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Fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2 em crianças

Resumos

O estudo teve como objetivo identificar fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2 numa população de crianças de escolas públicas de Fortaleza, CE, Brasil. Foram avaliadas 727 crianças de 6 a 11 anos de 12 escolas, nos meses de março a junho de 2008. Foi aplicado formulário abordando aspectos sociodemográficos, índice de massa corporal, pressão arterial, glicemia capilar e circunferência da cintura. Dos sujeitos, 54,1% eram do sexo feminino, 21,7% tinham excesso de peso, 27% obesidade central, 6,2% alterações glicêmicas e 17,9% pressão arterial elevada. Em relação aos fatores de risco, 53,4% não apresentavam, 24,3% tinham pelo menos um fator e 18,8%, dois. A enfermagem pode atuar nas escolas por meio de ações de educação em saúde, incentivando a adoção de hábitos de vida saudáveis e na identificação de crianças com risco para diabetes mellitus tipo 2.

Fatores de Risco; Saúde da Criança; Diabetes Mellitus Tipo 2; Enfermagem


This study investigates risk factors for type 2 diabetes mellitus in a population of children in public schools, Fortaleza, CE, Brazil. A total of 727 children aged 6 to 11 years old from 12 schools were evaluated between March and June 2008. A form addressing socio-demographic data, body mass index, blood pressure, capillary blood glucose and waist circumference was applied. A total of 54.1% of the children were female, 21.7% were overweight, 6.6% were obese, 27% had central obesity, 6.2% showed altered capillary glucose, and 17% high blood pressure. In relation to risk factors, 53.4% presented no risk factors; 24.3% had at least one factor and 18.8% two risk factors. Nurses can intervene in schools through educational health programs encouraging the adoption of healthy habits and identifying children at risk of type 2 diabetes mellitus.

Risk Factors; Children Health (Public Health); Diabetes Mellitus Type 2; Nursing


El estudio tuvo como objetivo identificar factores de riesgo para diabetes mellitus tipo 2 en una población de niños de escuelas públicas de Fortaleza, Brasil. Fueron evaluadas 727 niños de 6 a 11 años, de 12 escuelas, en los meses de marzo a junio de 2008. Fue aplicado un formulario abordando aspectos sociodemográficos, índice de masa corporal, presión arterial, glucemia capilar y, circunferencia de la cintura. Fue identificado que 54,1% de los sujetos eran del sexo femenino, 21,7% tenían exceso de peso, 27% obesidad central, 6,2% alteraciones en la glucemia y 17,9% presión arterial elevada. En relación a los factores de riesgo, 53,4% no lo presentaban, 24,3% tenían por lo menos un factor y 18,8% dos factores. La enfermería puede actuar en las escuelas por medio de acciones de educación en salud, incentivando la adopción de hábitos de vida saludables y identificando niños con riesgo para diabetes mellitus tipo 2.

Factores de Riesgo; Salud del Niño; Diabetes Mellitus Tipo 2; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2 em crianças

Suyanne Freire de MacêdoI; Márcio Flávio Moura de AraújoII; Niciane Pessoa Bandeira MarinhoIII; Adman Câmara Soares LimaIV; Roberto Wagner Freire de FreitasV; Marta Maria Coelho DamascenoVI

IEnfermeira, Mestre em Enfermagem, Professor Assistente, Universidade Federal do Piauí, Campus Floriano, PI, Brasil. Email: suyanneefreire@hotmail.com

IIEnfermeiro, Doutorando, Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil. Professor Assistente, Universidade Federal do Maranhão, Campus Imperatriz, MA, Brasil. Email: marciofma@yahoo.com.br

IIIEnfermeira, Mestranda, Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil. Bolsista FUNCAP. E-mail: nicianebpm@yahoo.com.br

IVEnfermeira, Mestranda, Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil. Bolsista CAPES. E-mail: adminhacs@hotmail.com

VEnfermeiro, Mestre em Enfermagem, Professor Assistente, Universidade Federal do Piauí, Campus Floriano, PI, Brasil. E-mail: robertowjff@globo.com

VIEnfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Aposentado, Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil. E-mail: martadamasceno@terra.com.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O estudo teve como objetivo identificar fatores de risco para diabetes mellitus tipo 2 numa população de crianças de escolas públicas de Fortaleza, CE, Brasil. Foram avaliadas 727 crianças de 6 a 11 anos de 12 escolas, nos meses de março a junho de 2008. Foi aplicado formulário abordando aspectos sociodemográficos, índice de massa corporal, pressão arterial, glicemia capilar e circunferência da cintura. Dos sujeitos, 54,1% eram do sexo feminino, 21,7% tinham excesso de peso, 27% obesidade central, 6,2% alterações glicêmicas e 17,9% pressão arterial elevada. Em relação aos fatores de risco, 53,4% não apresentavam, 24,3% tinham pelo menos um fator e 18,8%, dois. A enfermagem pode atuar nas escolas por meio de ações de educação em saúde, incentivando a adoção de hábitos de vida saudáveis e na identificação de crianças com risco para diabetes mellitus tipo 2.

Descritores: Fatores de Risco; Saúde da Criança; Diabetes Mellitus Tipo 2; Enfermagem.

Introdução

O diabetes mellitus tipo 2 (DM2), até recentemente, era considerado doença rara na infância e adolescência(1). Entretanto, nas últimas décadas, é perceptível o aumento da sua incidência nessa população, com características similares às do adulto nos países industrializados. A eclosão de casos do DM tipo 2 na infância e na adolescência é decorrência da epidemia mundial de obesidade e sedentarismo. Atualmente, mais de 200 crianças e adolescentes desenvolvem a doença a cada dia no mundo(1-2).

Entre as crianças, especialmente, o aumento significativo do número de casos de DM tipo 2 é preocupante, sendo considerado problema de saúde pública emergente. Estudos apontam acometimento elevado em infantes na faixa etária de seis a onze anos de idade(3-5).

Nos Estados Unidos, 8 a 45% dos novos casos de DM em crianças são do tipo 2(3). Em países europeus como Reino Unido, França, Áustria e Holanda a incidência do DM 1 ainda é superior à do DM tipo 2, contudo, nas últimas décadas, o crescimento desse, na população pediátrica, é alarmante(6-7). Na Ásia, em países como Taiwan, os casos de DM tipo 2 em crianças já são duas a seis vezes maiores do que os de DM do tipo 1. No Japão, a incidência de casos de DM tipo 2 passou de 1,7 para 2,6 para cada 100.000 crianças, no período de 1980 a 2002(8).

Existem muitas nuances referentes ao DM tipo 2 em crianças, tais como possibilidade de casos não diagnosticados, enorme sobrecarga emocional dos sujeitos e dificuldades no estabelecimento de parâmetros diagnósticos e terapêuticos(3), todos fatos decorrentes do pouco conhecimento sobre a fisiopatologia do DM tipo 2 nesse grupo. No entanto, caso medidas preventivas não sejam adotadas, a sociedade enfrentará graves problemas com as complicações em decorrência do surgimento precoce do DM tipo 2(3).

Frente a isso, a American Diabetes Association (ADA) recomenda que seja realizado o teste de glicemia venosa de jejum em crianças assintomáticas que apresentem sobrepeso, ou obesidade, acrescido de dois dos seguintes fatores de risco: ter história familiar de DM tipo 2 em parentes de primeiro ou segundo grau, ser de determinadas etnias (nativo americano, afro-americano, latino, entre outras), apresentar sinais de resistência insulínica ou condições associadas à resistência insulínica (acantose nigricans, hipertensão arterial, dislipidemia, ou síndrome dos ovários policísticos) e ter história materna de diabetes gestacional. O teste deve ser realizado em crianças acima de 10 anos, ou no começo da puberdade, quando essa acontece em uma idade mais precoce(3).

A partir desse contexto, abrem-se possibilidades de intervenções que podem retardar ou impedir o estabelecimento do DM tipo 2 na infância, sobretudo aquelas relacionadas à adoção de estilo de vida saudável (dieta balanceada e prática regular de exercícios físicos, dentre outras). Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo identificar a prevalência de fatores de risco modificáveis para DM tipo 2, numa população de crianças de 6 a 11 anos de idade da cidade de Fortaleza, CE, Brasil.

O desenvolvimento deste estudo vem ao encontro das recomendações de outras investigações que ressaltaram a importância de se realizar inquéritos em escolas, buscando informações sobre os fatores de risco para DM do tipo 2 e seus determinantes em crianças e adolescentes. Isso ocorreria a partir da verificação de medidas antropométricas, da pressão arterial (PA), da glicemia, dos triglicerídeos e do HDL - colesterol(2,4,8). Contudo, o discurso da literatura ainda evidencia escassez de estudos, sobretudo nos periódicos brasileiros, o que vem ressaltar a contribuição desta pesquisa em se tratando da prevalência dos fatores de risco para DM do tipo 2 em crianças.

Método

Trata-se de estudo transversal sobre a prevalência de fatores de risco modificáveis para DM tipo 2 em crianças. A pesquisa foi realizada em 12 estabelecimentos de ensino da rede pública da cidade de Fortaleza, CE, Brasil. Segundo informações do Centro Regional de Desenvolvimento da Educação (CREDE), Fortaleza, uma das principais metrópoles brasileiras, é dividida em seis regiões e, em março de 2007, registrava 125.526 alunos matriculados e inseridos na faixa etária de interesse dessa investigação (6 a 11 anos de idade), tendo esse total representado a população do estudo.

Para o cálculo da amostra, foi utilizada a fórmula para estudos transversais com população infinita, como segue:

Onde t=valor da distribuição de Student (t5%=1,96); P=50% ; Q=100% - P=50%; e o erro amostral absoluto=4%. Foram considerados os valores supracitados para P e Q, haja vista que proporcionam um tamanho máximo da amostra, além do nível de significância (a=0,05) e o erro amostral absoluto de 4%. Assim sendo, a amostra envolveu 727 alunos (Tabela 1).

De cada uma das seis regiões foram escolhidas duas escolas situadas em bairros distintos, principalmente no que diz respeito à infraestrutura e serviços. Esse procedimento ocorreu com o intuito de abranger todas as regiões da capital e proporcionar maior heterogeneidade da amostra, no que diz respeito aos aspectos sociodemográficos.

As crianças foram selecionadas a partir dos seguintes critérios de inclusão: ter idade entre 6 e 11 anos, estar matriculada e frequentar a escola no período da coleta de dados. O referido intervalo foi escolhido visto que estudiosos mostraram aumento de casos de DM tipo 2 nessa faixa etária(5).

A coleta de dados foi realizada por mestrandos do Programa de pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Ceará e bolsistas de Iniciação Científica, entre março e junho de 2008. Antes, foram contatados os diretores, professores, pais e/ou responsáveis para explicar os objetivos, a metodologia da pesquisa e a necessidade da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) que, após leitura detalhada, foi devidamente assinado pelos pais e/ou responsáveis.

Para a coleta de dados foi utilizado formulário no qual se registraram os dados de identificação e as seguintes variáveis: idade, sexo, série, peso, altura, índice de massa corpórea (IMC), medida da PA, da circunferência da cintura (CC), glicemia capilar ao acaso ou de jejum e tempo decorrido da última refeição.

O peso foi mensurado com os sujeitos descalços e com roupas leves, por meio de uma balança portátil digital, com capacidade de 150kg e precisão de 0,1kg. A estatura foi verificada com fita métrica inelástica com escala de 0,5cm. A fim de assegurar a precisão da estatura, os pesquisados foram orientados a se posicionarem eretos e imóveis, com as mãos espalmadas sobre as coxas e com a cabeça ajustada ao plano de Frankfurt. Uma vez mensurados esses dados, o IMC foi calculado com base na fórmula (peso/altura2) e classificado em normal, sobrepeso e obesidade(9). Foram considerados com sobrepeso aqueles que apresentaram IMC ≥25kg/m2, segundo sexo e faixa etária. Obesos foram aqueles com IMC ≥30kg/m2. Por sua vez, abaixo desses valores, os pesquisados foram classificados como eutróficos(9).

A CC foi medida no ponto médio, entre a crista ilíaca e o rebordo costal, e os valores estabelecidos em eutrófico e obesidade central. Foram consideradas com obesidade central as crianças cujos valores da CC, de acordo com o sexo e a idade, eram ≥ percentil 80(6). No caso das características da criança acima referida, o valor da CC correspondente à obesidade central seria de 59,2cm, estando distribuída no percentil 80(10).

Apesar da glicemia venosa de jejum ser mais fidedigna para o diagnóstico do DM, neste estudo a intenção não era diagnosticar e, sim, rastrear crianças com glicemia fora dos padrões considerados normais, o que se constitui em risco para o desenvolvimento do DM tipo 2(3). Dessa forma, a glicemia capilar foi adotada a exemplo do que já ocorreu em campanhas do Ministério da Saúde do Brasil, realizadas para identificar casos desconhecidos de DM e de intolerância à glicose(11).

Para a glicemia capilar, foi utilizado glicosímetro e suas fitas teste, necessitando de menor quantidade de sangue (0,3 microlitros), entre os disponíveis no mercado. Foi colhida uma gota de sangue dos participantes, por meio de picada feita na ponta de um dos dedos da mão (após limpeza), com agulha descartável que, após o uso, foi acondicionada em caixa para material perfurocortante e colocada em lixo hospitalar. Os resultados foram analisados conforme a recomendação do Ministério da Saúde do Brasil, que preconiza glicemia a qualquer hora (sem jejum) ,≤140mg/dl como valores dentro da faixa de normalidade entre 141 e 149mg/dl, duvidosa, ≥200mg/dl, provável diabetes e ≥270, muito provável diabetes. Quando as crianças apresentavam jejum de 4 horas ou mais, os valores considerados normais eram ≤100mg/dl. Resultados compreendidos entre 101 e 125mg/dl eram classificados como duvidosos, e entre 126 e 199mg/dl como exame alterado(11).

A aferição da PA foi realizada sempre com os mesmos equipamentos e pelo mesmo integrante da equipe de coleta. Além disso, os esfigmomanômetros aneróides usados foram aferidos pelo INMETRO, antes da pesquisa de campo. A mensuração e a análise dos valores da PA foram baseadas nas V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão. Dessa forma, essa variável foi estratificada em normal (PA menor que o percentil 90), limítrofe (PA igual ao percentil 90 e menor que o percentil 95), hipertensão estágio 1 (PA entre o percentil 95 e o percentil 99 mais 5mmHg) ou 2 (PA acima de 5mmHg do percentil 99) e hipertensão do avental branco (PA acima do percentil 95 em ambulatório ou consultório e PA normal em ambientes não relacionados à prática clínica)(12).

O banco de dados foi organizado em planilhas do programa Excel e sofreram tripla digitação. Foram calculadas as medidas de tendência central. Para as análises de associação entre variáveis categóricas, foi utilizado o teste do qui-quadrado. Para todas as variáveis foi fixado o nível de significância de 5%. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, sob Protocolo no 18/08.

Resultados

A distribuição das crianças quanto ao sexo foi de 54,1% feminino e 45,9% masculino. As faixas etárias consideradas foram de 6 a 7, 8 a 9 e 10 a 11, havendo predomínio do estrato de 8 a 9 anos de idade com 40,4%, sendo a média das idades de 8,5 (dp:1,54). Quanto à escolaridade, a maioria das crianças (46,3%) cursava entre o 6° e o 7° ano do ensino fundamental.

Em relação aos fatores de risco modificáveis para DM tipo 2, verificou-se que 110 (15,1%) crianças estavam com sobrepeso e, 48 (6,6%) obesas, logo, 158 (21,7%) encontravam-se acima do peso; 196 crianças (27%) estavam com a medida da CC elevada, sendo a média da CC de 63,3cm e desvio padrão de 8,4cm, respectivamente. Quarenta e quatro sujeitos (6,2%) apresentavam alterações glicêmicas, a saber: exame duvidoso (40-5,7%), exame alterado (3-0,4%) e provável diabetes (1-0,1%) e 130 crianças (17,9%) estavam com valores elevados de PA sistólica ou diastólica, no momento da coleta de dados (Tabela 2).

Com relação ao IMC, os casos de sobrepeso foram mais frequentes nos meninos (58–17,4%), e os de obesidade nas meninas (27–6,9%). Ao se considerar todos os casos de excesso de peso, os meninos (79-23,7%) foram mais afetados do que as meninas (79-20,1%). Quanto à idade, ficou constatado que a obesidade foi maior nas crianças de 10-11 e o sobrepeso nas de 8-9 anos de idade (27–9,2%). Em relação à obesidade central, a circunferência abdominal aumentada foi predominante nos indivíduos do sexo feminino (108-27,5%). A faixa etária mais acometida por esse agravo foi a de 8-9 anos (28,6%).

As alterações da PA foram mais frequentes nas meninas (77–19,6%) e nos indivíduos mais jovens, ou seja, os compreendidos na faixa etária de 6-7 anos (44–23,3%). De acordo com o teste do qui-quadrado, não houve associação estatisticamente significante entre as variáveis sexo (p=0,192) e idade (p=0,133) com a PA.

Assim como ocorreu com os fatores de risco modificáveis obesidade, obesidade central e PA, a glicemia capilar elevada também teve prevalência maior entre as meninas. Os indivíduos de 8-9 anos (22–7,6%) apresentaram mais alterações glicêmicas do que o restante da amostra. Porém, não foi encontrada associação entre as variáveis sexo (p=0,693) e idade (p=0,328). A maioria dos participantes do estudo não apresentou nenhum dos fatores de risco para DM tipo 2 pesquisados (388-53,4%) e pequena porcentagem manifestou todos esses agravos (2–0,3%) (Tabela 3).

Discussão

O Center for Disease Center Control and Prevention estima que uma em cada três crianças norte-americanas terá DM(2). Em face de epidemia de grande proporção, a ADA estabeleceu critérios para classificar crianças e adolescentes com risco de desenvolver DM tipo 2, citados no início deste artigo(2-3). Os fatores de risco modificáveis, abordados na presente investigação justificaram-se pelo interesse em desenvolver, posteriormente, estudos de intervenção nas escolas pesquisadas, com o objetivo de combater os fatores de risco passíveis de modificação e, consequentemente, contribuir para prevenir ou postergar o aparecimento do DM tipo 2 ainda na infância. Cabe destacar que a carência de recursos financeiros inviabilizou a mensuração dos níveis plasmáticos de glicemia, dos triglicerídeos e do HDL – colesterol que, uma vez fora dos parâmetros normais, se constituem fatores de risco modificáveis para o DM tipo 2(3).

Pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos e na Holanda ressaltam que há discrepância entre o percentual de crianças diagnosticadas com DM tipo 2, a partir da prática clínica dos pediatras e das recomendações da ADA. Nos Estados Unidos, por exemplo, a concordância do diagnóstico de DM tipo 2 entre os métodos clínicos e o da ADA é de apenas 21%(7,13).

Ficou evidenciado que a prevalência de excesso de peso nesta pesquisa, 21,7%, foi superior à de outros estudos também desenvolvidos com crianças em Fortaleza, CE, Brasil, quando os percentuais foram 16,8% e 19,5%(14-15). Já ao se associar os resultados deste estudo com o de outros estudos nacionais e internacionais, é possível encontrar pesquisas com percentuais superiores(1,16) e inferiores(17-18).

Essa divergência não é intrigante na medida em que o excesso de peso pode estar atingindo número maior de indivíduos mais precocemente ou talvez esteja, simplesmente, relacionado a variações amostrais e de métodos diagnósticos.

Apesar de não ter sido substancial, a prevalência de obesidade central deste estudo, 27%, torna-se preocupante. A literatura evidencia que é ascendente a prevalência desse problema em crianças e reforça que a medida da CC em crianças de oito anos é índice promissor para predizer, na puberdade e na adultícia, a vulnerabilidade frente à adiposidade, ao DM tipo 2, à hipertensão arterial e à síndrome metabólica. Outro detalhe é que crianças do sexo masculino com 6-11 anos são as mais acometidas(19).

Frente à forte associação entre o excesso de peso e o desenvolvimento de DM tipo 2, ainda na infância, os esforços para evitar o desenvolvimento da obesidade e, potencialmente, o DM, devem ser iniciados precocemente na vida da criança. A promoção de estilo de vida saudável durante a infância é a melhor defesa para retardar ou reverter a epidemia da obesidade e, consequentemente, do DM tipo 2 em crianças(5).

Fato é que um estudo quase-experimental desenvolveu atividades de educação em saúde num grupo de crianças obesas, a fim de diminuir os fatores de risco para DM tipo 2, durante seis meses. Ao seu fim, o referido estudo constatou diminuição estatisticamente significativa dos valores iniciais dos seguintes fatores de risco para a endocrinopatia estudada: IMC, PA, glicemia em jejum, colesterol total, triglicerídeos, índice de resistência à insulina, leptina e consumo de calorias(20).

Um dos papéis dos enfermeiros frente à ascensão do DM tipo 2 em crianças é identificar aquelas com fatores de risco, principalmente, com excesso de peso. A obtenção correta e precisa de peso, altura e IMC nas escolas é o primeiro passo do enfermeiro para conhecer crianças vulneráveis e, assim, prevenir essa endocrinopatia com a colaboração dos pais e professores(21). Já são reportadas, na literatura, experiências que constatam a liderança da enfermagem nas escolas na intermediação de ações de educação em saúde entre escola, família e crianças no combate ao DM tipo 2 na infância. Contudo, para que o enfermeiro escolar alcance êxito pleno ainda é necessário que fortaleça suas habilidades em comunicação e seus conhecimentos nesse problema atual(1,21-22).

Outra medida importante é a avaliação da PA após os três anos de idade, ou em circunstâncias especiais de risco, antes dessa idade, devido à hipertensão arterial ser fator de risco para DM tipo 2. Na investigação ora apresentada, foi verificado que cerca de 18% da amostra estava com os níveis de PA elevados. Esses resultados vêm ao encontro das afirmações de outros estudos, os quais destacam aumento da incidência de hipertensão arterial na população infantil(1,14,19).

Por sua vez, acerca da glicemia capilar, foram encontrados apenas dois inquéritos que realizaram esse procedimento em crianças, um nos Estados Unidos e outro na Índia, porém, ambos avaliaram as crianças em jejum. Além disso, essas pesquisas detectaram percentuais de crianças com glicemia capilar elevada inferiores ao deste estudo (6,2%) como mostram os valores de 4,6 e 5,1%, respectivamente, para essa variável(23-24).

Diante da magnitude de todos os fatores de risco mencionados, há que se preocupar com o fato de que 24,3% desta amostra apresentou pelo menos um fator de risco para DM tipo 2 e 18,8, dois fatores. Isso é extremamente preocupante, pois se sabe que os conjuntos dos fatores de risco influenciam os fatores de riscos isolados e vice-versa(19). Ademais, quanto maior o número de fatores de risco para DM tipo 2, presente em um mesmo indivíduo, maior a possibilidade desse desenvolver a doença(3,25).

Por se tratar de questão de saúde pública recente, foram identificados apenas quatro estudos na temática fatores de risco para DM tipo 2 entre crianças e adolescentes, sendo dois norte-americanos e dois brasileiros. Dentre os estudos norte-americanos, desenvolvidos com crianças, o primeiro constatou que 40% dos sujeitos estudados tinham dois ou mais fatores para o desenvolvimento de DM tipo 2, enquanto o segundo identificou que 22,6% da amostra apresentava pelo menos um fator(1-2).

Acerca das investigações brasileiras desenvolvidas com adolescentes, uma verificou que 33%, 7,5 e menos de 1% tinham dois, três e todos os fatores, respectivamente(22). A segunda pesquisa reconheceu que 33,8% dos jovens tinham pelo menos um fator, 39,2% dois, 14,2% três e 2,3% quatro fatores associados(4).

Dessa forma, é urgente a elaboração de programas e protocolos para a prevenção, o diagnóstico e a classificação das crianças frente ao DM tipo 2 a fim de prevenir futuro cenário epidemiológico desfavorável.

Conclusões

Apesar de crescente, atualmente ainda é tímida a produção científica brasileira acerca dos fatores de risco para DM tipo 2, em conjunto, em crianças. As nuances que cercam a presença desses fatores nas famílias das crianças precisam ser mais bem caracterizadas, com vistas à prevenção e à terapêutica mais específicas e eficazes.

Dessa maneira, um ponto forte deste estudo foi o conhecimento da prevalência isolada e conjunta desses fatores numa amostra representativa de uma das principais metrópoles do Brasil. Como limitação do estudo é possível destacar a ausência do levantamento de outros fatores importantes na gênese do DM tipo 2 na infância, fato que talvez possa ter subestimado as prevalências encontradas. Portanto, é importante que novas pesquisas em outras localidades do país sejam desenvolvidas a fim de sanar essa lacuna e configurar melhor essa problemática no Brasil.

O perfil de risco apresentado aponta para a necessidade de políticas públicas voltadas ao combate dos fatores de risco para DM tipo 2 em crianças. Isso pode acontecer por meio de várias ações, dentre as quais estão os programas de atividade física e de controle de peso infantil. A enfermagem, que já ocupa o âmbito escolar para educar na questão das doenças sexualmente transmissíveis, prevenção de acidentes, uso de drogas, entre outras, pode intervir efetivamente nesse espaço também para realizar ações de educação em saúde que favoreçam a adoção de hábitos de vida saudáveis bem como desenvolvendo consultas de enfermagem para identificar crianças com risco para desenvolver DM tipo 2.

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  • Corresponding Author:
    Márcio Flávio Moura de Araújo
    Universidade Federal do Ceará. Faculdade de Farmácia, Odontologia e Enfermagem.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Out 2010

    Histórico

    • Aceito
      16 Jul 2010
    • Recebido
      29 Nov 2009
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