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Representações sociais de um grupo de mulheres/nutrizes sobre o apoio à amamentação

Resumos

Este estudo teve como objetivo conhecer as representações sociais de um grupo de nutrizes sobre o apoio para amamentar e, também, identificar as ações do entorno social que são percebidas por essas mulheres, como apoio em seus processos de amamentação. Os dados foram coletados por meio de abordagem qualitativa, em entrevista semiestruturada gravada, e organizados conforme a proposta do Discurso do Sujeito Coletivo e analisados segundo os pressupostos da Teoria das Representações Sociais. Os resultados mostraram que as representações das mulheres deste estudo, sobre o apoio para amamentar, são constituídas pelas ações disponíveis no contexto hospitalar, familiar e de trabalho. Sob a ótica da mulher, o apoio é um fenômeno de grande amplitude que engloba aspectos do incentivo, da promoção e da proteção à amamentação.

aleitamento materno; apoio social; saúde da mulher


This study aimed to get to know the social representations about support for breastfeeding in a group of breastfeeding women, as well as to identify the actions in their social environment these women perceive as supportive in their breastfeeding processes. Data were collected through a qualitative approach, using recorded semistructured interviews, organized in accordance with the Collective Subject Discourse and analyzed under the premises of Social Representations Theory. Results showed that the representations of women in this study about support for breastfeeding consist of actions available in the hospital, family and work contexts. In these women's perspective, support is a broad phenomenon that involves aspects of encouragement, promotion and protection to breastfeeding.

breast feeding; social support; women's health


Este estudio tuvo como objetivo conocer las representaciones sociales de un grupo de amamantadoras sobre el apoyo para amamantar y, también, identificar las acciones del entorno social que son percibidas por esas mujeres, como apoyo en sus procesos de amamantar. Los datos fueron recolectados por medio de un abordaje cualitativo, en entrevista semiestructurada grabada, y organizados conforme la propuesta del Discurso del Sujeto Colectivo y analizados según las concepciones de la Teoría de las Representaciones Sociales. Los resultados mostraron que las representaciones de las mujeres de este estudio, sobre el apoyo para amamantar, son constituidas por las acciones disponibles en el contexto hospitalario, familiar y de trabajo. Bajo la óptica de la mujer, el apoyo es un fenómeno de gran amplitud que engloba aspectos de incentivo, de promoción y de protección al amamantamiento.

lactancia materna; apoyo social; salud de la mujer


ARTIGO ORIGINAL

Representações sociais de um grupo de mulheres/nutrizes sobre o apoio à amamentação

Fabiana Swain MüllerI; Isilia Aparecida SilvaII

IEscola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil: Enfermeira, Mestranda em Enfermagem, e-mail: muller_metne@terra.com.br

IIEscola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Brasil: Enfermeira, Doutor em Enfermagem, Professor Titular, e-mail: isasilva@usp.br

RESUMO

Este estudo teve como objetivo conhecer as representações sociais de um grupo de nutrizes sobre o apoio para amamentar e, também, identificar as ações do entorno social que são percebidas por essas mulheres, como apoio em seus processos de amamentação. Os dados foram coletados por meio de abordagem qualitativa, em entrevista semiestruturada gravada, e organizados conforme a proposta do Discurso do Sujeito Coletivo e analisados segundo os pressupostos da Teoria das Representações Sociais. Os resultados mostraram que as representações das mulheres deste estudo, sobre o apoio para amamentar, são constituídas pelas ações disponíveis no contexto hospitalar, familiar e de trabalho. Sob a ótica da mulher, o apoio é um fenômeno de grande amplitude que engloba aspectos do incentivo, da promoção e da proteção à amamentação.

Descritores: aleitamento materno; apoio social; saúde da mulher

INTRODUÇÃO

Estudos que abordam o apoio para amamentar sugerem haver necessidade de estrutura que forneça suporte à mulher para que esteja preparada para superar as dificuldades, assim como lidar com as ambiguidades dos sentimentos que envolvem o processo de amamentar(1-6).

Isso se reforça, na atualidade, conforme se constata que, por influência de fatores culturais, sociais e econômicos, a adoção da prática à amamentação não é universal. Pesquisas realizadas no Brasil, embora demonstrem tendência de crescimento nas taxas de aleitamento materno, ainda estão distantes do ideal preconizado.

Os programas oficiais parecem ainda não ter incorporado os progressos relativos à produção de conhecimentos sobre a vivência da mulher ao amamentar, denotando larga distância entre os conceitos desenvolvidos e a prática clínica. As abordagens centradas na mulher e em suas experiências ainda permanecem como construções teóricas, pouco apreendidas, não só pelos profissionais em sua prática, como pelos gestores de políticas públicas(5).

As ações de promoção, proteção e apoio à amamentação necessitam incorporar elementos de um novo paradigma que considerem a subjetividade e a individualidade materna para reformulação do modelo de assistência em amamentação. Dessa forma, um dos pilares do movimento de consolidação da prática de amamentação, entre mulheres de nossa sociedade, é o apoio que merece atenção especial, uma vez que não se encontra uma conceituação que leve à compreensão de quais ações, atitudes e práticas no âmbito das relações profissionais, ou do entorno da nutriz, possam consistir em efetiva sustentação para o processo de amamentação vivido pelas mulheres.

Considerando a amamentação uma prática socialmente construída, questiona-se, aqui, se o apoio ofertado às nutrizes também não sofre influência dos mecanismos de comunicação e de construção da visão de mundo da rede social que as cerca nesse processo. Ainda, pensa-se que quem melhor pode definir sobre a qualidade e composição do apoio a ser ofertado à nutriz é a própria mulher, que deve ser ouvida sobre suas necessidades para que esse processo seja o mais exitoso possível para ambos, mãe e lactente.

Com isso, este estudo visa conhecer as Representações Sociais de um grupo de nutrizes sobre o apoio para amamentar e identificar as ações do entorno social que são percebidas por essas mulheres, como apoio em seus processos de amamentação.

METODOLOGIA

O estudo foi desenvolvido utilizando-se dos princípios da pesquisa qualitativa que tem como característica oferecer ao pesquisador a possibilidade de captar a maneira pela qual os indivíduos pensam e reagem ante as questões focalizadas, permitindo conhecer a dinâmica e a estrutura da situação sob o ponto de vista de quem a vivencia(7).

O conceito de Representação Social designa uma forma de conhecimento específico, acessada por meio de seus elementos cognitivos (imagens, conceitos, categorias e teorias), mas entendidas pelo seu contexto de produção(8). Sendo assim, as representações sociais podem ser compreendidas como formas de conhecimento prático que orientam as ações no cotidiano em interface com duas forças: a dos conteúdos que circulam em nossa sociedade e a decorrente do próprio processo de interação social e pressões para definir uma dada situação de forma a manter identidades coletivas(9).

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O trabalho de campo foi realizado no Centro de Saúde Escola Samuel B.Pessoa (CSE-Butantã), Coordenadoria de Saúde da Subprefeitura do Butantã, do município de São Paulo, no período de maio a novembro de 2007. O referido serviço, além de realizar importantes ações de atendimento à população da região, desenvolve ensino em diferentes níveis de formação e áreas profissionais, tendo atuação importante no desenvolvimento de pesquisas na área da saúde.

Participaram do estudo 14 mulheres com filhos de até 6 meses de idade, sem restrição de faixa etária, paridade, condição socioeconômica, raça ou cor, que estavam amamentando exclusivamente ou não. O número de participantes foi definido pela saturação teórica de dados qualitativos, ou seja, momento da coleta e análise concomitante dos dados, no qual não se percebe mais novos elementos significativos, refletindo, dessa forma, a totalidade das dimensões que se busca explicar, segundo os objetivos do presente trabalho.

As mulheres foram identificadas a partir dos agendamentos de consultas regulares de crianças de até 6 meses de idade, no setor de pediatria e puericultura, e nessa oportunidade foram inquiridas, antes da consulta médica ou de enfermagem, sobre o interesse em participar do estudo. Após a aceitação e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, foi realizada a entrevista em local que permitiu conforto e privacidade às participantes. Inicialmente, aplicou-se um questionário contendo dados de identificação, perfil socioeconômico e situação da amamentação quanto ao tipo, frequência, duração e motivo de introdução de outro alimento, ou líquido, na dieta do bebê em caso de aleitamento não exclusivo.

Em seguida, a partir de uma pergunta norteadora "conte-me como tem sido amamentar o seu bebê desde que ele nasceu até hoje", foram aprofundadas as percepções da entrevistada sobre o apoio para amamentar no contexto hospitalar, no ambiente doméstico, bem como suas relações familiares e profissionais, solicitando que explicitasse as situações de necessidade de apoio e, finalmente, qual a sua percepção do que seria o apoio para amamentar.

Os dados obtidos foram organizados, segundo a proposta do Discurso do Sujeito Coletivo, técnica que busca instrumentalizar o pesquisador para processar as respostas dos entrevistados a perguntas abertas, especialmente, quando se deseja, no final, identificar as representações sociais(10). Dessa forma, as entrevistas foram transcritas na íntegra e a construção dos discursos percorreu as seguintes etapas: 1 - leitura das entrevistas para familiarização com o conteúdo geral relatado; 2 - identificação das expressões chave de cada uma das entrevistas, que são trechos da própria fala dos entrevistados pertinentes ao objeto do estudo; 3 - atribuição da idéia central, que é caracterizada pela abstração da essência contida em cada uma das expressões chave selecionadas; 4 - reunião das expressões chave de ideias centrais de sentido semelhantes ou complementares e 5 - composição dos discursos completos em primeira pessoa que representam as opiniões coletivas sobre o objeto do estudo e que recebem um título síntese do conteúdo de todas as expressões chave ali reunidas(10).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e do Centro de Saúde Escola Samuel B.Pessoa, seguindo o preconizado pela Resolução 196/96 sobre pesquisa com seres humanos, sendo esclarecidos os objetivos do estudo, a garantia de anonimato e sigilo nos resultados, assim como o voluntariado em participar ou não da pesquisa.

CARACTERIZAÇÃO DAS MULHERES

As 14 mulheres participantes do estudo residiam no bairro do Butantã. A idade variou entre 19 e 38 anos, e o tempo de escolaridade foi, em média, de 7,5 anos. Dez mulheres estavam inseridas no mercado de trabalho assalariado e ocupavam atividades do setor de serviços, relacionados ao cuidado e limpeza, três estavam desempregadas e uma era dona de casa. A renda familiar variou entre 400 e 1 200 reais. Em relação à performance da amamentação, oito mulheres praticavam aleitamento materno exclusivo (AME), uma aleitamento materno predominante (AMP) e cinco aleitamento materno (AM).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com base na análise do material verbal, emergiram cinco discursos que versaram sobre as experiências de amamentação das participantes do estudo e revelaram as suas representações sobre o apoio dentro do contexto hospitalar, familiar e do trabalho, assim como os elementos do entorno social percebidos como apoio.

Na essência dos discursos, encontrou-se o reconhecimento do apoio oferecido pelos profissionais e companheiro, o relato do acolhimento pela organização familiar, a vivência do conflito e da busca por apoio no planejamento do retorno às suas atividades profissionais e, por último, uma síntese das reflexões das mulheres participantes do estudo sobre o que consideram apoio para amamentar.

Sob a perspectiva psicossocial, compreende-se o pós-parto como experiência feminina complexa, permeada por diversas mudanças, entre elas o atendimento às necessidades de alimentação do recém-nascido. A amamentação, em sua prática real, testa os elementos do imaginário da mulher, confirmando-os, reforçando-os ou alterando-os, mediante sua experiência com o envolvimento de uma série de fatores maternos e outros relacionados ao recém-nascido(11).

No relato das mulheres participantes do estudo, constatou-se trajetórias de superação das dificuldades encontradas no estabelecimento da amamentação e percepções sobre o apoio recebido nos contextos hospitalar, familiar e de trabalho. Em um cenário de necessidade de apoio, foi possível perceber a existência de um espaço de relação interpessoal e de comunicação com seus pares (marido, familiares e amigos) e profissionais, contribuindo para a elaboração de representações sociais a respeito do apoio para amamentar.

Discurso - Apoio: o profissional que está ao lado

Quando ela nasceu, meu peito encheu muito, foi leite pra trás do braço, aí elas (enfermeiras) vieram e me ensinaram a massagear, amamentar dos dois lados e sempre dar o leite todo até o fim. No hospital, me deram bastante apoio, me explicaram tudo direitinho (...). Elas vinham e ajudavam, mostravam como a gente tinha que fazer pra não pegá só o bico, pra não machucar (...) se elas não me ajudassem, eu não teria dado, porque no começo dói. (...) Eu gostei muito do cuidado delas, o jeito que ensinaram. Ela falou o que você precisar, eu estou aqui ao lado (E2, E3, E4, E6, E8, E11, E12, E13).

A percepção sobre o apoio oferecido no contexto hospitalar mostrou-se sustentada por interação efetiva estabelecida entre a mulher e o profissional. O ambiente, as informações e a qualidade da relação com os profissionais de saúde propiciaram às mulheres se sentirem atendidas em suas necessidades e apoiadas.

Estudo que aborda o cuidado em alojamento conjunto, sob a perspectiva das representações sociais, demonstra que, a depender de como se dá a relação de assistência no contexto hospitalar, a mulher passa a reelaborar suas representações de cuidado. Nesse movimento de ressignificação, o hospital passa a ser visto como um "lugar de ajuda" e, portanto, propicia à mulher sentir-se acolhida, atendida com educação e provida de esclarecimentos(12).

No contexto hospitalar, pode-se compreender e traduzir o apoio relatado pelas mulheres deste estudo como apoio instrumental que engloba a ajuda prática, a transmissão de conhecimentos e o incentivo para a prática de amamentar.

O diferencial para a percepção da experiência hospitalar como positiva e representada como apoio para amamentar está na identificação dos elementos afetivos, envolvidos na interação com a equipe de saúde.

Pode-se dizer que tais achados vão ao encontro da definição de apoio proposta por alguns autores, podendo ser compreendido com base no grau com que se estabelecem as relações interpessoais que atendem a determinadas necessidades (materiais, informacionais, afetivas), levando o indivíduo a acreditar que é querido e parte integrante de uma rede social(13).

No que diz respeito à influência do apoio para a iniciação e duração da amamentação, pesquisas vêm demonstrando(4) que, embora possa variar, conforme os contextos social e cultural em que a mulher está inserida, há influência positiva na iniciação e duração da amamentação pelo apoio formal, e a ajuda prática parece ser o meio mais efetivo para os profissionais de saúde oferecerem apoio à amamentação.

Discurso - Meu marido é companheiro

Mesmo o marido não estando presente, eu acho que ele é a pessoa de quem a gente precisa de mais apoio. Eu tenho total apoio dele, a gente conversa muito. Porque no começo fiquei meio nervosa, e a conversa dele me acalmou, me ajudou muito, ele falava, amanhã melhora (...) falava sobre o desejo que eu tinha de ser mãe e isso me dava força (...). Ele é um paizão, teve muita paciência, ele foi o grande incentivo. (...) É meu companheiro mesmo, se não fosse o apoio dele, eu tinha parado de amamentar (E1, E3, E6, E8, E10, E13).

O envolvimento do marido nos cuidados, a atenção dispensada, as manifestações de afeto e alegria significaram às mulheres participantes do estudo estímulo positivo, conferindo-lhes segurança e força de vontade para seguirem adiante no processo de amamentação.

Autores afirmam que a relevância da participação do pai está relacionada não só ao seu papel de brincar e ficar com a criança como, também, ao desenvolvimento dos filhos e equilíbrio da família(14).

Além disso, acreditam que muito da qualidade do envolvimento do pai em relação aos filhos e família esteja ligada a fatores culturais e sociais como a valorização da igualdade de gênero, residir com sua companheira, ter relação harmoniosa, ser parte de um sistema econômico que lhe permita sustentar a família e trabalhar de forma cooperativa para as tarefas domésticas(14).

As ações de apoio oferecido pelo companheiro foram consideradas pelas participantes do estudo como importante elemento do suporte para a amamentação, e tais ações apontam para transformação do exercício da paternidade no sentido de socializar as tarefas domésticas e compartilhar o cuidado ao filho(6). No entanto, identifica-se, em suas falas, o quanto os maridos evocaram o status de mulher no sentido de valorizá-las ou lembrá-las da experiência responsável de ser mãe, levando a pensar que, ao evocar esse status, o marido/companheiro orienta sua atitude por suas representações de gênero que se traduz como "a construção social dos sujeitos como femininos ou masculinos", em que a ideia de natureza feminina baseia-se em fatos biológicos que ocorrem no corpo da mulher como a capacidade de gestar, parir e amamentar(15).

O comportamento do pai pode ser produto de socialização do homem e da mulher, decorrente de construção cultural e social legitimada na sociedade, por séculos, em que a valorização da mulher ocorre em função de sua capacidade biológica com recomendações de que devem cuidar pessoalmente de seus filhos e, sobretudo, amamentá-los(16).

Discurso - Uma rede de apoio forma-se para a mulher amamentar

Quando cheguei em casa, foi maravilhoso! Eu e minha filha tivemos muito amor, nos receberam com muito carinho (...) me senti acolhida (...). Eu tenho apoio, um vai lá adianta uma comida, outro ajeita uma coisa na casa e eu não preciso parar de amamentar, posso ficar com ela até que fique satisfeita. (...) Minha filha me ajudou muito a cuidar dela, limpar a casa, fazer serviço (...). Minhas irmãs sempre estão admirando ela, isso me ajuda bastante, eu me sinto mais confiante de ter alguém comigo. Minha mãe está em cima toda hora (...) ela tem feito tudo pra eu te uma boa amamentação (...). As irmãs da igreja me deram tudo compraram alimentos, roupa para a nenê, tudo que precisei. Também tem uma grande amiga que está sempre do meu lado, principalmente quando sinto que preciso desabafar conversar. Minha sogra (...) é como se fosse minha mãe. (...) Ela é ótima, me dá apoio emocional e ajuda no dia a dia (...). (E2, E3, E6, E7, E8, E11).

Nesse discurso, a essência descritiva revela que a chegada do bebê exigiu não só da mulher, mas também da família, estratégias para lidar com a nova situação. Houve um movimento para conciliação das antigas e novas tarefas que acarretaram mudanças na organização familiar.

O relato das entrevistadas evidenciou que o suporte para superar o conjunto de dificuldades a serem ultrapassadas no contexto privado, especialmente nas primeiras semanas, é oferecido por outras mulheres da família e pareceu ser um dos elementos decisivos para o enfrentamento das transformações existentes no puerpério, possibilitando, dessa maneira, a adaptação para a nova realidade do exercício da maternidade e o favorecimento da amamentação. Essa percepção pode ser reforçada por outros estudos que também revelam o meio relacional familiar como importante referência das mulheres para o suporte à amamentação, tendo nas ações das mulheres da família influência decisiva no apoio e cuidado à puérpera e recém-nascido(6).

De acordo com a fala das mulheres, o apoio oferecido pelos familiares e amigos tem como base uma implícita valorização da mulher como mãe e que amamenta. Um dos elementos mais relevantes do apoio no contexto familiar foi a ajuda prática, o fato de os membros da família terem assumido tarefas que, em tese, são da mulher, dentro da dinâmica familiar, propiciaram a ela dedicar mais tempo ao bebê e, consequentemente, à amamentação.

Outro elemento de relevância foi o apoio emocional, reconhecido pelas manifestações de afeto e bem-querer por parte dos familiares. A esse respeito, pesquisadores(14) afirmam que tais elementos, percebidos e recebidos pela mulher, são fundamentais para a manutenção de sua saúde mental, para o enfrentamento de situações estressantes e para os períodos de mudanças em sua vida.

A disponibilidade dos familiares e amigos para apoiar a experiência da maternidade, permitiu às mulheres do estudo se sentirem reconhecidas em seus esforços para o estabelecimento da amamentação. A proteção da mulher por uma rede familiar de apoio mostrou-se como fator de relevância para o comportamento materno em relação a seus filhos, o que possibilita melhores condições para o desenvolvimento da relação mãe e filho(14).

Discurso - Em busca de exercer o direito de amamentar após o retorno ao trabalho: onde está o apoio?

Eu vou pegar 4 meses e 20 dias de licença-maternidade, estou dando nome nas creche (...) eu vou tentar que continue mamando o peito,(...) até 1 ano, mas, eu dou uma mamadeira de vez em quando para ele ir acostumando. A sociedade não apoia a mulher que trabalha e está amamentando. Eu sei que tenho direito por lei a uma hora por dia para amamentar (...) eles (empregadores) criam mais dificuldade (...) pela minha encarregada, quem está amamentando sairia no horário normal. Às vezes, fico estressada, porque ela não compreende o nosso lado (...). Eu estou sofrendo antecipadamente, porque se eu pudesse não voltar a trabalhar eu não voltava, mas a gente não tem condição (...). O maior apoio que a sociedade poderia dar seriam as empresas parar de ver a mãe como uma desocupada. (...) Pra consegui a exclusividade na amamentação, a licença de 6 meses tinha que virá lei mesmo. A mãe com 2 meses já começa a dar outros alimentos, porque tem que ir adaptando o paladar para ir pra creche. É muito sofrimento (E2, E5, E6, E7, E8).

As participantes inseridas no mercado de trabalho relataram como principal motivo para introdução de outro leite na dieta do bebê, antes dos 6 meses de idade, a necessidade de retorno às atividades profissionais. Pesquisadores(5,17) acreditam que a conciliação da amamentação com a atividade extralar seja uma das mais difíceis tarefas femininas na sociedade atual, uma vez que envolve conflito para a tomada de decisões e, na vida diária, o desejo de ser uma boa mãe pode entrar em conflito com outros papéis que a mulher representa na sociedade como, por exemplo, o de trabalhadora.

De acordo com o relato das mulheres, destacam-se três pontos de relevância no planejamento do retorno à atividade extralar: garantir que a criança aceite outro alimento além do leite materno, garantir/prover cuidados para a criança durante a sua ausência e lidar com o conflito de querer/poder manter a amamentação.

Acredita-se que a introdução precoce da mamadeira represente estratégia encontrada pela mulher para minimizar o impacto de seu afastamento e ir acostumando a criança, gradativamente, com a ausência do peito materno, além de testar e garantir a aceitação de outro alimento(5). Para garantir/prover cuidados a seus filhos em sua ausência, as creches foram relatadas como a primeira opção, mas, diante da constatação da impossibilidade de usufruir desse benefício, procuraram outros recursos dentro das suas próprias redes familiares.

No que concerne ao ambiente de trabalho, as mulheres participantes deste estudo também enfrentaram dificuldades relativas à manutenção da amamentação. Em suas falas, percebe-se que identificam o desconhecimento e/ou descaso dos empregadores em relação à legislação de proteção à maternidade, gerando conflitos no relacionamento trabalhista e angústia materna para fazer valer seus direitos. Esse reconhecimento aponta que a promoção da amamentação requer mecanismos que ultrapassem as questões legais.

Na percepção das mulheres do estudo, a sociedade não apoia a mulher que trabalha e amamenta sendo essa não apenas uma representação, mas uma constatação da realidade presente na vida das mulheres inseridas no mercado de trabalho.

Nos relatos das participantes deste estudo, identifica-se que, ao se perceberem pressionadas pelas chefias, se sentiram indignadas e em conflito mediado pelas pressões do superior imediato, pelo conhecimento de seus direitos e pela satisfação com a amamentação.

Nesse sentido, estudos abordando questões ligadas à amamentação e ao retorno ao trabalho revelam que, para a mulher na condição de trabalhadora, o "trabalho não perdoa", indicando que a nutriz sente que as pressões no ambiente profissional dificultam suas ações para manutenção da lactação(5).

É possível inferir que, no ambiente público, a nutriz veja seu papel de mãe subjugado às exigências do setor produtivo, como se fosse possível uma ruptura dos papéis que a mulher representa na sociedade.

As participantes deste estudo clamam por apoio estrutural que lhes proporcione condições para manter e conciliar a amamentação com suas atividades profissionais. Poucos são os exemplos de empresas que oferecem estrutura de apoio para a manutenção da amamentação e lactação, após o retorno ao trabalho. As creches, quando disponíveis, nem sempre são próximas e, em sua maioria, não dispõem de pessoal capacitado para lidar com a criança que está em aleitamento materno exclusivo.

A incongruência do apoio nos ambientes domésticos e de trabalho para a conciliação da amamentação e da atividade extralar tornam a manutenção da amamentação exclusiva uma tarefa difícil de ser alcançada pela mulher. O apoio de familiares, do companheiro, o suporte de creches, berçários e a garantia de direitos trabalhistas ainda são dúbios, muitas vezes, trazem mais conflito e culpa do que alívio de jornadas e responsabilidades maternas(5).

Mesmo que tenham as condições ambientais e recursos materiais propícios para essa prática, as mulheres sentem que são as relações humanas, em seu contexto privado ou público, que lhes dão retaguarda para a adaptação e implementação de seus projetos para a continuidade da amamentação. Percebe-se que, diferente das ações de apoio relatadas nos outros discursos, as mulheres que amamentam e são trabalhadoras sentiram-se sós para o enfrentamento das questões relacionadas à tomada de decisão em relação à conciliação do retorno ao trabalho e manutenção da lactação.

Em face das representações de maternidade e valorização da mulher como mãe, as participantes do estudo receberam apoio de suas redes familiares para que pudessem cuidar de seus filhos. No entanto, não foi relatado movimento de apoio por parte de seus familiares ou marido para conciliação das atividades profissionais e manutenção da amamentação, assim como a garantia de cuidados a seus filhos quando estão fora do lar.

Discurso - A percepção do apoio para amamentar

Apoio é importante. Coisa que a gente precisa tanto em casa como fora. Pra que a gente tenha mais energia pra amamentá.(...) O apoio da família é importante, e o do profissional também, mas a mulher tem que querer amamentar, então, quando não encontro apoio, eu procuro em mim mesma, eu me dou apoio. Acho que a amamentação tá dentro de mim (...) e saber que tem alguém para contar dá tranquilidade, alguém que ajude a cuidar do bebê, dar banho, arrumar a casa, a comida, a levar as crianças na escola. É alguém para estar com você quando mais precisa, com experiência de vida, que escute e converse dando apoio emocional e psicológico. Apoio é carinho do parceiro, uma palavra de consolo(...). Se eu não tivesse apoio seria muito diferente, acho que conseguiria amamentar, mas não como estou fazendo (E3, E5, E7, E8, E9, E11, E13, E14).

Na fala das mulheres, percebe-se que elas reconhecem a necessidade e a influência do apoio para amamentar, tanto no espaço privado como no público.

É interessante ressaltar que, mesmo as mulheres identificando e reconhecendo ter necessidade de apoio, elas também representam a experiência de amamentar como única e individual. Sob essa perspectiva, entende-se o apoio como fator determinante da sua experiência, que lhe dá oportunidade de experimentar e desenvolver autoconfiança para viver a experiência de maneira mais prazerosa.

As diversas ações para apoiar a amamentação e os elementos que as compõem, foram mencionados como significativos para o alcance da experiência do amamentar. Isso leva a pensar que, sob o ponto de vista da mulher, o apoio pode ser entendido como um fenômeno social que engloba um conjunto de ações que devem ser oferecidas integralmente e em congruência com suas necessidades.

Na perspectiva das mulheres participantes deste estudo, o apoio para amamentar relaciona-se à realidade em que vivem e às ações que lhes conferem oportunidade e condição física e emocional para amamentar. A vivência dessa realidade pressupõe a existência de relações interpessoais que valorizem seu papel materno e feminino na sociedade e de suportes concretos de fundo instrumental e estrutural, possibilitando seu trânsito como mãe e mulher na interface com o espaço público e privado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dos resultados deste estudo, apreende-se que o apoio é um fenômeno de grande amplitude, constituído por aspectos já consolidados, embutidos nos conceitos e ações de promoção, proteção e incentivo ao aleitamento materno. Segundo as perspectivas das mulheres, é possível compreender o apoio baseado em três dimensões: instrumental, afetiva e estrutural. No contexto hospitalar, a dimensão instrumental engloba elementos de ordem prática e informacional do manejo da amamentação. No contexto familiar, a dimensão instrumental relaciona-se, sobretudo, ao auxílio financeiro e ajuda nas tarefas domésticas, permitindo à mulher dedicar mais tempo ao bebê e à amamentação. A dimensão afetiva engloba elementos das relações interpessoais, no contexto público e privado, enfatizando a maneira como o apoio é oferecido. A dimensão estrutural diz respeito às ações do contexto social, em especial, ao acesso a creches e oportunidades de conciliação da amamentação ou manutenção da lactação no espaço público, particularmente, do trabalho assalariado.

Percebe-se que não houve reconhecimento das ações de apoio para amamentar oferecidas pela sociedade, mas sim obstáculos a serem transpostos para obterem valorização no ambiente profissional, como mulheres trabalhadoras e mães. As necessidades expressas pelas mulheres representam um desafio que se constitui na necessidade de revisão das práticas de todos os envolvidos na promoção, proteção e apoio à amamentação; portanto, os serviços de saúde deveriam prover ações baseadas na percepção das mulheres na busca de parceria com sua rede familiar e também integração com os aparelhos sociais disponíveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2009
  • Data do Fascículo
    Out 2009

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2008
  • Aceito
    18 Jun 2009
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