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Fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de DST/AIDS entre estudantes da área de saúde

Resumos

Este estudo objetivou identificar e comparar os fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de DST/aids entre estudantes do primeiro e do último ano dos cursos de Enfermagem e Medicina da Universidade Estadual de Londrina. Selecionou-se uma amostra de conveniência, composta pelos 263 alunos matriculados, tendo sido analisados os dados dos 183 estudantes sexualmente ativos (70,4%). Utilizou-se a estrutura do Modelo de Redução de Risco da Aids para a elaboração do questionário, adotando-se 5% como nível de significância estatística. Alguns fatores de risco foram identificados como a percepção de invulnerabilidade, a referência a múltiplos parceiros sexuais, o uso de bebidas alcoólicas antes das relações sexuais e o uso descontínuo ou não uso do preservativo. Conclui-se que esses fatores são comuns às duas séries, não havendo mudanças significativas com o passar do tempo e com a maior graduação dos alunos. Os alunos do último ano tendem a adotar a parceria única e parecem sentir-se mais seguros, diminuindo o uso do preservativo com seus parceiros sexuais.

síndrome de imunodeficiência adquirida; doenças sexualmente transmissíveis; fatores de risco; comportamento sexual; prevenção & controle


This study aimed to identify and compare psychosocial and behavioral factors associated to STD/AIDS risk among students enrolled in the first and last years of the Nursing and Medical Undergraduate Programs at State University of Londrina. A convenience sample was selected from 263 enrolled students, and the 183 students who were sexually active (70.4%) had their data assessed. The Aids Risk Reduction Model framework was used to design the questionnaire in which a 5% statistical significance level was considered. Some risk factors were identified such as the perception of invulnerability, multiple sexual partners, consumption of alcoholic beverages before intercourse, and the discontinuous use or no use of condom. The risk factors are common both to the freshman and senior students, with no significant differences related to the passage of time or to the students' higher educational level. Senior students tend to be monogamous which makes them feel safer and decrease the use of condom with their sexual partners.

acquired immunodeficiency syndrome; sexually transmitted diseases; risk factors; sexual behavior; prevention & control


Este estudio tuvo como objetivo identificar y comparar los factores psico-sociales y comportamentales asociados al riesgo de ETS/sida entre estudiantes del primero y del último año de los cursos de Enfermería y Medicina de la Universidad Estatal de Londrina. Fue seleccionada una muestra por conveniencia, compuesta por 263 alumnos matriculados, de los cuales fueron analizadas las informaciones de 183 estudiantes sexualmente activos (70,4%). Para la elaboración del cuestionario, se utilizó la estructura del Modelo de Reducción de Riesgo de Sida, adoptándose el 5% como nivel significativo. Algunos factores de riesgo fueron identificados tales como, la percepción por la falta de vulnerabilidad, múltiples compañeros sexuales, el uso de bebidas alcohólicas antes de las relaciones sexuales y la falta de uso o uso descontinuado del preservativo. Se concluyó que, esos factores son comunes a los dos grupos, no generándose cambios significativos al paso del tiempo, ni con el incremento en el nivel educativo de los mismos. Los alumnos del último año tienden a adoptar un único compañero, lo que les genera mayor seguridad, disminuyendo por tanto el uso de preservativo con sus parejas sexuales.

síndrome de inmunodeficiencia adquirida; enfermedades de transmisión sexual; factores de riesgo; conducta sexual; prevención & control


ARTIGO ORIGINAL

Fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de DST/AIDS entre estudantes da área de saúde1 1 Trabalho extraído da Tese de Doutorado

Elma Mathias DessuntiI; Alberto Olavo Advincula ReisII

IProfessor Doutor da Universidade Estadual de Londrina, e-mail: elma@sercomtel.com.br

IIProfessor Doutor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo

RESUMO

Este estudo objetivou identificar e comparar os fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de DST/aids entre estudantes do primeiro e do último ano dos cursos de Enfermagem e Medicina da Universidade Estadual de Londrina. Selecionou-se uma amostra de conveniência, composta pelos 263 alunos matriculados, tendo sido analisados os dados dos 183 estudantes sexualmente ativos (70,4%). Utilizou-se a estrutura do Modelo de Redução de Risco da Aids para a elaboração do questionário, adotando-se 5% como nível de significância estatística. Alguns fatores de risco foram identificados como a percepção de invulnerabilidade, a referência a múltiplos parceiros sexuais, o uso de bebidas alcoólicas antes das relações sexuais e o uso descontínuo ou não uso do preservativo. Conclui-se que esses fatores são comuns às duas séries, não havendo mudanças significativas com o passar do tempo e com a maior graduação dos alunos. Os alunos do último ano tendem a adotar a parceria única e parecem sentir-se mais seguros, diminuindo o uso do preservativo com seus parceiros sexuais.

Descritores: síndrome de imunodeficiência adquirida; doenças sexualmente transmissíveis; fatores de risco; comportamento sexual; prevenção & controle

INTRODUÇÃO

O presente estudo propôs-se a identificar fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e aids entre estudantes da área de saúde. Esse grupo de futuros profissionais é destinado, de forma direta ou indireta, a intervir em ações educativas ligadas a essas doenças. Desse modo, o conhecimento dos fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de DST/aids é de extrema importância para identificar-se o atual estágio de preparação dessa população para lidar com as pessoas vulneráveis a essas doenças.

O impacto político, econômico e social, causado pelas DST/aids reveste-se de maior importância nos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, pois constitui-se em causa de grande morbidade entre mulheres de 15 a 44 anos de idade(1). Nos países desenvolvidos tem-se observado um declínio nas taxas de DST, embora a estimativa para os Estados Unidos da América fosse de 12 milhões de casos por ano(2). Com relação à aids, a Organização Mundial de Saúde estimou que 40 milhões de adultos e crianças estavam vivendo com HIV em todo o mundo até o final de 2001, um terço dos quais são pessoas jovens, entre 15 e 24 anos de idade(3).

Na vigência da epidemia de HIV/aids, torna-se necessário um monitoramento da incidência e prevalência das DST. Isso porque a presença de úlceras genitais facilita a penetração do HIV, aumentando o risco de infecção em até 18 vezes, quando um dos parceiros é portador de uma DST não tratada(4). Outro motivo para monitorar as DST é que elas são transmitidas durante a relação sexual, presumindo descuramento com as conseqüências do relacionamento sexual como, por exemplo, a não utilização de preservativos.

Os adultos jovens estão expostos ao risco de adquirir HIV, pois se envolvem com múltiplos parceiros e muitos não adotam o uso do preservativo em todas as relações sexuais. Além disso, a maioria dos adolescentes está iniciando atividade sexual mais precocemente, expondo-se ao risco de DST também em idade mais precoce.

Nesse contexto, muitos programas de prevenção de DST/aids têm sido implementados em todo o mundo na tentativa de conter essas infecções. Os cursos de graduação, especialmente da área da saúde, têm procurado abordar o assunto, embora o que se observa é uma tendência a um enfoque biologicista da questão, em detrimento de um preparo para a educação preventiva.

A falta de formação especial nos currículos de escolas médicas ou de psicologia compromete o preparo desses futuros profissionais para uma abordagem da sexualidade(5).

A universidade tem papel fundamental nas estratégias de prevenção das DST/aids por meio de suas funções de ensino, pesquisa, assistência e extensão.

Na formação de recursos humanos, a universidade deve considerar que seus estudantes constituem um grupo de adolescentes e adultos jovens com alto risco de DST, incluindo HIV, uma vez que estão iniciando precocemente atividade sexual e mudando freqüentemente de parceiros(6).

Estudo realizado com estudantes universitários da área da saúde demonstrou que a maioria deles apresenta conhecimentos precários, reforçando a necessidade de implementar ações educativas específicas e contínuas para esse grupo(7).

A escolha dessa população também deve ser considerada prioritária para a realização de pesquisas, uma vez que é constituída por pessoas jovens, um dos segmentos prioritários para as ações preventivas. Ademais, considera-se que o grupo de universitários da área da saúde deva ser capaz de avaliar seu próprio risco e os fatores que possam estar associados a ele, aproximando-se de outros aspectos relacionados à transmissão da aids, que não os biológicos.

Analisando-se o currículo de um curso de Medicina, observou-se que as DST/aids são abordadas de forma insatisfatória, tanto qualitativa quanto quantitativamente, visto que nem todas as disciplinas que têm interface com o tema o abordam, e aquelas que o fazem limitam-se a aspectos clínicos, em detrimento de aspectos psicossociais, culturais e comportamentais(8).

As atividades didáticas desenvolvidas no curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Londrina (UEL) envolvem a participação de alunos nos diversos níveis de atenção, propiciando uma convivência entre docentes e discentes de vários cursos. Isso possibilitou-nos vivenciar situações diversas no relacionamento do aluno com pacientes portadores de DST/aids, muitas das quais envolvendo preconceito, medo, insegurança, dificuldade na comunicação, entre outras. Por outro lado, percebe-se que esses alunos evitam falar sobre suas vidas sexuais e parecem tratar os problemas relacionados às DST/aids como "do outro", permanecendo a idéia de que são "pessoas inatingíveis" pela epidemia.

Essa situação levou-nos ao questionamento de como seria o comportamento sexual desses estudantes, futuros profissionais e educadores de saúde. Ou seja, quais são os fatores psicossociais e comportamentais relacionados ao risco de DST/aids entre os estudantes da área de saúde, especialmente dos cursos de graduação em Enfermagem e Medicina? Esses fatores diferem entre os alunos do primeiro e do último ano de cada curso? Os conteúdos e vivências pessoais e em grupo, propiciados pela vida universitária, contribuíram para alguma mudança nos fatores psicossociais e comportamentais, de tal forma que os alunos do último ano encontram-se em uma etapa diferente da dos alunos do primeiro ano?

Assim, diante desses questionamentos, este estudo propôs os seguintes objetivos: identificar e comparar os fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de infecção pelo HIV ou outra DST entre estudantes do primeiro e do último ano dos cursos de graduação em Enfermagem e Medicina da UEL.

Espera-se que este estudo possa fornecer subsídios para o trabalho de prevenção das DST/aids entre os estudantes da área da saúde, preparando-os para uma atuação profissional mais adequada à realidade.

MÉTODO

Realizou-se um "survey" analítico com os estudantes universitários dos cursos de Enfermagem e Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Esta pesquisa foi desenvolvida no Centro de Ciências da Saúde da UEL, no município de Londrina, região Norte do Paraná - Brasil.

Da população, constituída por estudantes de primeiro e de último ano dos cursos de Enfermagem e Medicina da UEL, foi selecionada uma amostra intencional, composta pelos 263 alunos matriculados no ano de 2000, nos referidos cursos e séries. Destes, 260 (98,9%) responderam ao instrumento de pesquisa. Com essa amostra, representando todos os alunos das primeiras e últimas séries dos cursos da UEL citados acima, pôde-se fazer uma análise inferencial a partir dos resultados observados no estudo com os alunos das duas séries propostas.

O instrumento foi estruturado a partir das variáveis do Modelo de Redução de Risco da Aids (Aids Risk Reduction Model - ARRM). Os dados tabulados referem-se apenas aos estudantes sexualmente ativos, ou seja, 183 (70,4%) dos que responderam ao questionário. Esse critério foi adotado como necessário à utilização das variáveis do modelo, uma vez que elas estão centradas em populações com risco não zero para adquirir DST/aids.

O ARRM foi proposto por Catania, Kegeles e Coates, em 1990 e, dentre os modelos de comportamento em saúde, este fornece uma estrutura que engloba vários fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de DST/aids, aproximando-se dos aspectos relacionados à vulnerabilidade individual citados por Mann e Tarantola(9). O ARRM identifica três etapas que poderiam influenciar no risco de adquirir DST/aids: 1) reconhecimento e rotulação dos próprios comportamentos sexuais como de risco; 2) compromisso para reduzir comportamentos sexuais de alto risco e aumentar atividades de baixo risco; e 3) procura e adoção de estratégias para reduzir comportamento sexual de alto risco(10).

Assim, algumas questões do instrumento referem-se a dados que caracterizam a amostra (idade, sexo, curso, série, estado civil) e dados que caracterizam as atividades sexuais (idade do início da atividade sexual, número de parceiros sexuais, uso de métodos contraceptivos, relacionamento estável e/ou eventual), ao passo que outras se referem às variáveis do ARRM, das quais foram selecionadas as seguintes: conhecimento das formas de transmissão, vulnerabilidade percebida, discussão sobre DST/aids, crenças em saúde estereotipadas, tipo de relacionamento sexual, ação referente ao uso do preservativo, uso de bebidas alcoólicas antes das relações sexuais(10-12). As respostas, em sua grande maioria, eram fechadas e com possibilidade de mensuração das variáveis em nível de escala ordinal.

O questionário estruturado foi submetido a teste prévio e os dados foram coletados após autorização do Comitê de Ética em Pesquisa e após contatos e esclarecimentos junto aos respectivos colegiados de curso. Os alunos foram orientados quanto aos objetivos da pesquisa e, após o consentimento em dela participar, o instrumento foi auto-aplicado, com a instrução de não se identificarem, assegurando, assim, o sigilo das respostas. Ainda, para manter a privacidade das respostas, o questionário foi acompanhado de um "termo de responsabilidade" assinado pela pesquisadora, responsabilizando-se pelos dados coletados e pelo sigilo absoluto sobre as respostas emitidas individualmente. Após o preenchimento, o questionário foi colocado em envelope e lacrado, com a garantia da pesquisadora de que somente seria aberto após a devolução de todos os questionários respondidos por série e curso.

Os dados foram tabulados por meio do programa epi-info, versão 6.04. Outros programas computacionais utilizados foram Microsoft Excel para Windows 97, S-PLUS 4.5 e SPSS 8.0. Para caracterizar o perfil do grupo de alunos estudados, apresentou-se uma análise exploratória com o cálculo de medidas descritivas (média, mediana e desvio-padrão) e a construção de tabelas de freqüências e gráfico do tipo Box-Plot. Algumas questões ainda foram analisadas descritivamente, utilizando-se os resultados de tabelas de freqüências.

Para comparação dos alunos por ano do curso foram utilizados testes de homogeneidade para dados categorizados (teste Qui-quadrado e teste Exato de Fisher), teste não-paramétrico para dados ordinais (Mann-Whitney). Os testes estatísticos foram calculados considerando-se um nível de significância de 0,05 (5%).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Dos 260 (98,9%) alunos dos cursos de Enfermagem e Medicina da UEL que responderam ao questionário, foram analisadas as respostas dos 183 que eram sexualmente ativos, o que corresponde a 70,4%.

No Brasil, um estudo do comportamento sexual da população, realizado em 1998(13), demonstrou que aproximadamente 60% dos indivíduos com idade entre 16 e 19 anos haviam iniciado atividade sexual, subindo para 92,3% na faixa etária de 20 a 24 anos. Especificamente, entre estudantes universitários de uma cidade do interior paulista detectou-se que 63,2% praticavam sexo(14).

Os dados que caracterizam a amostra dos estudantes universitários sexualmente ativos são apresentados na Tabela 1.

Pode-se observar na Tabela 1 que não houve diferença significante entre os alunos do primeiro e do último ano quanto ao curso e sexo. Conforme esperado, houve diferença significante quanto à faixa etária e estado civil, embora somente 7,1% dos estudantes sejam casados ou vivam em união consensual.

A Figura 1 mostra que a idade do início de atividade sexual relatada por esses estudantes variou de 12 a 28 anos. Os indivíduos mais jovens (primeiro ano) estão iniciando atividade sexual mais precocemente do que a geração dos veteranos (último ano), sem distinção de sexo. Nota-se que houve semelhança entre os alunos do primeiro ano de ambos os sexos, com 50% dos casos variando de 16 a 18 anos (média de 16,9 para os homens e 16,6 para as mulheres). Percebe-se uma maior variabilidade entre os alunos do último ano, com 50% dos homens tendo iniciado a atividade sexual entre os 16 e 20 anos (média de 17,7 anos) e 50% das mulheres com início entre 17 e 20 anos (média de 18,4 anos).


Estudo realizado com a população geral brasileira encontrou que a idade média da primeira relação sexual é mais precoce do que a do presente estudo para os homens (15,6 anos) e, para as mulheres, é semelhante à das mulheres do primeiro ano (17 anos)(13). Entre os estudantes de Medicina da Universidade Federal do Ceará, identificou-se uma média de 15,8 anos de idade para a primeira relação sexual, podendo situar-se esta entre os 9 e os 27 anos(15).

O número de parceiros sexuais referido pelos estudantes da UEL variou de 1 a 15 durante toda a vida, sendo a média geral de 3,07 (DP=2,42) parceiros para os alunos do primeiro ano e 3,42 (DP=3,26) para os do último ano. A maioria (68,2%) referiu ter mantido relação com 2 ou mais parceiros nesse período, não havendo diferença significativa entre as séries dos cursos. Poder-se-ia, para melhor avaliar a significação desse indicador, estabelecer a proporção existente entre o número de parceiros e o tempo vivido (idade). Contudo, nossa amostra tem uma concentração maior entre 17 e 25 anos de idade, o que faz com que tal cuidado seja dispensado, nesse caso. Ressalta-se que o número de parceiros sexuais de estado sorológico desconhecido e várias exposições aumentam o risco para DST/HIV/aids.

Nos últimos doze meses, o número de parceiros sexuais entre os estudantes da UEL variou de zero a seis, e a média geral foi de 1,24 (DP 0,90) parceiros entre os alunos do primeiro ano e 1,45 (DP=1,18) entre os do último ano. A maioria deles (71,9%) referiu ter se relacionado apenas com um parceiro no último ano, não havendo diferença significativa entre as séries.

Destaca-se que não foram incluídos, nos cálculos das médias, 23 universitários que referiram ter tido vários parceiros durante toda a vida, sem determinar o número deles e 7 alunos que fizeram a mesma referência para os últimos doze meses. Isso poderia aumentar as médias citadas, especialmente no primeiro caso. Os dados apresentados nesta pesquisa, semelhantes aos dados apresentados na literatura, mostram que muitos universitários da UEL têm-se envolvido com múltiplos parceiros, independente do ano do curso, o que poderia levá-los ao risco de adquirir DST/aids, especialmente se o preservativo não for usado de forma consistente.

O uso constante (sempre) de método contraceptivo durante todo o período de vida sexual ativa foi referido por 67,6% dos estudantes pesquisados, não havendo diferença estatística entre os anos dos cursos. Os métodos contraceptivos mais citados como de uso contínuo foram a camisinha (34,1%), a pílula anticoncepcional (28,6%), a tabelinha (6,0%) e o coito interrompido (4,4%).

Observou-se diferença significante entre as duas séries (p=0,01) no que se refere ao uso de contraceptivos orais, com uma proporção maior de usuários entre os alunos do último ano. Entretanto, o uso desse método tem levado muitos jovens a abandonar o uso do preservativo, uma vez que existe uma grande preocupação de se evitar a gravidez em detrimento da prevenção das DST/aids.

Apesar da diferença não ter sido significante com relação ao uso do preservativo como método contraceptivo, a proporção dos alunos do primeiro ano que o usam de forma regular é maior do que a dos alunos do último ano (40,2% e 29,0%, respectivamente). Destaca-se, ainda, que 65,9% do total de alunos referiram fazer uso descontínuo ou nunca usar o preservativo, resultando em risco de exposição ao HIV e outras DST.

Observa-se que o contingente de jovens que mantêm relações sexuais desprotegidas ainda é muito grande e, mesmo sob proteção anticoncepcional, os jovens que têm muitos parceiros e não usam sistematicamente o preservativo permanecem desprotegidos para as DST e aids.

O nível de conhecimento das formas de transmissão da aids foi estabelecido de acordo com uma codificação dos itens que variou de 14 (maior conhecimento) a 70 pontos (menor conhecimento). A soma das médias foi de 18,8 e 18,2 pontos para os alunos do primeiro e do último ano, respectivamente, demonstrando nível muito bom de conhecimento, sem diferença estatística entre as duas séries. De um modo geral, o conhecimento sobre aids encontrado entre estudantes tem sido alto. Embora considerado necessário, muitos pesquisadores têm demonstrado que esse alto nível de conhecimento não é suficiente para reduzir atividades sexuais de risco(6,10).

O conhecimento da transmissão do HIV constitui um primeiro passo na redução de comportamento de risco, mas é necessária a percepção ou crença de risco pessoal, indispensável para uma mudança no comportamento visando à redução de risco.

Essa percepção de risco, uma das variáveis do modelo ARRM, pode ser avaliada pelo grau de preocupação/ansiedade relacionada ao perigo de adquirir DST/aids. Entretanto, é importante salientar que a percepção de risco não deve ser vista apenas no plano individual, mas também num contexto social e cultural, influenciando claramente as ações preventivas. Pode-se notar em nosso estudo um baixo grau de preocupação ou ansiedade por ter adquirido DST/aids no passado, com algum grau de preocupação quanto à possibilidade de adquiri-las no futuro, tanto entre os alunos do primeiro ano quanto entre os do último. Quando essa variável é analisada em termos de probabilidade, percebe-se nitidamente pela Tabela 2, que as DST/aids são vistas como "doenças do outro".

A percepção de risco pessoal foi analisada numa escala de 1 a 5. Os escores próximos a 1 indicam probabilidade muito grande de adquirir DST ou aids.

Tanto os alunos do primeiro quanto os do último ano se julgam com pequena ou nenhuma probabilidade de adquirir DST/aids, enquanto que os indivíduos da mesma faixa etária são vistos com grande probabilidade de adquirir essas doenças.

Pode-se confirmar essa baixa percepção de risco entre os estudantes da UEL, em que 62,8% deles se classificam como de "baixo risco" ante as DST/aids e 23,9% como de "nenhum risco".

Embora a percepção de risco pessoal seja baixa entre os estudantes da UEL que fizeram parte deste estudo, 8,2% deles relataram ter apresentado alguma DST no passado.

A familiaridade com alguém que tenha aids ou o conhecimento de alguém que tenha aids pode levar as pessoas à maior percepção de vulnerabilidade à infecção. Assim, os estudantes universitários do último ano da UEL deveriam ter maior percepção de risco do que os alunos do primeiro ano, uma vez que tiveram vários contatos com pacientes com HIV/aids durante o curso. No entanto, não se observou diferença estatística entre os alunos do primeiro ano e os do último.

Para adotar condutas preventivas, as pessoas devem estar convencidas de seu risco pessoal de contrair HIV/aids, o que, muitas vezes, é determinado por suas crenças. Assim, homens heterossexuais não usuários de drogas, bem como mulheres, tendem a subestimar seu risco pessoal, em razão de a aids estar associada, no imaginário popular, a práticas homossexuais masculinas e ao consumo de drogas injetáveis.

Os alunos de um modo geral, não apresentaram crenças estereotipadas em relação às pessoas com aids, o que foi demonstrado pelos baixos escores das variáveis analisadas, que poderiam totalizar de 7 a 35. A soma geral das médias foi 9,4 para os alunos do primeiro ano e 9,8 para os do último, não havendo diferença entre o comportamento desses dois grupos. Entretanto, destaca-se que as alternativas "eu não sou o tipo de pessoa que poderia pegar aids" e "eu não tenho relação sexual com o tipo de pessoa que poderia ter aids" apresentaram os maiores escores médios e os maiores desvios padrão para os alunos das duas séries, confirmando a percepção de invulnerabilidade própria à infecção pelo HIV/aids.

A análise dos dados da Tabela 3 indica que nem todos os alunos têm parceiros sexuais estáveis, observando-se diferença significativa entre os alunos das duas séries, prevalecendo mais relacionamentos estáveis entre os alunos do último ano do que entre os alunos do primeiro ano, tanto nos últimos doze meses, quanto nos relacionamentos atuais. Da mesma forma, o tempo de relacionamento estável é maior entre os alunos do último ano (p=0,002).

Dentre os 42 alunos que referiram envolvimento com parceiros eventuais nos últimos doze meses, 69% são do primeiro ano e 31% do último.

Dos estudantes da UEL que referiram manter relações sexuais nos últimos doze meses, 44,4% assinalaram uso eventual ou não uso da camisinha (Tabela 4). Observa-se, ainda, que muitos alunos referem que houve ruptura do preservativo pelo menos uma vez nos últimos doze meses ou que ela saiu. Algumas questões podem ser aqui colocadas como, por exemplo, a não escolha do preservativo pela sua qualidade, a não familiaridade com o seu uso, a falta de acesso ao tamanho adequado do preservativo, a forma incorreta de colocação e retirada e uso de lubrificantes inadequados.

Quando questionados sobre quem tomou a decisão de usar o preservativo, 71,9% dos estudantes fez referência ao casal, provavelmente em decorrência de uma boa comunicação entre esses pares.

Estatísticas descritivas da freqüência do uso do preservativo com parceiros estáveis e eventuais nas relações sexuais, vaginal e anal, demonstraram uma tendência maior dos alunos do último ano em usar menos o preservativo nas relações sexuais vaginais com parceiros eventuais do que os alunos do primeiro ano. Ou seja, os estudantes que mais apresentam relacionamentos estáveis (último ano) são os que menos usam o preservativo de forma consistente nas relações sexuais.

Analisando a possibilidade de o uso do preservativo ser influenciado pelo tempo de relacionamento entre adultos heterossexuais não casados, o estudo demonstrou que o preservativo foi usado no início da relação, mas, à medida que esse relacionamento continuou e se estabeleceu confiança, o preservativo deixou de ser usado(16).

O uso de bebidas alcoólicas antes das relações sexuais, tido como um forte preditor de comportamento de risco, foi referido por 68,8% dos alunos que responderam à questão, podendo estar interferindo negativamente no uso da camisinha, o que os levaria ao risco de adquirir DST/aids. O uso de outras drogas foi referido por 4,0% dos alunos. O uso de substâncias que desinibem a repressão sexual, como o álcool, por exemplo, ou o uso de drogas intravenosas é correlacionado com maior probabilidade de engajar-se em comportamento sexual de risco. No Brasil, pesquisa realizada com estudantes universitários do Ceará constatou que 18,3% dos homens e 2,7% das mulheres reduzem o uso do preservativo quando fazem uso de bebidas alcoólicas(15).

No geral, este estudo demonstrou a magnitude do risco de DST/aids entre estudantes universitários, um grupo que não se considera de risco para essas infecções, ainda que muitos não tenham incorporado as práticas de sexo seguro em suas atividades sexuais.

CONCLUSÕES

Pode-se concluir que os estudantes universitários da área da saúde da UEL estão bem informados sobre a transmissão da aids, o que é esperado por se tratar de uma clientela diferenciada entre as camadas socioculturais. Entretanto, ressaltam-se alguns fatores de risco para DST/aids como a percepção de invulnerabilidade pessoal entre os calouros e os formandos. Isso foi verificado pelo baixo grau de preocupação/ansiedade de ter adquirido essas doenças no passado e a pequena preocupação de adquiri-las no futuro. Ainda, a maioria se considera com pequena ou nenhuma probabilidade de adquirir DST/aids, enquanto os indivíduos da mesma faixa etária são vistos com grande probabilidade de adquirir essas infecções. Outro fator considerado de risco é a referência a múltiplos parceiros sexuais durante toda a vida, tanto pelos alunos do primeiro como os do último ano. Estes, por sua vez, tendem a adotar a parceria única, o que talvez justifique o maior percentual de uso esporádico ou não uso do preservativo nas relações sexuais. Esse risco torna-se maior ainda para os veteranos que fazem mais referência ao uso contínuo de pílulas como método contraceptivo, o que pode contribuir para o não uso de preservativos com diferença significante com os alunos da primeira série. Quanto ao uso do preservativo como método contraceptivo, não houve diferença estatística entre as séries, mas também pode ser considerado um fator de risco se analisarmos que a maioria deles refere que nunca usa ou o usa de forma descontínua. O uso de bebidas alcoólicas também foi citado pela maioria dos estudantes, o que pode levar ao não uso do preservativo nas relações sexuais. De maneira geral, os alunos mostraram-se muito semelhantes nos diversos itens pesquisados, não havendo mudanças significativas com o passar do tempo e com a maior graduação deles.

O levantamento de fatores psicossociais e comportamentais associados ao risco de DST/aids entre os estudantes universitários, assim como a semelhança observada quanto a esses fatores nos alunos do primeiro e último anos dos cursos de Enfermagem e Medicina da UEL levam-nos a recomendar que os programas educativos devem ser direcionados aos adolescentes e ter continuidade nas universidades, preparando esses futuros profissionais para as atividades educativas, enfatizando não somente aspectos biológicos, mas também psicossociais e comportamentais. Deve-se ressaltar os vários enfoques da vulnerabilidade, não apenas o individual, mas também o programático e o social, pensando nesses alunos como agentes de transformação da realidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 4.5.2006

Aprovado em: 13.9.2006

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  • 1
    Trabalho extraído da Tese de Doutorado
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Maio 2007
    • Data do Fascículo
      Abr 2007

    Histórico

    • Recebido
      04 Maio 2006
    • Aceito
      13 Set 2006
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