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Apoio social e rastreamento de câncer uterino e de mama entre trabalhadoras de enfermagem

Resumos

Estudo epidemiológico, seccional, realizado em três hospitais públicos do Rio de Janeiro, Brasil, com o objetivo de analisar a associação entre o apoio social e práticas de detecção precoce de câncer uterino e de mama entre trabalhadoras de enfermagem. Os dados foram coletados através de questionário multidimensional referente a variáveis sociodemográficas, ocupacionais e à realização do Papanicolaou, autoexame das mamas e apoio social (escala Medical Outcomes Study). Associações estatísticas foram avaliadas através do teste qui-quadrado com níveis de significancia de 5%. Utilizou-se a regressão logística para análise multivariada. De maneira consistente, maiores níveis de apoio social aumentaram as chances de realização de práticas adequadas do exame Papanicolaou e de autoexame das mamas, após ajuste por variáveis sociodemográficas e ocupacionais. Esses resultados corroboram as hipóteses sobre a contribuição positiva do apoio social para a prática regular de cuidados com a saúde.

apoio social; auto-exame de mama; esfregaço vaginal; autocuidado; saúde do trabalhador; enfermagem


This cross-sectional epidemiological study was carried out at three public hospitals in Rio de Janeiro, RJ, Brazil. It aimed at analyzing the association between social support and cervical and breast cancer early detection practices among nurses. Data were collected through a multidimensional questionnaire focusing on socio-demographic and occupational variables, the performance of the breast self-exam, the Papanicolaou smear test, and social support (Medical Outcomes Study scale). Statistical associations were evaluated through the Chi-square test (p d" 0.05). Logistic regression tests were used for multivariate analysis. Higher levels of social support consistently increased the chances of individuals reporting adequate practices concerning breast self-examination and having Pap smear tests performed, regardless of socio-demographic or occupational variables. These results corroborate the hypotheses that social support has a positive effect on the regular practice of self-care.

social support; breast self-examination; vaginal smears; self care; occupational health; nursing


Estudio epidemiológico, seccional, realizado en tres hospitales públicos de Río de Janeiro, en Brasil, con el objetivo de analizar la asociación entre el apoyo social y las prácticas de detección precoz de cáncer uterino y de mama entre trabajadoras de enfermería. Los datos fueron recolectados a través de un cuestionario multidimensional referente a variables socio demográficas y ocupacionales, a la realización del Papanicolaou, al auto examen de las mamas y al apoyo social (escala Medical Outcomes Studiy). Las asociaciones estadísticas fueron evaluadas a través de la prueba chi-cuadrado con niveles de significancia de 5%. Se utilizó la regresión logística para el análisis multivariado. De manera consistente, mayores niveles de apoyo social aumentaron las chances de la realización de prácticas adecuadas, del examen Papanicolaou y del auto examen de las mamas, después de ajuste por variables socios demográficos y ocupacionales. Esos resultados corroboran las hipótesis sobre la contribución positiva del apoyo social para la práctica regular de cuidados con la salud.

apoyo social; autoexamen de mamas; frotis vaginal; autocuidado; salud laboral; enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Apoio social e rastreamento de câncer uterino e de mama entre trabalhadoras de enfermagem

Isis Teixeira e SilvaI; Rosane Harter GriepII; Lúcia RotenbergIII

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, e-mail: isistx@gmail.com

IIEnfermeira, Doutor em Saúde Pública, Pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Brasil, e-mail: rohgriep@ioc.fiocruz.br

IIIDoutor em Psicologia, Pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, Fiocruz, Brasil, e-mail: rotenber@ioc.fiocruz.br

RESUMO

Estudo epidemiológico, seccional, realizado em três hospitais públicos do Rio de Janeiro, Brasil, com o objetivo de analisar a associação entre o apoio social e práticas de detecção precoce de câncer uterino e de mama entre trabalhadoras de enfermagem. Os dados foram coletados através de questionário multidimensional referente a variáveis sociodemográficas, ocupacionais e à realização do Papanicolaou, autoexame das mamas e apoio social (escala Medical Outcomes Study). Associações estatísticas foram avaliadas através do teste qui-quadrado com níveis de significancia de 5%. Utilizou-se a regressão logística para análise multivariada. De maneira consistente, maiores níveis de apoio social aumentaram as chances de realização de práticas adequadas do exame Papanicolaou e de autoexame das mamas, após ajuste por variáveis sociodemográficas e ocupacionais. Esses resultados corroboram as hipóteses sobre a contribuição positiva do apoio social para a prática regular de cuidados com a saúde.

Descritores: apoio social; auto-exame de mama; esfregaço vaginal; autocuidado; saúde do trabalhador; enfermagem

INTRODUÇÃO

Com mais de 10 milhões de novos casos todos os anos, o câncer tornou-se uma das mais ameaçadoras doenças em todo o mundo(1). Entre as mulheres, o câncer de mama é o mais frequente e, provavelmente, o mais temido, devido à sua alta frequência e efeitos psicológicos, que afetam a percepção da sexualidade e a própria imagem pessoal(2). O câncer do colo do útero é o segundo tipo de câncer mais comum no Brasil(1).

Devido à alta letalidade e sequelas físicas e emocionais que esses dois tipos de câncer acarretam, é de suma importância a prevenção e identificação precoce(3) que aumentam, consideravelmente, as chances de cura(1). A detecção precoce envolve, por um lado, a oferta dos exames pelos serviços de saúde e, de outro, ações voluntárias de busca por esses serviços. Porém, diversos fatores podem influenciar a adesão ou não às práticas de detecção do câncer de mama e de colo uterino. Dentre esses, destacam-se aspectos relacionados à condição socioeconômica, tais como: escolaridade, renda, morar em zona rural ou urbana(4). Outros fatores se relacionam ao maior ou menor acesso das mulheres aos programas e serviços de saúde que dispõem dos exames de rastreamento, ter serviço de saúde regular ou profissional médico de referência, bem como a percepção do estado de saúde pelas próprias mulheres, presença de casos de câncer entre conhecidos ou familiares e o estilo de vida(4). Além desses, diversos estudos internacionais(5-9) têm postulado que o apoio social também pode promover cuidados preventivos de saúde.

Apoio social diz respeito aos recursos disponibilizados pela rede social do indivíduo, em situações de necessidade(10), e podem ser mensurados através da percepção individual do grau com que relações interpessoais correspondem a determinadas funções, por exemplo, apoio emocional, material e afetivo(11). A força da teoria de redes sociais está na suposição de que a estrutura social da rede, por si só, é altamente responsável pela determinação de atitudes e comportamentos individuais, através do acesso a recursos, oportunidades e estímulo a comportamentos(9-10). A ideia central é a de que comportamentos do estilo de vida, exposição a eventos estressantes da vida, experiências de estresse crônico e os recursos psicológicos dos indivíduos são gerados no contexto da estrutura social em que as pessoas vivem(10).

No contexto dos estudos da enfermagem brasileira, a importância do apoio social tem sido enfatizada em anos mais recentes(11-14). No entanto, poucos estudos nacionais avaliaram a relação do apoio social com práticas preventivas femininas. Reconhecer a importância do apoio social em diferentes contextos da saúde é fundamental, tanto no planejamento dos cuidados de enfermagem quanto no desenvolvimento de pesquisas que tenham aplicação prática nesses cuidados(12).

Este artigo apresenta parte dos resultados da pesquisa "Gênero, trabalho e saúde em profissionais da enfermagem: morbidade e sua associação com o trabalho noturno, longas jornadas e trabalho doméstico", sendo que o objetivo geral desse estudo maior é estudar as relações entre a organização do trabalho hospitalar e a saúde e bem-estar dos profissionais de enfermagem. O recorte do presente artigo tem como objetivo identificar, em um contexto de trabalhadoras de enfermagem que atuam em hospitais, a associação entre apoio social referido e determinadas práticas de detecção precoce de câncer feminino (citologia vaginal e autoexame das mamas).

MÉTODOS

Estudo epidemiológico seccional que abrangeu o conjunto das profissionais da assistência de enfermagem de três hospitais públicos do Rio de Janeiro. Do total de 1505 trabalhadoras elegíveis, 1307 (86,8%) aderiram ao estudo. A coleta de dados foi realizada entre junho de 2005 e fevereiro de 2006, durante o horário de trabalho das profissionais de enfermagem, em locais que permitissem privacidade nas respostas. O questionário foi aplicado por entrevistadores treinados, após três rodadas de pré-testes e estudo piloto, contendo informações sociodemográficas (idade, escolaridade, situação conjugal, filhos, renda per capita, cor/raça); ocupacionais (função que exerce no hospital, tempo que trabalha na enfermagem, trabalho em outro hospital, vínculo empregatício e carga horária semanal). O apoio social, mensurado através da escala do Medical Outcomes Study - Social Support Survey (MOS-SS), desenvolvida em inglês(15) e traduzida e validada para o português(16). Trata-se de escala com 19 itens, compreendendo cinco dimensões funcionais de apoio social(15): material (4 perguntas - provisão de recursos práticos e ajuda material); afetivo (3 perguntas - demonstrações físicas de amor e afeto); emocional (4 perguntas - expressões de afeto positivo, compreensão e sentimentos de confiança); interação social positiva (4 perguntas - disponibilidade de pessoas para se divertirem ou relaxarem) e informação (4 perguntas - disponibilidade de pessoas para a obtenção de conselhos ou orientações). Para cada item, deve-se indicar com que frequência se considerava disponível cada tipo de apoio, em caso de necessidade: nunca, raramente, às vezes, quase sempre, ou sempre(15-16).

Embora a escala de apoio social originalmente tenha sido desenvolvida para o uso de cinco dimensões, a técnica de análise fatorial demonstrou, tanto na sua versão original(15) quanto em contexto brasileiro(16), que a dimensão emocional não pode ser discriminada da dimensão informação. Além disso, os resultados da avaliação em português(16) indicaram que os itens de apoio de interação social positiva não se discriminaram dos itens de apoio afetivo, passando a constituir uma única dimensão (afetivo/interação social positiva). Portanto, optou-se, nas análises realizadas neste estudo, por utilizar três dimensões de apoio: 1-"material", 2-"emocional/informação" e 3-"afetivo/interação social positiva". Para facilitar comparações entre essas dimensões, realizou-se a padronização por meio da razão entre as somas dos pontos obtidos no conjunto das perguntas de cada dimensão e o valor máximo de pontos possíveis de serem obtidos, de acordo com o número de perguntas de cada dimensão e o resultado dessa razão foi multiplicado por 100(11-12). Esse escore, então, foi dividido em tercis, indicando que quanto maior o escore alcançado maior o nível de apoio social.

A prática do autoexame das mamas (AEM) foi investigada através da pergunta Com que frequência você realiza o autoexame das mamas, com o objetivo de descobrir caroços ou qualquer anormalidade?, classificada em duas categorias(17): 1- pratica - incluiu todas aquelas que realizam o AEM "todo mês" ou "quase todo mês" e 2- não pratica - incluiu todas aquelas que realizam o AEM "raramente" ou "nunca".

A frequência de realização do exame Papanicolaou foi investigada através da pergunta Quando foi a última vez que você fez exame preventivo do câncer de colo do útero? e foi classificada em duas categorias: 1- prática inadequada - para aquelas que responderam "nunca fiz", "entre 2 e 3 anos, "entre 3 e 5 anos" e "há mais de 5 anos e 2- prática adequada - para as respostas "há menos de 1 ano", "entre 1 e 2 anos"(18).

Foram realizadas análises univariadas e bivariadas para verificação de associação entre os níveis de apoio social e as práticas de rastreamento, avaliadas com cada uma das covariáveis sociodemográficas estudadas (idade, escolaridade, situação conjugal, raça/cor, renda per capita, ter filhos) e ocupacionais (função no hospital, trabalho em outro local, vínculo, tempo na enfermagem e carga horária semanal). Nessa etapa, utilizou-se o teste qui-quadrado de Pearson para verificar se as associações encontradas apresentavam significância estatística em nível de significância de 10% (p<0,10), valendo-se desse critério para a seleção de possíveis variáveis de confusão. Aquelas associadas tanto à exposição quanto ao desfecho foram testadas nos modelos multivariados através da técnica de regressão logística.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética dos hospitais onde foi realizado o estudo e pelo CONEP, sob nº 10228, para onde foi encaminhado por envolver parte do financiamento de instituição estrangeira.

RESULTADOS

Das trabalhadoras de enfermagem avaliadas, 28,4% estavam na faixa etária de 46 a 55 anos, 43,3% eram casadas, 59,6% tinham filhos. Além disso, 53,9% referiram ter cursado ensino médio; 36,8% se autorreferiram como brancas e 31,8% tinham renda per capita entre R$ 350,00 e R$ 699,00 (Tabela 1).

Quase metade das entrevistadas eram técnicas, 29,5% enfermeiras e 21,4% auxiliares de enfermagem; 51,9% foram admitidas para a função de auxiliar de enfermagem; 36,3% referiram ter outro emprego na enfermagem e 51,1% tinha vínculo temporário com a instituição. Um terço referiu trabalhar há menos de cinco anos na enfermagem ou entre 21 e 30 anos. Mais da metade (53,7%) do grupo referiu trabalhar somente no horário diurno, 26% somente à noite e 20,3% em horários noturnos e diurnos. Quanto à carga horária, 52,4% referiu trabalhar mais de 40 horas semanais, considerando todos os empregos (Tabela 2).

Identificou-se associação estatisticamente significante (p<0,05) entre as dimensões de apoio social e as variáveis sociodemográficas avaliadas. Os resultados mostraram que as mais jovens, de maior escolaridade, maior renda, casadas, sem filhos e de autorreferência como brancas foram classificadas com escores mais elevados de apoio social (resultados não apresentados em tabelas).

Quanto às práticas de detecção do câncer feminino, observou-se que quase 83% realizou o preventivo entre 1 e 2 anos. No entanto, 3,7% nunca o realizaram e 12,7% realizaram o há mais de dois anos. Em relação ao AEM, cerca de 8,4% das entrevistadas referiu nunca ter realizado, 53,9% realizam raramente ou às vezes e 36,6% quase todo mês ou todos os meses (Tabela 3).

Na análise multivariada, ajustadas pelas variáveis sócio-demográficas e ocupacionais consideradas confundidoras, observou-se que a chance de realizar o Papanicolaou foi 58% maior (RC=1,58; IC95%=1,07- 2,34) no 3º tercil (níveis mais altos de apoio) quando comparado ao 1º (níveis mais baixos de apoio) tercil de apoio social global.

Foi possível ainda observar que, para a dimensão de interação social positiva/afetivo para aquelas que referiram níveis intermediários de apoio social, a chance de realizar o Papanicolaou foi 70% mais elevada (RC=1,70; IC95%=1,16- 2,47) e entre aquelas com níveis mais altos (3º tercil) a chance passou para 84% (RC=1,84; IC95%=1,24- 2,71).

Não foi possível, no entanto, identificar a associação entre apoio material e apoio emocional/informação e a realização do exame Papanicolaou (Tabela 4).

As análises ajustadas por variáveis de confundimento da associação dos níveis de apoio social AEM mostraram que a chance de praticar o AEM foi 54% (RC=1,54; IC95%=1,14-2,07) maior no último tercil de apoio social global, quando comparado ao 1º.

Além disso, aquelas trabalhadoras classificadas no 3º tercil de apoio emocional/informação tiveram chance 43% (RC=1,43; IC95%=1,06-1,93) mais elevada e no apoio ISP/afetivo foi 80% (RC=1,80; IC95%=1,33- 2,44) maior quando comparadas àquelas classificadas no 1º (níveis mais baixos de apoio social), confirmando a associação direta entre os escores dimensões de apoio social global e a prática de AEM (Tabela 5).

De forma semelhante ao exame Papanicolaou, o apoio material não se mostrou associado a maiores/menores chances de realização do autoexame das mamas entre as trabalhadoras avaliadas (Tabela 5).

DISCUSSÃO

O grupo estudado apresentou elevada carga de trabalho semanal, com alto percentual de trabalhadoras com mais de um emprego. Essas características remetem aos aspectos já discutidos por outros autores(19) em relação às duplas e triplas jornadas das trabalhadoras de enfermagem no Brasil, que incluem os diversos empregos na assistência de enfermagem e o trabalho doméstico. Além de consequências sobre a saúde das trabalhadoras com possíveis riscos aos pacientes, tais condições poderiam também restringir o tempo e motivação para a dedicação ao autocuidado.

Nem todas as mulheres refereriram fazer o rastreamento para o câncer uterino e de mama da forma adequada. Em relação ao exame Papanicolaou. Chama a atenção nestes resultados a proporção de trabalhadoras de enfermagem que nunca realizou ou que o realizou há mais de dois anos. A frequência de realização do exame aqui observada foi semelhante à identificada em municípios como Porto Alegre, Florianópolis, Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo(20). Tal semelhança é preocupante, se se considerar que o estudo nesses municípios abrangeu mulheres da população em geral. Esses resultados enfatizam a necessidade de se pensar na promoção de saúde entre a equipe de enfermagem

Em relação à prática do autoexame das mamas (AEM), encontrou-se, aqui, proporções menores de realização, quando comparadas àquelas observadas entre trabalhadoras técnico-administrativas de uma universidade pública do Rio de Janeiro(17). Se se considerar que este estudo se refere exclusivamente às trabalhadoras de enfermagem e que, possivelmente, conhecem o AEM e a forma adequada de realizá-lo, pode-se ressaltar o quanto o conhecimento do exame não determina a sua realização. Essa observação vai ao encontro de alguns resultados(21) que mostram que menos de um terço das mulheres realizavam o AEM, embora 96% delas referissem conhecer o exame. É importante salientar que o Ministério da Saúde(1) não preconiza o autoexame das mamas como estratégia isolada de detecção precoce do câncer de mama. A recomendação é a de que o exame das mamas pela própria mulher faça parte das ações de educação para a saúde que contemplem o conhecimento do próprio corpo. Portanto, neste estudo, essa prática foi considerada variável marcadora do autocuidado em saúde.

Identificou-se, aqui, também, associação entre maiores níveis de apoio social e a adesão às práticas de rastreamento de câncer uterino (citologia vaginal) e de mama (AEM). Análises ajustadas mostraram que, entre as trabalhadoras de enfermagem que referiram níveis mais altos de apoio social global e ISP/afetivo, também relataram frequência mais elevada de realização do exame Papanicolaou.

O apoio social e suas possíveis relações com o exame de rastreamento do câncer de colo uterino têm sido menos estudados do que o autoexame das mamas. No entanto, já foi identificado(5), por exemplo, que ter um médico regular e poder conversar com amigas sobre aspectos relacionados à saúde está associado a práticas mais adequadas do exame Papanicolaou. Nesse sentido, o rastreamento de câncer é desafio relevante para mulheres da mesma idade e as amigas poderiam facilitar informações e elucidar dúvidas sobre o exame. No entanto, a importância da família, em especial do marido, no caso das casadas, como influenciadores dessa prática não pode ser menosprezada(5).

Os resultados apontaram importância semelhante do apoio social nas duas práticas preventivas avaliadas. No entanto, estudo norte-americano(6) identificou influência mais importante do apoio social na adesão ao exame Papanicolaou do que no caso de exames de rastreamento de detecção do câncer de mama em populações hispânicas que vivem nos Estados Unidos.

No caso do AEM, os resultados, aqui, mostraram que entre aquelas que referiram níveis mais altos de apoio social global, emocional/informação e ISP/afetivo identificou-se frequência mais elevada de prática adequada do AEM. Resultados semelhantes foram identificados em estudo que avaliou o impacto do apoio social (utilizando a mesma escala deste estudo) nas práticas de rastreamento do câncer de mama em uma população de mais de 55.000 mulheres(8), mostrando que os altos níveis de apoio emocional/informação e de interação social positiva foram associados, de maneira independente, às práticas mais adequadas de rastreamento do câncer de mama (mamografia, AEM e exame clínico das mamas). Ainda, de forma semelhante ao presente estudo, os autores não identificaram associação entre o apoio material e o AEM. De fato, as dimensões mais relacionadas ao aspecto emocional (ter alguém com quem compartilhar sentimentos de afeto) parece ter mais influência no autocuidado do que a dimensão relacionada à provisão de recursos materiais(8). Outras investigações(7-9) têm mostrado, de forma consistente, a influência do apoio social em práticas de rastreamento do câncer de mama, que incluem o AEM.

O mecanismo que explica a influência do apoio social sobre comportamentos relacionados à saúde, no entanto, ainda não está elucidado. Sabe-se que a rede social de apoio pode prover assistência prática, encorajar diretamente comportamentos preventivos ou fornecer ambiente emocional de apoio que colaborariam ou facilitariam a aderência em práticas preventivas, pois estariam relacionados ao empoderamento de cuidados com a saúde, através do acesso à informação, transferência de conhecimento e incentivo(9). Outros autores(10) ainda relacionam a importância da influência social, em que o meio social estabeleceria normas de comportamentos mais ou menos aceitáveis, além de que determinados vínculos sociais poderiam promover maior acesso aos serviços de saúde.

CONCLUSÕES

Este estudo identificou proporção considerável de trabalhadoras de enfermagem com práticas preventivas inadequadas em relação ao rastreamento de câncer uterino e de mama avaliados, mostrando que oportunidades de prevenção estão sendo perdidas no contexto dos hospitais avaliados.

As análises mostraram que as trabalhadoras de enfermagem que referiram níveis mais elevados de apoio social global e de interação social positiva/afetivo relataram também frequências mais elevadas de práticas adequadas no que se refere ao rastreamento de câncer uterino (citologia vaginal). No caso do AEM, além desses, o apoio social emocional/afetivo mostrou-se associado às práticas adequadas. Portanto, este estudo corrobora os resultados de outras investigações que apontam a importância do apoio social na adoção de práticas preventivas femininas. Essa consistência de resultados enfatiza a contribuição positiva do apoio social para a prática regular de cuidados com a saúde. Esse conhecimento precisa ser difundido entre os trabalhadores de enfermagem e reconhecido em programas que estimulem as práticas de rastreamento para câncer feminino. Portanto, investir em programas que valorizem e fortaleçam vínculos sociais pode contribuir para a promoção da saúde coletiva e individual(9)

Estudos qualitativos e quantitativos, no entanto, que elucidem melhor os atributos específicos do apoio emocional/informação e o de ISP/afetivo e o seu relacionamento com as práticas de detecção de câncer feminino se fazem necessários. Além disso, a identificação dos tipos de relacionamentos sociais mais importantes que influenciam positivamente ou negativamente as práticas de saúde (por exemplo, relacionamento com colegas do trabalho, profissionais de saúde, pessoas da família, amigos etc.) pode subsidiar de forma mais efetiva estratégias preventivas que levem em conta o ambiente social.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos o apoio da Comissão de Saúde do Trabalhador dos hospitais estudados. Apoio financeiro: CNPq, FAPERJ, Mount Sinai School of Medicine. LR é "felow" do Programa International Training and Research on Environmental and Occupational Health (ITREOH) Irving Selikoff, do Mount Sinai School of Medicine. Seu trabalho foi parcialmente financiado pelogrant 1 D43 TW00640 do Fogarty International Center do National Institutes of Health (NIH).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Ago 2009

Histórico

  • Recebido
    25 Abr 2008
  • Aceito
    27 Abr 2009
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