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A construção imaginativa de cuidados: a experiência de profissionais de enfermagem em um serviço de assistência remota

Resumos

Prestar cuidados em saúde é questão que transcorre desde a ação até o ser; é um processo construído na experiência profissional e contém características especiais, ao ser realizado por meio de telefone. O objetivo deste estudo foi compreender a experiência de interação entre profissionais de um serviço de assistência remota, por telefone, com os usuários. Foi conduzido segundo a Teoria Fundamentada, tendo o Interacionismo Simbólico como referencial teórico. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com oito profissionais de enfermagem que prestam cuidados pelo telefone. A compreensão teórica resultante da análise interpretativa permitiu a construção do modelo teórico da Construção Imaginativa do Cuidado, que reflete os processos interacionais que o profissional vivencia quando presta cuidados por meio do telefone. O modelo incorpora fenômenos individuais e sociais, demonstrando a vinculação entre conceitos e destacando a incerteza, a sensibilidade e a responsabilidade do profissional como componentes essenciais da experiência.

Tele-enfermagem; Assistência à Saúde; Pesquisa Qualitativa; Enfermagem


The direction of care delivery goes from the action to the being; a process built from professional experience, which gains special characteristics when the service is delivered by telephone. The goal of this research was to understand the interaction between professionals and users in a remote care service; to do so, a research is presented, using Grounded Theory and Symbolic Interactionism as theoretical references. Data were collected through eight interviews with professionals who deliver care by telephone. The theoretical understanding permitted the creation of the theoretical model of the Imaginative Construction of Care, which shows the interaction processes the professional experiences when delivering care by telephone. In this model, individual and social facts are added, showing the link between the concepts, with special emphasis on uncertainty, sensitivity and professional responsibility, as essential components of this experience.

Telenursing; Delivery of Health Care; Qualitative Research; Nursing


Brindar cuidados es una cuestión que transcurre desde la acción hasta el ser; un proceso construido desde la experiencia profesional, que cobra características especiales al ser brindado a través del teléfono. El objetivo de este estudio fue comprender la experiencia de interacción de los profesionales y los usuarios en un servicio de asistencia remota; para ello, se presenta una investigación utilizando la metodología de la Teoría Fundamentada y el Interaccionismo Simbólico como referente teórico. La recolección de datos se realizó mediante ocho entrevistas a profesionales que brindan atención telefónica. La comprensión teórica permitió la construcción del modelo teórico de la Construcción Imaginativa del Cuidado, el cual refleja los procesos interaccionales que experiencia el profesional cuando brinda cuidados a través del teléfono. En el modelo se incorporan los fenómenos individuales y sociales, demostrando la vinculación entre sus conceptos y destacando la incertidumbre, la sensibilidad y la responsabilidad del profesional como componentes esenciales de la experiencia.

Teleenfermería; Prestación de Asistencia de Salud; Investigación Cualitativa; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

IPhD, Professor Assistente, Facultad de Enfermería, Universidad Andrés Bello, Chile

IIPhD, Professor Titular, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, Brasil

IIIPhD, Professor Titular, Facultad de Enfermería, Universidad Andrés Bello, Chile

Endereço para correspondência

RESUMO

Prestar cuidados em saúde é questão que transcorre desde a ação até o ser; é um processo construído na experiência profissional e contém características especiais, ao ser realizado por meio de telefone. O objetivo deste estudo foi compreender a experiência de interação entre profissionais de um serviço de assistência remota, por telefone, com os usuários. Foi conduzido segundo a Teoria Fundamentada, tendo o Interacionismo Simbólico como referencial teórico. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas com oito profissionais de enfermagem que prestam cuidados pelo telefone. A compreensão teórica resultante da análise interpretativa permitiu a construção do modelo teórico da Construção Imaginativa do Cuidado, que reflete os processos interacionais que o profissional vivencia quando presta cuidados por meio do telefone. O modelo incorpora fenômenos individuais e sociais, demonstrando a vinculação entre conceitos e destacando a incerteza, a sensibilidade e a responsabilidade do profissional como componentes essenciais da experiência.

Descritores: Tele-enfermagem; Assistência à Saúde; Pesquisa Qualitativa; Enfermagem.

Introdução

Os sistemas de saúde se organizam de diversas maneiras, no intuito de atender as necessidades da população. Isso tem provocado a implementação de múltiplas estratégias de atenção à saúde, em várias ocasiões, incorporando tecnologias para seu desenvolvimento. Essas tecnologias que implementam a atenção à saúde vão desde tecnologias orientadas ao diagnóstico, tratamento e sistemas de informação à formação dos futuros profissionais. Por outro lado, as políticas sanitárias enfrentam o desafio de manter e fortalecer a atenção humanizada. Além disso, a incorporação de novas estratégias e tecnologias tem influenciado o desenvolvimento da prática profissional de enfermagem, já que envolve a confrontação com novos cenários nos quais os profissionais não se encontram com o usuário de forma alguma.

Em 2005, o Ministério da Saúde do Chile implantou um serviço de Assistência Remota por telefone, considerando experiências internacionais orientadas a oferecer sistemas de apoio e acompanhamento permanentes aos cidadãos. Tudo isso para conseguir que se sintam protegidos, informados sobre seus direitos e com ferramentas para tomar decisões sobre seu estilo de vida e sobre a manutenção, proteção e recuperação da saúde(1). Trata-se de um sistema de atendimento telefônico com cobertura nacional, 24 horas por dia, que oferece informação integral, educação, apoio na tomada de decisões, acompanhamento nos processos de cuidado e fácil interação dos usuários com o sistema, sem necessidade de transporte. O serviço Salud Responde está dirigido a toda a população do país, com vistas a resolver qualquer problema de saúde. Esse serviço emprega profissionais médicos, de enfermagem e obstetrícia que, cada dia, enfrentam o desafio de prestar cuidados pelo telefone, onde ver o rosto e o contato físico com as pessoas não existem. É por meio da assistência dos profissionais de enfermagem e obstetrícia que se resolve grande parte das necessidades dos usuários, utilizando seus próprios conhecimentos e habilidades, incorporando a utilização de guias clínicas e tecnologias de informação como ferramentas de trabalho. A literatura reconhece os resultados de programas de apoio telefônico semelhantes. O uso do telefone para prestar cuidados em saúde corresponde a realidade crescente no cenário mundial, porque melhora o acesso à informação sobre o cuidado à saúde e reduz custos de visitas desnecessárias aos serviços de saúde(2-7). Assim, é nesse novo contexto que surge a necessidade de estudar os desafios da comunicação profissional relacionada aos serviços de atenção remota e à maneira em que se estabelece a interação entre profissionais e usuários, pelo telefone para chegar a prestar cuidados. A compreensão dos processos de comunicação, nessa forma de assistência, pode proporcionar evidências para a atualização e capacitação dos enfermeiros na melhoria do cuidado prestado aos usuários do serviço.

Assim, os objetivos do presente estudo foram: compreender a experiência de interação dos profissionais de enfermagem com os usuários desse serviço de assistência remota e descrever o processo de intervenção e as ações do profissional de enfermagem, diante das necessidades dos usuários.

Métodos

Foi utilizado como referencial teórico o Interacionismo Simbólico, que explora como as pessoas definem a realidade e como suas definições se relacionam com suas ações. Os significados simbólicos(8) são a base para a interação; são individuais e, na perspectiva social, os significados são compartilhados por grupos. Como referencial metodológico, foi adotada a Teoria Fundamentada nos Dados, que se ocupa da solução de problemas relacionados ao entendimento ativo, a partir da perspectiva interna das pessoas e pretende gerar uma teoria(9) derivada de dados coletados, de maneira sistemática, e analisados por um processo de investigação. Os participantes foram profissionais da saúde, enfermeiras e parteiras que haviam trabalhando no serviço Salud Responde por mais que seis meses, e que possuíam pelo menos cinco anos de experiência profissional, e que aceitaram participar das entrevistas mediante consentimento. O estudo foi previamente aprovado por Comité de Ética em Pesquisa, de acordo com a normatização vigente (Lei nº20.120)(10). Assim, os profissionais foram previamente informados sobre os objetivos do estudo, ainda que sua participação seria voluntária e que teriam a liberdade de desistir do estudo a qualquer momento, sem necessidade de se justificarem. Para determinar o número de entrevistas, foi usada a Amostragem Teórica(9), que consiste na coleta de dados guiada pelos conceitos derivados da teoria que está sendo construída, com base na constante comparação dos dados. Essa abordagem resultou numa amostra por conveniência de oito profissionais, entre 32 profissionais que desempenhavam essa função, no período da coleta de dados. Os participantes foram cinco enfermeiros e três parteiras, sendo um homem e sete mulheres, que haviam trabalhado no serviço entre seis meses e cinco anos e com tempo de formação variando entre quatro e vinte cinco anos. Suas outras áreas de prática eram a docência, atenção primária, atenção na hospitalização e urgências. Foram realizadas entrevistas qualitativas semiestruturadas, cada uma com duração de 45 a 120 minutos. As perguntas orientadoras foram: quando começou sua experiência de trabalhar no Salud Responde? Como começou sua experiência de trabalhar no Salud Responde? Por que começou sua experiência de trabalhar no Salud Responde? Como você vê o desenvolvimento do seu know-how profissional no Salud Responde? O que você acredita que resulta desse serviço para as famílias? Como você acha que as famílias veem esse serviço? Além disso: "conta-me uma situação no Salud Responde que você sente que representa essa experiência"; como você percebe que o cuidado se estabelece nessa situação? Poderia descrever a interação que teve com os usuários nessa experiência? Os dados(9) foram analisados mediante a Codificação Aberta, que requer processo de seleção e nominação das categorias de análise dos dados. Posteriormente, foi desenvolvida a Codificação Focada, em que os códigos são mais direcionados, seletivos e conceituais que aqueles gerados no primeiro momento. Essa fase é seguida pela Codificação Axial, quando os dados são todos colocados num novo caminho, alcançado através de um código de paradigma. Finalmente, foi realizada a Codificação Teórica, que envolve os processos de seleção e identificação da categoria central e a relação sistemática em outras categorias, para fins do desenvolvimento de um modelo teórico.

Resultados

Uma maneira diferente de prestar cuidados

O início da experiência de prestar cuidados no Salud Responde é uma entrada num processo caracterizado pela incerteza que, como fenômeno cognitivo condiciona o desenvolvimento da comunicação estabelecida com o usuário. Assim, o profissional vai se mobilizando em direção ao trabalho desconhecido, em que a entrada no Salud Responde ocorre como uma situação natural de inserção em qualquer trabalho. O atraente era a informação, a maneira de entregar informação, de colaborar antes que chegassem a um serviço de urgência ou à atenção primária, isso de poder orientar as pessoas sobre o que tinham que fazer é fabuloso. (E1)

Desse modo, se enfrentam com a incerteza do trabalho, uma ideia que se modifica no tempo enquanto explora a situação; a incerteza é delimitada e definida, ao mesmo tempo em que se incorpora como parte da experiência. Bom, foi assim que passamos o começo, que você ficava nervosa, tocava a chamada e você não sabia o que ia encontrar do outro lado. (E7)

Assim, o profissional constrói uma imagem do trabalho no Salud Responde, sobre a experiência de prestar cuidados, na ausência do espaço físico. Uma nova perspectiva da atenção, do serviço, de si mesmo e dos usuários. A princípio achei superdifícil porque não podia coordenar tudo ao mesmo tempo, ou falava ou escrevia no computador, e depois recebia outra chamada e não conseguia terminar. (E5)

O cuidado às pessoas através da assistência telefônica

Após caracterizar e contextualizar o trabalho, o profissional vai desvelando as habilidades para prestar cuidados no desenvolvimento da experiência, adquirindo e reconhecendo ferramentas e habilidades, tanto pessoais como profissionais. Nessa perspectiva, a incerteza é considerada um bem positivo, que acarreta um estado de alerta no profissional. Vai aprendendo a falar de novo, a te expressar para te entendam do outro lado sem te ver. (E3)

O profissional busca formas de aprender a prestar atendimento no Salud Responde, identificando as habilidades necessárias e como desenvolvê-las. Dessa maneira, começa a perceber a evolução na forma de desenvolver seu trabalho. Creio que a experiência se enriquecia na medida em que incorporava seus próprios conhecimentos e conseguia esse domínio do sistema. (E3)

Construindo a interação com o usuário

A construção da interação com o usuário é um desenvolvimento contínuo e diferenciador, caracterizado por processos criativos permanentes na imaginação de diferentes componentes que facilitem a interação. O profissional vai estabelecendo o contexto da interação à medida que incorpora elementos disponíveis na sua experiência profissional e pessoal no Salud Responde, através de processos imaginativos que possibilitam a abstração e incorporação da experiência nos novos cenários, enfrentados em cada chamada. Você imagina as pessoas e acontece quase de imediato que ficam próximas, já que você tem que imaginar. (E2)

Dessa maneira, o profissional constrói a imagem da realidade do usuários. Nesse processo acontece o reconhecimento do espaço em que esses dois atores se encontram, caracterizado como um espaço psicológico. Eu tratava de imaginar como é a pessoa, e quando te falam olha, estou numa zona rural, eu imagino como é tentar sair de casa. (E2)

Assim, também vão desenvolvendo a interação com o usuário que emerge nesse novo contexto, onde o espaço físico é substituído por uma imagem do contexto e do próprio usuário. Ou seja, o espaço físico se perde, mas a gente trabalha com outros espaços, o espaço emocional, o espaço psicológico, que às vezes se for fazer só coisas físicas também o perde, mas aqui o espaço psicológico se desenvolve muito mais. (E1)

Fazendo-se presente para o usuário é, então, o desenvolvimento da interação com o receptor, em que se definem papéis e posições ocupados pelos distintos atores no seu desenvolvimento, constituindo espaço de interação comum, que é visto como possibilidade de construir uma realidade abstrata, construída a partir da interação entre habilidades imaginativas e realidade mais concreta. Creio que a parte essencial influencia muito neste sentido, a linguagem não verbal pode dizer muito mais do que alguém queira expressar, então por telefone pode expressar melhor o que quer dizer, o diálogo fica mais limpo. (E5)

Sendo assim, o profissional vai sendo capaz de interpretar os sinais do usuário, na medida em que iniciam o desenvolvimento da sensibilidade, permitindo-lhe interpretar os diversos sinais do usuário. O sentido e o conhecimento, a compreensão dos fenômenos que ocorrem na natureza humana. (E2)

Assim, se constrói uma nova maneira de ser profissional enquanto modifica a forma de desenvolver seu know-how, caracterizada pela sensibilidade e o bom contato com o usuário. Ia ganhando segurança, claro, observava na forma, na forma da resposta que dávamos. (E1)

Dessa maneira, o profissional potencializa a interação, no sentido em que interage simultaneamente com o usuário e com outros profissionais. Também tem a interação com a equipe, estão sempre ao lado, de repente um não olha mais para o lado e o outro entendia e ficava alerta, ou seja, é colaborativo e isso faz com que seja divertido. (E2)

Fortalecendo o cuidado

O profissional reconhece em si mesmo o desenvolvimento da sensibilidade para com o usuário. De forma permanente, busca a continuidade do cuidado como um objetivo complementar, o estar aí, para aquelas famílias que devem enfrentar momentos difíceis, o profissional tenta aproximar o usuário da sua rede assistencial e de outras redes de apoio. Portanto, tem uma transferência de atitude, de conhecimento de fazer em um determinado momento. (E4)

Da mesma maneira, responsabilizando-se pelo cuidado prestado é um processo a partir do qual o profissional se vê impulsionado a mobilizar-se, de ir além de responder a chamada como uma ação mecânica, mas sim como uma ação individual que acontece de forma única. Creio que temos que dar respostas concretas a perguntas concretas. Porém, temos que ir além porque nosso trabalho não é só responder ao problema do momento. (E6)

Assim, vai fortalecendo o cuidado na família, apoiando as decisões do usuário, prestando apoio que vai desde a transgressão de aspectos técnicos a conselhos ou, simplesmente, a transmissão de tranquilidade. Podemos claramente apoiar decisões ou lhe dar indicações claras que a pessoa até manejava, mas que não tinha tão consciente. (E6)

A realidade construída na interação

Uma vez caracterizada a experiência e vivida a interação com o usuário, se revela a intersubjetividade dos atores, que provoca, então, a construção de uma realidade social.

Vai sentindo o impacto da resposta do profissional, em que a maior influência está relacionada ao próprio trabalho, reconhecendo o cuidado prestado como um valor social positivo para o usuário. Talvez alguns vivam em lugares afastados de centros de saúde, portanto, a única forma de acesso a um conselho é pelo telefone. (E2)

Dessa maneira, o profissional compreende o significado do Salud Responde para o usuário, enquanto considera a influência que essa atenção tem na população. Para alguns como um salva-vidas, para outros sua única forma de ter acesso à saúde, e para outros uma companhia, um apoio. (E3)

Por último, o contexto vai sendo reconstruído, quando o serviço é visualizado como uma aliança entre as habilidades e o conhecimento, em que a tecnologia permite colocá-los a serviço do usuário. Mas a sua intervenção gerou alguma coisa, você fala com ele e lhe transfere uma responsabilidade, e essa pessoa entende que essa ação vai gerar uma mudança na situação da saúde para ele. (E1)

O Modelo Teórico

A compreensão teórica resulta da análise e da interpretação das categorias conceituais construídas, além das inter-relações entre as mesmas, permitindo a construção e o desenvolvimento do Modelo Teórico (Figura 1) da Construção Imaginativa do Cuidado. Esse é um processo complexo, composto por realidades desconhecidas diante da ausência do espaço físico, que demanda a criação de um espaço de interação, a partir de processos imaginativos, originados no self, que lhe permitem entrar em uma situação e descobrir os atores da interação com vistas a uma construção social da realidade.


A Construção Imaginativa do Cuidado representa estratégias e ações que o profissional de Salud Responde vivencia no cuidado do usuário e sua família. A partir disso, uma maneira diferente de prestar atendimento representa a entrada na situação onde ocorre a experiência do profissional. É o reconhecimento do contexto que proporciona uma perspectiva simbólica.

Assim, é a partir da construção da imagem do trabalho que se constrói o objeto de prestar cuidado às pessoas através da assistência telefônica. Essa representa uma segunda condição envolvida no início do processo, que implica na busca ativa de símbolos e sinais, além de sua interpretação. Assim, chega-se a um ponto em que o profissional já está construindo a interação com o usuário, que se apresenta como consequência das definições e condições previamente estabelecidas.

Essa definição resulta da consciência sobre os objetos e componentes da situação, dando origem à atuação objetiva e concreta da interpretação dos significados que dão sentido a toda a experiência.

Para chegar a isso, o profissional interage permanente consigo mesmo para buscar a maneira de ir fortalecendo o cuidado. O profissional se aproxima da realidade construída na interação; quer dizer, trata-se de uma nova realidade, construída através da interação com o usuário, que resulta da Construção Imaginativa do Cuidado.

Discussão

O processo de comunicação identificado compreende categorias semelhantes a outros estudos(4,11-12) que destacam as novas habilidades de comunicação e os desafios que resultam das mesmas, com vistas a garantir a presença e o apoio, essenciais para o atendimento. Um único estudo apresenta uma proposta para compreender o trabalho de tele-enfermagem(13), reiterando as categorias dos estudos indicados, sem aprofundar as relações existentes entre eles. O modelo teórico descrito estabelece contribuições pertinentes no conhecimento disciplinar, fortalecendo a identificação de padrões e relevando o cuidado como um eixo profissional, principalmente nos seus componentes culturais e éticos. O processo descrito neste estudo confirma algumas categorias encontradas em outros estudos, mas difere no que diz respeito como as categorias se integram como um modelo teórico. A sensibilidade cultural é destacada na literatura como a necessidade de contar com informações sobre as culturas às quais são prestados cuidados; uma competência cultural(14). Este estudo permite considerar também o que autores(15) observam sobre a assim chamada profundeza humana, a sensibilidade e a compaixão na interação com o usuário. Essa sensibilidade é uma habilidade necessária para prestar cuidados por telefone, além de alto grau de autoconhecimento do profissional.

Aspecto de grande significado simbólico no estudo, o cuidado imaginativo, é referido em estudos que reconhecem a imaginação(16-17) como parte da dimensão moral do cuidado, que permite a sensibilidade do profissional; é reconhecida como estratégia moral para estabelecer a interação com o paciente. No momento de entender o processo de viver como um sistema de cuidados, é possível compreender que se trata de uma forma de enfrentar as situações às quais se está exposto, assumindo que o cuidar pode ser aprendido, desaprendido e reaprendido(18). É assim que essa relação implica envolver-se na realidade do outro, recorrendo à imaginação, o que é possível somente à medida que o real se faz presente e se imagina. Assim se produz uma conexão cognitiva e emocional(19).

A sensibilidade identificada neste estudo é aquilo que permite ao profissional compreender o desenvolvimento do seu know-how com a vulnerabilidade do ser humano, reconhecendo também o papel da sensibilidade ética no estabelecimento da interação com o usuário(20). A Construção Imaginativa do Cuidado implicitamente traz a condição que o profissional enfrenta de coexistir, a todo momento, com a incerteza, mas, também, reconhecem-se atos e símbolos que permitem desvelar a responsabilidade do profissional perante a construção de um novo espaço de interação(21). A incerteza(22) é reconhecida como parte da prática clínica de enfermagem, sendo aprofundada principalmente a partir da perspectiva do usuário. A Construção Imaginativa do Cuidado resulta na construção de rede social significativa, que é crítica para a promoção do bem-estar, o desenvolvimento da identidade e a consolidação dos potenciais de mudança(23). Finalmente, deve-se compreender a forma de estabelecer a interação entre profissionais e usuários nos novos espaços de prática, tais como o Salud Responde, que é crescentemente dependente das habilidades para utilizar as novas tecnologias(24), de novas formas de padrões de comunicação e relações autênticas, reforçando o papel da enfermagem na saúde pública(25), como desencadeante de ações de cuidado coletivo, em permanente preocupação com a autonomia dos usuários.

Conclusão

Este modelo foi descrito a partir da perspectiva de profissionais chilenos, mas contribui com elementos significativos para a compreensão do processo de comunicação e prestação de cuidados, em serviços de atenção remota. Pode-se assinalar dois aspectos principais em termos das implicações para a formação profissionais; o primeiro diz respeito principalmente a etapas precoces da educação de graduação, e o segundo é a necessidade de formação contínua do profissional. Evidencia-se a necessidade de fortalecer a formação na dimensão ética do cuidado, além da comunicação e do conhecimento com a finalidade de se compreender os aspectos psicossociais do indivíduo e da família, destacada pela ênfase na construção da interação com o usuário, que deve resultar de experiência subjetiva da presença, para ambos, mesmo que geograficamente distantes. O Modelo Teórico permite reconhecer como a autonomia do profissional finalmente toma forma, nesse encontro único com o outro, através de uma relação de interação significativa, mas que, ao mesmo tempo, impõe o desafio de estabelecer avaliações a partir da perspectiva de outros atores sociais, como são os usuários. Os resultados deste estudo devem ser ampliados para outros contextos e países, e incluir a compreensão dos usuários. A Construção Imaginativa do Cuidado permitiu pôr em prática metodologias de pesquisa qualitativa, aplicando teorias sociais como o Interacionismo Simbólico, de maneira a trazer novos desafios no seu desenvolvimento. Numa perspectiva mais relacionada à saúde pública, há o desafio para se continuar criando estratégias de cuidado que sejam significativas para os usuários.

Referências

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  • A construção imaginativa de cuidados: a experiência de profissionais de enfermagem em um serviço de assistência remota

    Yocelyn Margaret Price RomeroI; Margareth AngeloII; Luz Angelica Muñoz GonzalezIII
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Set 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Set 2011
    • Aceito
      12 Abr 2012
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