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Fatores associados a acidentes percutâneos na equipe de enfermagem de um hospital universitário de nível terciário

Resumos

O estudo teve por objetivo identificar fatores associados aos acidentes percutâneos na equipe de enfermagem de um hospital terciário. Um estudo caso-controle foi conduzido entre janeiro de 2003 a julho de 2004, com seleção de 200 casos e 200 controles, emparelhados segundo gênero, categoria profissional e setor de trabalho. As medidas de associação utilizadas foram os odds ratios, estimados por meio da regressão logística multivariada. Seis preditores para os acidentes percutâneos foram identificados: "reencapar agulhas" (OR 9.48; CI(95%): 5.29-16.96); "jornada semanal > 50 horas" (OR 2.47; CI(95%): 1.07-5.67); "experiência na enfermagem < 5 anos" (OR 6.70; CI(95%): 2.42-18.53); "trabalhar em jornada noturna" (OR 2.77; CI(95%): 1.35-5.70); "auto-avaliar como baixo o risco de acidentes" (OR 10.19;CI(95%): 3.67-28.32) e "acidentes percutâneos prévios" (OR 3.14; CI(95%): 1.80-5.48). Os resultados permitem a recomendação de estratégias efetivas para a prevenção de acidentes percutâneos na equipe de enfermagem de hospitais terciários.

ferimentos penetrantes produzidos por agulha; fatores de risco; equipe de enfermagem; acidentes de trabalho; epidemiologia analítica


The study aims to identify percutaneous injuries correlates in the nursing team from a Brazilian tertiary-care hospital. A case-control study was conducted from January 2003 to July 2004, including 200 cases and 200 controls. Cases and controls were paired by gender, professional category, and work section. To evaluate the relationship between potential risk/protective factors and the outcome, odds ratios were estimated, using multivariate logistic regression methods. The results shown six predictors of percutaneous injuries: "recapping needles" (OR 9.48; CI(95%): 5.29-16.96); "hours worked per week > 50 hours" (OR 2.47; CI(95%): 1.07-5.67); "years in nursing practice < 5 years" (OR 6.70; CI(95%): 2.42-18.53); "work shift in night" (OR 2.77; CI(95%): 1.35-5.70); "low self evaluation of risk" (OR 10.19; CI(95%): 3.67-28.32) and "previous percutaneous injuries" (OR 3.14; CI(95%): 1.80-5.48). The results support the recommendation of applying effective strategies to prevent percutaneous injuries in the nursing team working on tertiary-care institutions.

needlestick injuries; risk factors; nursing, team; accidents, occupational; analytic studies


La finalidad del estudio fue identificar factores asociados a los accidentes percutáneos en el equipo de enfermería de un hospital terciario. Un estudio caso-control fue conducido entre enero de 2003 y julio de 2004, con selección de 200 casos y 200 controles, emparejados según género, categoría profesional y sector de trabajo. Las medidas de asociación utilizadas fueron las razones de momios, estimados mediante la regresión logística multivariada. Seis predictores para los accidentes percutáneos fueron identificados: "reencapsular agujas" (OR 9.48; CI(95%): 5.29-16.96); "jornada semanal > 50 horas" (OR 2.47; CI(95%): 1.07-5.67); "experiencia en la enfermería < 5 años" (OR 6.70; CI(95%): 2.42-18.53); "trabajar en jornada nocturna" (OR 2.77; CI(95%): 1.35-5.70); "auto-evaluar como bajo el riesgo de accidentes" (OR 10.19;CI(95%): 3.67-28.32) y "accidentes percutáneos previos" (OR 3.14; CI(95%): 1.80-5.48). Los resultados permiten la recomendación de estrategias efectivas para la prevención de accidentes percutáneos en el equipo de enfermería de hospitales terciarios.

lesiones por pinchazo de aguja; factores de riesgo; grupo de enfermería; accidentes de trabajo; epidemiología analítica


ARTIGO ORIGINAL

Fatores associados a acidentes percutâneos na equipe de enfermagem de um hospital universitário de nível terciário

Silvia Rita Marin da Silva CaniniI; Suzana Alves de MoraesII; Elucir GirIII; Isabel Cristina Martins FreitasIV

Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil

IEnfermeira, Professor Doutor, e-mail: canini@eerp.usp.br

IIMédica, Professor Associado; e-mail: samoraes@eerp.usp.br

IIIEnfermeira, Professor Titular

IVSocióloga, Doutoranda

RESUMO

O estudo teve por objetivo identificar fatores associados aos acidentes percutâneos na equipe de enfermagem de um hospital terciário. Um estudo caso-controle foi conduzido entre janeiro de 2003 a julho de 2004, com seleção de 200 casos e 200 controles, emparelhados segundo gênero, categoria profissional e setor de trabalho. As medidas de associação utilizadas foram os odds ratios, estimados por meio da regressão logística multivariada. Seis preditores para os acidentes percutâneos foram identificados: "reencapar agulhas" (OR 9.48; CI(95%): 5.29-16.96); "jornada semanal > 50 horas" (OR 2.47; CI(95%): 1.07-5.67); "experiência na enfermagem < 5 anos" (OR 6.70; CI(95%): 2.42-18.53); "trabalhar em jornada noturna" (OR 2.77; CI(95%): 1.35-5.70); "auto-avaliar como baixo o risco de acidentes" (OR 10.19;CI(95%): 3.67-28.32) e "acidentes percutâneos prévios" (OR 3.14; CI(95%): 1.80-5.48). Os resultados permitem a recomendação de estratégias efetivas para a prevenção de acidentes percutâneos na equipe de enfermagem de hospitais terciários.

Descritores: ferimentos penetrantes produzidos por agulha; fatores de risco; equipe de enfermagem; acidentes de trabalho; epidemiologia analítica

INTRODUÇÃO

Nas últimas duas décadas, os acidentes ocupacionais envolvendo material biológico e trabalhadores da área da saúde vêm ganhando destaque no cenário de pesquisa mundial, uma vez que a exposição aos patógenos veiculados pelo sangue pode levá-los a contrair infecções, e conseqüentemente, sérios agravos à sua saúde. A transmissão dos vírus da hepatite B (VHB) e C (VHC) e do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) entre trabalhadores da área da saúde está bem documentada(1).

O primeiro caso de aquisição ocupacional do HIV(2) ocorreu na Inglaterra em 1984, após uma enfermeira ser contaminada acidentalmente por uma agulha que continha sangue de um paciente infectado. Num estudo sobre a distribuição dos casos ocupacionais de HIV no mundo e entre trabalhadores da área da saúde(3), 264 casos foram identificados até setembro de 1997, sendo que 94 (35,60%) foram acidentes documentados, dos quais, 52 (55,4%) ocorreram nos Estados Unidos.

Um estudo conduzido nos Estados Unidos(4) revelou que 57 casos de infecção ocupacional pelo HIV foram notificados até 2001, e que 24 deles (42%) ocorreram com enfermeiros, após acidentes percutâneos envolvendo sangue. As taxas de acidentes relacionadas com agulhas têm sido maiores entre enfermeiros, os quais também têm apresentado as maiores taxas de soroconversão para o HIV.

No Brasil, dos quatro casos de infecção ocupacional pelo HIV, identificados até o momento(5), apenas um foi publicado em revista científica e confirmado pelo Ministério da Saúde em 1999, indicando a necessidade de se implementar um sistema efetivo de vigilância epidemiológica para acidentes ocupacionais.

Em 1987, os Centers for Disease Control and Prevention publicaram um manual com recomendações, denominadas de precauções universais, com o objetivo de prevenir a exposição ocupacional a patógenos veiculados pelo sangue que após revisão passaram a ser denominadas de "precauções-padrão" em 1996(6).

As precauções-padrão e as precauções baseadas no modo de transmissão foram introduzidas na instituição em 1997, por meio de extensa divulgação de um manual escrito e numerosas sessões de treinamento conduzidas pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar.

Considerando-se que poucos estudos epidemiológicos têm sido conduzidos, no Brasil, co o propósito de identificar fatores associados aos acidentes percutâneos, o presente estudo teve como objetivo identificar os fatores de risco/proteção para estes desfechos na equipe de enfermagem de um hospital universitário de nível terciário, após ajustamento para os fatores de confusão.

MÉTODOS

Local do estudo: hospital universitário de nível terciário de 800 leitos, localizado na cidade de Ribeirão Preto. É o segundo maior hospital da Universidade de São Paulo, no Brasil.

Delineamento do estudo: um estudo tipo caso-controle foi conduzido para identificar fatores de risco/proteção para acidentes percutâneos. Foi definido como caso incidente o trabalhador de enfermagem que registrou acidente percutâneo no Ambulatório de Acidentes Ocupacionais no período de 01/01/2003 a 30/07/2004, quando foram completadas as entrevistas para o total da amostra calculada para o estudo. Esta fonte de identificação de casos foi escolhida, pois, um estudo recente nesta mesma instituição(7) revelou que cerca de 30% de casos verdadeiros não notificavam o acidente à fonte tradicional. Foram considerados controles os trabalhadores que não registraram nenhum acidente percutâneo nos 24 meses que antecederam o acidente do seu respectivo caso, ou durante o período da coleta de dados, sendo selecionados por meio de uma tabela de números aleatórios. Para obtenção de emparelhamento por freqüência, casos e controles foram emparelhados por gênero, categoria profissional e local de trabalho. Durante o período de coleta de dados, quatro controles se tornaram casos, sendo substituídos por novos controles, de acordo com os critérios pré-estabelecidos.

O tamanho da amostra foi calculado para a detecção de um odds ratios > 2,0, considerando-se um erro tipo I de 5% e tipo II de 20%(8), o que resultou numa uma amostra composta de 153 casos e 153 controles. Os pesquisadores decidiram selecionar 200 casos e 200 controles, o que aumentou o poder estatístico para 90%. Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais. Foi estabelecido que as entrevistas dos casos e dos respectivos controles deveriam ocorrer logo após a identificação do caso, não podendo exceder 15 dias após a data do caso incidente. Todos os sujeitos que aceitaram participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O projeto foi previamente aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da referida instituição.

Processamento dos dados: após a coleta os dados foram digitados sob a forma de dupla entrada para o teste de consistência externa. A formatação do banco de dados e a análise dos dados foram efetuadas no software Statistical Package Social Science (SPSS) versão 10.0.

Análise dos dados: incluiu as seguintes fases: a) caracterização da população do estudo segundo potenciais preditores (fase descritiva) e b) cálculo das medidas de efeito (odds ratios), que foram estimados por pontos e por intervalos com 95% de confiança, utilizando-se modelo de regressão logística multivariada(9). O processo de modelagem estatística foi desenvolvido de acordo com as seguintes etapas: 1. modelos univariados foram construídos considerando-se que as variáveis com valores p < 0,25 (testes de Wald) deveriam ser incluídas nos modelos subseqüentes e 2. para compor o modelo final, os pesquisadores incluíram as variáveis com valores p< 0.05 no teste de Wald ou aquelas que ao serem excluídas alterassem em mais de 10% os valores obtidos para os odds ratios das variáveis incluídas no modelo(10). As variáveis com mais de duas categorias foram tratadas sob a forma dummy (variáveis indicadoras), considerando-se a inclusão de uma variável independente para cada 10 casos do estudo (razão 10::1) como recomendado(11). Foram processados modelos de regressão condicional e não condicional e os resultados foram similares. Contudo, considerando-se o elevado poder estatístico, os resultados aqui apresentados são aqueles relacionados à regressão logística não condicional.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos casos e controles, segundo o tempo decorrido entre a data do acidente dos casos e a data das entrevistas. Os resultados revelam que mais de 80% das entrevistas foram realizadas entre 6 e 10 dias após a data do acidente do caso. Dois casos e quatro controles foram entrevistados entre 16 e 60 dias, dois casos sofreram acidentes no dia anterior ao início de suas férias e quatro controles foram selecionados aleatoriamente para substituir aqueles que se tornaram casos durante o período de estudo.

A caracterização dos casos e controles, segundo as variáveis do estudo está apresentada na Tabela 2. Os casos e controles tiveram uma distribuição similar segundo a idade, gênero e categoria profissional. A principal diferença entre eles foi relacionada a reencapar agulhas; anos de experiência profissional; horas trabalhadas/semana;treinamento, auto-avaliação do risco e acidentes percutâneos prévios. 21% dos casos e 9,5% dos controles tinham experiência profissional na enfermagem < 5 anos. Em geral, o número de horas trabalhadas por semana foi maior entre os casos que entre os controles. Em relação à auto-avaliação do risco de sofrer acidentes, 76,5% dos controles auto-classificaram seu risco como alto, contra 33,5% dos casos. A ocorrência de acidentes prévios foi mais freqüente entre os casos (60,5%) que entre os controles (27,0%).

O odds ratio bruto e intervalos de confiança (95%) estão apresentados na Tabela 3. Nesta fase de análise, reencapar agulhas apresentou o odds de maior magnitude (OR=11,44; IC(95%): 7,00-18,69), e, com exceção do turno de trabalho, os odds ratios para as variáveis classificadas em mais de duas categorias (dummy variables) indicaram tendência linear.

A análise multivariada (modelo final) confirmou o efeito independente de reencapar agulhas (OR=9,48; IC 95%:5,29-16,69) em relação aos acidentes percutâneos, bem como o efeito independente de cinco potenciais preditores, conforme os critérios adotados para composição do modelo final: "anos de experiência profissional na enfermagem", "horas trabalhadas por semana", "turno de trabalho", "auto avaliação do risco" e "acidentes percutâneos prévios" (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo revelaram que "reencapar agulhas" foi um importante preditor para acidentes percutâneos entre profissionais de enfermagem. Alguns autores(12) encontraram que o manuseio constante de agulhas ocas foi considerado um fator de risco para acidentes percutâneos: (OR=1.02; CI(95%):1.01-1.03)entre profissionais da área da saúde, enquanto que não reencapar agulhas foi identificado como um fator de proteção (OR= 0.74; CI(95%): 0.60-0.91), após ajustamento para potenciais fatores de confusão.Outra pesquisa(13) mostrou que reencapar agulhas com freqüência (> 10 vezes/dia) aumentou a chance de ocorrência de acidentes percutâneos entre enfermeiras registradas em 3,63 vezes, em relação àquelas que nunca ou raramente reencapavam agulhas (0 - 2 vezes/dia).

Apesar de os profissionais de enfermagem do hospital onde o estudo foi conduzido terem recebido treinamento sobre precauções-padrão e prevenção de acidentes, muitos deles admitiram, no momento da entrevista, que reencapam agulhas. Esta informação alerta quanto à necessidade de revisão das estratégias que deverão ser empregadas em futuros treinamentos.

Algumas limitações inerentes ao presente estudo necessitam ser levadas em consideração: a) o estudo foi conduzido num grande hospital terciário, o que pode limitar a generalização dos resultados para outras instituições de saúde; b) apesar de o Ambulatório Especializado em Atendimento de Profissionais de Saúde Acidentados ter uma boa sensibilidade para detecção de casos, outras possíveis formas de alocação de casos, como aquelas empregadas em estudos do tipo caso-controle aninhado, poderiam resultar em níveis mais elevados de sensibilidade para detecção de casos elegíveis.

Por outro lado, a seleção de casos recentemente diagnosticados e entrevistas quase que simultâneas em casos e controles contribuíram para a acurácia de comparação no presente estudo caso-controle. Além disso, todas as entrevistas foram realizadas pelo mesmo entrevistador, sendo a duração média semelhante em ambos os grupos. Apesar de as entrevistas individuais consumirem maior tempo e serem mais dispendiosas, optou-se por esta técnica, visando garantir melhor qualidade de informação. Os testes de confiabilidade para as questões de re-teste relacionadas às precauções-padrão apresentaram resultados próximos de 100% (dados não apresentados).

Em um estudo caso-controle com base populacional, os autores(14) concluíram que as entrevistas resultaram em melhor qualidade de informação sobre exposições ocupacionais que os questionários postais, sendo aquelas consideradas "padrão-ouro" para obtenção de informações sobre esse tipo de exposição.

Neste estudo, quanto menor o número de anos de experiência profissional na enfermagem, maior foi a magnitude dos odds ratios, em relação aos desfechos. Estes resultados foram corroborados pela literatura(15) , que revelou, com base em estudos analíticos, que enfermeiras com tempo de experiência clínica inferior a 5 anos tiveram maior chance de sofrer estes acidentes (OR=1,48; IC95%: 1,06-2,20).

Em um estudo caso-controle(16) conduzido com veterinários, os autores encontraram que a chance de sofrer acidentes ocupacionais foi maior entre os profissionais com tempo de experiência profissional < 5 anos, após ajustamento para alguns fatores de confusão (OR=3,1; IC95%:1,4-6,8).

Acredita-se que profissionais com maior tempo de experiência profissional e, por conseguinte, com maior destreza para o manuseio de materiais perfurocortantes podem ser menos susceptíveis a esse tipo de acidente.

Uma longa jornada de trabalho semanal conduziu a maior chance de ocorrência do desfecho, o que pode ser decorrente de maior tempo de exposição do trabalhador às situações de risco, e ainda pelo fato de que longas jornadas de trabalho diário podem favorecer o cansaço e aumentar o risco de acidentes(17). Neste estudo, trabalhar 50 horas ou mais por semana aumentou a chance de acidentes percutâneos (OR=2.47; IC(95%): 1.07-5.67) e resultados similares foram encontrados para os que trabalhavam em rodízio de turnos ou no turno noturno, quando comparados com aqueles que trabalhavam somente no turno diurno. Estudo sobre acidentes perfurocortantes envolvendo profissionais de enfermagem também evidenciou que a chance de sofrerem este tipo de injúria tem aumentado no rodízio de turnos(18).

No presente estudo, os trabalhadores de enfermagem que auto-avaliaram o risco de sofrerem acidentes percutâneos como "baixo" ou "médio", em seu setor de trabalho, tiveram maior chance de se acidentar, quando comparados com aqueles que avaliaram o risco como "alto".

Resultados divergentes foram relatados num estudo caso-controle que indicou que a baixa percepção do risco, por parte dos profissionais, foi considerada fator de proteção para os acidentes ocupacionais(16). Considerando-se que a percepção do risco relacionada à prática veterinária é bastante distinta daquela relacionada à prática de enfermagem, pode-se supor que tal diferença possa explicar, ao menos em parte, as divergências supracitadas. Apesar de subjetiva, a auto avaliação do risco ocupacional pode ser útil para a tomada de decisão relacionada à adoção de práticas seguras.

A ocorrência de acidentes percutâneos não é um problema relacionado única e exclusivamente a fatores individuais de risco ou proteção. Tais acidentes são também fortemente influenciados pelo ambiente nos quais os trabalhadores estão inseridos, bem como pela estrutura organizacional da instituição, que deve oferecer condições para a implementação e adoção de medidas seguras pelos seus trabalhadores. Sabe-se que o treinamento tradicional pode transmitir informações, mas, não necessariamente, influenciar mudança de comportamento. Um grande desafio na área de acidentes ocupacionais é fazer com que os trabalhadores se percebam em situação de risco e convencê-los a adotarem comportamentos seguros em sua prática diária.

Uma revisão(19) que teve como objetivo analisar a produção científica sobre acidentes percutâneos entre 1985 e 2000, evidenciou que a maioria dos estudos nesta área do conhecimento são descritivos. Como causas potenciais para este tipo de acidente foram apontadas condições relacionadas ao trabalho ou comportamento individual, particularmente situações de emergência, falta de treinamento profissional, sobrecarga de trabalho e falta de adesão às precauções-padrão, incluindo o reencape de agulhas.

Diante da escassez de estudos analíticos com desenho caso-controle para avaliar a magnitude da associação entre potenciais preditores e acidentes percutâneos, os resultados obtidos no presente estudo contribuíram para a identificação de fatores de risco/proteção para os acidentes percutâneos, detectando seis preditores relacionados a este tipo de desfecho. Pesquisas utilizando esta metodologia são necessárias para confirmar a consistência das associações encontradas.

Em suma, recomenda-se que as instituições direcionadas aos cuidados terciários, apesar dos limites impostos por medidas convencionais de promoção e prevenção em saúde, levem em consideração a aplicação de medidas efetivas e racionais de prevenção de acidentes percutâneos embasadas no conhecimento e gerenciamento de seus preditores.

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    Silvia Rita Marin da Silva CaniniI; Suzana Alves de MoraesII; Elucir GirIII; Isabel Cristina Martins FreitasIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Recebido
      22 Fev 2007
    • Aceito
      10 Ago 2008
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