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Anticoagulação oral: impacto da terapia na qualidade de vida relacionada à saúde ao longo de seis meses

Resumos

OBJETIVO: estudar as mudanças na qualidade de vida relacionada à saúde do início da anticoagulação oral ao final de seis meses dessa terapia, e estudar as associações das características sociodemográficas e clínicas com as medidas de qualidade de vida e estado de saúde geral seis meses após o início do tratamento, em indivíduos com diversas indicações clínicas para anticoagulação oral. MÉTODO: estudo prospectivo realizado em um município do Paraná, Brasil, avaliando 78 pacientes. Foram utilizados os instrumentos Duke Anticoagulation Satisfaction Scale e Medical Outcomes Survey Short Form SF-36. RESULTADOS: a idade média foi 57 anos (D.P.= 16) e 54% eram mulheres. Comparado com o início da terapia, houve melhora estatisticamente significante na qualidade de vida relacionada à saúde aos seis meses de seguimento. Os modelos de regressão linear explicaram 32% e 30%, respectivamente, da variância do Duke Anticoagulation Satisfaction Scale e do estado geral de saúde. Houve melhora em todos os componentes do SF-36, exceto Saúde Mental. CONCLUSÃO: O uso do anticoagulante oral foi associado à melhora da qualidade de vida relacionada à saúde nos seis meses de acompanhamento. Por ser longitudinal, esse estudo tem menos limitações que os estudos transversais publicados na área da Enfermagem brasileira até o momento.

Anticoagulantes; Qualidade de Vida; Evolução Clínica; Enfermagem


OBJECTIVE: to study the changes in health-related quality of life from beginning of anticoagulation therapy to six-month follow-up, and to study associations of sociodemographic and clinical characteristics with measures of quality of life and general health status at six-month follow-up, in individuals using oral anticoagulation due to various medical indications for the therapy. METHOD: prospective study performed at a city in the state of Paraná, Brazil, composed of 78 patients. Measures included the Duke Anticoagulation Satisfaction Scale and the Medical Outcomes Survey Short Form SF-36. RESULTS: mean age was 57 years (S.D.= 16) and 54% were women. Compared to the beginning of therapy, there was a statistically significant improvement in health-related quality of life at six-month follow-up. Linear regression analyses explained 32% and 30%, respectively, of the variance of the Duke Anticoagulation Satisfaction Scale and of the general health status. There was improvement in all components of the SF-36, except Mental Health. CONCLUSION: The use of oral anticoagulation therapy was associated with improvement in health-related quality of life in the first six months of therapy. This study is longitudinal and therefore, has fewer limitations than cross-sectional studies published to date in the Nursing literature in Brazil.

Anticoagulants; Quality of Life; Clinical Evolution; Nursing


OBJETIVO: Estudiar los cambios en la calidad de vida relacionada con la salud desde el inicio de la anticoagulación oral y al final de seis meses de tratamiento, y estudiar las asociaciones de las características sociodemográficas y clínicas con las medidas de calidad de vida y salud general seis meses después de iniciar la terapia, en pacientes con diversas indicaciones clínicas de anticoagulación oral. MÉTODO: Se realizó un estudio prospectivo en una ciudad de Paraná, Brasil, evaluando 78 pacientes. Las herramientas aplicadas fueron la Duke Anticoagulation Satisfaction Scale y el Medical Outcomes Survey Short Form SF-36. RESULTADOS: La edad promedia fue de 57 años (D.E.=16) y el 54% era mujer. En comparación con el inicio de la terapia, se observó una mejoría estadísticamente significativa en la calidad de vida relacionada con la salud tras seis meses de seguimiento. El análisis de regresión representó el 32% y 30%, respectivamente, de la varianza de la Duke Anticoagulation Satisfaction Scale y la salud general. Hubo una mejora en todos los componentes del SF-36, excepto la Salud Mental. CONCLUSIÓN: El uso de anticoagulantes orales se asocia con una mejoría en la calidad de vida relacionada con la salud tras seis meses de seguimiento. Debido a su diseño longitudinal, este estudio trae menos limitaciones que los estudios transversales publicados en la Enfermería brasileña hasta ahora.

Anticoagulantes; Calidad de Vida; Evolución Clínica; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Anticoagulação oral: impacto da terapia na qualidade de vida relacionada à saúde ao longo de seis meses

Ariana Rodrigues da Silva CarvalhoI; Márcia Aparecida CiolII; Felice TiuIII; Lídia Aparecida RossiIV; Rosana Aparecida Spadoti DantasV

IPhD, Professor Adjunto, Universidade Estadual do Oeste do Paraná Brasil

IIPhD, Professor Associado, School of Medicine, University of Washington, Estados Unidos

IIIMS, Mathemathics & Statistics Faculty, Seattle Central Community College, Estados Unidos, Estados Unidos

IVPhD, Professor Titular, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil

VPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo e Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil

Endereço para correspondência

RESUMO

OBJETIVO: estudar as mudanças na qualidade de vida relacionada à saúde do início da anticoagulação oral ao final de seis meses dessa terapia, e estudar as associações das características sociodemográficas e clínicas com as medidas de qualidade de vida e estado de saúde geral seis meses após o início do tratamento, em indivíduos com diversas indicações clínicas para anticoagulação oral.

MÉTODO: estudo prospectivo realizado em um município do Paraná, Brasil, avaliando 78 pacientes. Foram utilizados os instrumentos Duke Anticoagulation Satisfaction Scale e Medical Outcomes Survey Short Form SF-36.

RESULTADOS: a idade média foi 57 anos (D.P.= 16) e 54% eram mulheres. Comparado com o início da terapia, houve melhora estatisticamente significante na qualidade de vida relacionada à saúde aos seis meses de seguimento. Os modelos de regressão linear explicaram 32% e 30%, respectivamente, da variância do Duke Anticoagulation Satisfaction Scale e do estado geral de saúde. Houve melhora em todos os componentes do SF-36, exceto Saúde Mental.

CONCLUSÃO: O uso do anticoagulante oral foi associado à melhora da qualidade de vida relacionada à saúde nos seis meses de acompanhamento. Por ser longitudinal, esse estudo tem menos limitações que os estudos transversais publicados na área da Enfermagem brasileira até o momento.

Descritores: Anticoagulantes; Qualidade de Vida; Evolução Clínica; Enfermagem.

RESUMEN

OBJETIVO: Estudiar los cambios en la calidad de vida relacionada con la salud desde el inicio de la anticoagulación oral y al final de seis meses de tratamiento, y estudiar las asociaciones de las características sociodemográficas y clínicas con las medidas de calidad de vida y salud general seis meses después de iniciar la terapia, en pacientes con diversas indicaciones clínicas de anticoagulación oral.

MÉTODO: Se realizó un estudio prospectivo en una ciudad de Paraná, Brasil, evaluando 78 pacientes. Las herramientas aplicadas fueron la Duke Anticoagulation Satisfaction Scale y el Medical Outcomes Survey Short Form SF-36.

RESULTADOS: La edad promedia fue de 57 años (D.E.=16) y el 54% era mujer. En comparación con el inicio de la terapia, se observó una mejoría estadísticamente significativa en la calidad de vida relacionada con la salud tras seis meses de seguimiento. El análisis de regresión representó el 32% y 30%, respectivamente, de la varianza de la Duke Anticoagulation Satisfaction Scale y la salud general. Hubo una mejora en todos los componentes del SF-36, excepto la Salud Mental.

CONCLUSIÓN: El uso de anticoagulantes orales se asocia con una mejoría en la calidad de vida relacionada con la salud tras seis meses de seguimiento. Debido a su diseño longitudinal, este estudio trae menos limitaciones que los estudios transversales publicados en la Enfermería brasileña hasta ahora.

Descriptores: Anticoagulantes; Calidad de Vida; Evolución Clínica; Enfermería.

Introdução

O anticoagulante oral (ACO) é amplamente utilizado para prevenção e gerenciamento de eventos tromboembólicos, todavia, muitas vezes, seu controle é complicado devido às flutuações dos valores da coagulação sanguínea, necessitando acompanhamento laboratorial rigoroso, podendo causar impacto na qualidade de vida de seus usuários(1). As pesquisas sobre a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS), envolvendo usuários de ACO, têm investigado diferentes aspectos da vida desses indivíduos, tais como as limitações devido ao uso do medicamento, tarefa/sobrecarga e impacto psicológico tanto positivo como negativo(2). A associação entre a QVRS e vários fatores como a indicação do ACO, o tempo de uso do medicamento e a presença de complicações decorrentes da terapêutica foi investigada em estudo realizado em um hospital-escola do interior de São Paulo. Nesse estudo longitudinal, 178 participantes foram entrevistados e a QVRS foi avaliada pelos oito domínios do instrumento SF-36. Os resultados indicaram que mulheres, idosos, com diagnóstico de fibrilação atrial e com menos de um ano de uso desse medicamento, apresentaram pior avaliação da QVRS(3).

No presente estudo, a definição de QVRS utiliza a perspectiva teórica de que a avaliação da QVRS tem como foco principal o quanto a doença ou condição crônica, além de seus sintomas, interferem na vida diária do indivíduo, ou seja, o quanto as manifestações da doença ou do tratamento são percebidos pela pessoa afetada(4). Na prática clínica, a avaliação do impacto psicológico, da sobrecarga e das limitações, e da satisfação dos indivíduos em acompanhamento da terapia com ACO pode ajudar no apoio às intervenções, de modo a aumentar o tempo de permanência do indivíduo dentro da faixa terapêutica, reduzindo os efeitos adversos como tromboembolismo ou hemorragias(1).

A participação de enfermeiros em clínicas especializadas em anticoagulação oral ainda é prática incipiente no Brasil, embora seja uma prática descrita em estudos internacionais. Na área de enfermagem no Brasil, as investigações mais recentes, envolvendo pacientes em uso de anticoagulantes orais, utilizaram delineamento transversal(3,5-6), limitando as conclusões acerca das variáveis estudadas. O presente estudo foi planejado para resolver algumas dessas limitações, acompanhando um grupo de pacientes nos seis primeiros meses de tratamento com anticoagulante oral.

Os objetivos do estudo foram: 1 - estudar as mudanças na QVRS (avaliada pelos oito componentes do instrumento genérico SF-36, pela escala específica Duke Anticoagulation Satisfaction Scale (DASS), e pelo estado de saúde geral percebido) do início do tratamento ao final de seis meses dessa terapia, em um grupo de indivíduos iniciando tratamento; 2 - estudar as associações das características sociodemográficas e clínicas (no início do tratamento) com as medidas de DASS e estado de saúde geral, seis meses após o início do tratamento.

Método

Delineamento, local e amostra do estudo

Trata-se de estudo observacional e prospectivo, realizado em serviços de saúde público e privado que atendem um município da região oeste do Estado do Paraná, Brasil. Obteve-se aprovação pelo Comitê de Ética em pesquisa de um hospital e todos os participantes foram orientados, verbalmente e por escrito, sobre os objetivos e desenvolvimento do estudo. Os indivíduos que concordaram em participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido antes do início da coleta de dados. Os critérios de inclusão foram: indivíduos com mais de 18 anos em uso de ACO, que tinham iniciado o uso do medicamento há, no máximo, dois meses. Esse período é o tempo médio para a adequação da dosagem terapêutica e utilizado por autores em um estudo de coorte prospectivo que acompanhou a adesão ao tratamento de pacientes nos Estados Unidos da América(7). Os critérios de exclusão foram: incapacidade de comunicar-se verbalmente, possuir diagnóstico prévio de distúrbio mental, indisponibilidade para participar das duas avaliações do estudo (entrevista inicial e após seis meses de tratamento). O alistamento inicial de participantes ocorreu entre abril de 2008 e junho de 2009.

Coleta dos dados

Os dados foram coletados por meio de entrevistas individuais e consulta aos prontuários dos participantes em dois momentos: o primeiro contato para a entrevista foi no período inicial da terapia com ACO (até dois meses da data da indicação do medicamento), e o segundo, seis meses após o início da terapêutica. Foram coletados dados sociodemográficos (idade, sexo, nível de instrução em número de anos de educação formal) e clínicos (número de medicamentos em uso, além do ACO, número de comorbidades, dose semanal do ACO e indicação para o seu uso, bem como dados sobre o intervalo terapêutico do ACO e presença de complicações (sim/não) como episódios de hemorragia e/ou evento tromboembólico nos primeiros seis meses de terapia). Os dados clínicos foram coletados dos registros nos prontuários dos participantes, enquanto que outras informações, como a presença de complicações ao longo da terapia com ACO, foram autorreferidas por eles.

Medidas para avaliação da QVRS

O instrumento SF-36(8) foi utilizado em sua versão validada para o português(9) para avaliar QVRS no período de quatro semanas antes da entrevista (Medical Outcomes Survey 36 Item Short-Form - SF-36). O SF-36 é composto por oito domínios avaliados em uma escala de zero a 100, com maiores valores indicando melhor QVRS no respectivo domínio.

A avaliação do estado de saúde atual (ESA) foi obtida por meio da seguinte pergunta: De modo geral, como você avalia a sua saúde hoje? - respondida pelos participantes com o uso de uma escala visual analógica (EVA) horizontal de 10 cm, tendo na extremidade esquerda o valor zero (pior possível) e na extremidade direita o valor 100 (melhor possível). Maiores valores indicam melhor avaliação do estado geral de saúde atual, conforme percepção do participante no momento da entrevista(10).

A avaliação da QVRS específica para o usuário de ACO foi realizada pelo Duke Anticoagulation Satisfaction Scale (DASS)(2), em sua versão validada para o Brasil(11), a qual foi aplicada seis meses após o início do tratamento. Essa escala mede a satisfação com o tratamento e qualidade de vida relacionada ao uso de ACO. A escala contém 25 itens em escala ordinal de um a cinco pontos cada, cuja soma é definida como o valor total do DASS (com um intervalo possível de 25 a 175), onde menores valores indicam maior satisfação com o uso de ACO, menor limitação, menor tarefa sobrecarga e menor impacto psicológico.

Análise estatística

Todas as variáveis foram analisadas de forma descritiva. Para o objetivo 1, o teste t de Student pareado foi utilizado para comparar os vários domínios do SF-36, o DASS e a EVA, no início e seis meses após o início do tratamento. Para o objetivo 2, foram utilizados modelos de regressão linear múltipla, tendo como variáveis respostas o DASS e a avaliação do estado atual de saúde fornecida pela EVA, medidas seis meses após o início do tratamento. Ambos os modelos utilizaram as seguintes variáveis explanatórias: idade (em anos), sexo, indicação para uso do ACO (prótese valvar mecânica, fibrilação arterial e trombose venosa profunda ou tromboembolismo), comorbidades e presença de complicações relacionadas à terapêutica, durante os seis meses de tratamento. O nível de significância estabelecido foi de 0,05. Devido à natureza exploratória e descritiva deste estudo, o nível de significância não foi ajustado para comparações múltiplas. Os resultados deste estudo devem ser interpretados como base para futuros estudos confirmatórios. Os dados foram processados e analisados com o uso do software IBM SPSS (versões 19.0 para Mac e 20.0 para Windows).

Resultados

Setenta e oito indivíduos participaram do estudo, apresentando idade média de 57 anos (D.P.=16), sendo que 15% deles tinham menos de 40 anos, 41% tinham entre 40 e 59 anos, e 44% tinham 60 anos ou mais. Da amostra, 54% eram mulheres, 72% casados, 6% viviam sozinhos e 65% tinham menos de oito anos de educação formal. A renda familiar média foi de R$1.350,00, mas, apesar da baixa renda, 97% custeava o tratamento com ACO com recursos próprios. Na entrevista inicial, o tempo médio de uso de ACO foi de 23 dias (DP=9, intervalo de 5 a 46), enquanto que na segunda entrevista a média foi de 184 dias (D.P.=8). As indicações para uso do medicamento incluíram fibrilação atrial (35%), trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar (38%) e uso de prótese valvar mecânica (27%). A presença de comorbidades foi comum entre os participantes, sendo que 17% dos entrevistados apresentavam somente uma morbidade (aquela que indicou o uso do ACO). Durante o período de acompanhamento dos participantes, 19% tiveram pelo menos uma complicação relacionada à terapia de anticoagulação oral, sendo todas as complicações do tipo hemorrágico.

Os resultados das medidas QVRS estão apresentados na Tabela 1. Houve melhora em todos os domínios do SF-36 (p<0,002 para todos os domínios, exceto para saúde mental, com p=0,42). A maior melhora ocorreu em aspectos físicos, seguida de aspectos emocionais, capacidade funcional e dor. A melhora foi menor em aspectos sociais, estado geral de saúde e vitalidade. Houve melhora estatisticamente significante no estado de saúde atual, medida pela EVA, aos seis meses após o início do tratamento com ACO, quando comparado com a primeira entrevista (mudança de nove pontos entre as médias, p<0,001). Considerando-se a avaliação obtida pelo DASS seis meses após o início do tratamento, a média obtida foi de 45 (D.P.=14, com intervalo de confiança de 95%=[42 a 48]), o que indica um pequeno impacto percebido pelos participantes, em decorrência do uso do ACO. Note-se que o DASS é uma medida de satisfação e qualidade de vida relacionada ao uso do ACO em pessoas cujo tratamento já está estabelecido e não se aplica ao início do tratamento.

Para responder ao segundo objetivo do estudo, foram feitas duas análises de regressão linear, usando-se a medida do DASS total e da EVA como variáveis respostas, e idade, sexo, indicação para uso do ACO, comorbidades e presença de complicações relacionadas à terapia de anticoagulação oral, durante os seis meses de tratamento, como variáveis explanatórias. O estado de saúde atual, avaliado na primeira entrevista, também foi adicionado na regressão linear para explicar a variância do estado de saúde aos seis meses de tratamento. A Tabela 2 mostra os resultados da regressão linear para o DASS. Apenas o número de comorbidades foi estatisticamente significante (p=0,005), com indivíduos sem comorbidades e com 1 a 3 comorbidades, apresentando média de 17 e 4 pontos a mais no DASS do que indivíduos com 4 ou mais comorbidades. Participantes sem outras comorbidades, além daquela que indicou o uso do ACO, estavam menos satisfeitos com o impacto do tratamento em suas vidas do que aqueles que possuíam outras doenças. A indicação para uso do medicamento obteve valor de p quase estatisticamente significante (p=0,06), com indivíduos no grupo de fibrilação atrial e trombose venosa profunda/tromboembolismo pulmonar apresentando maiores valores de DASS do que o grupo de prótese valvar mecânica. O modelo de regressão linear explicou em torno de 32% da variância do DASS.

A Tabela 3 mostra os resultados da regressão linear para a medida de estado de saúde atual percebido, seis meses após o início do tratamento com ACO. Apenas a medida obtida para estado de saúde atual percebido na primeira entrevista foi estatisticamente significante no modelo (p<0,001), com um R2 de 0,303 (ou 30% de variância explicada pelo modelo).

Discussão

Entre os participantes do estudo houve maior número de mulheres, com idade acima dos 60 anos, portadores de fibrilação atrial. A proporção de idosos em uso de ACO tem aumentado em torno de 7% ao ano, no Brasil(12), talvez porque esse grupo etário apresente comorbidades que têm indicação do uso dessa terapia. Além disso, a incidência de fibrilação atrial aumenta com a idade(13), sendo que alguns estudos indicaram predomínio do uso de ACO entre indivíduos com 60 anos ou mais(7,13-15).

Os resultados referentes à avaliação da qualidade de vida dos sujeitos indicaram melhora da percepção do estado de saúde e do impacto da terapia com ACO nos primeiros seis meses de uso, de acordo com três instrumentos usados: SF-36 (melhora, em todos os domínios, com diferença estatisticamente significante, exceto para saúde mental); EVA (melhora estatisticamente significante) e do DASS (pequeno impacto percebido pelo uso do ACO). Não foram encontrados estudos longitudinais na literatura com o objetivo de avaliar a QVRS, e que possibilitassem a comparação com os resultados obtidos neste estudo. Nesse momento, pode-se apenas comparar os resultados aqui encontrados com estudos de delineamento transversal, realizados em outros países(2,16-18) e no Brasil(3). Para o SF-36, o domínio de Aspectos Sociais foi o que obteve maiores escores no início do estudo e no seguimento. Resultado semelhante foi observado em outro estudo brasileiro(3) e em estudos internacionais(7,14). Entretanto, outros estudos apresentaram maiores escores para domínios, dentre eles: Saúde Mental(18) e Aspectos Emocionais(16). Ressalta-se que, geralmente, os participantes foram entrevistados quando estavam em diferentes momentos do tratamento com ACO nos estudos citados. O domínio com pior avaliação foi Aspectos Físicos, na primeira medida, e Vitalidade, na segunda medida. Nos estudos revistos, houve variação entre os domínios mais comprometidos, podendo citar: Vitalidade(18), Dor(16), Estado Geral de Saúde(17) e Aspectos Físicos(2-3). Cabe ressaltar que, seis meses após o início do tratamento, os participantes de nosso estudo apresentaram valores superiores para todos os domínios do SF-36, em comparação com os obtidos nos estudos citados(2-3), que avaliaram sujeitos com maior tempo médio de terapêutica, respectivamente, quatro e sete anos. O único domínio que não apresentou diferença estatisticamente significante entre a primeira e segunda medida foi saúde mental (72 e 74, respectivamente). Em outros estudos, os valores médios desse domínio variaram de 61 a 76(2-3,16,18).

Os resultados da avaliação do estado global de saúde atual percebido pelos participantes, no momento das entrevistas (ESA), indicaram melhora ao longo do tratamento (aumento da média do grupo com mudança de nove pontos entre as médias, p<0,001). Esse resultado pode indicar que os sujeitos avaliaram seu estado global de saúde pior ao iniciarem o tratamento, mas que, com o passar do tempo, eles perceberam melhora em sua saúde geral.

A avaliação da qualidade de vida relacionada à anticoagulação (DASS) indicou pequeno impacto percebido pelos participantes em decorrência do uso do ACO. Por ser um instrumento novo, os estudos publicados com os resultados obtidos pelo DASS são predominantemente de natureza metodológica, para apresentar as propriedades psicométricas do instrumento(2,11). Nesses estudos, as médias do DASS total foram, respectivamente, 54 e 58, valores superiores aos obtidos no presente estudo, indicando melhor qualidade de vida entre os participantes de nosso estudo (menores valores indicam melhor satisfação com o uso do ACO, menor limitação, menor tarefa e sobrecarga e menor impacto psicológico).

Os resultados do estudo indicaram que os portadores de trombose venosa profunda ou tromboembolismo pulmonar registraram menores escores de QVRS do que os portadores de valva cardíaca metálica. Não foram encontrados dados na literatura que pudessem explicar tal diferença. Uma explicação possível é a presença de dor entre os pacientes com diagnóstico de trombose venosa e tromboembolismo pulmonar. Entretanto, aqueles que se submeteram à cirurgia cardíaca também podem ter dor devido à incisão cirúrgica. Nesse sentido, pode-se discutir que os indivíduos que tiveram o implante da valva cardíaca metálica puderam ser preparados para o procedimento (eletivo) e, consequentemente, para o uso do ACO, ao contrário do outro grupo de pacientes que tiveram um evento agudo, surpreendendo-os com risco de vida iminente, seguido da necessidade premente do uso do ACO e de suas demandas de cuidado.

Na avaliação da qualidade de vida, o primeiro modelo de regressão linear múltipla explicou 32% da variância da medida da QVRS (avaliada pelo DASS), enquanto que o segundo modelo explicou-se 30% da variância da medida de avaliação do estado global de saúde (avaliado pela EVA). As variáveis explanatórias, apesar de sua importância clínica, explicaram pouco da variância da medida de avaliação da qualidade de vida. Tínhamos a expectativa de que os modelos explicassem mais da variância tendo em vista que 83% dos participantes apresentavam outras condições crônicas, além daquela que indicou o uso do ACO e que demandam cuidados, o que poderia explicar o fato de eles aceitarem melhor as implicações que tal tratamento exige, trazendo menor impacto negativo na vida. O mesmo raciocínio pode ser traçado em relação ao número de medicamentos em uso por cada sujeito. Para a pessoa que já tem o hábito de tomar medicamentos diariamente, para outras condições crônicas, inserir mais um fármaco na lista diária pode causar menos impacto na rotina dessa pessoa do que na rotina daquela que terá que criar o hábito de ingerir o medicamento, na dose e horários corretos. Uma possibilidade do impacto negativo da prescrição do ACO, para quem já utiliza outros fármacos, é o custo que as medicações geram para o indivíduo e sua família, o que pode interferir na adesão ao tratamento. Entretanto, parece que entre os participantes do nosso estudo o custo não foi fator de maior relevância, não chegando a interferir negativamente na QVRS. Uma explicação é que os participantes apresentavam um bom rendimento financeiro, e, também, pela ajuda familiar para adquirir o medicamento, algo que foi registrado empiricamente pela pesquisadora que os entrevistou. Outro estudo que investigou a percepção dos usuários de ACO sobre o impacto do tratamento em suas vidas(1) indicou que muitas pessoas abandonam a rotina diária para se adaptarem às exigências da terapia anticoagulante oral, o que pode acarretar impacto negativo na QVRS, principalmente nos primeiros meses de tratamento(1). Todavia, apesar das mudanças de hábito que o ACO requer, há aqueles que avaliam que houve impacto positivo em suas vidas, pois se sentem protegidos dos eventos tromboembólicos que o ACO previne, bem como têm o entendimento de que o uso do ACO não mudou sua rotina, porque já faziam uso de outros medicamentos que demandavam dedicação. Provavelmente foi o caso dos participantes do nosso estudo.

Podemos levantar a hipótese de que houve influência de fatores que levam à distorção do autorrelato (desejabilidade social), isto é, a tendência do indivíduo em responder de uma forma que é socialmente aprovada, a fim de manter a sua autoimagem, a se apresentarem de forma favorável ou para evitar consequências negativas, como a repreensão(19). Acreditamos que os resultados do estudo possam nortear o planejamento para os cuidados como os usuários de ACO, no sentido de que aponta direções relacionadas ao tipo de indicação do medicamento, ao enfrentamento da terapia como algo novo que gera mudanças de hábito e ao serviço de saúde que pode ser organizado para atender essas demandas. O estudo foi importante devido à caracterização do grupo em seguimento nos serviços de saúde e indicação de outras direções que precisam ser investigadas, frente à heterogeneidade da população e de suas respostas à terapia com ACO.

Uma das limitações deste estudo é o tamanho da amostra que, apesar de ser de tamanho moderado, talvez não seja suficiente para estudar uma população bastante heterogênea. A coleta de dados foi feita em apenas dois momentos, o que não é suficiente para descrever a trajetória do indivíduo durante o período de adaptação ao ACO, e o tempo entre o início da terapia anticoagulante oral e a primeira entrevista variou entre os participantes. Por último, a escassa opção de instrumentos válidos e confiáveis para medir qualidade de vida, relacionada ao ACO, não permitiu que houvesse escolha de instrumento e não está claro se o instrumento usado é o melhor instrumento para a população brasileira.

Conclusões

A terapia com ACO pode gerar impacto na qualidade de vida de seus usuários, tendo em vista a rotina necessária para a manutenção desse tratamento. Diante disso, o presente estudo contribuiu para a literatura com o acompanhamento da evolução clínica entre os usuários de ACO, que mostrou o impacto positivo nas vidas dos participantes, ao final de seis meses.

Novos estudos com amostras maiores e com seguimentos mais longos são necessários para melhor compreensão dos efeitos da terapia de anticoagulação oral na qualidade de vida dos pacientes.

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    Anticoagulación oral: impacto de la terapia en la calidad de vida relacionada a la salud a lo largo de seis meses
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      28 Jun 2012
    • Aceito
      23 Out 2012
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