Acessibilidade / Reportar erro

Galveston Orientation and Amnesia Test: aplicabilidade e relação com a Escala de Coma de Glasgow

Resumos

Restrições na aplicação do Galveston Orientation and Amnesia Test e questionamentos sobre a relação entre consciência e amnésia pós-traumática motivaram este estudo que visa identificar, pelos escores da Escala de Coma de Glasgow, quando iniciar a aplicação desse teste de amnésia, bem como verificar a relação entre os resultados desses dois indicadores. O estudo prospectivo longitudinal foi realizado em centro de referência para atendimento de trauma em São Paulo - Brasil. A amostra foi de 73 vítimas de trauma craniencefálico contuso, internadas nessa instituição, no período de 3/1 a 3/5/2001. Com relação à aplicabilidade, o teste pôde ser aplicado nas vítimas com Escala de Coma de Glasgow > 12, porém, o término da amnésia pós-traumática foi verificado nos pacientes com pontuação >14 nessa escala. Correlação significativa (r s= 0,65) foi verificada entre os indicadores, no entanto, diferentes formas de relação entre término de amnésia e alteração da consciência foram observadas.

amnésia; trauma craniocerebral; escala de coma de Glasgow


Restrictions in the application of the Galveston Orientation and Amnesia Test and questionings about the relationship between conscience and post-traumatic amnesia motivated this study, which aims to identify, through the Glasgow Coma Scale scores, when to initiate the application of this amnesia test, as well to verify the relationship between the results of these two indicators. The longitudinal prospective study was carried at a referral center for trauma care in São Paulo - Brazil. The sample consisted of 73 victims of blunt traumatic brain injury, admitted at this institution between January 03rd and May 03rd 2001. Regarding the applicability, the test could be applied in patients with a Glasgow Coma Scale score > 12; however, the end of post traumatic amnesia was verified in patients who scored > 14 on the scale. A significant relationship (r s = 0.65) was verified between these measures, although different kinds of relationship between the end of the amnesia and changes in consciousness were observed.

amnesia; craniocerebral trauma; Glasgow coma scale


Restricciones en la aplicación del Galveston Orientation and Amnesia Test y los cuestionamientos sobre la relación entre conciencia y amnesia post-traumática motivaron este estudio que visa identificar, a través de la puntuación de la Escala de Coma de Glasgow, el periodo más adecuado para la aplicación de la prueba de amnesia, y observar la relación entre los resultados de esos dos indicadores. El estudio prospectivo y longitudinal fue realizado en un centro de referencia para traumas en São Paulo - Brasil. El número fue de 73 victimas de trauma craneoencefálico contuso, internadas en esta institución en el periodo de 03/01 a 03/05/2001. Con relación a la aplicabilidad, la prueba puede ser aplicada en los pacientes con la Escala de Coma de Glasgow > 12, pero el término de la amnesia post-traumática fue observado en los pacientes con puntuación > 14 en la escala. Correlación significativa (rs = 0,65) fue observada entre esas medidas, aunque diferentes formas de relación entre el término de la amnesia y alteración de conciencia fueron observadas.

amnesia; trauma craniocerebral; Escala de Coma de Glasgow


ARTIGO ORIGINAL

Galveston Orientation and Amnesia Test: aplicabilidade e relação com a Escala de Coma de Glasgow

Silvia Cristina Fürbringer e SilvaI; Regina Marcia Cardoso de SousaII

IDocente do Centro Universitário São Camilo, Brasil, Doutoranda

IIProfessor Associado, email: vian@usp.br. Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, Brasil

RESUMO

Restrições na aplicação do Galveston Orientation and Amnesia Test e questionamentos sobre a relação entre consciência e amnésia pós-traumática motivaram este estudo que visa identificar, pelos escores da Escala de Coma de Glasgow, quando iniciar a aplicação desse teste de amnésia, bem como verificar a relação entre os resultados desses dois indicadores. O estudo prospectivo longitudinal foi realizado em centro de referência para atendimento de trauma em São Paulo - Brasil. A amostra foi de 73 vítimas de trauma craniencefálico contuso, internadas nessa instituição, no período de 3/1 a 3/5/2001. Com relação à aplicabilidade, o teste pôde ser aplicado nas vítimas com Escala de Coma de Glasgow > 12, porém, o término da amnésia pós-traumática foi verificado nos pacientes com pontuação > 14 nessa escala. Correlação significativa (rs= 0,65) foi verificada entre os indicadores, no entanto, diferentes formas de relação entre término de amnésia e alteração da consciência foram observadas.

Descritores: amnésia; trauma craniocerebral; escala de coma de glasgow

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, as alterações de consciência e a amnésia pós-traumática têm sido indicadores importantes da gravidade do trauma cranioencefálico (TCE) contuso(1) e, também, os parâmetros mais seguros para prever a capacidade funcional após esse tipo de trauma, a médio e longo prazos(2-9).

A amnésia pós-traumática é distúrbio muito freqüente nos pacientes com TCE e vem sendo estudada há mais de 50 anos. Em 1932, Ritchie Russel apresentou, pela primeira vez, a duração da amnésia pós-traumática como índice de gravidade da lesão craniana e da duração da incapacidade subseqüente(10).

Até a década de 80, a duração e o término da amnésia pós-traumática eram estabelecidos retrospectivamente, questionando-se o paciente após ter restaurado a memória contínua(11). Críticas relacionadas à acurácia da medida retrospectiva apontaram a subjetividade do método e consideraram que a duração e o término da amnésia pós-traumática poderiam, dessa forma, apenas ser estimados após o paciente ter se recuperado da confusão mental(5,11-12).

Em 1979, foi publicado o Galveston Orientation and Amnesia Test (GOAT)(12). Esse foi um dos primeiros de uma série de instrumentos que têm o propósito de estabelecer prospectivamente a duração da amnésia após o TCE.

Desde a sua publicação, o GOAT tem sido amplamente utilizado. Estudos que aplicaram o teste demonstraram que é importante instrumento para detectar a amnésia pós-traumática e determinar sua duração(5).

Nota-se, entretanto, a ausência de diretriz clara para sua aplicação, face às condições restritivas observadas. Para determinar a pontuação no GOAT, um questionário com 10 questões é aplicado. Várias situações impeditivas para sua utilização são vivenciadas na prática clínica, principalmente relacionadas à incapacidade das vítimas de manter comunicação verbal.

Na revisão da literatura, o requisito para aplicação da escala tem sido descrito como "indivíduos consistentemente fora do coma"(3), descrição que mantém indefinições na aplicação do instrumento.

É necessário, portanto, buscar indicadores do momento de aplicabilidade do GOAT. A Escala de Coma de Glasgow (ECGl), por tratar-se de escala consagrada mundialmente e amplamente utilizada na avaliação de vítimas após TCE(13), pode ser indicador importante do momento apropriado para a aplicação desse instrumento.

A ECGl é a escala mais largamente usada para graduar alterações de consciência(13-15). Foi publicada pela primeira vez em 1974, sendo elaborada para propor consistente avaliação clínica do nível da consciência dos pacientes com dano cerebral(16).

Na investigação sobre amnésia pós-traumática, estudos, que procuram revelar a relação entre a alteração do nível de consciência e a amnésia após TCE, são importantes para esclarecer a fisiopatologia desses fenômenos(5,17).

Inicialmente, a amnésia pós-traumática foi considerada a fase inicial de recuperação, após o intervalo de rebaixamento do nível de consciência que ocorre no TCE contuso grave(3). No entanto, na prática, observa-se pacientes com período de amnésia pós-traumática mais longo do que o de alteração do nível de consciência, medida pela ECGl, ou seja, pacientes com pontuação pela ECGl normal, ou próximo do normal, que, quando questionados sobre atitudes ou comportamentos anteriores, não são capazes de lembrar.

As indefinições observadas em relação ao momento de aplicação do GOAT, e quanto à associação entre alteração da consciência e amnésia pós-traumática, levaram à realização deste estudo, com os seguintes objetivos: identificar, através das pontuações total e parcial da ECGl, o momento mais adequado para a aplicação do GOAT e verificar as relações entre os resultados obtidos no GOAT e na ECGl, visando contribuir para o conhecimento das relações entre a amnésia pós-traumática e a alteração de consciência, apresentadas pelas vítimas.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Trata-se de estudo prospectivo longitudinal, de campo, com abordagem quantitativa correlacional, realizado em hospital governamental, centro de referência para atendimento de vítimas de trauma na região oeste da grande São Paulo. O pronto-socorro é o local de admissão das vítimas de TCE internadas nesse hospital.

Participaram da casuística do estudo vítimas de TCE contuso, entre 12 e 60 anos de idade, sem diagnóstico anterior de TCE ou alteração de memória, atendidas no local de estudo após o trauma e internadas para tratamento no período de 3/1 a 3/5/2001.

Para a coleta das informações pertinentes ao presente estudo, foi criada uma ficha individual para registro dos dados. Os campos inclusos nesse instrumento permitiram a identificação e caracterização das vítimas, além da anotação diária das pontuações parciais e total da ECGl e do GOAT.

Diariamente, durante o período de coleta de dados, realizou-se o rastreamento das vítimas com TCE contuso atendidas no pronto-socorro e internadas no hospital nas últimas 24 horas. Para identificar e localizar essas vítimas, foi realizada consulta aos prontuários dos pacientes internados nessa área hospitalar e também foram solicitadas informações aos enfermeiros do setor.

Localizadas as vítimas que atenderam aos critérios de elegibilidade, as avaliações com a ECGl e o GOAT foram iniciadas e realizadas todos os dias, preferencialmente no mesmo horário, até que o término da amnésia fosse detectado (pontuação mínima de 75 no GOAT por dois dias consecutivos). Óbito, alta, transferência hospitalar e outras circunstâncias descritas nos resultados, que inviabilizaram a continuidade das avaliações diárias, encerraram o acompanhamento da vítima antes do fim do período de amnésia. Situações de cirurgia, exames fora da unidade, ou qualquer outra situação impeditiva à aplicação das duas escalas, foram sucintamente descritos no instrumento de coleta de dados, mas não determinaram o término do seguimento do paciente.

O escore total do GOAT foi obtido conforme indicação dos autores dessa escala, subtraindo-se o total de pontos de erro de 100 (Escore total = 100 total de pontos de erro). Na aplicação desse instrumento, pontuações menores que 75 indicam que a vítima ainda se encontra no período de amnésia. Conforme indicação de pesquisas anteriores, foi considerado o término da amnésia pós-traumática o primeiro dia quando a vítima atingiu, por dois dias consecutivos, escore maior ou igual a 75 no GOAT(3,11).

Após a inserção das informações em banco de dados, análises foram realizadas visando à caracterização da casuística estudada e o alcance dos objetivos propostos. Para verificar a relação entre valores seqüenciais da ECGl e do GOAT, foi aplicado o coeficiente de correlação por postos de Spearman. Nesta análise, o p value inferior a 0,05 foi considerado estatisticamente significante.

O estudo obteve parecer favorável do Comitê de Ética e Pesquisa do hospital local de estudo e a inclusão das vítimas na pesquisa ocorreu após seu consentimento ou de seus familiares.

RESULTADOS

No período de coleta de dados, 73 vítimas de TCE atenderam aos critérios de inclusão estabelecidos no presente estudo, sendo que 72,6% dos pacientes eram do sexo masculino, a grande maioria (79,5%) na faixa etária entre 12 e 36 anos; quanto à causa externa, a ocorrência mais freqüente que provocou TCE contuso na casuística estudada foi o acidente de trânsito (75,3%), seguido pela queda (21,9%); quanto à gravidade do TCE, as categorias extremas incluíram maior número de vítimas (35,6% graves e 48% leves). O tempo médio de seguimento das vítimas foi de 8,7 dias (+ 8,9 dias). A variação desse tempo foi de 1 a 39 dias e a maioria das vítimas, 69,9%, foi acompanhada e avaliada por período de até 10 dias.

Durante o seguimento, as 73 vítimas foram submetidas a 419 avaliações. O GOAT não foi possível ser aplicado em 188 dessas avaliações (44,9%), devido a situações que impediram o paciente de colaborar na aplicação do teste, tais como intubação orotraqueal, agitação e outras alterações acentuadas de comportamento ou consciência. Nesses casos, foi aplicada somente a ECGl.

Na Tabela 1 observa-se que em todas as avaliações em que a ECGl foi menor que 12, o GOAT não foi aplicável. O teste foi possível de ser aplicado apenas uma vez em um paciente com ECGl de 12, porém resultou em escore menor que 75 .

O GOAT pôde ser aplicado com relativa facilidade nos pacientes com ECGl de 13, porém, em todas as aplicações a pontuação foi menor que 75. Das 114 aplicações da ECGl que resultaram em escore 14, somente em 22 das avaliações com o GOAT (19,3%) as vítimas atingiram pontuação > 75. Por outro lado, a maioria (70,6%) das aplicações do teste alcançou esse escore quando os pacientes apresentaram pontuação 15 na ECGl.

Na Tabela 2, nota-se que a aplicação do teste foi possível em vítimas com escore 2 ou mais no parâmetro Abertura Ocular da ECGl, porém, somente quando essa pontuação atingiu valor mínimo de 3 é que houve indicação de término da amnésia pós-traumática pelo GOAT.

A Tabela 3 mostra que a aplicação do teste ocorreu quando o escore no parâmetro Melhor Resposta Verbal da ECGl foi 4 ou 5, sendo também, nesses valores, observado resultados no GOAT > 75. Dos três itens que compõem a ECGl, esse foi o que mais freqüentemente apresentou pontuação 1. Situações impeditivas para avaliação da Melhor Resposta Verbal foram freqüentes nesse parâmetro, quase sempre relacionados à intubação orotraqueal dos pacientes.

A Tabela 4 relaciona a pontuação do parâmetro Melhor Resposta Motora com o valor total do GOAT. A colaboração da vítima na aplicação do teste só foi conseguida em indivíduos que, no item, Melhor Resposta Motora da ECGl, alcançaram pontuação 6, isto é, eram capazes de obedecer a comandos simples. De forma similar, foi com esse escore na ECGl que as vítimas atingiram pontuação > 75 no GOAT.

Para analisar as relações entre os resultados obtidos no GOAT e na ECGl, os valores obtidos diariamente nos dois instrumentos foram dispostos em pares e submetidos ao Coeficiente de Correlação por postos de Spearman. A análise mostrou correlação ordinal positiva estatisticamente significativa (rs = 0,65; p<0,001).

Para melhor caracterizar a relação entre alteração de consciência e amnésia pós-traumática, apresenta-se, na Tabela 5, resultados relativos às vítimas que tiveram término da amnésia pós-traumática determinado durante o período de seguimento.

Das 73 vítimas incluídas neste estudo, somente 40 delas (54,8%) tiveram a duração da amnésia pós-traumática determinada. Várias foram as situações que inviabilizaram a continuidade das avaliações diárias dos participantes do estudo até o fim do período de amnésia: 14 (19,2%) tiveram alta hospitalar para casa, 9 (12,3%) evoluíram para óbito, 5 (6,8%) foram transferidas para outros hospitais, 2 (2,8%) evadiram-se do hospital e 3 (4,1%) evoluíram com incapacidades que impossibilitaram a avaliação da memória (afasia, distúrbio de comportamento).

Essas 40 vítimas foram distribuídas segundo a relação observada entre o fim de suas alterações de memória e consciência. Considerou-se nessa análise que a pontuação 15, na ECGl, é indicador importante de condição fisiológica normal no parâmetro consciência.

Observa-se, na Tabela 5, que a maioria das vítimas, 21 pacientes (52,5%), tiveram indicação de normalidade na memória e na consciência concomitantemente, ou seja, apresentaram o término da amnésia pós-traumática coincidentemente com a pontuação 15 pela ECGl. Entretanto, 10 pacientes apresentaram término da amnésia pós-traumática antes de alcançarem pontuação 15 pela ECGl e 9 pacientes só tiveram o término da amnésia pós-traumática determinado alguns dias após terem alcançado a pontuação máxima na ECGl.

DISCUSSÃO

Na atual pesquisa, para identificar o momento mais adequado para a aplicação do GOAT, pontuações parciais e totais da ECGl, obtidas durante o seguimento de vítimas de TCE contuso, foram analisadas perante o GOAT, considerando os resultados obtidos e a possibilidade de sua aplicação.

Nessas análises, observou-se que a pontuação mínima na ECGl em que se pôde obter a colaboração da vítima para aplicar o GOAT foi 12, com pontuações parciais de 2 no parâmetro Abertura Ocular, 4 no parâmetro Melhor Resposta Verbal e 6 no parâmetro Melhor Resposta Motora.

Na apresentação de uma proposta ampliada da ECGl, que engloba a avaliação da amnésia pós-traumática, os autores afirmam que, em relação a esse parâmetro, as pessoas que apresentam escore < 12 na ECGl raramente podem ser avaliadas(15).

A pontuação 6 no item MRM já foi apontado por outros autores(3), como o mais importante indicador na ECGl de que a vítima se encontra fora do coma e, portanto, tem a perceptividade mínima necessária para colaborar na aplicação do GOAT.

A colaboração da vítima, para a aplicação do GOAT ou qualquer outro teste de memória, é imprescindível, sendo, para isso, necessária a presença de respostas que englobam perceptividade e capacidade de expressão verbal.

Quando o término da amnésia pós-traumática foi considerado nas análises realizadas sobre a aplicabilidade do GOAT, os resultados apontaram para a pontuação total de 14 na ECGl, com pontuação mínima de 3 no parâmetro Abertura Ocular, 4 em Melhor Resposta Verbal e 6 no item Melhor Resposta Motora.

Essa observação deve ser considerada indicação importante do momento a ser aplicado o GOAT. À medida que novos estudos confirmem que as pontuações 12 e 13 na ECGl precedem ao término da amnésia pós-traumática, pode-se sistematizar o início da avaliação com o GOAT após o alcance da pontuação 14 na ECGl. Evita-se, assim, o desgaste da vítima e do avaliador, num período em que, provavelmente, o resultado do GOAT não alcança 75 pontos.

No presente estudo, observou-se correlação estatisticamente significativa entre os resultados obtidos no GOAT e na ECGl . Na literatura científica não foram localizados estudos que analisaram a correlação entre os escores desses dois indicadores, porém, a relação da duração da amnésia e do coma foi pesquisada por vários autores. Essas análises, assim como a do presente estudo, visaram estudar a relação entre as alterações pós-traumáticas da consciência e da memória. Seus resultados atestaram correlação significativa entre os indicadores desses dois parâmetros(3,6,18).

O déficit amnésico que ocorre após TCE é freqüentemente acompanhado por desorientação quanto a tempo, lugar e pessoa, além de agitação, conduta desinibida, deficiência de atenção e outras alterações de memória como confabulação e amnésia retrógrada. É comum a agitação e a agressão, física ou verbal, e ainda podem ocorrer alucinações(12).

Pesquisadores de Toronto, Canadá, estudando as mudanças cognitivas que ocorrem durante o período agudo de recuperação do TCE, concluíram que a amnésia pós-traumática é, em essência, um estado confusional pós-traumático, definido como síndrome mental orgânica transitória, com início agudo, caracterizada por prejuízo global das funções cognitivas, com distúrbio concorrente da consciência, anormalidade de atenção, redução ou aumento da atividade psicomotora e disfunção no ciclo de sono/vigília(16).

Para esses investigadores, o quadro clínico que se tem denominado como amnésia parece ser secundário à incapacidade de estar atento durante a codificação ou recuperação da informação, sugerindo que problemas na atenção são proeminentes, se não os mais importantes, na fase de recuperação após TCE.

Por essas afirmações, a amnésia pós-traumática deveria ser concorrente com o estado confusional(12,16) e, portanto, o término da amnésia concomitante com a ECGl igual a 15. No presente estudo, em 25% dos casos, o fim da amnésia pós-traumática antecedeu o escore 15 na ECGl, ocorrendo esse término na pontuação 14. A maioria desses pacientes tinha os seguintes escores parciais na ECGl: Abertura ocular = 4, Melhor Resposta Verbal = 4 e Melhor Resposta Motora = 6. Observou-se, assim, pacientes confusos que tinham pelo GOAT indicação do término da amnésia pós-traumática. Já em 22,5% dos casos os pacientes haviam obtido escore 15 pela ECGl há pelo menos 1 dia, quando ocorreu o término da amnésia pós-traumática.

Esse último grupo de vítimas, que alcançou pontuação 15 na ECGl antes da recuperação da alteração de memória, não oferece suporte à hipótese que a amnésia pós-traumática é, em essência, um estado confusional. Por outro lado, aqueles que, embora confusos, apresentaram indicação de término da amnésia, não se contrapõem diretamente a tal hipótese, uma vez que, nesses casos, pode-se considerar que a amnésia termina antes do estado confusional.

A amnésia pós-traumática foi mais longa em relação ao coma em um subgrupo de vítimas de TCE analisado por pesquisadores do Reino Unido. Esses autores observaram que 17 pacientes, em 38, que foram hospitalizados após TCE de diversas gravidades, tiveram amnésia pós-traumática por dois dias ou mais, embora apresentassem períodos de coma inferior a seis horas. Dentre essas 17 vítimas, 8 se destacaram por apresentar duração da amnésia superior a 7 dias. Para pacientes que permaneceram seis ou mais horas em coma, houve mais coerência nos resultados e a amnésia persistiu, na maioria das vezes, por mais de 7 dias(6).

Nesse estudo, os 8 pacientes que tiveram tempo de amnésia prolongado e curto período de coma, quando comparados com os demais, em relação aos resultados da ressonância magnética, apresentavam dano mais extenso em hemisférios cerebrais. No grupo como um todo, ambos, coma e amnésia, foram relacionados com o número de lesões detectadas em estruturas cerebrais centrais, mas somente a duração da amnésia pós-traumática foi significativamente relacionada com o número lesões hemisféricas. Esses resultados permitiram a conclusão de que ambos, coma e amnésia, são relacionados ao dano cerebral, embora reflitam diferentes padrões de lesão(6).

Tendo em vista essas observações, pode-se sugerir que diferentes padrões de lesão ocasionaram as diferentes relações entre os parâmetros memória e consciência, observados na Tabela 5. Porém, não se pode ignorar a importância da atenção no processo de memorização e a dificuldade de claramente distinguir os quadros confusionais da síndrome da amnésia pós-traumática. Assim, no grupo em que o término da amnésia ocorreu concomitante ou antecedeu à pontuação 15 na ECGl, não se pode afastar a possibilidade da alteração do nível de consciência ter influenciado os resultados relativos à memória(6).

Além disso, o uso da pontuação do GOAT para determinar o término da amnésia pós-traumática identifica um estágio de recuperação que parece mais concorrente com o retorno da capacidade de orientação, do que com a recuperação da lembrança espontânea. Segundo alguns autores, em pacientes mais gravemente traumatizados, a amnésia realmente contribui para o escore do GOAT, mas, nos traumas mais leves, atenção e confusão são primariamente os fatores que contribuem para a pontuação(17).

O uso do GOAT como instrumento para estabelecer o término da amnésia limita a capacidade do pesquisador distinguir quadros confusionais das alterações de memória pós-traumática. Na estrutura do GOAT, o predomínio das medidas de orientação é evidente e condizente com o pressuposto que o período de amnésia é a fase inicial de recuperação, após um intervalo de rebaixamento de nível de consciência.

Muitas lacunas ainda permeiam o estudo da amnésia pós-traumática, assim como as relações entre as funções cognitivas. Acredita-se que novos estudos, com mais clara distinção entre os processos cognitivos avaliados e com análise concomitante do diagnóstico de lesão por imagem, possam resultar em informação mais clara da fisiopatologia envolvida no processo de recuperação cognitiva pós-traumática e, em especial, da memória. É importante também considerar, nesses estudos, os potenciais efeitos adversos das drogas utilizadas na fase aguda do trauma, que podem afetar a performance da memória(3).

CONCLUSÕES

Em relação ao melhor momento para a aplicação do GOAT, pode-se afirmar que:

- esse instrumento pode ser aplicado quando a pontuação 12 na ECGl é alcançada, com valores parciais acima de 2, em Abertura Ocular, maior que 4, em Melhor Resposta Verbal e 6, em Melhor Resposta Motora;

- as vitimas com escores 14 e 15 na ECGl, com pontuações parciais de 3 ou 4 no item Abertura Ocular, 4 ou 5 em Resposta Verbal e 6 em Resposta Motora são aquelas que alcançam valor > 75 no GOAT. Tais resultados apontam para a aplicação desse instrumento após as vítimas alcançarem essas pontuações na ECGl.

Quanto às relações entre os resultados obtidos no GOAT e na ECGl pode-se concluir que:

- o Coeficiente de Correlação por Postos de Spearman entre escores seqüenciais da ECGl e do GOAT foi de 0,65, p < 0,001, indicando relação relativamente forte entre essas medidas; no entanto, quando se analisou o término da amnésia pós-traumática e das alterações de consciência apontadas por esses instrumentos observou-se que, em 47,2% dos casos, o fim da amnésia pós-traumática ocorreu antes ou após a pontuação 15 na ECGl.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 24.7.2006

Aprovado em: 10.5.2007

  • 1. Alves D, Mussi FC, Jeukens MMF, Silva SCF, Silva EB, Koizumi MS. O que lembra o paciente com TCE sobre o período de hospitalização?. Rev Latino-am Enfermagem 2000 abril; 8(2):91-8.
  • 2. Cifu DX, Keyser-Marcus L, Lopez E, Wehman P, Kreutzer JS, Englander J, et al Acute predictors of successful return to work 1 year after traumatic brain injury: a multicenter analysis. Arch Phys Med Rehabil 1977; 78:125-31.
  • 3. Ellemberg JH, Levin HS, Saydjari C. Posttraumatic amnesia as a predictor of outcome after severe closed head injury. Arch Neurol 1996; 53: 782-91.
  • 4. Jennett B, Teasdale G. Predicting outcome in individual patients after severe head injury. Lancet 1976; 1(7968): 1031-4.
  • 5. McMillan TM, Jongen ELMM, Greenwood RJ. Assessment of post-traumatic amnesia after severe closed head injury: retrospective or prospective? J Neurol Neurosurg Psychiatry 1996; 60:422-7.
  • 6. Wilson JTL, Teasdale GM, Hadley DM, Wiedmann KD, Lang, DL. Post-traumatic amnesia: still a valuable yardstick. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1993; 57:198-201.
  • 7. Pastorek NJ, Hannay HJ, Contant CS. Prediction of global outcome with acute neuropsychological testing following closed head injury. J Int Neuropsychol Soc 2004; 10(6):807-17.
  • 8. Orient-López F, Sevilla-Hernández E, Guevara-Espinosa D, Terré- Boliart R, Ramón-Rona S, Bernabeu-Guitart M. Resultado funcional al alta de los traumatismos craneoencefálicos graves ingresados en una unidad de daño cerebral. Rev Neurol 2004; 39(10):901-6.
  • 9. De Guise E, Leblanc J, Feys M, Thomas H, Gosselin N. Effect of an integrated reality orientation programme in acute careon post-traumatic amnesia in patients with traumatic brain injury. Brain Inj 2005; 19(4):263-9.
  • 10. Shores EA, Maeosszeky JE, Sandanam J, Batchelor J. Preliminary validation of a clinical scale for measuring the duration of post-traumatic amnesia. Med J Aust 1986; 144(26):569-72.
  • 11. Levin HS, O'Donnell VM, Grossman RG. The Galveston Orientation and Amnesia Test : a practical scale to assess cognition after head injury. J Nerv Ment Dis 1979; 167(11):675-84.
  • 12. Ladera-Fernandez V. Síndrome amnésico postraumático. Rev Neurol 2001; 32(5):467-72.
  • 13. Alves D, Koizumi MS. Escala de Coma de Glasgow: tempo de reavaliar seu uso em serviço de emergência. Acta Paul Enfermagem 1999;12(3):92-100.
  • 14. Brooks DN, Hosie J, Bond MR, Jennett B, Aughton M. Cognitive sequelae of severe head injury in relation to the Glasgow Outcome Scale. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1986; 49:549-53.
  • 15. Nell V, Yates DW, Kruger J. An extended Glasgow Coma Scale (GCS-E) with enhanced sensitivity to mild brain injury. Arch Phys Med Rehabil 2000; 81(5):614-7.
  • 16. Marion DW, Carlier PM. Problems with initial Glasgow Coma Scale assessment caused by prehospital treatment of patients with head injury: results of a national survey. J Trauma 1994; 36(1):89-95.
  • 17. Stuss DT, Binns MA, Carruth FG, Levine B, Brandys CE, Moulton RJ, et al. The acute period of recovery from traumatic brain injury: posttraumatic amnesia or post-traumatic confusional state? J Neurosurg 1999; 90:635-43.
  • 18. Katz DI, Alexander MP. Traumatic brain injury: predicting course of recovery and outcome for patients admitted to rehabilitation. Arch Neurol 1994; 51:661-70.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Set 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007

Histórico

  • Aceito
    10 Maio 2007
  • Recebido
    24 Jul 2006
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
E-mail: rlae@eerp.usp.br