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Prescrição e realização do manejo não farmacológico para pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, internados em emergência de hospital universitário

Resumos

É estudo transversal com o objetivo de descrever a prescrição de manejo não farmacológico a pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, internados em emergência, e a efetividade da realização. Incluíram-se 256 pacientes, idade média 63±13 anos, 153 (60%) sujeitos do sexo masculino. O cuidado não farmacológico mais prescrito foi restrição de sódio, 240 (95%), seguido de controle de peso 135 (53%). Restrição hídrica e balanço hídrico foram menos prescritos, 95 (37%) e 72 (28%), respectivamente. Apenas 38 (54%) dos balanços, 89 (67%) dos controles de peso e 69 (57%) dos controles de diurese foram realizados. Quanto ao conhecimento prévio dos pacientes sobre esses cuidados, 229 (90%) receberam orientação para controle de sal e 163 (64%) para controle hídrico. Controle de peso foi o cuidado menos conhecido, com 117 (46%). À exceção do controle de sal, os demais foram prescritos em pouco mais da metade da amostra, além de ser insatisfatória a efetividade da sua realização.

Insuficiência Cardíaca; Cuidados de Enfermagem; Estudos Transversais


This cross-sectional study aimed to describe the prescription of non-pharmacological management of patients with heart failure attending the emergency care of a hospital and the effectiveness of the practice. 256 patients aged 63±13 years, 153 (60%) men, participated in the research. The most commonly prescribed non-pharmacological treatment was sodium restriction, 240 (95%), followed by weight control, 135 (53%). Fluid restriction and fluid balance were the least commonly prescribed treatments, 95 (37%) and 72 (28%), respectively. Only 38 (54%) of balances, 89 (67%) of weight controls and 69 (57%) of diuresis controls were performed. Concerning patients’ previous knowledge of the treatments, 229 (90%) were advised to restrict salt intake, and 163 (64%) were advised to restrict fluid intake. Weight control was the least commonly known care, 117 (46%). Except for salt control, the other treatments were prescribed in slightly more than half of the samples, and were ineffective.

Heart Failure; Nursing Care; Cross-Sectional Studies


Se trata de un estudio transversal con objetivo de describir la prescripción del manejo no-farmacológico de pacientes con insuficiencia cardíaca descompensada, internados en la emergencia y la efectividad de su realización. Se incluyeron 256 pacientes, con edad promedio de 63±13 años, siendo 153 (60%) del sexo masculino. El cuidado no-farmacológico más prescrito fue la restricción de sodio, 240 (95%), seguido de control de peso 135 (53%). La restricción hídrica y el equilibrio hídrico fueron menos prescritos, 95 (37%) y 72 (28%), respectivamente. Apenas 38 (54%) de los equilibrios hídricos, 89 (67%) de los controles de peso y 69 (57%) de los controles de diuresis, fueron realizados. En cuanto al conocimiento previo de los pacientes sobre esos cuidados, 229 (90%) recibieron orientación para control de la sal y 163 (64%) para el control hídrico. El control de peso fue el cuidado menos conocido, con 117 (46%). Excepto el control de sal, los demás fueron prescritos para un poco más de la mitad de la muestra, además de ser insatisfactoria la efectividad de su realización.

Insuficiencia Cardíaca; Atención de Enfermería; Estudios Transversales


ARTIGO ORIGINAL

Prescrição e realização do manejo não farmacológico para pacientes com insuficiência cardíaca descompensada

Joelza Chisté LinharesI; Graziella Badin AlitiII; Raquel Azevedo CastroIII; Eneida Rejane RabeloIV

IEnfermeira, Mestranda, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: joelza.chiste@gmail.com

IIEnfermeira, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, RS, Brasil. Doutoranda, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: graziella.aliti@gmail.com

IIIEnfermeira, Projeto Telessaúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: quelvs@hotmail.com

IVEnfermeira, Doutor em Ciências Biológicas, Professor Adjunto, Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil. E-mail: eneidarabelo@gmail.com

Endereço para correspondência

RESUMO

É estudo transversal com o objetivo de descrever a prescrição de manejo não farmacológico a pacientes com insuficiência cardíaca descompensada, internados em emergência, e a efetividade da realização. Incluíram-se 256 pacientes, idade média 63±13 anos, 153 (60%) sujeitos do sexo masculino. O cuidado não farmacológico mais prescrito foi restrição de sódio, 240 (95%), seguido de controle de peso 135 (53%). Restrição hídrica e balanço hídrico foram menos prescritos, 95 (37%) e 72 (28%), respectivamente. Apenas 38 (54%) dos balanços, 89 (67%) dos controles de peso e 69 (57%) dos controles de diurese foram realizados. Quanto ao conhecimento prévio dos pacientes sobre esses cuidados, 229 (90%) receberam orientação para controle de sal e 163 (64%) para controle hídrico. Controle de peso foi o cuidado menos conhecido, com 117 (46%). À exceção do controle de sal, os demais foram prescritos em pouco mais da metade da amostra, além de ser insatisfatória a efetividade da sua realização.

Descritores: Insuficiência Cardíaca; Cuidados de Enfermagem; Estudos Transversais.

Introdução

A insuficiência cardíaca (IC) é síndrome crônica e progressiva, evidenciada por um conjunto de sinais e sintomas de congestão pulmonar e sistêmica, caracterizada como o último estágio de todas as doenças cardiovasculares(1). Essa síndrome afeta de 1,5 a 2% da população mundial e sua incidência vem aumentando nas últimas três décadas, especialmente em indivíduos com mais de 65 anos(2). Apesar dos benefícios alcançados com a evolução no tratamento da IC, essa síndrome ainda é responsável por altas taxas de mortalidade e pela diminuição da capacidade funcional de seus portadores(3).

Considerada um dos maiores problemas de saúde pública, a IC gera altos custos para o sistema de saúde, contribuindo, de forma significativa, para o aumento das taxas de readmissões. No tangente a essas taxas, após a primeira internação por descompensação da IC, observam-se percentuais bastante elevados, principalmente no período de 30 a 90 dias após a alta(4). Estudo observacional prospectivo que comparou as hospitalizações por IC, entre hospital universitário do Brasil e Estados Unidos, apontou que as taxas de readmissões dentro desse mesmo período são, respectivamente, de 36 a 51%(5).

Entre os objetivos do tratamento da IC estão manter a estabilidade clínica dos pacientes, diminuir a morbimortalidade e estimular a adesão à terapêutica prescrita, à custa de tratamento considerado bastante complexo(1). Além da otimização do tratamento farmacológico, a abordagem atual da IC mostra que o tratamento não farmacológico é parte integrante e essencial para o tratamento dessa síndrome(1). Metanálises recentes que avaliaram o acompanhamento de pacientes por equipes multidisciplinares, com a utilização de medidas não farmacológicas no tratamento desses, indicaram benefícios na redução de morbimorbidade, taxas de readmissões, períodos menores de hospitalização, ganho no padrão funcional e, principalmente, melhora da qualidade de vida(6-7).

Dessa forma, o manejo não farmacológico na IC se configura como ferramenta essencial. O importante papel do enfermeiro, nessa abordagem, inclui orientações sobre o controle de peso, a restrição de sal e de líquidos, o exercício físico regular e a monitorização do uso regular das medicações, além do reconhecimento precoce de sinais e de sintomas de descompensação(8).

Evidências da literatura reforçam que tais medidas são fundamentais para o tratamento e o acompanhamento da evolução clínica, trazendo benefícios para esse grupo(9). Um estudo desenvolvido pelo grupo dos autores desta pesquisa indicou que o manejo não farmacológico não está totalmente incorporado à prática clínica. Neste estudo foram avaliadas 283 internações de 239 pacientes, entre agosto de 2000 e junho de 2003, com o objetivo de descrever o manejo não farmacológico de pacientes com IC, hospitalizados, internados em unidades clínicas. A restrição de sal foi evidenciada em 97% das prescrições, controle de diurese em 85%, balanço hídrico em 75%, controle de peso em 61% e restrição hídrica em apenas 25% das internações. Mesmo presente nas prescrições, verificou-se que alguns desses cuidados não eram realizados com a mesma continuidade com que eram prescritos. Somente 18% dos balanços hídricos, 25% das restrições hídricas, 35% dos controles de peso e 27% dos controles de diurese prescritos foram efetivamente realizados pela equipe de enfermagem (p<0,01 para todas as comparações). Sendo assim, o estudo indicou que esse manejo, mesmo em um hospital universitário, não está totalmente incorporado à prática clínica e que, mesmo quando as medidas não farmacológicas eram prescritas, existia deficiência na sua realização pela equipe de enfermagem(10).

Considerando que muitos pacientes, admitidos por IC descompensada, permanecem na emergência por falta de leito em unidades de internação, e que, muitas vezes, recebem alta hospitalar direto dessa unidade delineou-se o presente estudo.

Objetivo

Avaliar a prescrição e a implementação do manejo não farmacológico de pacientes com IC, admitidos em emergência de hospital público e universitário.

Métodos

Trata-se de estudo transversal contemporâneo sobre o perfil da prescrição do manejo não farmacológico de pacientes internados por descompensação da insuficiência cardíaca, em unidade de emergência. A amostra foi constituída por pacientes internados com diagnóstico de insuficiência cardíaca classe funcional III e IV, conforme classificação de New York Heart Association (NYHA); de qualquer etiologia; com fração de ejeção do ventrículo esquerdo £45%; idade ³18 anos; de ambos os sexos, e que concordaram em participar do estudo. Excluíram-se pacientes com IC após infarto agudo do miocárdio nos últimos três meses; pacientes com ICs secundárias a um quadro de sepse; pacientes submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio nos últimos 30 dias; pacientes que tiveram sequelas neurológicas e aqueles que não concordaram em participar do estudo.

Para a coleta dos dados, foi utilizado um instrumento contendo informações relativas à prescrição de restrição de sal, de controle de diurese, de balanço hídrico, de controle de peso, de restrição hídrica e as respectivas variáveis de realização desses cuidados. Também faziam parte do instrumento dados referentes ao número de internações, sinais e sintomas de descompensação da IC e conhecimento prévio sobre as medidas não farmacológicas. Esse instrumento já foi utilizado por este grupo em outros estudos(11). Além disso, informações relacionadas às características demográficas e clínicas da amostra foram coletadas. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição, sob no 08-353, e todos os pacientes incluídos leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Considerando prevalência de 61% de prescrição de controle de peso(10), com margem de erro de seis pontos percentuais e nível de confiança de 95%, estimou-se para o estudo uma amostra de 256 pacientes.

Análise dos dados

As análises foram realizadas utilizando o pacote estatístico Statistical Package for Social Sciences (SPSS) 14.0. As variáveis contínuas foram expressas como média±desvio padrão para aquelas com distribuição normal e mediana e intervalo interquartílico (percentis 25 e 75) para dados não-paramétricos. As variáveis categóricas foram expressas como percentuais. Para as comparações entre dados não-paramétricos, utilizou-se o coeficiente de correlação de Spearman, e, para dados paramétricos, o coeficiente de Pearson. Um valor de p bicaudal menor que 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Foram analisados neste estudo 256 pacientes com diagnóstico de IC descompensada. A idade média dos pacientes foi de 63±13 anos; a maioria era composta por indivíduos do sexo masculino (153-60%) e predominantemente brancos (196-77%). A mediana dos anos de estudo foi de 5 (2-8), e a mediana da renda familiar de 2 (1-3) salários mínimos. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo média foi de 29±9%, e a etiologia mais evidenciada, a isquêmica (85-34%). Segundo os critérios estabelecidos pela NYHA, 168 (66%) dentre os pacientes encontravam-se em classe funcional III. Esses e demais dados encontram-se na Tabela 1.

Na Tabela 2 está descrita a frequência da prescrição do manejo não farmacológico. Dos cuidados que compõem esse manejo, a restrição ao sal foi o cuidado com maior percentual de prescrição, totalizando 240 (95%), seguido do controle de peso, com 135 (53%). O balanço hídrico e a restrição hídrica foram os cuidados menos evidenciados nas prescrições.

Embora os cuidados não farmacológicos estivessem contemplados nas prescrições, conforme visto na tabela acima, verificou-se que esses não foram realizados com a mesma frequência com que foram prescritos. Apenas 38 (54%) dos balanços hídricos, 89 (67%) dos controles de peso e 69 (57%) dos controles de diurese foram efetivamente realizados pela equipe de enfermagem (p<0,001 para todas as comparações). A Figura 1 representa o percentual de cuidados não farmacológicos prescritos, seguido do percentual de realização desses.


Os sinais e sintomas de congestão dos pacientes com IC descompensada, na chegada à emergência, foram dispneia, com 233 (91%); dispneia paroxística noturna, com 223 (87%); cansaço, 173 (68%) e edema, 164 (64%). Embora percentual elevado de pacientes apresentasse, na chegada à emergência, sinais e sintomas que indicam congestão, a prescrição das medidas não farmacológicas, que guiam a terapêutica do manejo da IC foi considerada insatisfatória, conforme demonstrado na Figura 1.

Analisou-se a relação do número de internações prévias com o conhecimento das medidas não farmacológicas pelos pacientes. No que se refere ao número de internações, 80 (31%) pacientes nunca haviam sido internados por descompensação da IC, no período de doze meses, 58 (23%) apresentavam pelo menos uma internação e 117 (46%) dos pacientes já haviam sido internados pelo menos duas vezes, no mesmo período.

Na correlação do conhecimento sobre as medidas não farmacológicas (restrição de sal, restrição de líquidos, controle de diurese, balanço hídrico e controle de peso) com o número de internações prévias por descompensação da IC, identificou-se correlação fraca, com rs=0,3 (p<0,001).

Ao se analisarem as orientações prévias, fornecidas aos pacientes por algum profissional da área da saúde sobre as medidas não farmacológicas, observou-se que quase a totalidade dos pacientes recebeu recomendação para controle da ingesta de sal (229-90%). Em relação ao conhecimento de outras medidas não farmacológicas, 181 (71%) receberam orientações voltadas para a prática regular de atividade física, 163 (64%) para controle da ingesta hídrica, 117 (46%) dos pacientes haviam recebido orientações sobre a importância do controle do peso diário.

Ao analisar, no entanto, o conhecimento prévio da combinação de três medidas não farmacológicas (restrição de sal, restrição de líquidos e controle de peso), comparado com o número de internações por IC, no último ano, verificou-se que os pacientes que nunca haviam sido internados por descompensação dessa síndrome tinham pouco conhecimento sobre essas medidas. Por sua vez, os pacientes com cinco ou mais internações, no mesmo período, possuíam domínio da combinação desses cuidados. Dos 256 pacientes do estudo, 80 (31%) nunca tinham sido internados por IC descompensada. Desses, 64 (80%) não conheciam a combinação das medidas não farmacológicas. Dos 35 (14%) pacientes que passaram por internação cinco vezes ou mais, 21 (60%) conheciam as três medidas, sendo todas as comparações estatisticamente significativas (p<0,001). Os dados estão dispostos na Tabela 3.

Discussão

Neste estudo, avaliou-se o perfil das prescrições e a efetividade da realização das medidas não farmacológicas para pacientes internados por IC, descompensada, em unidade de emergência. Apesar de a restrição de sal ter sido a medida mais prescrita para os pacientes, o balanço hídrico, a restrição hídrica e o controle de diurese foram pouco contemplados nas prescrições. No que tange à realização dos cuidados não farmacológicos pela equipe de enfermagem, identificou-se que esses não foram realizados com a mesma frequência com que foram prescritos.

A restrição de sal foi prescrita para quase todos os pacientes. Esse resultado mostra que existe concordância na prática clínica sobre os benefícios que a restrição salina pode trazer aos pacientes com IC. Excesso de sódio na dieta causa múltiplos efeitos ao organismo humano, entre esses o aumento da atividade do sistema renina-angiotensina(11). A ativação excessiva desse sistema, pelo consumo elevado de sódio, resulta na retenção de água e tem sido associada à hipertrofia cardíaca e à IC congestiva(12). Corroborando esses achados, a adoção de dieta com restrição de sódio é recomendada para pacientes com IC como medida preventiva para diminuição da retenção de líquidos e, consequentemente, descompensação da IC. A restrição depende da gravidade da IC. Pacientes com IC grave devem ser orientados a adotar dieta com 2g/dia de sódio. Esse grau de restrição é alcançado abolindo da dieta alimentos ricos em sódio e evitando colocar sal adicional nos alimentos, após o seu preparo(1).

Quanto à restrição de líquidos, menos de 50% dos pacientes tiveram esse cuidado contemplado em suas prescrições. Embora recente estudo tenha indicado que a restrição de fluidos não seja estratégia eficaz no tratamento da IC(13), na prática clínica a recomendação é que os pacientes com IC de moderada a grave limitem a ingestão de fluidos a até 1,5 litros/dia. As novas diretrizes brasileiras para o tratamento dessa síndrome recomendam a restrição de 1,0 a 1,5 litros/dia para os pacientes sintomáticos que apresentem risco de hipervolemia(1).

Segundo os critérios para o diagnóstico da IC(14), a dispneia paroxística noturna é considerada sinal importante para o diagnóstico da descompensação dessa síndrome. Neste estudo, 87% dos pacientes apresentaram esse sintoma no momento da internação, o que poderia justificar a indicação de restrição de líquidos. Apesar disso, apenas 37% dos pacientes tiveram esse cuidado prescrito.

O aumento súbito de peso está frequentemente associado à retenção hídrica e, como consequência, à piora da IC. Dos pacientes estudados, 53% tiveram o controle de peso incluído nas prescrições. A monitorização dessa medida no período da internação hospitalar deve ser realizada diariamente, servindo como parâmetro para o acompanhamento da evolução clínica dos pacientes e, também, como referencial para o ajuste da terapia diurética. Ainda, no contexto da hospitalização, a monitorização diária de peso também possui o importante papel de estimular os pacientes a incorporar, na sua prática diária, o controle periódico do peso(10).

Estudo randomizado, que teve por objetivo avaliar o efeito das orientações e da assistência por enfermeiras à adesão de medidas não farmacológicas pelos pacientes com IC, mostrou que aqueles do grupo intervenção, que receberam as orientações de forma mais intensiva, souberam identificar e buscar atendimento quando houve ganho súbito de peso, 86%, contra 69% do grupo que recebeu apenas orientações no momento da consulta com o cardiologista, com p<0,01(15).

Na análise da realização dos cuidados não farmacológicos, observou-se que essas medidas não foram executadas com a mesma frequência com que foram prescritas. Em média, pouco mais da metade dos cuidados prescritos foram efetivamente realizados pela equipe assistencial. Estudo publicado em 2006, que avaliou a efetividade da realização desses cuidados em unidades de internação, mostrou percentuais semelhantes quanto à execução dessas medidas(10). Esses dados podem ser sugestivos no sentido de que exista desconhecimento da relevância e dos benefícios da implementação dessas medidas como coadjuvantes do tratamento medicamentoso.

No contexto da IC, o exame clínico é ferramenta útil para o diagnóstico, para a avaliação da gravidade da doença e para a decisão sobre a melhor conduta terapêutica a ser tomada. A presença de certos sinais e sintomas pode ser útil para classificar os pacientes em níveis de gravidade, risco de mortalidade e necessidade de hospitalização(16). Nessa perspectiva, o exame clínico de pacientes, admitidos por descompensação da IC, torna-se extremamente importante para guiar a escolha das intervenções mais adequadas(17).

Neste estudo, 91% dos pacientes referiram dispneia, quando da chegada à emergência. Outro estudo, que avaliou o perfil clínico de pacientes com IC, identificou percentuais semelhantes quanto à presença desse sintoma, em 85,2% dos casos(18). Assim como a dispneia, o edema é achado comum em pacientes descompensados(19). A presença do edema periférico e do refluxo hepatojugular são sinais úteis para estratificar o prognóstico de pacientes com IC sistólica, sendo esses sinais capazes de definir os diferentes níveis de comprometimento cardíaco como também a maior gravidade da doença(16,20).

Sabe-se que os cuidados não farmacológicos são ferramentas essenciais no tratamento dos pacientes descompensados. Apesar de a maioria do pacientes apresentar algum sinal de congestão na chegada à emergência, a prescrição foi pouco contemplada com os cuidados que evitam a congestão e que guiam a terapêutica diurética. Um dos principais motivos da descompensação da IC é a falta de adesão ao tratamento farmacológico e não farmacológico, muitas vezes por desconhecimento desses aspectos(1). Percebe-se que existe grande lacuna entre o que é ensinado aos pacientes e o que é absorvido por esses. Estudo desenvolvido com 113 pacientes em ambiente ambulatorial identificou que existia incoerência em relação ao que lhes era ensinado e o que aplicavam, de fato, na prática(21). Avaliando esses achados e relacionando os resultados encontrados neste estudo, sobre o conhecimento prévio das medidas não farmacológicas com o número de internações, observou-se que, mesmo que os pacientes tenham bom conhecimento dessas medidas, isso não diminui as taxas de internação. Verificou-se que os pacientes com mais internações eram os pacientes que detinham o maior conhecimento prévio dessas medidas. Resultados semelhantes também foram demonstrados em estudo prévio, do mesmo grupo que realizou este estudo, em pacientes em unidades de internação na mesma instituição. Nesse estudo anterior, ficou demonstrado que pacientes com maior número de internações prévias parecem ter conhecimento bastante elevado dos aspectos que envolvem a fisiopatologia e o manejo da IC, além de serem pacientes mais graves e com maior tempo de doença sintomática(10). Atribuem-se esses achados ao fato de os pacientes que apresentam maior número de internações terem maior contato com as orientações sobre o manejo não farmacológico Esses dados indicam que conhecer a doença e os aspectos relacionados à prática dos cuidados, necessariamente, não evitam reinternações.

Considerações finais

Com os resultados obtidos neste estudo observacional é possível demonstrar que, mesmo se tratando de hospital universitário, houve pouca prescrição das medidas não farmacológicas para os pacientes admitidos em emergência, à exceção do controle de sal.

Quanto à realização dos cuidados não farmacológicos, identificou-se que existe lacuna entre o que é prescrito e o que é efetivamente executado. Demonstrou-se que esses cuidados não foram realizados na sua totalidade pela equipe de enfermagem.

Apesar de os pacientes apresentarem sinais e sintomas indicativos de congestão pulmonar e/ou sistêmica, no momento da admissão, houve pouco reflexo na prescrição das medidas não farmacológicas que guiam a terapêutica e que auxiliam na monitorização clínica dos estados congestivos.

Os achados deste estudo, da mesma forma, permitem concluir que pacientes com taxas mais elevadas de internações aparentam melhor conhecimento da doença e do autocuidado, apesar de esse conhecimento não implicar em maior adesão às orientações e à diminuição das taxas de readmissões.

Os dados apresentados indicam a necessidade da criação de estratégias voltadas para a solidificação da adesão, por parte das equipes assistenciais, quanto à prescrição das medidas não farmacológicas. Ainda, deve-se investir em programas de qualificação para os profissionais que prestam atendimento a esses pacientes, no sentido de instruir quanto à relevância e à importância da realização das medidas não farmacológicas no manejo de pacientes descompensados.

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  • Corresponding Author:
    Eneida Rejane Rabelo
    Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem.
    Departamento de Enfermagem Médico-Cirurgica.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      13 Jan 2010
    • Aceito
      21 Out 2010
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