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Paciente, curado, vítima ou sobrevivente de câncer urológico? Um estudo qualitativo* * Artigo extraído da tese de doutorado “Aspectos conceituais teóricos e subjetivos da sobrevivência ao câncer: contribuições para a enfermagem oncológica”, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 2014/12058-6.

RESUMO

Objetivo:

descrever os significados que os pacientes atribuem ao termo sobrevivente do câncer e analisar as identidades assumidas por eles de acordo com sua experiência com a doença.

Métodos:

estudo qualitativo com método narrativo, referencial teórico da antropologia médica e conceito de identidade. O estudo incluiu 14 participantes, homens e mulheres, diagnosticados com câncer urológico. As entrevistas semiestruturadas foram realizadas na residência dos indivíduos, após confirmação da participação.

Resultados:

oito participantes assumiram ser sobreviventes, mas cinco também assumiram pelo menos uma outra identidade, além de sobrevivente do câncer. Em contraste, entre os seis que se definiram como curados, apenas um indicou outra identidade. Quatro se consideraram como vítimas e apenas dois como pacientes com câncer. No entanto, os últimos - paciente com câncer e vítima - assumiram pelo menos uma outra identidade associada.

Conclusões:

permitir que os pacientes reflitam sobre si mesmos e sobre sua experiência com a doença, além de se atribuírem uma nova identidade, estará diretamente relacionado com o bem-estar e o momento pelo qual o sobrevivente está passando. Portanto, pode direcionar o cuidado na fase de sobrevivência ao câncer de acordo com o contexto individual de cada sobrevivente.

Descritores:
Sobreviventes de Câncer; Sobreviventes; Antropologia Médica; Pesquisa Qualitativa; Enfermagem Oncológica; Narração

ABSTRACT

Purpose:

to describe the meanings that patients attribute to the term cancer survivor and to analyze the identities assumed by them according to their experience with the disease.

Methods:

qualitative study with a narrative method, theoretical framework of the medical anthropology and identity concept. The study included 14 participants, men and women, diagnosed with urologic cancer. The semi-structured interviews were performed at the individual’s home, after confirming participation.

Results:

eight participants assumed to be survivors, but five also assumed at least one other identity, in addition to cancer survivor. In contrast, among the six who defined themselves as cured, only one indicated another identity. Four considered themselves as victims and only two as cancer patients. However, the latter - cancer patient and victim - assumed at least one other associated identity.

Conclusions:

allowing patients to reflect on themselves and their experience with the disease, as well as attributing themselves a new identity, will be directly related to the wellbeing and momentum the survivor is going through. Therefore, it can direct care in the cancer survivorship phase according to each survivor’s individual context.

Descriptors:
Cancer Survivor; Survivors; Anthropology Medical; Qualitative Research; Oncology Nursing; Narration

RESUMEN

Objetivo:

describir los significados que los pacientes atribuyen al término sobreviviente del cáncer y analizar las identidades asumidas por ellos de acuerdo con su experiencia con la enfermedad.

Métodos:

estudio cualitativo con método narrativo, referencial teórico de la antropología médica y concepto de identidad. El estudio incluye 14 participantes, hombres y mujeres, diagnosticados con cáncer urológico. Las entrevistas semiestructuradas fueron realizadas en la residencia de los individuos, después de la confirmación de la participación.

Resultados:

ocho participantes asumieron ser sobrevivientes, pero cinco también asumieron por lo menos otra identidad, además de sobreviviente del cáncer. En contraste, entre los seis que se definieron como curados, solo uno indicó una identidad diferente. Cuatro se consideraron como víctimas y solo dos como pacientes con cáncer. Sin embargo, los últimos - paciente con cáncer y víctima - asumieron por lo menos otra identidad asociada.

Conclusiones:

permitir que los pacientes reflexionen sobre sí mismos y sobre su experiencia con la enfermedad, además de atribuirse una nueva identidad, estará directamente relacionado con el bienestar y el momento por el cual el sobreviviente está pasando. Por lo tanto, puede direccionar el cuidado en la fase de sobrevivencia al cáncer de acuerdo con el contexto individual de cada sobreviviente.

Descriptores:
Supervivientes de Cáncer; Supervivientes; Antropología Médica; Investigacíon Cualitativa; Enfermería Oncologica; Narración

Introdução

O conceito de sobrevivente do câncer refere-se a alguém que passou por várias mudanças e desafios constantes com dificuldades contínuas, que podem ser positivos e negativos. Segundo este estudo, nem todos os indivíduos se identificariam com o termo sobrevivente, pois acreditam que não seja apropriado ou não defina sua experiência11 Hebdon M, Foli K, McComb S. Survivor in the cancer context: a concept analysis. J Adv Nurs. 2015;71(8): 1774-86. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jan.12646.
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. O termo sobrevivente do câncer para aqueles diagnosticados com câncer permanece obscuro e incerto, e há uma falta de definição operacional e conceitual consistente e usual que dificulta a adequação do termo entre o público em questão, apesar de seu uso generalizado22 Ress S. A qualitative exploration of the meaning of the term "survivor" to young women living with a history breast cancer. Eur J Cancer Care. 2018; 27(3):1-8. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ecc.12847.
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3 Park CL, Zlateva I, Blank TO. Self-identity after cancer: "survivor", "victim", "patient", and "person with cancer". J Gen Intern Med. 2009; 24:S430-5. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11606-009-0993-x
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-44 Matthews H, Semper H. 'Dropped from the system': the experiences and challenges of long term breast cancer survivors. J Adv Nurs. 2017; 73(6): 1355-65. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jan.13237
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Pesquisas envolvendo a identidade de indivíduos com câncer ou após o câncer mostram que muitos entrevistados não podem se definir como sobreviventes, especialmente quando ainda estão lidando com a doença. Entretanto, um estudo qualitativo descritivo55 Davis CM, Myers HF, Nyamathi AM, Lewis M, Brecht ML. The meaning of survivorship as defined by African American breast cancer survivors. J Transcult Nurs. 2016; 27(3): 277-85. doi: http://dx.doi.org/10.1177/104365961456167
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com 155 mulheres afro-americanas sobreviventes de câncer de mama mostrou que algumas mulheres poderiam se definir como sobreviventes do câncer porque permaneceram vivas e seriam sobreviventes pelo resto de suas vidas, refletindo que a vida está recomeçando. Em contraste, outras mulheres ou não acreditavam que ser sobrevivente refletia sua história com a doença, ou achavam que o termo não era familiar.

O ser humano é uma entidade biológica inseparável de sua cultura, e a sobrevivência ao câncer é um processo constituído e vivido por esse ser, ou seja, é um processo culturalmente variável. No entanto, uma abordagem teórica que enfoque os aspectos culturais e contextuais envolvidos no conceito é necessária para obter os significados da sobrevivência ao câncer entre pacientes com câncer. A preocupação aqui não é apenas escrever algo ou destacar novos termos (Sobreviventes do Câncer e Sobrevivência ao Câncer), mas mobilizar pacientes, familiares, oncologistas, enfermeiros, pesquisadores e outros afetados pela experiência do câncer66 Bell K, Ristovski-Slijepcevic S. Cancer survivorship: why labels matter. J Clin Oncol. 2013; 31(4): 409-11. doi: http://dx.doi.org/10.1200/JCO.2012.43.5891
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. É do conhecimento da individualidade, crenças e valores dos sobreviventes e dimensões sociais que os profissionais podem aprender o que é relevante considerar no cuidado da fase de sobrevivência do câncer. Dadas as incertezas, inconsistências da definição de sobrevivente do câncer e o fato de não ser utilizado no contexto brasileiro de saúde, o estudo buscou responder às seguintes questões: Como os pacientes de câncer interpretam o termo sobrevivente do câncer? Quais identidades retratam sua experiência com a doença? Como cada identidade é interpretada? Assim, este estudo tem dois objetivos principais: descrever o significado que os pacientes com câncer atribuem ao termo sobrevivente ao câncer e analisar as identidades assumidas por eles de acordo com sua experiência com a doença.

Método

Os sobreviventes do câncer são os “objetos” de escolha para estudar tais fenômenos e, considerando que seus discursos são permeados por símbolos, crenças e valores culturais, adotou-se o referencial teórico da antropologia médica, que orientará a análise dos significados baseados nos relatórios de sobreviventes do câncer. Os pressupostos da antropologia médica unem-se aos conceitos de cultura e doença e consistem em decifrar os significados implícitos e explícitos na linguagem dos sujeitos, interpretando suas intenções, explicações e historicidade77 Helman CG. Culture, health and illness. 5th ed. Oxford: Hodder Arnold; 2007..

Os pesquisadores assumiram que as percepções dos pacientes com câncer sobre o processo de saúde e doença e seu envolvimento durante esse processo, além das flutuações de tempo e das mudanças decorrentes da convivência com o câncer, influenciarão a construção e a elaboração da transição do ser ou sentir-se como um sobrevivente, um paciente, uma vítima ou um indivíduo curado, conforme discutido abaixo77 Helman CG. Culture, health and illness. 5th ed. Oxford: Hodder Arnold; 2007.-88 Golubovic Z. An anthropological conceptualisation of identity. Synth Philos. [Internet]. 2011 Nov [cited Oct 13, 2017]; 51:25-43. Available from: https://hrcak.srce.hr/index.php?id_clanak_jezik=107859&show=clanak
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. Na abordagem antropológica, a identidade é um fenômeno sociocultural condicionado, isto é, refere-se tanto à identificação coletiva quanto à auto-identificação dos indivíduos; eles são correlacionados, considerando que não são inatos, mas também não podem ser destacados da biografia histórica dos indivíduos, de sua cultura e ambiente88 Golubovic Z. An anthropological conceptualisation of identity. Synth Philos. [Internet]. 2011 Nov [cited Oct 13, 2017]; 51:25-43. Available from: https://hrcak.srce.hr/index.php?id_clanak_jezik=107859&show=clanak
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O conceito de identidade é muito difícil de explicar, considerando sua complexidade e multidimensionalidade, além das diversas perspectivas teóricas envolvidas, incluindo diferentes termos explicativos. No entanto, o significado básico de identidade refere-se ao lugar ao qual uma pessoa ou grupo pertence e o que é expresso como sua autoimagem ou imagem comum que os integra dentro de si, ou como parte de um grupo, e também o que os diferencia do outro88 Golubovic Z. An anthropological conceptualisation of identity. Synth Philos. [Internet]. 2011 Nov [cited Oct 13, 2017]; 51:25-43. Available from: https://hrcak.srce.hr/index.php?id_clanak_jezik=107859&show=clanak
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Este é um estudo exploratório qualitativo com método narrativo. As narrativas são as principais expressões usadas pelos indivíduos para contar suas histórias (ou seja, dramas, derrotas, conquistas, alegrias). Narrar é o ato de contar um evento que tem início, meio e fim e permite acessar a experiência do outro. Este método é baseado nas premissas99 Squire C. From experience-centred to socioculturally-oriented approaches to narrative. In: Andrews M, Squire C, Tamboukon M, editors. Doing narrative research. Los Angeles: Sage Publications; 2012. p. 47-71. da narrativa individual centrada na experiência. Essas premissas referem-se ao ato de narrar como representação e reconstrução de eventos, tempo, lugar e experiências, enfatizando que elas não podem ser repetidas exatamente como ocorreram, porque as palavras nunca têm o mesmo significado duas vezes. O interesse pela construção e reconstrução na pesquisa narrativa orientada pela experiência permite aos pesquisadores uma visão pessoal de uma narrativa, que é tratada como a única verdade entre muitas outras narrativas; e finalmente, a narrativa serve como uma transformação, que é a última premissa e representa as mudanças pessoais que ocorreram ao longo da experiência do indivíduo com a doença.

Os participantes do estudo fazem parte de um projeto maior de análise do conceito de sobrevivência ao câncer. Um total de 14 participantes, todos com diagnóstico de câncer urológico - bexiga, rim, próstata e testículo - foram selecionados de acordo com os seguintes critérios de inclusão: pacientes adultos (maiores de 18 anos) com diagnóstico de câncer urológico (independentemente do tipo de câncer) com tratamento primário por pelo menos três meses; pacientes de ambos os sexos, independentemente do nível de escolaridade e nível socioeconômico, que relataram condições físicas e psicológicas de participação; e, finalmente, pacientes residentes a 100 km da cidade onde o estudo foi realizado.

Após a submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa e aprovação pelo protocolo 503.385/2013, os participantes foram abordados em um hospital universitário de São Paulo, onde a pesquisadora esteve presente no ambulatório de urologia oncológica, onde foram realizadas as consultas de acompanhamento. Então, eles foram convidados a participar do estudo. Apenas um deles se recusou porque não se sentiu à vontade para participar. Os demais concordaram em participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O número total de participantes foi determinado pela qualidade das entrevistas que foram finalizadas assim que atingiram os objetivos. Os dados foram coletados entre outubro de 2014 e novembro de 2015.

Como técnica de coleta de dados, a observação do participante e a entrevista semiestruturada foram abordadas, gravadas e conduzidas seguindo um roteiro com as questões norteadoras: Quem é você? Você já ouviu falar sobre a sobrevivência ao câncer? O que significa ser um sobrevivente? Você se considera um sobrevivente do câncer? Mais de uma entrevista foi necessária para garantir acesso a narrativas profundas com descrições detalhadas. Houve uma média de duas entrevistas com cada participante em sua casa; cada entrevista durou aproximadamente 60 min. Os nomes dos participantes são fictícios e escolhidos por eles, garantindo o anonimato.

Após a coleta de dados, a transcrição foi iniciada pelo investigador principal, e o diário de campo foi incluído no texto. Os participantes tiveram a oportunidade de ler e revisar as transcrições, o que ajuda a evitar interpretações erradas. Em seguida, iniciou-se a análise temática indutiva, um processo em seis etapas, constituído por uma análise interpretativa que busca significados1010 Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol. 2006;3:77-101. doi: http://dx.doi.org/10.1191/1478088706qp063oa
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de acordo com os aspectos, relações e diferenças comuns entre eles, expressos em sujeitos. O sujeito representa um nível de significado dentro do corpo de dados, independentemente de sua frequência, mas dependente da perspectiva teórica do pesquisador para interpretar os resultados1010 Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol. 2006;3:77-101. doi: http://dx.doi.org/10.1191/1478088706qp063oa
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. O processo de dinâmica da entrevista e a análise das observações para compreender como os participantes perceberam a experiência da doença fizeram parte da construção do conhecimento científico através do círculo hermenêutico. É através deste círculo que o pesquisador descreve, explica e interpreta as narrativas com compreensão e alteridade.

Examinando as transcrições, passagens relevantes foram destacadas e, em seguida, analisadas como parte de um todo para chegar à compreensão, explicação e interpretação do senso comum. As histórias foram agrupadas em uma síntese narrativa única e ampla, em primeira pessoa, envolvendo a experiência e transformações de todos os participantes dialeticamente interpretados e discutidos de acordo com a categoria de escolha. Esta síntese foi intitulada “O que sou eu? Eu sou um sobrevivente do câncer? Autorreflexão sobre a identidade após o tratamento primário do câncer” e foi utilizado para discutir as categorias temáticas apresentadas nos resultados, em que os trechos dos discursos dos participantes estão marcados em itálico.

Resultados

O estudo tem 14 participantes e os resultados foram divididos em duas categorias: não sou paciente, talvez sobrevivente ou vítima, e quero ser curado; os significados do termo sobrevivente do câncer. A Tabela 1 mostra os dados clínicos e sociais relevantes dos participantes que complementam a análise. Com média de idade de 60,8 anos, o grupo com câncer urológico relatou ter pelo menos uma comorbidade associada ao câncer e apenas um participante apresentou metástase. O nível educacional foi baixo, com analfabetismo funcional, e os participantes ficaram restritos a pouca escrita e tiveram dificuldade de interpretar textos.

Tabela 1
Características sociodemográficas e clínicas dos participantes. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2015

As respostas dos participantes foram diversas e refletiram seu estado emocional no momento das entrevistas. A expressão “eu não sei” foi mencionada com bastante frequência e talvez tenha sido relacionada ao fato de os autores levarem os participantes a uma reflexão sobre algo que eles nunca pararam para pensar, quem sou eu? - que os cercou de dúvidas. Os participantes foram além da identidade de ser ou não ser um sobrevivente do câncer. De fato, a intenção inicial não era discutir outros termos, mas eles ajudaram os participantes a repensar e organizar seus discursos sobre sua identidade. Por isso, perguntamos sobre ser paciente ou não e ser vítima da doença ou não, pois os participantes apresentaram ambiguidades e falta de clareza nas respostas sobre ser ou não um sobrevivente do câncer. Essas identidades ajudaram os participantes a construir padrões de pensamento lógico e a rever suas interpretações sobre o fato de ser um sobrevivente do câncer, permitindo-lhes assumir uma ou mais identidades que os representam. Devido à diversidade de identidades refletidas e assumidas, a Figura 1 apresenta a síntese das falas de cada participante em relação a essas identidades, em que os segmentos em negrito enfatizam as identidades assumidas.

Figura 1
Caracterização das possíveis identidades assumidas pelos participantes do estudo. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2015

Oito participantes relataram ser sobreviventes, mas cinco também assumiram pelo menos uma outra identidade, além de sobrevivente do câncer. Entre os seis que se definiram como curados, apenas um mencionou outra identidade. Quatro se consideraram como vítimas e apenas dois como pacientes. No entanto, os últimos - paciente e vítima - assumiram pelo menos uma outra identidade associada. Esse resultado mostra que alguns indivíduos podem adotar mais de uma identidade para dar sentido à sua experiência com a doença.

As palavras “paciente” e “curado” compõem a díade que define o estado de saúde do paciente no contexto biomédico da saúde brasileira. De fato, nesse contexto não há meio termo: você é paciente ou está curado. O participante enfatizou bastante isso: aqui as pessoas só dizem, estou feliz que você esteja curado! Ou, Que pena que você tem câncer! (P13) No momento em que os autores os confrontaram com uma nova opção - sobreviver à doença - eles repensaram o conceito, houve um choque de ideias e conflitos com o contexto de saúde e doença em que estão inseridos e novas interpretações puderam ser realizadas.

A doença está intimamente ligada à presença de sinais e sintomas que expressam que algo no corpo não está bem. Então, a busca por tratamento começa e, enquanto os sintomas persistirem, a pessoa será ou se sentirá como um paciente. Portanto, os dois participantes que assumiram a identidade de paciente também relataram que estão ou estiveram em estado de depressão: ainda vou ao hospital, ainda sinto dor. Você pode até ficar doente e não ir ao médico, mas se for é porque você está sentindo alguma coisa. É como me sinto sobre o câncer. Eu tenho dor e vou ao hospital e, portanto, também me sinto doente (P13). Esse participante relatou o desejo de cometer suicídio, que para ele representou o momento mais difícil de sua vida: tentei me matar. A doença me afetou muito e foi muito difícil. Eu tive um problema com a minha esposa, perdi meu emprego, perdi minha mãe e meu pai, tudo ao mesmo tempo (P13).

O outro participante que se considera paciente e deprimido toma pílulas para dormir e apresenta outros problemas de saúde além do câncer, o que agrava sua situação e aumenta a sensação de inutilidade: Eu não deveria estar doente, mas sinto que estou e isso é importante porque minha vida não está boa. Estou cheio de problemas de saúde que os médicos não resolvem. Eu só durmo (P04). Assume-se que a identidade de paciente expressa um estado de sobrecarga, no qual o corpo é enfraquecido e o domínio psicológico é abalado, de modo que as características negativas da palavra paciente sejam exaltadas, resultando em fadiga emocional e baixa autoestima.

Outros participantes preferiram minimizar a doença e consideraram a palavra “paciente” pessimista: não vou dizer que estou doente na minha cabeça porque só piora; Eu prefiro pensar que estou no caminho para a cura (P12). Em contrapartida, outros se consideraram curados: estou bem, terminei o tratamento, tenho fé, estou otimista, estou feliz. A cura é o que toda pessoa quer alcançar, mesmo que não possa. Nesse sentido, a identidade de curado é a compreensão de que, pelo menos do ponto de vista social, tudo está bem e a vida segue alinhada aos padrões normais estabelecidos pela sociedade. Conforme descrito na Figura 1, é fácil perceber a convicção de alguns participantes de que serão curados com afirmações como quando a dor desaparece, quando o médico diz e quando não precisam ir ao hospital. A questão de estar curado ou não é única. Apenas um participante, o único que teve metástase, foi capaz de refletir sobre a cura sob outra perspectiva. Para ele: Cura é quando temos certeza de que a doença não vai voltar, o que não é o caso do câncer, que pode voltar, como já voltou (P08).

Além disso, os sentimentos de cura entre aqueles que não compartilham a incerteza da doença podem vir da construção pessoal do indivíduo, do desejo e fé em estar livre da doença como uma reação a uma situação de incapacidade. Seria como assumir uma lógica compensatória, procurando resignar-se a uma situação de acordo com a moral e os valores aceitos, levando em conta a normalidade de seu passado e o desejo de restabelecê-la, junto com fontes de fé e esperança, para alcançar um futuro saudável com a cura de sua doença. Todos esses sentimentos foram expressos e justificados pelos participantes, especialmente após a reintegração à sociedade: o retorno ao trabalho, às atividades cotidianas, à normalidade.

Aqueles que se identificaram como vítimas foram associados à ideia de não cuidando do corpo, Deus permitiu, fui atacado pela doença e tenho que viver indo ao hospital e saber que “isso”, o câncer, ainda está lá. Esses resultados revelam o persistente sentimento de culpa e preocupação que envolve indivíduos que se identificam como vítimas.

Ao analisar por que os oito participantes associaram a identidade do sobrevivente à sua condição, observou-se que o câncer era visto metaforicamente como uma guerra e, nesse sentido, se eles estão vivos, é porque venceram a batalha. A ideia de luta, conquista e vitória está diretamente associada ao fato de ser um sobrevivente do câncer: eu luto para sobreviver (P05), luto pelo positivo (P01), não posso desanimar, tenho que lutar sempre(P02). Um dos participantes foi capaz de sintetizar bem: eu me considero um vencedor simplesmente porque sou um destruidor de males, nem sequer senti o câncer e ele estava me matando. No entanto, eu consegui vencê-lo. Eu sou um vencedor; ele não me pegou, eu o peguei (P04). Contextualizado dessa maneira, é natural que o sobrevivente se chame de um destruidor de males, vitorioso, vencedor ou guerreiro. O câncer como uma “guerra” pode ser entendido como uma metáfora conceitual - uma batalha na qual existem vítimas e sobreviventes. Essa metáfora explica por que as mulheres com câncer de mama têm maior probabilidade de adotar a identidade de sobrevivente após o tratamento quimioterápico, pois é um procedimento que traz sofrimento e deixa marcas1111 Morris BA, Lepore SJ, Wilson B, Lieberman MA, Dunn J, Chambers SK. Adopting a survivor identity after cancer in a peer support context. J Cancer Surviv: Res Pract. 2014;8(3): 427-36. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11764-014-0355-5
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Outra faceta deduzida da análise das narrativas diz respeito à forte presença da religião em dois aspectos diferentes: ou entre aqueles que se consideram sobreviventes ou aqueles que usaram a fé em Deus para se sentirem curados: para ser um sobrevivente do câncer, você precisa de fé em Deus. e paciência (P02); Estou curada porque tenho fé em Deus (P14). No Brasil, apenas uma minoria não tem religião; a maioria dos indivíduos é católica ou evangélica. Entre os participantes mencionados acima, um é católico e o outro evangélico. Não há como desconsiderar a influência da religião e da fé na escolha da identidade, pois a experiência da doença proporciona um momento de profundo relacionamento com Deus e esperança para com Ele, que Ele agirá e, no final, tudo dará certo.

O fato de que, mesmo após a conclusão do tratamento primário, os pacientes ainda estejam ligados à doença (realizando exames, sentindo dor e indo ao hospital com frequência) refere-se à ideia de sobrevida. É como se eles estivessem em uma fase que logo passará, mas eles sabem que precisam fazer o acompanhamento para finalmente alcançar a cura. O fato de ainda parecerem doentes, mesmo sem se sentirem, gera um sentimento ambíguo, um momento de liminaridade, de não se sentir doente ou curado, mas sim um sobrevivente do câncer: estou vivendo muito bem, mas ao mesmo tempo, tenho a doença, sou um sobrevivente do câncer (P07); Um sobrevivente carrega os traços da doença, mas consegue viver apesar dela e de suas complicações (P11); Eu ainda vou muito ao hospital. Sinto dores, faço muitos exames e ainda tomo muita medicação (P02); Eu estou vivo, mas ainda vou ao hospital e, enquanto tudo estiver bem, sou um sobrevivente (P13).

Outra questão diz respeito às possíveis razões para não adotar o termo sobrevivente do câncer - por julgá-lo inadequado e mais adequado para aqueles que sofreram um evento com risco de vida: A sobrevivência está relacionada a uma pessoa que teve uma doença e quase morreu, que se livrou da morte. Eu não cheguei a esse ponto. Fiquei assustada e preocupada quando ouvi meu diagnóstico, mas não com risco de vida (P11); Sobrevivente é para alguém que passou por uma situação fatal e arriscada (P04); Sobrevivente, na minha cabeça, não sou, porque não foi fatal (P06); Sobrevivente, para mim, é aquele com uma doença muito séria e depois fica curado e sobrevive; e eu acho que o câncer só é muito sério dependendo da situação; o meu não foi, acho que não foi sério porque descobri cedo, a tempo de curar (P14); Sobrevivente, no meu entender, seria mais para acidentes, você sobreviveu a um acidente de carro e está vivo (P02).

Aplicar o conceito de sobrevivência a pessoas com câncer é algo relativamente novo entre os brasileiros. É uma nova linguagem e, portanto, é natural que os participantes ainda a associem a contextos sérios ou muito graves, como acidentes em geral. Apenas um participante que considerou sua doença séria assumiu a identidade de sobrevivente do câncer: Sobreviver está relacionado a viver após um episódio grave, e eu cheguei muito mal aqui no hospital; meu caso era sério e eu estou vivo! (P13). Outros aspectos que podem influenciar essa associação são o tipo de câncer e os tratamentos aos quais as pessoas são submetidas.

Há uma clara falta de estudos sobre o tema entre os sobreviventes do câncer nos países em desenvolvimento. Essa falta de pesquisa expressa a falta de evidências ou mesmo o pouco interesse em discutir o tema nessas regiões, o que interfere na construção da identidade de sobrevivente do câncer por quem não conhece o termo. Em seus discursos, vários participantes relataram nunca ter pensado sobre identidade, quem são ou sobre serem sobreviventes do câncer. Eles reafirmaram a necessidade e importância da opinião de seus oncologistas: Esta questão de ver uma identidade depende muito de como o médico nos trata, o que ele nos diz. Eu acho que poderia ver a sobrevivência de forma diferente se alguém me explicasse melhor (P05); O médico disse que se eu removesse a próstata, eu ficaria curado, eu e a removi, então é assim que eu me sinto (P11); Vou esperar para ver o que os médicos têm a dizer (P12); os médicos me dizem se estou bem ou não, e eles não disseram nada de ruim; eles me animam quando eu vou lá. Isso me estimula a me sentir curado (P14).

A opinião do médico é culturalmente forte, e o modelo biomédico elogia esse papel de curadores ou agentes de cura diante dos pacientes. A confiança nesse profissional é estabelecida por sua relação direta com o paciente e se baseia no reconhecimento social de que ele possui conhecimento superior: não sei o que sou; tenho que perguntar pro meu médico, ele sabe mais (P01). Essa situação decorre do fato de os médicos terem conhecimento sobre a doença, junto com os recursos tecnológicos para enxergar o que não pode ser visto pelos pacientes; assim, eles podem definir e empregar a melhor terapia para uma vida normal muito desejada.

Discussão

Esta pesquisa se concentrou em pacientes com câncer urológico, um grupo específico com um nível de gravidade menor do que outros cânceres mais devastadores. Até o momento, nenhum estudo envolvendo esse grupo é conhecido, exceto estudos com indivíduos diagnosticados com câncer de próstata. A metodologia discutida permite que os pesquisadores acessem as narrativas dos indivíduos e deixem suas histórias fluírem, sem forçá-los ou induzi-los para obter um resultado. Na análise indutiva, não houve associação entre as características sociodemográficas dos participantes e o tipo de identidade adotada. No entanto, cada participante tem uma narração de sua experiência com a doença, e contém aspectos pessoais, individuais, culturais, sociais e econômicos de sua vida; os aspectos clínicos tornam única a forma com que lidam com a doença, a enfrentam e como se veem.

Embora os conceitos de sobrevivência ao câncer e sobrevivente do câncer já tenham sido discutidos em alguns países, eles são desconhecidos em outros, embora haja um grande número de sobreviventes da doença em países em desenvolvimento. Por não ser abordado por profissionais de saúde e pesquisadores, quando o termo é colocado para o paciente oncológico como uma pergunta, ele é refletido e interpretado de acordo com seus contextos e valores, que são confrontados dialeticamente com a experiência vivida, observando que aquilo que não é semelhante ao convencional é muitas vezes ignorado, mal interpretado, criticado e discriminado.

Os resultados demonstraram a interpretação de um grupo de sobreviventes de câncer em relação a uma série de termos - paciente, curado, vítima e sobrevivente do câncer. O ponto não é assumir uma identidade única que seja representativa da experiência de cada um, mas que ao narrar suas histórias os pacientes oscilam entre um conjunto de emoções positivas ou negativas ao longo do tempo, e isso interfere diretamente na interpretação de quem realmente são e quais identidades os definem; é natural que eles reconheçam mais de uma identidade em um único momento ou as modifiquem ao longo do tempo, em um processo de construção que traz conhecimento sobre si mesmos. Há um tempo específico para os pacientes se reconhecerem como vítimas ou pacientes, geralmente no início; esses termos são menos incorporados após um ano de acompanhamento e consequente melhora1212 Cho D, Park CL. Cancer-related identities in people diagnosed during late adolescence and young adulthood. Br J Health Psychol. 2015; 20(3): 594-612. doi: http://dx.doi.org/10.1111/bjhp.12110.
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A identidade oscila entre diferentes grupos culturais; não é nem fixa nem universal. Através de crenças e símbolos compartilhados, sentir-se como um sobrevivente do câncer, como curado, como paciente ou vítima pode ou não coincidir com ser reconhecido como tal, implicando flutuações na vivência desta condição, às vezes sendo conveniente, às vezes inconveniente, às vezes adequada ou inadequada ao que está sendo vivenciado pelo indivíduo1313 Martins JA, Barsaglini RA. Aspects of identity in the experience of physical disabilities: a social-anthropological view. Interface-Comun, Saúde, Educ. 2011;15(36): 109-22. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832010005000043
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. Portanto, do ponto de vista da antropologia, a identidade nunca é dada a alguém, mas é sempre construída através de elementos presentes em cada grupo cultural88 Golubovic Z. An anthropological conceptualisation of identity. Synth Philos. [Internet]. 2011 Nov [cited Oct 13, 2017]; 51:25-43. Available from: https://hrcak.srce.hr/index.php?id_clanak_jezik=107859&show=clanak
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Seguindo esse raciocínio lógico, é fácil entender por que extremamente doente e curado são os termos mais compreendidos pelo paciente. Curado refere-se ao que é bom, a ser saudável, independente do curso da doença, considerando que apenas um paciente apresentou recidiva, o que reflete a possível ausência de cura diante da possibilidade de sua recorrência. A crença de que um dia eles podem realmente estar livres da doença é muito forte e supera as incertezas que a doença transmite. Em um estudo1414 Surbone A, Annunziata MA, Santoro A, Tirelli U, Tralongo P. Cancer patients and survivors: changing words or changing culture? Ann Oncol. 2013; 24(10): 2468-71. doi: http://dx.doi.org/10.1093/annonc/mdt229
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, os autores abordaram as falsas expectativas de cura criadas pelo paciente, pois a cura do câncer está relacionada a estatísticas de sobrevida e protocolos de avaliação; a cura é alcançada quando a sobrevida do paciente atinge uma marca pré-estabelecida em anos. No entanto, esse referencial não deve ser o critério para considerar que um paciente está curado, pois tal estado nunca pode ser afirmado com absoluta certeza na oncologia, uma vez que o ambiente do paciente é permeado por incertezas, mesmo em relação à sua própria possibilidade de cura.

O termo sobrevivente do câncer foi interpretado como um “período de luta” porque, enquanto os pacientes estiverem lutando pela cura, eles serão sobreviventes; no entanto, o estágio final é sempre a cura e todos esses sentimentos são geridos pela fé. A religião faz parte da cultura brasileira e influencia a construção de sua identidade e a forma de lidar com doenças graves. Assim, durante a sobrevivência ao câncer, os participantes, com o apoio da religião/espiritualidade, tendem a desenvolver uma sensação de esperança e satisfação com a vida e, consequentemente, têm níveis mais baixos de depressão. Assim, a religião/espiritualidade é reconhecida como uma estratégia de barganha para buscar a força para sobreviver, lutar, ser um sobrevivente do câncer e alcançar a cura.

Considerar-se como sobrevivente ao câncer tem efeitos positivos na qualidade de vida e no bem-estar físico e mental, que são diretamente proporcionais aos aspectos positivos da identidade, autoestima e autonomia e indiretamente proporcionais aos aspectos negativos do estigma, especialmente aqueles atribuídos ao câncer. A presença de alta autoestima induz os indivíduos a se considerarem como sobreviventes da doença1515 Oliveira RAA, Conceição VM, Araujo JS, Zago MMF. Concept analysis of cancer survivorship and contribuitions to oncological nursing. Int J Nurs Pract. 2017; 24(1): e12608. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ijn.12608.
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-1616 Cheung SY, Delfabbro P. Are you a cancer survivor? A review on cancer identity. J Cancer Surviv. 2016;10(4): 759-71. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11764-016-0521-z
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. Assim, a identidade do sobrevivente do câncer pode estar associada ao bem-estar psicológico55 Davis CM, Myers HF, Nyamathi AM, Lewis M, Brecht ML. The meaning of survivorship as defined by African American breast cancer survivors. J Transcult Nurs. 2016; 27(3): 277-85. doi: http://dx.doi.org/10.1177/104365961456167
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,1616 Cheung SY, Delfabbro P. Are you a cancer survivor? A review on cancer identity. J Cancer Surviv. 2016;10(4): 759-71. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11764-016-0521-z
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e ao crescimento pessoal44 Matthews H, Semper H. 'Dropped from the system': the experiences and challenges of long term breast cancer survivors. J Adv Nurs. 2017; 73(6): 1355-65. doi: http://dx.doi.org/10.1111/jan.13237
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,1515 Oliveira RAA, Conceição VM, Araujo JS, Zago MMF. Concept analysis of cancer survivorship and contribuitions to oncological nursing. Int J Nurs Pract. 2017; 24(1): e12608. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ijn.12608.
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16 Cheung SY, Delfabbro P. Are you a cancer survivor? A review on cancer identity. J Cancer Surviv. 2016;10(4): 759-71. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11764-016-0521-z
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-1717 Morris BA, Campbell M, Dwyer M, Dunn J, Chambers SK. Survivor identity and post-traumatic growth after participating in challenge-based peer-support programmes. Br J Health Psychol. 2011; 16(3): 660-74. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2008.03.036.
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. Outro ponto é que os pacientes que tendem a se considerar como sobreviventes têm um profundo desejo de ajudar outras pessoas que vivenciam a mesma situação1818 Dyer KE. "Surviving is not the same as living": cancer and Sobrevivencia in Puerto Rico. Soc Sci Med. 2015; 132:20-9. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2015.02.033.
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. Eles também desejam participar de atividades relacionadas, como grupos de apoio e eventos sociais22 Ress S. A qualitative exploration of the meaning of the term "survivor" to young women living with a history breast cancer. Eur J Cancer Care. 2018; 27(3):1-8. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ecc.12847.
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,1616 Cheung SY, Delfabbro P. Are you a cancer survivor? A review on cancer identity. J Cancer Surviv. 2016;10(4): 759-71. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11764-016-0521-z
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Ser sobrevivente do câncer, na perspectiva de brasileiros diagnosticados com câncer urológico, está relacionado ao fato de ainda terem “traços” da doença, mas também ter fé e força de vontade e lutar sempre pela vida, não desanimar e confiar que tudo irá ficar bem e viver, independentemente de você estar frequentemente no hospital, sentir dor ou usar medicamentos. Assim, diante de tantos significados, é possível dizer que a identidade de ser ou se sentir como um sobrevivente do câncer requer uma experiência genuína com essa condição para que o paciente possa atribuir significados mais confiáveis ​​ao fenômeno, aceitando-o ou recusando-o, fortalecendo ou enfraquecendo os sentimentos de pertencimento a ele1313 Martins JA, Barsaglini RA. Aspects of identity in the experience of physical disabilities: a social-anthropological view. Interface-Comun, Saúde, Educ. 2011;15(36): 109-22. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832010005000043
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A literatura já mostrou que os aspectos psicológicos do paciente influenciam sua identidade assumida1515 Oliveira RAA, Conceição VM, Araujo JS, Zago MMF. Concept analysis of cancer survivorship and contribuitions to oncological nursing. Int J Nurs Pract. 2017; 24(1): e12608. doi: http://dx.doi.org/10.1111/ijn.12608.
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-1616 Cheung SY, Delfabbro P. Are you a cancer survivor? A review on cancer identity. J Cancer Surviv. 2016;10(4): 759-71. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s11764-016-0521-z
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. Muitos estudos também associaram potenciais identidades pós-câncer com não apenas uma experiência com a doença, mas também com aspectos mentais e bem-estar físico. Acompanhar e reconhecer o bem-estar psicológico do indivíduo e como os pacientes lidam com sua doença através da autodefinição ajuda os profissionais de saúde a administrarem e melhorarem seus cuidados.

Onde prevalece a cultura para identificar a doença e buscar a cura, é extremamente difícil inserir um novo termo, neste caso sobrevivente do câncer, embora não seja impossível por ser um conceito mais adequado ao grupo em questão. No entanto, a consolidação de um novo termo exige um grande esforço dos profissionais, pacientes e familiares; além disso, políticas públicas eficazes são necessárias para introduzir socialmente uma perspectiva diferente do câncer, que oferece aos pacientes uma nova maneira de verem a si mesmos1414 Surbone A, Annunziata MA, Santoro A, Tirelli U, Tralongo P. Cancer patients and survivors: changing words or changing culture? Ann Oncol. 2013; 24(10): 2468-71. doi: http://dx.doi.org/10.1093/annonc/mdt229
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.109...
. As relações médico-paciente e enfermeiro-paciente são peças-chave na introdução de um novo termo, e a consequente reeducação e subsequente construção de uma nova identidade. A linguagem é o principal recurso para facilitar e promover a compreensão e interpretação da doença pelos indivíduos, pois pode reduzir as incertezas naturais inerentes à doença. Assim, a linguagem utilizada pelos profissionais de saúde durante o período de sobrevida interfere na maneira como os pacientes veem sua identidade, pois a forma como as pessoas conversam e falam sobre a doença pode influenciar seus reajustes à vida cotidiana e a qualidade de sua experiência como sobrevivente do câncer1919 Appleton L, Flynn M. Searching for the new normal: exploring the role of language and metaphors in becoming a cancer survivor. Eur J Oncol Nurs. 2014; 18(4): 378-84. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ejon.2014.03.012.
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Antes da discussão sobre a mudança de identidades e o que representaria melhor aqueles que foram diagnosticados com câncer e concluíram o tratamento, este estudo fortalece as pesquisas neste campo por ser precursor entre os pacientes com câncer urológico, além de contribuir para a compreensão sobre o endosso de várias identidades, consolidando o conceito de sobrevida ao câncer e sobrevivente do câncer. Além disso, é importante ampliar a investigação para pacientes com diferentes perfis clínicos e sociais. As limitações são restritas a pacientes com diagnóstico de câncer urológico e não consideram o gênero, a idade, o estágio da doença e outras variáveis que poderiam influenciar a interpretação dos pacientes sobre si mesmos e, consequentemente, no endosso de uma nova identidade.

Conclusão

Este estudo conclui que permitir que os pacientes reflitam sobre si mesmos e suas experiências com a doença, bem como atribuírem-se uma nova identidade, estará diretamente relacionado ao bem-estar e à dinâmica que o sobrevivente está vivenciando. Portanto, pode direcionar o cuidado na fase de sobrevida ao câncer de acordo com o contexto individual de cada sobrevivente. A questão não está na padronização, inserir os indivíduos afetados em um grupo ou criar rótulos, ou até mesmo importar o que não reside culturalmente nos contextos sociais de outras regiões. A questão está no pressuposto de uma nova linguagem relevante, uma questão de saúde pública e social que se refere a um grupo heterogêneo que tem necessidades especiais e exige cuidados especiais. O que realmente importa é reconhecer como esses indivíduos vivem e prosperam após o tratamento primário, como lidam com a doença e como melhorar as estratégias de acompanhamento para administrar a promoção da saúde de um grupo crescente de indivíduos que vivem e viverão com a doença, associando a questão da identidade com uma característica real do câncer - a ausência de cura definitiva, apesar da garantia de manutenção da qualidade de vida. Por fim, para coordenar o cuidado centrado no paciente, é importante desmistificar crenças, fortalecer novos padrões e conceitos e aprofundar as pesquisas que fomentam a expansão do conhecimento desse grupo.

References

  • *
    Artigo extraído da tese de doutorado “Aspectos conceituais teóricos e subjetivos da sobrevivência ao câncer: contribuições para a enfermagem oncológica”, apresentada à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 2014/12058-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2018
  • Aceito
    17 Set 2018
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