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Análise do fenômeno do consumo de álcool em adolescentes: estudo realizado com adolescentes do 3º ciclo de escolas públicas

Resumos

Este estudo teve como objectivo a avaliação do fenómeno do consumo de álcool em escolas públicas da cidade de Coimbra (7º, 8º e 9º) para a implementação de um programa de prevenção de uso/abuso de álcool. É um estudo do tipo quantitativo descritivo-correlacional. A amostra incluiu 654 estudantes (51,5% do sexo feminino), com idades compreendidas entre 12 e 18 anos. Utilizou-se para a colheita de dados o Questionário de Expectativas acerca do Álcool - Formato Adolescentes (AEQ-A) e o Questionário de Conhecimentos acerca do Álcool. Os resultados mostraram que as expectativas positivas acerca do álcool são discriminativas do consumo e da ocorrência de embriaguez. Essas existem nos adolescentes mesmo antes de experiências significativas com o consumo de álcool, e aumentam com a idade. Reforçando a necessidade de os esforços preventivos terem que ser desenvolvidos precocemente. Esses resultados permitiram o refinamento do programa de prevenção que foi integrado ao curriculum escolar dos estudantes do 7º ano.

adolescente; alcoolismo; promoção da saúde


This study aimed to evaluate the alcohol consumption phenomenon in public schools in Coimbra, Portugal (7th, 8th and 9th grades) for the implementation of a preventive program of alcohol use/abuse. This is a quantitative, descriptive and correlational study. The sample included 654 students (51.5% female) between 12 and 18 years of age. The Alcohol Expectancy Questionnaire - Adolescent form (AEQ-A) and the Questionnaire of Knowledge on Alcohol were used for data collection. Results show that positive expectancy on alcohol is discriminative of consumption and occurrence of intoxication. Positive expectancy exists even before adolescents have significant experiences with alcohol consumption and increases with age, which reinforces the need for early preventive effort. These results permitted to improve the prevention program included in the school curriculum of the 7th grade students.

adolescent; alcoholism; health promotion


Este estudio tiene como objetivo evaluar el fenómeno del consumo de alcohol en las escuelas públicas de la ciudad de Coimbra (7º,8º y 9º) para implementar, en la práctica, un programa de prevención del uso/abuso del consumo alcohólico excesivo. Es un estudio del tipo cuantitativo, descriptivo y de correlación. La muestra incluyó 654 estudiantes (51.5% del sexo femenino), con edades entre 12 y 18 años. El Cuestionario de Expectativas referentes al Alcohol de estudiantes - Formato Adolescentes (CEA-A) y el cuestionario del conocimiento referente al alcohol fueron utilizados para obtener los datos. Los resultados demostraron que las expectativas positivas referentes al alcohol hacen una diferencia entre el consumo de alcohol y la ocurrencia de la embriaguez; inclusive, esta discriminación existe entre los adolescentes antes de tener experiencias significativas con el consumo de alcohol y aumentan con la edad. Reforzando la necesidad de desarrollar precozmente esfuerzos preventivos. Estos resultados permitieron el perfeccionamiento del programa de prevención que fue integrado al plan de estudios de la escuela de los estudiantes del 7º año.

adolescente; alcoholismo; promoción de la salud


ARTIGO ORIGINAL

Análise do fenômeno do consumo de álcool em adolescentes: estudo realizado com adolescentes do 3º ciclo de escolas públicas

Teresa BarrosoI; Aida MendesII; António BarbosaIII

IEnfermeira, Doutoranda da Universidade de Lisboa, Portugal, Professor Adjunto da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal, e-mail: tbarroso@esenfc.pt

IIEnfermeira, Doutor em Educação, Professor da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal, e-mail: amendes@esenfc.ptIIIMédico, Doutor em Psiquiatria, Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Portugal, e-mail: abarbosa@netcabo.pt

RESUMO

Este estudo teve como objectivo a avaliação do fenómeno do consumo de álcool em escolas públicas da cidade de Coimbra (7º, 8º e 9º) para a implementação de um programa de prevenção de uso/abuso de álcool. É um estudo do tipo quantitativo descritivo-correlacional. A amostra incluiu 654 estudantes (51,5% do sexo feminino), com idades compreendidas entre 12 e 18 anos. Utilizou-se para a colheita de dados o Questionário de Expectativas acerca do Álcool - Formato Adolescentes (AEQ-A) e o Questionário de Conhecimentos acerca do Álcool. Os resultados mostraram que as expectativas positivas acerca do álcool são discriminativas do consumo e da ocorrência de embriaguez. Essas existem nos adolescentes mesmo antes de experiências significativas com o consumo de álcool, e aumentam com a idade. Reforçando a necessidade de os esforços preventivos terem que ser desenvolvidos precocemente. Esses resultados permitiram o refinamento do programa de prevenção que foi integrado ao curriculum escolar dos estudantes do 7º ano.

Descritores: adolescente; alcoolismo; promoção da saúde

INTRODUÇÃO

O álcool é das substâncias psicoactivas mais consumidas no mundo e aquela que provoca mais graves consequências para a saúde pública, sendo actualmente considerado como o principal determinante de saúde relacionado com os estilos de vida(1). Nos países da União Europeia, o peso das doenças e morbilidade atribuídas ao álcool oscila entre 8 e 10%(2).

Portugal figura como um dos maiores consumidores mundiais de bebidas alcoólicas, vindo a apresentar alterações recentes nos padrões de consumo, não menos preocupantes, por se configurarem num grupo populacional de particular vulnerabilidade e de tradicional baixo consumo: os adolescentes(3). De facto, a investigação tem permitido perceber que a percentagem de adolescentes que consome bebidas alcoólicas aumenta progressivamente com a idade, e que o início do consumo se realiza por volta dos 12 anos(4).

Ao mesmo tempo, a evidência científica sugere que o início precoce de consumo de álcool está associado a futuros comportamentos-problema na adolescência, incluindo violência relacionada com o álcool, acidentes, conduzir sob o efeito de álcool, absentismo na escola e no trabalho e aumento do risco para o uso de outras drogas e, ainda, o posterior abuso de álcool(5). Sendo a adolescência importante período de transição, marcado por complexas transformações biológicas, físicas, comportamentais e sociais, os comportamentos de alcoolização, nessa fase da vida, resultam no encontro do jovem em desenvolvimento com um produto de efeitos nocivos, em contexto situacional incentivador e promotor do consumo.

Por outro lado, existe relação entre os períodos críticos do desenvolvimento comportamental dos adolescentes e a possibilidade das intervenções preventivas se revelarem eficazes, portanto, é essencial que essas se desenvolvam antes do início do consumo(6).

A investigação desenvolvida nos últimos anos acerca dos factores explicativos do consumo de álcool e outras drogas, pelos adolescentes, identifica vários factores de risco, assim como factores protectores, que se opõem aos efeitos dos factores de risco(7), nomeadamente os factores: socioculturais (exemplo: factores sociodemográficos), familiares (exemplo: consumo de álcool pelos pais, acompanhamento e monitorização parental), meio social envolvente (exemplo: acessibilidade às bebidas alcoólicas, ligação à escola, influência dos mass media, influência dos pares), expectativas (exemplo: atitudes e crenças acerca do consumo de álcool, expectativas e percepção do consumo dos pares), competências sociais e pessoais (exemplo: tomada de decisões, competências de gestão de stress, competências de comunicação, assertividade) e psicológicos (exemplo: autoeficácia, autoestima). Os diferentes efeitos que esses podem produzir dependem das características individuais, da fase de desenvolvimento e do meio envolvente.

Numa análise histórica do desenvolvimento dos programas de prevenção do uso de substâncias, verifica-se que, nas últimas décadas, esses têm sido desenvolvidos com base no modelo de influência social, integrando o desenvolvimento de competências pessoais e sociais(8-9) e utilizam um ou mais dos seguintes componentes: conhecimentos acerca das substâncias, resistência à pressão social, treino de competências pessoais e sociais, correcção da percepção do consumo dos pares; atitudes e expectativas seguras acerca das substâncias(9).

A prevenção pode se desenvolver em diversos contextos e com grupos específicos. No contexto escolar, é possível aceder de forma organizada a um grande número de crianças e adolescentes, nas idades de máximo risco para o início do consumo de substâncias.

Apesar dessas vantagens, em Portugal, a prevenção escolar é incipiente, pontual e dependente da sensibilidade singular dos professores e dos apoios que solicitam ao centro de saúde local ou outras entidades de saúde(10).

Num país, como Portugal, em que existe grande permissividade social e cultural para o consumo de álcool, os esforços preventivos devem ter o seu foco no adiar o consumo de álcool, através do desenvolvimento de expectativas seguras acerca do álcool e de competências pessoais e sociais essenciais para a resistência à pressão para o consumo inoportuno de álcool e de tomada de decisão responsáveis(9).

A promoção para a saúde em meio escolar deve ser entendida como um processo em permanente desenvolvimento. Para que as intervenções preventivas sejam eficazes têm que ser baseadas na evidência científica, aferidas para o contexto a que se destinam e desenvolvidas por profissionais com conhecimentos próprios no domínio específico da saúde para os quais concorrem os sectores da educação e da saúde.

Nesse registo, este estudo tem como objectivo analisar o fenómeno de consumo de álcool dos adolescentes dos 12 aos 18 anos de idade, estudantes do 3º ciclo de escolas públicas da cidade de Coimbra, com vistas ao refinamento de um programa de prevenção de uso/abuso de álcool para se integrar ao currículo escolar, na área projecto de estudantes do 3º ciclo.

MÉTODOS

Foi desenvolvido um estudo do tipo quantitativo descritivo-correlacional, com as seguintes questões de investigação: quais as características do consumo álcool, conhecimentos e expectativas acerca do álcool, dos estudantes do 7º, 8º e 9º ano de escolas públicas da cidade de Coimbra? Os conhecimentos e as expectativas estão relacionados ao consumo, ocorrência de embriaguez, idade e género dos estudantes?

Amostra

A amostra incluiu estudantes do 7º, 8º e 9º ano de escolaridade de escolas públicas do 2º e 3º ciclo da cidade de Coimbra, no total de 654 sujeitos, de ambos os sexos, 51,5% (n=337) do sexo feminino, com idades compreendidas entre 12 e 18 anos (média [DP] = 13,55 [1,13] idade); 37% frequentavam 7º, 33,8% o 8º e 29,3% o 9º ano de escolaridade.

Procedimentos de coleta de dados

Após terem sido cumpridos os pressupostos formais e éticos, o instrumento foi aplicado a 654 estudantes do 7º, 8º e 9º ano de escolaridade de escolas públicas de segundo e terceiro ciclo da cidade de Coimbra, no período de março a abril de 2006. O questionário foi passado em sala de aula a todos os estudantes, cujos encarregados de educação deram autorização expressa.

Instrumentos

O instrumento de recolha de dados integrou um conjunto de questões sociodemográficas e de caracterização do consumo de álcool; o Questionário de avaliação de Conhecimentos acerca do Álcool (QCaA), constituído por 40 afirmações em formato dicotómico (Verdadeiro/Falso), pretendendo avaliar conhecimentos úteis acerca do álcool (pontua de 0 a 40, a cada afirmação correcta é atribuído 1 ponto); e o Questionário de Expectativas acerca do Álcool - adolescentes (AEQ-A)(11), instrumento dicotómico, destinado à avaliação de expectativas de adolescentes (12-19 anos) em sete dimensões: Factor I - transformação global positiva; Factor II - alteração do comportamento social; Factor III - melhoria do funcionamento motor e cognitivo; Factor IV - activação da sexualidade; Factor V - deterioração do funcionamento motor e cognitivo; Factor VI - estimulação e Factor VII - relaxamento e redução da tensão.

Na amostra em estudo (n=654) o AEQ-A no global revelou valor do Kuder Richardson de .90, o que revela boa consistência do instrumento. No entanto, na análise do comportamento dos seus factores, encontrou-se grande variabilidade. O Factor V apresenta consistência interna Boa (K20=.80), o Factor I (K20=.78), o Factor II (K20=.73) e o Factor VII (K20=.76) apresentam consistência aceitável, contudo, o Factor III (K20=.64) e o IV (K20=.65) revelaram consistência interna baixa e o Factor VI (K20=.33) muito baixa.

Tratamento estatístico e softwares utilizados

A análise de dados obtidos foi efectuada com auxílio do programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 14.0. Foram realizadas as análises descritivas que envolveram a descrição da distribuição das variáveis em estudo; realizado teste do qui-quadrado de diferença de proporções para avaliar as associações das variáveis categóricas; teste t de student para a comparação das médias das variáveis contínuas e o coeficiente de Kuder Richardson na avaliação da consistência interna do AEQ-A, por esse ser dicotómico.

RESULTADOS

A maioria dos adolescentes já consumiu bebidas alcoólicas (65,1%). Dos adolescentes que referiram já ter ingerido bebidas alcoólicas, 67,1% eram do sexo feminino, embora não se tenha verificado diferenças significativas entre os rapazes e as raparigas (qui-quadrado=1,13, 1df, p=.29). Em relação ao padrão de consumo: 7,7% referiram consumo habitual (pelo menos uma vez por mês) de cerveja, 7% consumo habitual de bebidas destiladas e 1,2% consumo habitual de vinho; 46,9% referiram consumo ocasional (de vez em quando ou raramente) de cerveja, 73,2% consumo ocasional de bebidas destiladas e 26,9% consumo ocasional de vinho. Tomando como referência aqueles que já consumiram bebidas alcoólicas, verificou-se que 81,6% referiram beber um ou dois copos nas ocasiões de consumo, 18,4% referiram beber mais do que três copos de bebida na mesma ocasião e 18,8% referiram ocorrência de embriaguez.

A circunstância do primeiro consumo foi 47,7% para uma ocasião festiva e 46,2% beberam pela primeira vez com familiares, 18,2% com colegas e/ou amigos e 0,8% sozinho. Para 39,9% o local da primeira ocasião de consumo foi em casa, 7,5% foi no café ou em restaurantes e 17,9% beberam em bares.

No que diz respeito aos conhecimentos dos adolescentes acerca do álcool, como se pode observar na Figura 1, verificou-se que percentagem elevada de estudantes respondeu erradamente a 17 dos 40 itens do questionário de avaliação dos conhecimentos.


No que diz respeito à avaliação dos conhecimentos acerca do álcool, verificou-se existir diferença estatisticamente significativa (t=3,57, 652gl, p=.00) de acordo com o grupo etário, sendo que a média de conhecimentos acerca do álcool do escalão etário mais baixo (dos 12 aos 14 anos de idade) é superior à média de conhecimentos dos adolescentes do escalão etário mais elevado (mais de 15 anos de idade). Não se verificou diferenças estatisticamente significativas no nível dos conhecimentos acerca do álcool entre os adolescentes que referiram já ter ingerido bebidas alcoólicas e aqueles que nunca beberam (t=-.74, 652gl, p=.46). Em relação à ocorrência de embriaguez, verificou-se diferenças estatisticamente significativas, são os adolescentes que referiram ocorrência de embriaguez que apresentam médias de conhecimentos mais baixas (t=2,50, 102,05gl, p=.01).

A influência das expectativas no consumo foi verificada pela diferença encontrada, estatisticamente significativa, entre os dois grupos: já consumiram e não consumiram. Assim, foram os adolescentes que referiram já ter bebido que apresentaram expectativas significativamente mais elevadas acerca do álcool no global (t=5,81, 652gl, p=00) e em todos os factores de expectativas positivas [(Factor I t=4,51, 507,43gl p=.00); (Factor II t=10,58, 606,45gl, p=.00); (Factor III t=3,38, 564,34gl p=.00); (Factor IV t=4,35, 652gl, p=.00); (Factor VI t=4,47, 449,52gl, p=.00) e (Factor VII t=3,86, 652gl, p=.00)]. Em relação à ocorrência de embriaguez, no global e para todos os factores de expectativas positivas, foram os adolescentes que referiram ocorrência de embriaguez que apresentaram expectativas acerca do álcool significativamente mais elevadas (t=-6,94, 424gl, p=.00; t=-6,27, 424gl, p=.00; t=-12,24, 424gl, p=.00; t=-4,87, 88,38gl, p=.00; t=-5,05, 424gl, p=.00; t=-3,34, 424gl, p=.00; t=-2,78, 424gl, p=.01 global e factores I, II, III, IV, VI e VII, respectivamente).

Em relação ao género, não se encontraram diferenças estatisticamente significativas para as expectativas positivas acerca do álcool com excepção do Factor III - foram os rapazes que apresentaram expectativas significativamente mais elevadas de melhoria do funcionamento motor e cognitivo (t=2,64, 570,18gl, p=.01) - e do Factor VII - foram as raparigas que apresentam expectativas significativamente mais elevadas de relaxamento e de redução da tensão (t=-2,54, 652gl, p=.01).

Por último, na análise das expectativas em relação aos grupos de idade, verificou-se existir diferenças estatisticamente significativas entre os grupos de idades para cinco dos seis factores de expectativas positivas: Factor I (t=-4,07, 652gl, p=.00); Factor II (t=-7,95, 171,94gl, p=.00); Factor III (t=-5,20, 142,44gl, p=.00); Factor IV (t=-3,18, 652gl, p=.00) e Factor VII (t=-2,22, 652gl, p=.03), foram os estudantes do grupo etário mais elevado (mais de 15 anos) que apresentaram expectativas positivas mais elevadas. No sentido oposto, em relação às expectativas negativas, foram os estudantes mais novos que apresentaram expectativas negativas significativamente mais elevadas (t=2,57, 176,31gl, p=.01).

DISCUSSÃO

A grande maioria dos estudantes, do 7º, 8º e 9º ano de escolaridade, da amostra em estudo, com idades compreendidas entre 12 e 18 anos, média [DP] = 13,55 [1,13], já consumiu bebidas alcoólicas, não se tendo verificado diferenças significativas entre os rapazes e as raparigas. Esses resultados confirmam outros já apresentados quer em relatórios de investigação nacional acerca dos estilos de vida dos adolescentes portugueses(4) quer na divulgação de resultados de investigações dedicadas, em exclusividade, ao estudo do consumo de álcool pelos adolescentes(12). De facto, não só os dados em relação ao consumo na generalidade parecem ser consistentes como também os dados parcelares, relativos às diferentes variáveis que caracterizam o fenómeno, reforçam o encontrado noutros estudos(4,12). Assim, para a maioria, o primeiro consumo ocorreu em contexto familiar e/ou numa ocasião festiva; o padrão de consumo é, para a maioria dos adolescentes, ocasional e no padrão de consumo ocasional a bebida de eleição foram as bebidas destiladas em detrimento da cerveja; um quarto dos adolescentes referiram beber mais do que três copos de bebida na mesma ocasião e, também, ocorrência de episódios de embriaguez. Esses resultados reflectem mudança nos padrões e modos de consumo, com o aumento do consumo de bebidas destiladas em detrimento da cerveja e aumento da frequência do estado de embriaguez, assim como a aproximação entre rapazes e raparigas no que diz respeito a esse comportamento.

Os conhecimentos demonstrados pelos adolescentes deste estudo reflectem lacunas importantes. Por um lado, persistem ideias erróneas acerca do álcool que estão ligados aos mitos e/ou falsos conceitos, tradicionalmente associados ao álcool, nomeadamente acreditarem que "o álcool aquece" (64,1%), "mata a sede" (30,7%) e "ajuda a fazer a digestão" (47,6%). Por outro lado, emerge um conjunto de défices de conhecimentos que se pode designar como mais ligados aos conhecimentos científicos, associados aos efeitos farmacológicos do álcool, acção e consequências no organismo como, por exemplo: desconhecerem que "o álcool das bebidas alcoólicas é o álcool etílico" (86,1%), ou que "o álcool quando passa para o sangue tem preferência pelas partes do nosso organismo que têm mais água" (49,8%).

Esses défices nos conhecimentos, nomeadamente aqueles que se referem à metabolização do álcool e a sua relação com o desempenho da pessoa sob o efeito do álcool, podem ser particularmente perigosos. De facto, erros tais como - acreditarem que "o efeito que o álcool provoca nas pessoas depende apenas da quantidade que é ingerida" (68,5%); "quando se mistura água ou refrigerantes com bebidas alcoólicas diminui-se a quantidade de álcool" (49,1%); "beber com moderação significa beber de maneira a não se sentir tonto ou mal disposto" (55,8%), ou não saberem que "os efeitos do álcool variam consoante se é do sexo masculino ou feminino" (63,3%) são erros do conhecimento potencialmente facilitadores para a diminuição da percepção do risco relativamente ao consumo de álcool.

A relação entre os conhecimentos acerca do álcool e o consumo é complexa. Por um lado, verificou-se que os jovens que possuem mais conhecimentos acerca do álcool são aqueles que não referem ocorrência de embriaguez, apresentando-se assim esses conhecimentos como potencial factor de protecção. Mas, por outro lado, não se verificou diferenças estatisticamente significativas entre o nível de conhecimentos acerca do álcool no que diz respeito a já ter consumido.

Outro aspecto relevante a considerar é o facto de que, quando seria esperado que o nível de conhecimentos se elevasse com a idade, tal não se verifica, sendo os adolescentes mais novos (12 aos 14 anos de idade) que apresentam conhecimentos superiores acerca do álcool. Essa aparente perda de conhecimentos em função da idade deve ser equacionada tendo em conta diferentes aspectos. Os resultados referidos não emergem de um estudo de coorte, embora não seja previsível uma mudança geracional, tendo em conta o curto espaço de tempo em que essa investigação ocorre, mas colocam a possibilidade de outras interferências externas. Outra explicação deve atender a que as experiências de embriaguez ocorrem com maior frequência nessa faixa etária (mais de 14 anos) e, assim, considerar a hipótese de que os conhecimentos eventualmente sofreram alteração em função das experiências vivenciadas. Assim, parte das afirmações escolhidas por esses adolescentes pode depender da necessidade de, no sentido de não haver dissonância cognitiva, construírem argumentos que desvalorizam o seu comportamento. Nesse sentido, os conhecimentos gerais acerca dos efeitos e consequências do álcool poderão ser modificados em função das experiências acumuladas com o álcool.

O possível papel - directo e indirecto - dos conhecimentos acerca do álcool no seu consumo é assunto que mereceu considerável atenção empírica por parte dos investigadores, tendo gerado algumas conclusões com indiscutível relevância prática, relativas à integração ou não dos conhecimentos acerca do álcool nos programas de intervenção. Essas investigações mostram que, se por um lado os conhecimentos por si só não são suficientes para a tomada de decisões responsáveis, relativamente ao consumo, por outro, não deixam de ser necessários para a compreensão do fenómeno e, por isso, devem estar presentes em qualquer intervenção de educação para a saúde. Essas conclusões realçam que o insucesso das estratégias informativas tradicionais, não devem levar à desqualificação do componente "conhecimentos" nos programas preventivos actuais.

Por último, mas de forma muito relevante, os resultados deste estudo mostraram que as expectativas acerca do álcool são fortemente discriminativas do consumo. Assim, os adolescentes que consomem bebidas alcoólicas e aqueles que referem ocorrência de embriaguez apresentaram níveis de expectativas acerca do álcool mais elevados tanto no global como em todos os factores de expectativas positivas. Esses resultados corroboram vários estudos empíricos mostrando que as expectativas acerca do álcool é factor mediador do consumo(11-13).

Não se encontrou diferenças entre os géneros nas expectativas no global e na grande maioria dos seus factores, reflectindo a tendência actual para a convergência dos comportamentos entre os rapazes e as raparigas. As diferenças encontradas, entre os géneros, estatisticamente significativas, para o Factor III - melhoria do funcionamento motor e cognitivo - maior nos rapazes e para o Factor VII - relaxamento e redução da tensão - maior nas raparigas, reflectem alguma especificidade desenvolvimental. Nesse domínio, alguns estudos apontam os rapazes como tendo maior tendência para a externalização e as raparigas para a internalização(14). Assim, os rapazes podem tender a ver no álcool estímulo à acção enquanto que as raparigas um componente promotor de relaxamento.

É ainda digno de realce o facto de se verificar, de forma consistente, à excepção para o Factor VI (estimulação), que são os adolescentes mais velhos que apresentam expectativas positivas acerca do álcool mais elevadas, enquanto que os mais novos são os que apresentam expectativas negativas mais elevadas. De facto, o possível papel da idade sobre as expectativas tem sido sugerido por vários investigadores que salientam que as expectativas acerca do álcool aumentam com a idade, tornando-se mais homogéneas e mais estáveis(11).

Ao longo de mais de duas décadas, diversos estudos transversais e longitudinais(11-13) puseram em evidência resultados esclarecedores sobre o poder das expectativas acerca do álcool como preditoras do início do consumo de álcool e do início de problemas relacionados ao álcool em adolescentes. Ora, à luz de tais constatações considera-se, aqui, essencial não só a integração das expectativas nos programas de intervenção nesse domínio, mas também que sejam desenvolvidos numa fase desenvolvimental apropriada, antes das expectativas estarem estáveis e por isso mais resistentes à mudança.

CONCLUSÕES

Os resultados deste estudo revelam que a maioria dos adolescentes na amostra em estudo já consumiu bebidas alcoólicas, no entanto, o consumo regular não é comum entre os adolescentes do 7º, 8º e 9º ano de escolaridade. Por outro lado, cerca de ¼ dos adolescentes estudantes já se embriagaram pelo menos uma vez na vida, e referem o consumo de mais de três bebidas na mesma ocasião. A maioria dos adolescentes iniciam o consumo de bebidas alcoólicas em casa com a família, em ocasiões festivas, esse padrão de início do consumo em contexto familiar é típico em países mediterrâneos.

Embora os resultados apontem para uma relação complexa entre os conhecimentos acerca do álcool e o consumo, os "erros" identificados são potencialmente facilitadores da diminuição da percepção do risco, relativamente ao consumo de álcool. Para além disso, os resultados sugerem a sua alteração (perda de conhecimentos) em função das experiências acumuladas com o álcool. Apontando para a necessidade da integração desse componente nos programas preventivos actuais.

Os resultados, aqui, mostram, ainda, que expectativas positivas acerca do álcool existem mesmo antes de experiências significativas com o consumo de álcool, e que essas aumentam com a idade, não se verificando no global e na maioria dos factores de expectativas diferenças entre o género. Reforçando a necessidade de desenvolver precocemente programas de prevenção, incluindo ambos os géneros, para que esses sejam bem-sucedidos.

Apesar das limitações - no estudo só participaram os estudantes cujos encarregados de educação deram autorização expressa - o elevado número de estudantes envolvidos permitiu a avaliação das necessidades dos adolescentes, indispensáveis para o refinamento do programa preventivo de uso/abuso de álcool que foi posteriormente integrado no currículo escolar, na área projecto dos estudantes do 7º ano de uma escola pública de Coimbra.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Ago 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Aceito
    23 Dez 2008
  • Recebido
    20 Maio 2008
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