a essa experiência de saúde são fundamentais, pois, a partir delas, os vínculos subsequentes serão construídos. Existe evidência sobre a contribuição de conhecimento prévio da situação sociofamiliar na identificação de problemas, facilitando estratégias de atenção eficazes( 2121. Popek S, Grant M, Gemmill R, Wendel CS, Mohler MJ, Rawl SM, et al. Overcoming challenges: life with an ostomy. Am J Surg. 2010;200(5):640-5. ). A equipe de saúde e, especialmente, aqueles que lideram o plano de cuidados desses pacientes devem conhecer profundamente aspectos familiares como seu ponto de partida especial e o diferencial de cada caso.

Na linha do anterior, surge como elemento de destaque a confiança na equipe de saúde. O nível de confiança que existe é de relevância para o paciente e a sua família. A relação com os outros, permeada por intersubjetividade, denota um mundo compartilhado com os semelhantes( 1212. Alvarenga P, Neide A. Perspectiva educativa do cuidado de enfermagem sobre a manutenção da estomia de eliminação. Rev Bras Enferm. 2011;64(2):322-7. ), em que os profissionais desempenham papel de destaque. O exposto coincide com as contribuições da fenomenologia de Schütz, que enfatiza a relação face a face, a partir da concepção de que há sempre outras pessoas que estão dentro da nossa experiência de vida e que colaboram com cada pessoa intersubjetivamente( 1616. Schutz A, Luckmann T. Las estructuras del mundo de la vida. Buenos Aires: Amorrortu; 2009. ). Além disso, os dados foram consistentes com estudos que enfatizavam que o desafio daqueles que compartilharam um espaço com esses pacientes era encontrar formas de incentivar a sua participação na vida social( 44. Kingsley L, Simmons J. Adjustment to colostomy: stoma acceptance, stoma care self-efficacy and interpersonal relationships. J Adv Nurs. 2011; 60(6):627-35. ), onde o profissional surge como uma figura de apoio à transição para novas experiências, bem como o apoio familiar( 2121. Popek S, Grant M, Gemmill R, Wendel CS, Mohler MJ, Rawl SM, et al. Overcoming challenges: life with an ostomy. Am J Surg. 2010;200(5):640-5. ).

Dentro da equipe de saúde, emerge o enfermeiro como o articulador do processo. Os familiares veem a figura desse profissional como a mais próxima, a que interage mais em relação ao cuidado e apoio contínuo, coincidindo com estudos de diferentes contextos( 77. Batista MRFF, Rocha FCV, Silva D, Silva F. Autoimagem de clientes com colostomia em relação à bolsa coletora. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1043-7. , 2222. Bachelet V. The training of stomatherapy nurses. Rev Infirm. 2012;(181):29. ). As pessoas com colostomia devem viver a experiência de se aceitar como um ser diferente, exigindo um ajuste de sua imagem e autoconceito( 55. Souza PCM, Costa VRM, Maruyama SAT, Costa ALRC, Rodrigues AEC, Navarro. As repercussões de viver com uma colostomia temporária nos corpos: individual, social e político. Rev Eletr Enferm. [Internet]. 2011 [acesso 21 fev 2013]; 13(1):50-9. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v13i1.7928.
Disponível em: http://dx.doi.org/10.5216...
), bem como de enfrentar, junto com sua família, várias complicações que precisam ser abordadas profissionalmente. Nesse processo, a enfermeira, por meio da relação de ajuda, acompanha, educa e apoia o processo familiar de adaptação, concordando com os autores que enfatizaram a figura desse profissional como assessor, consultor e gestor de cuidados na relação terapêutica( 33. Ferreira A. Proceso de atención al paciente ostomizado: gestión de cuidados integrales. Montevideo: Ed. Psicolibros Waslala; 2011. , 77. Batista MRFF, Rocha FCV, Silva D, Silva F. Autoimagem de clientes com colostomia em relação à bolsa coletora. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1043-7. ).

Em relação às suas expectativas, com foco nos "motivos para" do referencial, emergiram o desejo de humanização do cuidado e adaptação à nova vida familiar. Surgem, especialmente nas entrevistas, aspectos relacionados ao desejo de cuidado mais humano por parte dos provedores de saúde, tanto em internação convencional quanto no nível de cuidados primários. Humanizar o cuidado da saúde é um desafio para os sistemas de saúde, atualmente. O cuidado humanizado, concordando com os autores, significa proporcionar atenção integral, tendo especialmente em conta o lado humano das pessoas a quem o cuidado é destinado, como de sua família e do seu ambiente( 2323. Borwell B. Rehabilitation and stoma care: addressing the psychological needs. Br J Nurs. 2009; 18(4):S20-2,S24-5. ). A partir dessa perspectiva, é necessário gerar um espaço de diálogo com o paciente e sua família, promovendo a expressão de sentimentos e mostrando respeito pelo seu ambiente familiar e pessoal( 2424. Araújo F de; Ferreira M. Social representations about humanization of care: ethical and moral implications. Rev Bras Enferm. 2011;64(2):287-93. ).

Nesse sentido, as necessidades de cuidados calorosos, próximos, permeiam as entrevistas realizadas neste estudo. O revelar dessa necessidade acima das outras, que poderia ser motivo de preocupação igual ou maior ao paciente, denota a importância de compreender o fenômeno do estudo, dando insumos para lidar com o ser humano em todas as suas dimensões, de acordo com estudos que destacam os valores e sentimentos das pessoas( 77. Batista MRFF, Rocha FCV, Silva D, Silva F. Autoimagem de clientes com colostomia em relação à bolsa coletora. Rev Bras Enferm. 2011;64(6):1043-7. , 1010. Bachelet V, Collet G, Ribal A. The role of the stoma therapy nurse in the preoperative period. Rev Infirm. 2012;(181):25-6. ). É, então, um desafio impregnar o cuidado e a interação profissional/paciente/família do componente humano, deixando de lado o modelo biologicista que transcende, muitas vezes, as instituições de saúde.

Por fim, não é menor a projeção que os sujeitos do estudo fazem em relação à adaptação a uma nova vida familiar. Em todos os casos, visualiza-se um mundo compartilhado, que pressupõe o enfrentamento dos novos estilos de vida familiares. Surge o desejo de um mundo com os outros, envolto por relações sociais, em princípio no ambiente familiar mais próximo, que foi baseado nos conceitos que permeiam a abordagem filosófica( 1616. Schutz A, Luckmann T. Las estructuras del mundo de la vida. Buenos Aires: Amorrortu; 2009. ) deste estudo. Por sua vez, ressalta-se a importância de se adaptar a novos desafios, de acordo com estudos que destacam a adaptação do paciente vivendo com a ostomia( 2525. Barnabe N, Dell'Acqua M. Coping strategies of ostomized individuals. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2008;16(4):712-9. ) e as limitações e superação da discriminação( 66. Santana J, Dutra B, Tameirão M, Silva P, Moura I, Campos A. O significado de ser colostomizado e participar de um programa de atendimento ao ostomizado. Cogitare Enferm. 2010;15(4):631-8. ), juntamente com as vivências que acontecem no ambiente familiar, a fim de aprender uma nova maneira de viver com os temores sobre a possível propagação do câncer que motivou a realização da colostomia. Essas necessidades, com enfoque integral do cuidado do pacientes e de sua família, devem ser abordadas pela equipe de saúde, para planejar um processo de adaptação e reinserção adequado.

As contribuições deste estudo permitem visualizar caminhos para a melhoria da prática profissional, pois mostra aspectos relevantes a serem levados em conta no plano de cuidados e serviços de saúde a esse tipo de família, pelos profissionais. No entanto, apesar de suas contribuições, esse estudo foi limitado a um campo específico, não oferecendo possibilidades de generalização devido ao método que foi usado, tornando-se necessário aprofundar ainda mais o fenômeno estudado. A finalidade foi conhecer as vivências em profundidade, mostrando uma parte da realidade, deixando caminhos abertos para novos estudos sobre o assunto.

Conclusões

Foi possível conhecer as vivências e expectativas dos familiares de pacientes colostomizados, enfatizando as relações familiares prévias, a fim de se construir sobre elas a confiança na equipe de saúde, enfatizando o profissional enfermeiro como articulador do processo. As expectativas foram centradas no desejo de cuidado humanizado, melhorando a adaptação da família a um novo modo de vida, resgatando e potencializando os seus pontos fortes, e colaborando para a superação de suas fraquezas.

Os resultados encontrados permitem visualizar aspectos a considerar envolvendo serviços de saúde e seus profissionais. Recomenda-se que os cuidados de saúde sejam abordados levando-se em consideração o paciente e sua família, estabelecendo ações voltadas ao atendimento humanizado e holístico, deixando de ser centrado no reducionismo biologicista.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2013
  • Aceito
    27 Nov 2013
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