Preservação de vestígios forenses pela enfermagem nos serviços de emergência: revisão de escopo

Resumo

Objetivo:

mapear a produção científica sobre a preservação de vestígios forenses pelos profissionais de enfermagem que atuam nos serviços de emergência.

Método:

revisão de escopo, com buscas dos estudos realizadas em seis bases de dados, na literatura cinzenta disponível no Google Scholar e nas referências dos estudos selecionados. Para análise, adotou-se o método de redução de dados.

Resultados:

foram incluídos 26 estudos que foram organizados em cinco categorias: 1) Conhecimento dos profissionais de enfermagem sobre a preservação de vestígios forenses; 2) Procedimentos realizados pela enfermagem para preservação de vestígios no corpo da vítima; 3) Procedimentos realizados pela enfermagem para preservação de vestígios em pertences/objetos da vítima; 4) Procedimentos realizados pela enfermagem para documentação dos vestígios; e 5) Ações de manutenção da cadeia de custódia realizada pela enfermagem.

Conclusão:

os estudos mostraram situações em que o enfermeiro de emergência pode atuar na preservação de vestígios forenses presentes no corpo da vítima e em objetos, bem como no registro dos vestígios, verificando-se a atuação da enfermagem para garantir a integridade da cadeia de custódia, principalmente em situações de agressão, de ferimento com arma de fogo, violência sexual, abuso infantil e na assistência a vítimas de trauma.

Descritores:
Enfermagem; Enfermagem Forense; Prova Pericial; Enfermagem em Emergência; Emergências; Revisão

Abstract

Objective:

to map the scientific production on the preservation of forensic traces by Nursing professionals working in emergency services.

Method:

a scoping review, with searches for studies carried out in six databases, in the gray literature available in Google Scholar and in the references of the studies selected. For analysis, the data reduction method was adopted.

Results:

26 studies were included, organized into five categories: 1) Nursing professionals’ knowledge on the preservation of forensic traces; 2) Procedures performed by Nursing to preserve traces in the victim’s body; 3) Procedures performed by Nursing to preserve traces in the victim’s belongings/objects; 4) Procedures performed by Nursing to document traces; and 5) Actions to maintain the chain of custody performed by Nursing.

Conclusion:

the studies showed situations in which the emergency nurse may act in the preservation of forensic traces present in the victim’s body and in objects, as well as in the registration of traces, verifying the role of Nursing to ensure integrity of the chain of custody, especially in situations of aggression, firearm injury, sexual violence, child abuse and assistance to trauma victims.

Descriptors:
Nursing; Forensic Nursing; Expert Testimony; Emergency Nursing; Emergencies; Review

Resumen

Objetivo:

mapear la producción científica sobre la preservación de rastros forenses por profesionales de enfermería que trabajan en los servicios de emergencias.

Método:

revisión de alcance, con búsqueda de los estudios realizados en seis bases de datos, en la literatura gris disponible en Google Scholar y en las referencias de los estudios seleccionados. Para el análisis, se adoptó el método de reducción de datos.

Resultados:

se incluyeron 26 estudios organizados en cinco categorías: 1) Conocimiento de los profesionales de enfermería sobre la preservación de rastros forenses; 2) Procedimientos que realizan los enfermeros para preservar rastros en el cuerpo de la víctima; 3) Procedimientos que realizan los enfermeros para preservar rastros en las pertenencias/objetos de la víctima; 4) Procedimientos que realiza el personal de enfermería para documentar los rastros; y 5) Acciones que llevan a cabo los enfermeros para mantener la cadena de custodia.

Conclusión:

los estudios demostraron que hay situaciones en las cuales el enfermero de emergencias puede actuar para preservar los rastros forenses presentes en el cuerpo de la víctima y en los objetos, así como también registrar los rastros, lo que comprueba la actuación del enfermero para garantizar la integridad de la cadena de custodia, particularmente en situaciones de agresión, heridas con arma de fuego, violencia sexual, abuso infantil y asistencia a víctimas de trauma.

Descriptores:
Enfermería; Enfermería Forense; Testimonio de Experto; Enfermería de Urgencia; Urgencias Médicas; Revisión

Destaques:

(1) A enfermagem que atua na emergência contribui para preservar vestígios forenses.

(2) Existe lacuna de evidências brasileiras sobre preservação de vestígios na emergência.

(3) Vestígios no corpo da vítima e em objetos podem ser preservados pela enfermagem.

(4) Vestígios forenses encontrados pela enfermagem na emergência devem ser documentados.

Introdução

Os serviços de saúde de emergência atuam, com frequência, no atendimento às vítimas de situações de crime, por isso, possuem nesses ambientes privilegiada oportunidade para identificação, coleta e preservação de vestígios forenses^1-2. Esses vestígios podem incluir impressões digitais, palmares e plantares; elementos biológicos, como sangue, sémen, saliva, cabelo, ossadas, dentes, pelos, secreções vaginais; e físico-químicos, como substâncias químicas, projéteis, armas brancas, armas de fogo, objetos ou instrumentos cortantes e perfurantes^3-6.

O profissional de enfermagem, que encontra-se na linha de frente no atendimento aos pacientes na emergência, além das atribuições específicas para preservar a vida e reduzir sequelas, deve colaborar com a preservação dos vestígios presentes na vítima, no possível agressor, nos objetos e no local do crime³. Tais vestígios, de elevada presença na assistência de enfermagem na emergência, são elementos essenciais para o sucesso da investigação criminal e para integridade da cadeia de custódia, uma vez que tal cadeia consiste na manutenção e documentação de vestígios, desde sua identificação, coleta, posse e manuseio até o descarte¹.

A colaboração dos profissionais de enfermagem na investigação forense pode prevenir a perda ou destruição desnecessária de provas, entretanto, a lacuna de conhecimentos desses profissionais que atuam no serviço de emergência sobre a preservação adequada de vestígios, pode comprometer o trabalho da equipe pericial⁷.

Apesar da atuação frente às vítimas de crime ocorrer na prática da enfermagem, a maioria dos profissionais não tem acesso à informação sobre a temática³. A falta de formação ou de educação permanente sobre a preservação de vestígios forenses, conteúdo transversal à especialidade da Enfermagem Forense, resulta na não associação dos cuidados forenses como inerentes às ações da enfermagem na emergência².

Nesse contexto, conhecer a produção científica sobre a preservação de vestígios forenses pelos profissionais de enfermagem que atuam nos serviços de emergência é relevante, uma vez que poderá possibilitar, aos enfermeiros, o acesso à informação de cunho científico sobre a preservação dos vestígios, frente à crescente realidade de atendimentos de situações que envolvem crime nos serviços de emergência. Assim, aponta-se que este estudo permitirá a compilação e construção de novos conhecimentos, que podem ser utilizados na formação e capacitação de profissionais de enfermagem que atuam na emergência, para empoderá-los no que diz respeito à correta atuação frente às situações nas quais vestígios forenses necessitam ser preservados. Ademais, embora o foco da revisão seja a equipe de enfermagem, destaca-se que este estudo é de potencial interesse para a equipe multidisciplinar de saúde e gestores cuja atuação profissional permeie o contexto dos serviços de emergência.

Dessa forma, este estudo mapeou a produção científica sobre preservação de vestígios forenses pelos profissionais de enfermagem que atuam nos serviços de emergência.

Método

Tipo de estudo

Trata-se de revisão de escopo que seguiu as etapas recomendadas pelo Instituto Joanna Briggs (JBI)⁸ e do checklist Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)⁹. A revisão foi desenvolvida em cinco etapas a saber: identificação da questão da pesquisa; levantamento de estudos relevantes; seleção dos estudos; mapeamento dos dados; e apresentação dos resultados¹⁰.

Cenário do estudo

Esta revisão foi realizada em seis bases de dados: National Center for Biotechnology Information (NCBI/PubMed); Excerpta Medica Database (EMBASE); Cumulative Index to Nursing and Allied Healh Literature (CINAHL); Web of Science; Latin American and Caribbean Health Sciences Literature (LILACS) via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS); Índice Bibliográfico Español en Ciencias de la Salud (IBECS).

Período

O estudo foi realizado entre agosto e outubro de 2021.

População

A população do estudo foi composta pelos 190 artigos científicos encontrados nas buscas ocorridas nas bases de dados e na literatura cinzenta disponível no Google Scholar.

Critérios de seleção

Foram incluídos artigos com diferentes tipos de pesquisa, que abordassem a preservação de vestígios forenses por profissionais de enfermagem nos serviços de emergência, sem limitação de idioma e tempo de publicação. Para exclusão dos estudos, adotaram-se os critérios de tratar-se de carta ao editor, resumos de anais de eventos e de não apresentar informações que contemplassem a população, conceito e contexto de interesse deste estudo.

Variáveis do estudo

As variáveis do estudo foram: título do artigo; ano de publicação; país; periódico; idioma; objetivo; tipo de estudo; público estudado; tipo de agravo; local do vestígio (cena do crime, objetos e pertence, corpo da vítima ou outros); e informações sobre a preservação de vestígios forenses. Após a extração dos dados, houve comparação dos achados de ambos os revisores, solucionadas discrepâncias e as informações foram agrupadas em tabela única.

Instrumentos utilizados para a coleta das informações

As informações extraídas dos estudos foram registradas em instrumento de coleta de dados adaptado de formulário recomendado pelo JBI, organizado em planilha no Microsoft Excel 2001¹¹.

Coleta de dados

Em busca prévia no banco de dados da JBI, não foram encontradas revisões que investigassem a temática.

Para a elaboração da pergunta de pesquisa, utilizou-se do mnemônico PCC (População, Conceito e Contexto)⁸: P - profissionais de enfermagem, C - preservação de vestígios forenses e C - serviço de emergência. Dessa forma, a questão da pesquisa adotada foi: “Quais são as evidências científicas disponíveis sobre preservação de vestígios forenses pelos profissionais de enfermagem que atuam nos serviços de emergência?”

As buscas ocorreram em agosto de 2021, por meio do acesso remoto às bases de dados, a partir do registro no portal de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), via Comunidade Acadêmica Federada (CAFe), no login do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco (IFPE).

A partir da questão de pesquisa foram selecionados os descritores do Medical Subject Headings (MeSH), EMBASE Subject Headings (EMTREE), CINAHL Headings e Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Além disso, descritores não controlados foram utilizados, com vistas a ampliar a especificidade da busca.

A Figura 1 apresenta os descritores utilizados em cada base, bem como o emprego dos operadores booleanos na busca de alta sensibilidade.

Figura 1
Expressões das buscas nas bases de dados. Pesqueira, PE, Brasil, 2021

Base de dados	Expressão de busca
NCBI/PubMed*	(“Forensic Nursing”[MeSH Terms] OR “Emergency Nursing”[MeSH Terms] OR “Nursing”[MeSH Terms] OR “Nurses”[MeSH Terms]) AND (“Forensic Sciences”[MeSH Terms] OR “preservation, biological”[MeSH Terms] OR “Preservation of forensic traces”[All Fields]) AND (“Emergencies”[MeSH Terms] OR “Emergency Treatment”[MeSH Terms] OR “Emergency Medical Services”[MeSH Terms] OR “Emergency Relief”[All Fields])
EMBASE†	‘forensic nursing’/exp OR ‘emergency nursing’/exp OR ‘nursing’/exp OR ‘nurses’/exp AND ‘forensic sciences’/exp OR ‘preservation, biological’/exp OR ‘preservation of forensic traces’ AND ‘emergencies’/exp OR ‘emergency treatment’/exp OR ‘emergency medical services’/exp OR ‘emergency relief’
CINAHL‡	MH “Forensic Nursing” OR MH “Emergency Nursing” OR TX “Nursing” OR MH “Nurses” AND MH “Forensic Sciences” OR MH “preservation, biological” OR TX “Preservation of forensic traces” AND MH “Emergencies” OR MH “Emergency Treatment” OR MH “Emergency Medical Services” OR TX “Emergency Relief”
Web of Science	TÓPICO: (“Forensic Nursing”) OR TÓPICO: (“Emergency Nursing”) OR TÓPICO: (Nursing) OR TÓPICO: (Nurses) AND TÓPICO: (“Forensic Sciences”) OR TÓPICO: (“preservation, biological”) OR TÓPICO: (“Preservation of forensic traces”) AND TÓPICO: (Emergencies) OR TÓPICO: (“Emergency Treatment”) OR TÓPICO: (“Emergency Medical Services”) OR TÓPICO: (“Emergency Relief”)
LILACS§ IBECS‖	((mh:(“Forensic Nursing”)) OR (“Enfermagem Forense”) OR (“Enfermería Forense”) OR (mh:(“Emergency Nursing”)) OR (“Enfermagem em Emergência”) OR (“Enfermería de Urgencia”) OR (mh:(Nursing)) OR (Enfermagem) OR (Enfermería) OR (mh:(Nurses)) OR (“Enfermeiras e Enfermeiros”) OR (“Enfermeras y Enfermeros”)) AND ((mh:(“Forensic Sciences”)) OR (“Ciências Forenses”) OR (“Ciencias Forenses”) OR (mh:(“preservation, biological”)) OR (“Preservação Biológica”) OR (“Preservación Biológica”) OR (“Preservation of forensic traces”) OR (“Conservación de rastros forenses”) OR (“Conservación de rastros forenses”)) AND ((mh:(Emergencies)) OR (Emergências) OR (“Urgencias Médicas”) OR (mh:(“Emergency Treatment”)) OR (“Tratamento de Emergência”) OR (“Tratamiento de Urgencia”) OR (mh:(“Emergency Medical Services”)) OR (“Serviços Médicos de Emergência”) OR (“Servicios Médicos de Urgencia”) OR (“Emergency Relief”) OR (“Socorro de Urgência”) OR (“Socorro de Urgencia”))

• ^*
  NCBI/PubMed = National Center for Biotechnology Information; ^†EMBASE = Excerpta Medica Database; ^‡CINAHL = Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature; ^§LILACS = Latin American and Caribbean Health Sciences Literature; ^||IBECS = Índice Bibliográfico Español en Ciencias de la Salud

Os resultados obtidos nas bases foram exportados para o gerenciador de referências Rayyan, desenvolvido pelo Qatar Computing Research Institute (QCRI)¹², para retirada de duplicidades, seleção e triagem dos estudos, por dois pesquisadores, de forma independente e mascarada, sendo as divergências resolvidas com participação de terceiro examinador. Após a busca desenvolvida conforme a estratégia exposta anteriormente, procedeu-se à seleção dos estudos. Adicionalmente, houve busca na literatura cinzenta disponível no Google Scholar e foi feito levantamento de artigos potencialmente elegíveis nas listas de referências dos estudos selecionados. Ocorreu a leitura de títulos e resumos. Os estudos que atenderam aos critérios de inclusão foram analisados, via leitura dos manuscritos na íntegra. Por fim, realizaram-se buscas manuais nas referências dos estudos incluídos.

Tratamento e análise dos dados

Para análise, adotou-se o método de redução de dados, que visa classificar conceitualmente os resultados após leitura crítica¹³. Para o relato da revisão, seguiu-se o Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)⁹.

Aspectos éticos

Uma vez utilizados os estudos com acesso de domínio público, não houve necessidade de submissão do estudo ao Comitê de Ética em Pesquisa.

Resultados

Foram identificados 190 artigos, desses 111 na EMBASE, 73 na PubMed, três na Web of Science e três por meio de consulta ao Google Scholar. Nas bases CINAHL, LILACS, BVS e IBECS não foram identificados estudos na busca para constituir a amostra. Após exclusão dos estudos duplicados, 126 artigos foram avaliados para elegibilidade pelos pesquisadores, permanecendo 26 artigos conforme fluxograma da Figura 2.

Figura 2
Fluxograma do processo de seleção dos artigos para a revisão de escopo. Pesqueira, PE, Brasil, 2021

Os 26 artigos analisados foram publicados em língua inglesa. Quanto aos países de desenvolvimento dos estudos, houve predomínio dos Estados Unidos com 16 (61,5%), três foram oriundos do Canadá (11,5%), dois (7,7%) do Brasil, dois (7,7%) da Turquia, um (3,8%) da Austrália e um (3,8%) da Suécia. Dos estudos selecionados, 12 (46,2%) eram transversais, três (11,54%) eram revisões narrativas, dois (7,6%) consistiam em revisão de literatura, dois (7,6%) eram longitudinais retrospectivos, um (3,8%) era relato de experiência, um (3,8%) estudo de caso, um (3,8%) de corte observacional prospectivo, um (3,8%) descritivo (piloto), um (3,8%) retrospectivo, um (3,8%) reflexivo e um (3,8%) de comunicação breve. As características dos estudos são apresentadas na Figura 3.

Figura 3
Características dos estudos que integraram a amostra da revisão de escopo, segundo título do artigo, revista/pais, desenho do estudo, participantes e/amostras. Pesqueira, PE, Brasil, 2021

País/Ano de publicação	Periódico	Desenho do estudo	Participantes
Estados Unidos/199114	Crititical Journal Care Nursing	Revisão narrativa	Enfermeiros forenses
Estados Unidos/199615	Tennessee Nurses Association	Transversal	Profissionais de saúde da emergência
Estados Unidos/199816	Journal of Emergency Nursing	Relato de experiência	Equipe de resposta à agressão sexual
Canadá/199917	Accident and Emergency Nursing	Estudo de caso	Enfermeira da emergência e um policial
Austrália/200418	Accident and Emergency Nursing	Revisão de literatura	Enfermeiros de emergência
Canadá/200519	Journal of Forensic Nursing	Transversal	Enfermeira examinadora de agressão sexual
Estados Unidos/200520	Trauma, Violence & Abuse	Revisão de Literatura	Examinadores de enfermagem de agressão sexual
Estados Unidos/200721	The Journal of Emergency Medicine	Coorte observacional prospectivo	Enfermeiros de emergência
Estados Unidos/200822	Journal of Forensic Nursing	Descritivo (piloto)	Enfermeiras da emergência e da unidade de terapia intensiva
África do Sul/200923	Journal of Emergency Nursing	Transversal	Enfermeiros de emergência da África do Sul
Canadá/200924	Journal Of Emergency Nursing	Retrospectivo	Enfermeiros de emergência
Estados Unidos/201025	Critical Care Nursing	Revisão narrativa	Enfermeiros de trauma da emergência e salas de operação
Estados Unidos/201026	Critical Care Nursing	Transversal	Enfermeiras de emergência
Estados Unidos/201227	Journal of Forensic Nursing	Transversal	Médicos e enfermeiras do setor de Emergência
Estados Unidos/201228	Journal of Forensic Nursing	Longitudinal retrospectivo	Examinadores de enfermagem de agressão sexual pediátrica
Estados Unidos/201429	Journal of Emergency Nursing	Reflexivo	Enfermeiros de emergência
Suécia/201430	Journal of Clinical Nursing	Transversal	Enfermeiros de emergência
Estados Unidos/201531	Critical Care Nursing	Longitudinal retrospectivo	Enfermeiras de emergência e da Unidade de Terapia Intensiva
Turquia/20156	Turkish Journal of Emergency Medicine	Transversal	Enfermeiros, Técnico de ambulância e Médicos emergencistas
Estados Unidos/201532	Critical Care Nursing	Transversal	Enfermeiros de emergência
Estados Unidos/201633	Journal of Forensic Nursing	Revisão narrativa	Enfermeira e profissionais de saúde da emergência
Estados Unidos/201834	Emergency Nurses Association	Comunicação breve	Enfermeiros de emergência.
Brasil/20197	Forensic Science International	Transversal	Profissionais do pronto-socorro do Hospital de Urgência de Sergipe
Estados Unidos/202035	Journal of Forensic Nursing	Transversal	Profissionais de saúde do departamento de emergência
Turquia/202036	Signa Vitae	Transversal	Enfermeiros de emergência
Brasil/ 202037	Society of Trauma Nurses	Transversal	Enfermeiros do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência

A Figura 4 detalha os objetivos dos estudos, e os principais resultados sobre preservação de vestígios abordados por profissionais da saúde em serviços de emergência.

Figura 4
Objetivos e sínteses dos principais resultados encontrados nos estudos. Pesqueira, PE, Brasil, 2021

Objetivo	Principais Resultados
Abordar o papel da enfermagem dentro de um departamento de emergência e o impacto final em casos forenses com as evidências preservadas14.	Os profissionais de emergência são responsáveis pela avaliação, coleta, documentação, e seguem corretamente com a cadeia de custódia.
Apresentar como é realizada a coleta de evidencias no departamento de emergência em uma situação de agressão sexual15.	É necessário avaliar, conhecer os rudimentos de coleta, armazenamento de evidência física, documentar lesões por meios fotográficos, evitar a degradação biológica e dar seguimento a cadeia de custódia.
Abordar obstáculos enfrentados para implantação da equipe de resposta a agressões sexuais16.	Os obstáculos foram financiamento, composição da equipe e treinamento adequado dos profissionais foram os maiores desafios.
Descrever as funções do enfermeiro forense no departamento de emergência17.	Reconhecer potencial situação forense, prosseguir com a coleta, preservação, documentação completa de sinais objetivos e subjetivos, dar seguimento na cadeia de custódia, notificar parentes mais próximos, ver o elo de ligação entre paciente, médico e investigador.
Revisar a literatura relacionada ao reconhecimento e coleta de materiais forenses em departamentos de emergência por enfermeiros18.	O reconhecimento e coleta de evidências deve ser realizado pelos enfermeiros para encaminhar às autoridades. Esses profissionais devem identificar vestígios físicos e não físicos, fazer a documentação e manutenção da cadeia de custódia.
Avaliar a prática clínica de enfermagem como examinadora de agressão sexual um centro de atendimento de urgência de ataque sexual19.	A prática consistiu na avaliação física, coleta de evidências e documentação de agressão e ferimentos, rastreio de Infecções Sexualmente Transmissíveis e gravidez, fornecer tratamento e medicamentos, e testemunhar em tribunal.
Avaliar os programas da enfermagem como examinadora de agressão sexual20.	Foi fornecido atendimento médico 24 horas por dia para sobreviventes de estupro. A minoria das vítimas recebia informação para compreensão dos serviços médicos, como risco de gravidez, contracepção para prevenir a gravidez e sobre o risco de Infecções Sexualmente Transmissíveis.
Comparar a coleta de examinadores de agressão sexual (SANE*) em kits de evidências padronizados, com outros departamentos de emergência sem o SANE*(21.	Os examinadores treinados no programa SANE* realizam coleta mais completa e mais compatível com os padrões de evidências forenses.
Avaliar nível de instrução dos enfermeiros de trauma de prática clínica em um centro de trauma22.	Profissionais do pronto socorro receberam mais instruções de protocolos forenses sobre a manutenção da cadeia de custódia, coleta de evidências e documentação de alta qualidade.
Descrever a percepção da importância dos comportamentos de papéis forenses desempenhados por enfermeiros em departamentos de emergência23.	Em casos de abuso físico infantil, deve-se identificar e realizar a prática forense. Esta é uma das principais funções desempenhadas pelos enfermeiros forenses.
Avaliar o impacto da introdução de um programa de agressão sexual e violência doméstica no departamento de emergência com coleta de evidências forenses24.	Houve aumento expressivo na realização de exames pélvicos, no uso do kit forense, e na cadeia forense. Diminuíram as taxas de lesões anogenitais, de gravidez e das Infecções Sexualmente Transmissíveis. O fluxo no departamento de emergência foi otimizado.
Desenvolver um conjunto de diretrizes baseadas em evidências para coleta de evidências forenses25.	As diretrizes abordam uso de equipamentos pelos profissionais; uso do kit de coleta de evidências; avaliação física geral do paciente; coleta adequada de fluidos, pertences e materiais; armazenamento e documentação adequada, uso de fotografias; coleta de evidências deixadas pela vítima durante sua avaliação.
Descrever os tipos de evidências forenses de ferimentos por arma de fogo e descrever o papel dos enfermeiros no tratamento das vítimas de ferimentos a bala26.	As principais evidências em vítima por arma de fogo são as roupas, balas, pólvoras e primer. A enfermagem tem o papel de atuar na clínica, na comunicação e colaboração com as autoridades.
Descrever e comparar o conhecimento forense, prática e experiências de enfermeiras e médicos da emergência27.	Os médicos e os enfermeiros têm o mesmo nível de conhecimento, e demonstraram confiança na coleta e documentação de possíveis evidências.
Comparar a qualidade de indicadores de atendimento em um departamento de emergência pediátrica antes e depois a implementação de um programa de examinadores de enfermagem de agressão sexual pediátrica28.	A implementação do programa maximizou os cuidados, reduziu o tempo de atendimento, aumentou a coleta de kits de violência sexual, a avaliação e documentação de teste de gravidez e Infecções Sexualmente Transmissíveis.
Mostrar o papel da coleta e preservação das evidências como competência da enfermagem do departamento de urgência29.	Para coleta e preservação deve ocorrer evidência informativa, (histórias, expressões, odores); evidências físicas tangíveis (macroscópica e/ou microscópica) mediante protocolos e técnicas, com uso de kits forenses; para estabelecimento da cadeia de custódia.
Descrever os pontos de vista dos enfermeiros sobre os cuidados forenses prestados às vítimas de violência e suas famílias nos departamentos de emergências30.	A maioria sabia sobre os protocolos de atendimento, cooperavam com as autoridades e envolviam as famílias no processo de cuidado da vítima.
Identificar as categorias de pacientes forenses na unidade de terapia intensiva, unidade de cuidados intensivos e departamentos de emergência31.	A identificação de 27 categorias de pacientes forenses permitiu reconhecer, documentar e coletar evidências de forma correta de acordo com cada lesão, antes de oferecer os cuidados necessários para as feridas do paciente.
Avaliar profissionais que trabalhavam em 112 postos de emergência sobre como agir em casos forenses6.	A maioria dos profissionais não soube reconhecer, preservar, proteger e não comunicaram adequadamente as autoridades.
Descrever a necessidade de relacionamento colaborativo entre a prática avançada da enfermagem forense no departamento de emergência e ambientes de cuidados intensivos32.	Os enfermeiros são a ligação entre o paciente, o sistema de saúde e a lei. Têm como função o reconhecimento, coleta, documentação, foto documentação e preenchimento de relatórios, para que as provas sejam entregues às autoridades.
Abordar incidentes com atiradores ativos nos Estados Unidos em locais públicos, inclusive hospitais33.	Reação espontânea, ações pós-evento e procedimentos de coleta de evidências devem fazer parte das ações contínuas dos enfermeiros de emergência.
Definir os cuidados de enfermagem em casos de trauma sobre a coleta e a preservação de evidências forense no departamento de emergência34.	A enfermeira deve reconhecer o impacto do trauma no paciente, reconhecimento precoce de evidências, de modo que a coleta e preservação faça parte do plano de cuidados, colaborar com outros profissionais da emergência e orientar a privacidade e os direitos dos pacientes.
Investigar o conhecimento e prática dos profissionais da emergência sobre os processos forenses durante os atendimentos às vítimas de violência7.	Metade desconhecia os procedimentos de coleta, documentação e preservação. Não havia o hábito de coletar e documentar objetos presentes no corpo da vítima, materiais hospitalares e dispositivos usados durante os procedimentos.
Determinar os níveis de conhecimento de profissionais de saúde do departamento de emergência no tratamento de casos forenses frequentemente encontrados35.	Existia baixo nível de treinamento forense e os profissionais, que não estão preparados para realização das práticas, devem fazer o próprio registro de identificação para as autoridades.
Determinar o nível de conhecimento de profissionais da enfermagem quanto à abordagem a casos e provas forenses36.	Os profissionais de enfermagem não tinham conhecimentos e competência técnica em realizar tarefas forenses, uma vez que não receberam treinamento adequado para tal, por isso achavam que o papel seria da polícia.
Avaliar a relação entre conhecimento dos enfermeiros e desempenho de procedimentos de evidências forenses37.	A maioria dos enfermeiros conheciam os itens para documentação, e realizavam na prática. Apenas 10,2% conheciam os procedimentos de preservação e coleta de evidências, porém, menos de 1% praticava.

• ^*SANE = Sexual Assault Nurse Examiner

O escopo da produção científica sobre preservação de vestígios forenses pelos profissionais de enfermagem dos serviços de emergência segue apresentado em cinco categorias: 1) Conhecimento dos profissionais de enfermagem acerca da preservação de vestígios forenses^{14,16-17,20-22,25-27,29-30,34-35,37}; 2) Procedimentos realizados pela enfermagem para preservação de vestígios no corpo da vítima^{6-7,15,18,20-21,24-26,28-36}; 3) Procedimentos realizados pela enfermagem para preservação de pertences/objetos da vítima^{14-15,18,23,25-26,29,32-33,35-36}; 4) Procedimentos realizados pela enfermagem para documentação dos vestígios^{19,21,24-29,31-37}; e 5) Ações de manutenção da cadeia de custódia realizada pela enfermagem^7,16-17,25. A síntese da produção científica é apresentada na Figura 5.

Figura 5
Principais recomendações citadas para a preservação dos vestígios forenses pelos profissionais de saúde. Pesqueira, PE, Brasil, 2021

Conhecimento dos profissionais de enfermagem acerca da preservação de vestígios forenses

● Segurança dos profissionais

- Usar Equipamentos de Proteção Individual.

● Arma de fogo

- Remover o projétil do corpo do paciente.

● Sinais de abuso infantil

- Identificar o abuso físico e emocional.

- Coletar para fins de investigação.

● Trauma

- Construir/seguir protocolos forenses de coleta e identificação de evidências na emergência e na Unidade de Terapia Intensiva.

● Agressão sexual

- Usar diagramas de feridas na coleta de evidências.

- Coletar material biológico com kit de agressão sexual.

Procedimentos realizados pela enfermagem para preservação de vestígios no corpo da vítima

● Arma de fogo

- Envolver as mãos do atirador em um saco de papel para a coleta de pólvora e prime.

- Fotografar feridas.

- Não puncionar acesso intravenoso nas mãos do possível agressor.

- Secar ao ar livre e armazenar em saco de papel o primeiro curativo em ferimentos por arma de fogo.

● Violência em geral

- Coletar sangue antes da administração de cristalóides, medicamentos ou hemoderivados.

- Armazenar em latas ou em garrafas vazias o conteúdo gástrico;

- Em casos de mordidas, coletar a ferida com cotonetes umedecidos e fotografar o local da lesão.

- Coleta de saliva com cotonete estéril e úmido, na língua e bochecha.

- Coletar e armazenar água de enxágue bucal.

- Circular com marcador e fotografar feridas ou lesões.

● Trauma

- Usar iodopovidona para preparar o local da punção.

- Realizar avaliação cefalocaudal na vítima.

- Fotografar cada ferida com o uso de escala antes e após procedimentos.

- Coletar amostra do cabelo.

- Coletar secreções secas ou molhadas próximo ou não das lesões.

- Coletar salivas com cotonetes umedecidos com água estéril.

● Agressão sexual

- Inspecionar a superfície superior das coxas e fotografar lesões.

- Secar ao ar livre e congelar material de esfregaço vaginal, reto e boca, separadamente.

- Registrar visualmente respingos de sangue, de esperma e de amostra de cabelos.

- Coletar fios de cabelos da cabeça e do púbis.

- Proteger unhas para avaliação pericial.

- Caso ocorra raspagens das unhas, armazenar de forma asséptica.

- Realizar exame pélvico em abordagem multidisciplinar com médico.

- Permitir o banho de chuveiro após a coleta e documentação das lesões.

● Atropelamentos

- Armazenar em sacos de papel os cacos de vidros na vítima ou nos lençóis da maca hospitalar.

- Coletar com adesivos tintas, sujeiras, vegetação, tecido, unhas, insetos ou detritos desconhecidos.

Procedimentos realizados pela enfermagem para preservação de vestígios em objetos

● Roupas da vítima

- Remover sem cortes nos orifícios de arma de fogo, branca ou rasgões.

- Cortar ao longo das costuras, e armazenar em um saco de papel.

- Fotografar manchas de sangue nas roupas.

- Não permitir acesso e manuseio das famílias e/ou amigos.

- Deixar secar em temperatura ambiente, se não for possível, manter a sacola aberta e avisar a polícia.

- Despir o paciente com o uso de folhas de papel a fim de encontrar fios de cabelo e sujeiras.

● Lençóis

- Deixar secar em temperatura ambiente.

- Armazenar lençol da maca hospitalar em sacos de papel separados.

● Sapatos

- Armazenar cada peça de sapato em embalagem distinta.

Procedimentos realizados pela enfermagem para documentação dos vestígios

- Registrar a condição do paciente.

- Realizar intervenção terapêutica.

- Preservar provas forenses.

- Relatar lesões às autoridades competentes.

● Arma de fogo

- Observar e documentar a presença de fuligem e pó.

- Documentar/registrar a descrição das lesões encontradas.

- Documentar/registrar a localização do(s) projétil(eis) recuperado(s).

- Documentar/registrar coleta de arma de fogo.

- Manusear arma com luvas e armazenar em saco de papel.

- Manusear projéteis, preferencialmente, com pinças.

- Armazenar projétil recolhido do corpo do paciente em copo plástico com gazes.

- Armazenar cada projétil em um recipiente distinto.

- Identificar o recipiente com os dados do paciente.

● Armas de ponta afiada

- Manusear com o uso de luvas.

- Armazenar cada arma em um recipiente distinto.

- Armazenar agulhas removidas em recipientes de vidro vazio.

● Trauma

- Documentar/registrar as declarações dos pacientes com precisão.

- Documentar/registrar localização, tamanho e aparência das lesões e das intervenções médicas.

- Documentar/registrar aparência, comportamento, atitudes e preocupações do paciente.

- Documentar/registrar odores incomum.

● Agressão sexual

- Kit de coleta de agressão sexual pode ser congelado por até 6 meses.

Ações de manutenção da cadeia de custódia realizadas pela enfermagem

● Cuidados com objetos coletados

- Lacrar todos os recipientes com fitas adesivas, etiquetar com o nome do coletor, data e hora da coleta.

- Não descartar os projéteis ou qualquer item que constitua evidência.

- Entregar as armas à polícia.

● Cuidados com registro dos fatos

- Preencher o formulário de cadeia de custódia, com todas as informações de transferência de objetos.

Discussão

A preservação de vestígios forenses é fundamental para resolução do caso e os profissionais de enfermagem são relevantes atores nesse processo, pois, dentro dos serviços de saúde de emergência, são os primeiros a receberem as vítimas envolvidas em situações de crime. Além de prestar assistência em saúde, a enfermagem também tem a função de identificar, coletar, armazenar, documentar e dar seguimento à cadeia de custódia, o que contribui com a efetividade do cuidado prestado às vítimas e à justiça⁷. Desse modo, o conhecimento e a capacidade técnica em enfermagem forense precisam ser ampliados, e a divulgação do mapeamento da produção científica nessa área contribui para isso.

Destaca-se, entretanto, que, apesar de estratégias gerais como inserção do conteúdo forense desde a formação e capacitação dos profissionais já formados serem relevantes, a translação do conhecimento deve ser adaptada às particularidades regionais, dada a heterogeneidade do contexto brasileiro. Para tal, aponta-se necessidade de pesquisas que investiguem o processo de ensino-aprendizagem sobre a temática, nas variadas realidades brasileiras, para que haja subsídio para a prática baseada em evidência na capacitação dos profissionais acerca dos aspectos forenses.

A maioria dos estudos desta revisão correspondem à realidade internacional da atuação do enfermeiro frente às situações forenses, uma vez que a enfermagem forense não é a realidade em todos os países. No Brasil, apesar de as entidades de classe da enfermagem reconhecerem a enfermagem forense, a sua real prática nos serviços de saúde ainda necessita de vasta ampliação. A realidade nacional encontrada na amostra explicita baixa implementação da maioria das ações relacionadas à preservação de vestígios, relacionada a incipiência da inclusão desse tema desde a formação desses profissionais, até a educação permanente⁷. Nesse sentido, os procedimentos adotados em outros países, precisam ser implementados em países em que o cenário forense não é rotina na atuação da enfermagem, como ocorre no Brasil. Assim, ratifica-se a urgente necessidade de inclusão de conteúdo forense nos currículos dos cursos técnicos, das graduações e especializações em enfermagem brasileiras. Além disso, aponta-se necessidade da ampliação e fortalecimento da luta da classe para que haja obrigatoriedade legal quanto à inserção de enfermeiros forense nos serviços de emergência, para que estes possam atuar nos casos de crime, na educação permanente dos profissionais e colaborar com melhorias gerenciais que favoreçam a preservação de vestígios.

Destacou-se nos estudos a falta de treinamento, conhecimento e competência técnica para as tarefas forenses pela maioria dos enfermeiros atuantes na emergência. Aqueles que tinham algum nível de conhecimento forense, não dominavam todas as etapas dos processos de preservação, o que causava insegurança^18,34-37. Na Turquia, esse cenário também foi identificado, 80% das enfermeiras que atendiam casos forenses conseguiam diferenciar tipos de evidências, porém, não sabiam realizar a coleta, o armazenamento e encaminhar para as autoridades competentes⁶. Nesse contexto, urge a necessidade de educação permanente e continuada que objetive capacitar a enfermagem de emergência não só para atuação em temas que são geralmente abordados, como o atendimento às vítimas de trauma e de emergências clínicas, mas que coadune com a capacitação para assistência de enfermagem aos casos que envolvem crime, com correta preservação dos vestígios forenses. Para tal, os conteúdos forenses devem ser inseridos como obrigatórios nos treinamentos e atualizações profissionais, devem passar a ser cobrados em processos seletivos, em provas de residência e concursos da área, para que haja também procura e interesse dos profissionais pelos conteúdos, de forma que se tornem agentes do processo pedagógico.

No tocante à preservação de vestígios, os contextos mais destacados nos estudos foram sobre a segurança dos profissionais, da preservação dos vestígios em crimes por arma de fogo, identificação dos sinais de abuso infantil, reconhecimento de vestígios nos casos de trauma e de agressão sexual^{7,18,20-22,25,27,29,34-35,37}. Infere-se que a enfermagem tem capacitação para priorizar aspectos fisiológicos, farmacológicos, e procedimentais de tais temas, que podem até envolver questões subjetivas, como a humanização. Entretanto, podem desconhecer os desdobramentos judiciais das suas ações assistenciais, de forma que descartam provas relevantes para investigação criminal. Tal fato foi observado em pesquisa realizada na Nova Zelândia, que investigou enfermeiros do departamento de emergência e cujos resultados mostraram limitado conhecimento sobre a legislação criminal e que 84% relataram considerar o tema importante para sua prática profissional³⁸. Estes achados apontam necessidade de maior aproximação intersetorial e interdisciplinar da enfermagem com os aspectos jurídicos transversais ao cuidar em saúde na emergência. Tal aproximação apresenta-se como atribuição e responsabilidade dos docentes de enfermagem e dos profissionais que, no contexto brasileiro, recomendam/determinam o perfil da formação da profissão nas Diretrizes Curriculares Nacionais.

O ensino para preservação de vestígios para os enfermeiros da emergência, além de permitir compreender os processos em casos forenses, possibilita a melhoria nos cuidados ao paciente. Entretanto, a capacitação sobre esta temática para a enfermagem é escassa, inclusive pela lacuna de articulação intersetorial com a segurança pública^7,18,34-36. Nos Estados Unidos, é comum a oferta de cursos de capacitação online, que já mostraram aumento de 25% no conhecimento dos participantes³⁹. Logo, aponta-se pertinência de novos estudos que abordem a construção, validação, aplicação e comparação de estratégias de ensino sobre a temática, para direcionar a tomada de decisão dos profissionais envolvidos na educação e capacitação dos profissionais da enfermagem.

Quanto aos procedimentos de preservação de vestígios no corpo da vítima, os estudos incluídos nesta revisão apresentaram informações desse procedimento nos mais variados cenários de crimes, como nos casos de violência por arma de fogo, trauma, agressão sexual, e atropelamentos. Os achados corroboram com revisão de literatura que aponta a importância das informações contidas nos vestígios do corpo da vítima e do agressor, que devem ser coletadas durante o exame físico, e precisam ser cuidadosamente armazenadas e documentadas, para esclarecimentos na investigação criminal¹. A implementação dessas práticas implica a preservação eficaz, rica em materiais e com menor risco de contaminação e é relevante pois o corpo consiste em área exposta a constante alteração, tanto pela dinâmica fisiológica e metabólica, quanto pelas ações inerentes à rotina de autocuidado, como banho e higiene pessoal.

Para atendimento integral às vítimas de agressão sexual, é fundamental exame físico detalhado. O programa Sexual Assault Nurse Examiners (SANE), presente em algumas emergências de serviços de saúde dos Estados Unidos, possui enfermeiras especializadas no atendimento a vítimas de agressão sexual, e estabelece o uso de protocolo e kits de evidências forenses, necessários para coleta de vestígios^{15,19,21,24,28}. O programa também atua com medidas preventivas às vítimas, que inclui testes de gravidez, contracepção gestacional de emergência e administração de medicamentos profiláticos para Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), bem como os contraceptivos de emergência, acompanhamento profissional clínico e psicológico por 72 horas, além do armazenamento do kit de evidências por até seis meses, até que a vítima decida utilizar seu conteúdo^40-41. Salienta-se que é oportuno que a enfermagem brasileira e o Conselho Federal de Enfermagem, implementem iniciativa semelhante, em articulação com a polícia de investigação pericial criminal, para otimizar o atendimento e corroborar com a visão holística do cuidar em enfermagem e com a equidade e resolubilidade preconizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

No contexto da preservação de pertences/objetos da vítima, destaca-se a importância das vestimentas como uma das principais fontes de vestígios, pois, podem conter aspectos e componentes físicos e biológicos que ajudem a elucidar o crime. No entanto, as roupas costumam ser descartadas ou descaracterizadas nos atendimentos de emergência. Estudo realizado nos Estados Unidos destacou a importância das roupas em vítimas de perfurações por arma de fogo e a riqueza de informações que podem apresentar sobre o suspeito do crime, a vítima, a arma utilizada e a dinâmica adotada na cena, visto que, por exemplo, a pólvora pode encontrar-se depositada no tecido e o padrão de respingos de sangue e dos orifícios podem determinar o padrão de entrada e saída do projétil, o que pode permitir inferir, inclusive, a posição dos envolvidos no momento do disparo⁴². Assim, o profissional de enfermagem precisa reconhecer os tipos de vestígios no paciente, como também saber como proceder com os pertences e roupas que chegam à emergência, pois estes contêm relevantes informações do ocorrido e precisam ser preservados.

Os estudos da amostra apontaram a preservação de vestígios realizados por enfermeiros da emergência, ocorridos em sapatos, lençóis e outros objetos da vítima^{17-18,23,25,29,33,35-36}. Esses achados diferem do encontrado em estudo realizado no Brasil, cujos resultados mostraram que, apesar dos profissionais da enfermagem reconhecerem a necessidade preservação de vestígios, ela não ocorria em tais itens, pela inexistência de rotina e pela ausência de documentação/registro acerca de objetos e pertences da vítima^7,23. Assim, percebe-se que para fortalecer a prática no território brasileiro, é necessário a construção e implementação de protocolos institucionais, para melhor nortear a prática forense pelos enfermeiros que atuam nos serviços de emergência.

Após a etapa de coleta, a documentação dos vestígios deve ser feita de maneira minuciosa e atenciosa pela enfermagem, pois, por meio desse procedimento será possível estruturar informações e construir argumentos a serem analisados para resolução do crime. Foram identificados, na presente revisão, conteúdos que contemplam ações que vão desde o registro acerca da condição do paciente, até o detalhamento do registro sobre os objetos encontrados^{19,21,24-25,27,29,32-35}. Tais ações vão de encontro a estudo realizado em Portugal, que destaca a relevância do detalhamento da documentação e registro, que deve ser descritiva e acompanhada de registro fotográfico⁴³. A etapa da documentação/registro, com riqueza de detalhes, apesar de ser associada, muitas vezes, à rotina burocrática e cansativa, não só contribui para que a justiça ocorra mediante resolução de um crime, mas também culmina em respaldo jurídico para o exercício profissional da enfermagem e pode ser triangulada com o relato/testemunho do profissional, caso seja convocado para prestar depoimento às autoridades policiais e/ou judiciais.

Na vertente da cadeia de custódia, o seguimento das etapas causa preocupação aos enfermeiros, pois, não consiste apenas no armazenamento das provas em recipientes lacrados e etiquetados, mas também na entrega de armas e projéteis aos autores da lei e no registro, mediante carimbo e assinatura, de todas as informações contidas ali^7,17,25. Relato de caso para a implementação do curso SANE no Brasil apontou que as ações dos enfermeiros podem contribuir com a idoneidade da cadeia de custódia nos serviços de saúde⁴⁴. No caso da Arábia Saudita, a preocupação dos enfermeiros com as responsabilidades legais, diante de casos forenses, mostrou-se como barreira para manutenção da cadeia de custódia⁴⁵. Dessa forma, destaca-se que o esclarecimento sobre as etapas que integram a cadeia de custódia, bem como da importância do papel do enfermeiro para sucesso de tal cadeia é relevante para conscientização e sensibilização dos profissionais, sobre a necessidade e importância da sua correta atuação.

Os achados deste estudo poderão contribuir com a multiplicação da informação sobre tema pouco explorado na realidade brasileira, fornecer a argumentação sobre a necessidade de articulação intersetorial e interdisciplinar entre saúde e segurança, favorecer a condução de novas investigações na área, com vistas a promover o desenvolvimento de protocolos forenses nas instituições de saúde e implementar capacitação dos profissionais de enfermagem nos serviços de emergência.

Apontam-se como limitações desta revisão de escopo a heterogeneidade metodológica dos estudos encontrados, o que restringiu a possibilidade de comparação dos resultados e a incipiência de estudos sobre a preservação de vestígios forenses realizados pela enfermagem que atua especificamente no contexto da emergência pré-hospitalar.

Conclusão

Esta revisão de escopo possibilitou mapear evidências sobre a preservação de vestígios forenses pelos profissionais de enfermagem nos serviços de emergência. As evidências brasileiras sobre o tema são limitadas. Os estudos levantados apontaram, principalmente no cenário internacional, limitação de conhecimento dos profissionais de enfermagem acerca da temática, quer seja nos procedimentos realizados pela enfermagem para preservação de vestígios no corpo da vítima, em pertences e objetos, na documentação dos vestígios e/ou nas ações de manutenção da cadeia de custódia realizada pela enfermagem, principalmente em situações de agressão, de ferimento com arma de fogo, violência sexual, abuso infantil e na assistência às vítimas de trauma.

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Editado por

Editora Associada

Maria Lúcia Zanetti

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  08 Jul 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  24 Nov 2021
• Aceito
  02 Fev 2022