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O nível socioeconômico pode influenciar as características de um grupo de hipertensos?

Resumos

Estudou-se 440 hipertensos (57±12 anos, 66% mulheres, 51% brancas, 57% casadas, 52% com ensino fundamental e 44% com renda de 1 a 3 salários mínimos) para caracterizar variáveis biossociais, crenças, atitudes e conhecimento, falta à consulta e interrupção do tratamento, e associar o nível socioeconômico com as variáveis estudadas. Para a avaliação da condição econômica, elaborou-se índice de bens acumulados a partir da posse de eletrodomésticos convertidos em valor de salários mínimos/mês. Os hipertensos que não concordaram com "não há nada que se possa fazer para evitar a pressão alta" apresentaram índice de bens acumulados significativamente mais elevados; os que afirmaram nunca chegar atrasado às suas consultas apresentaram índice de bens acumulados mais baixos e, na avaliação de bem-estar subjetivo, a tristeza se associou com índice de bens acumulados mais baixo (p<0,05). Conclui-se que baixa condição econômica se associou com variáveis que podem influenciar na atitude e adesão ao tratamento.

enfermagem; hipertensão; condição


A total of 440 hypertensive patients participated in the study (57 years old ±12, 66% women, 51% white, 57% married, 52% with primary school and 44% with income from 1 to 3 minimum salaries) to characterize biosocial, beliefs, attitudes and knowledge variables, absence to consultation and treatment interruption, and to associate the socioeconomic level to the variables studied. An index of accumulated goods, from the possession of household appliances converted in minimum salaries/mo., was elaborated in order to evaluate the economic status. The hypertensive people who disagreed with "there is nothing you can do to prevent high blood pressure" presented significantly higher levels of accumulated goods; those who affirmed never getting late to their consultations presented lower levels of accumulated goods; in the subjective well-being evaluation, sadness was associated to a lower accumulated goods index (p<0,05). Results showed that low economic status was associated with factors that can influence the attitude and adherence to anti-hypertensive treatment.

nursing; hypertension; socioeconomic status


Se han estudiado 440 hipertensos (57±12 años, 66% mujeres, 51 % blancas, 57% casadas con educación primaria y 44% con renta de 1 a 3 sueldos mínimos) para caracterizar las variables biosociales, creencias, actitudes y conocimientos, faltas a las consultas e interrupción del tratamiento y asociar el nivel socioeconómico con las variables estudiadas. Para evaluar la condición económica, se elaboró un índice de bienes acumulados, a partir de la posesión de electrodomésticos convertidos en valores de sueldo mínimo/mes. Los hipertensos que discordaron con "no hay nada que hacer para evitar la tensión alta" presentaron un índice mayor de bienes acumulados y los que dijeron nunca haber llegado atrasados a sus consultas presentaron un menor índice de bienes acumulados (p<0,05). Los resultados mostraron que la situación económica presenta pocas variables para caracterizar a los hipertensos estudiados.

enfermería; hipertensión; condición económica


ARTIGO ORIGINAL

O nível socioeconômico pode influenciar as características de um grupo de hipertensos?

Luzi Faleiros TaveiraI; Angela Maria Geraldo PierinII

IEnfermeira, Mestre

IIProfessor Titular da Escola de Enfermagem, da Universidade de São Paulo, Brasil

RESUMO

Estudou-se 440 hipertensos (57±12 anos, 66% mulheres, 51% brancas, 57% casadas, 52% com ensino fundamental e 44% com renda de 1 a 3 salários mínimos) para caracterizar variáveis biossociais, crenças, atitudes e conhecimento, falta à consulta e interrupção do tratamento, e associar o nível socioeconômico com as variáveis estudadas. Para a avaliação da condição econômica, elaborou-se índice de bens acumulados a partir da posse de eletrodomésticos convertidos em valor de salários mínimos/mês. Os hipertensos que não concordaram com "não há nada que se possa fazer para evitar a pressão alta" apresentaram índice de bens acumulados significativamente mais elevados; os que afirmaram nunca chegar atrasado às suas consultas apresentaram índice de bens acumulados mais baixos e, na avaliação de bem-estar subjetivo, a tristeza se associou com índice de bens acumulados mais baixo (p<0,05). Conclui-se que baixa condição econômica se associou com variáveis que podem influenciar na atitude e adesão ao tratamento.

Descritores: enfermagem; hipertensão; condição

INTRODUÇÃO

A hipertensão arterial é doença de elevada prevalência, atingindo de 15 a 30% da população adulta brasileira e mais de 50% dos idosos, e representa importante problema de saúde pública. A hipertensão, junto com o tabagismo, diabetes e dislipidemia, constitui importante fator de risco para as doenças cardiovasculares que são responsáveis por cerca de 30% das mortes no mundo(1-2). A Organização Mundial da Saúde, em relatório publicado, estima que das 58 milhões de mortes ocorridas no ano de 2005 no mundo, 35 milhões são decorrentes de doenças crônicas e aproximadamente 17,5 milhões por doenças cardiovasculares(3).

O objetivo do tratamento anti-hipertensivo é reduzir a morbidade e mortalidade cardiovascular e, embora existam evidências da sua eficácia, tem-se verificado que o controle da hipertensão arterial, de modo geral, apresenta-se pouco satisfatório. O controle pouco eficaz da hipertensão relaciona-se diretamente à insuficiente adesão dos hipertensos ao tratamento e vários são os fatores que interferem nesse contexto. Nos aspectos inerentes ao hipertenso, destacam-se as variáveis como idade, sexo, etnia, escolaridade, nível socioeconômico, ocupação, estado civil, hábitos de vida, crenças de saúde, conhecimentos e atitudes frente ao tratamento.

Adesão é um processo comportamental complexo muito influenciado pelo meio ambiente, pelo sistema de saúde e pelos cuidados de assistência à saúde. Estudos em nosso meio têm mostrado a influência do perfil socioeconômico, representados por baixa renda e baixa escolaridade, no controle da hipertensão, indicando que pessoas com condições socioeconômicas menos favorecidas apresentam níveis pressóricos mais elevados(4-5). Nesse sentido, no âmbito internacional também se tem verificado que renda e escolaridade estão significativamente relacionadas aos fatores de risco para hipertensão arterial. Dessa forma, o status socioeconômico apresenta relação inversa com os níveis pressóricos e taxas de hipertensão, mostrando que, quanto mais baixos os estratos de renda, ocupação e escolaridade, maiores tendem a ser os níveis de pressão arterial(6-7).

As preocupações sociais, econômicas e familiares são fatores que influenciam na elevação dos níveis pressóricos. A atuação do enfermeiro junto aos hipertensos deve considerar as suas características, os fatores intervenientes e dificultadores da adesão ao tratamento, fundamentados nas reais necessidades da população. Os hipertensos em nosso meio têm sido atendidos em ampla escala nas unidades básicas de saúde. Porém, pouco se conhece sobre as características dessa clientela e se aspectos socioeconômicos interferem na adesão e conseqüente controle da hipertensão arterial. Frente aos aspectos destacados, a presente investigação teve como finalidade estudar um grupo de pessoas hipertensas, seguidas em três unidades básicas de saúde, na cidade de São Paulo e teve como objetivos: a) caracterizar os hipertensos em relação às variáveis biossociais, crenças, atitudes e conhecimento sobre a doença e tratamento, falta à consulta e interrupção do tratamento; e b) associar o nível socioeconômico, representado pelo índice de bens acumulados, com as variáveis estudadas.

CASUÍSTICA E MÉTODO

Realizou-se estudo descritivo, com caráter exploratório, de pesquisa de campo quantitativa, em uma amostra da população com hipertensão arterial, usuária de três unidades básicas de saúde da região oeste da cidade de São Paulo, escolhidas aleatoriamente. Foram estudadas 440 pessoas de ambos os sexos, com idade maior que 18 anos, com diagnóstico de hipertensão arterial descrito em prontuário, em acompanhamento no serviço há pelo menos seis meses. Essas pessoas, após esclarecimentos sobre os objetivos da pesquisa, assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O presente estudo fez parte do Projeto de Políticas Públicas "Política de atenção ao adulto: prevenção, identificação e controle da hipertensão arterial no Distrito Saúde Escola do Butantã" (FAPESP, Processo 2003/06454-1), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde.

Para a coleta de dados, utilizou-se formulário próprio que incluiu dados biossociais, interrupção ao tratamento, falta às consultas, crenças e conhecimentos sobre a doença e atitudes frente ao tratamento. Como tentativa de se avaliar o sentimento do paciente em relação à sua vida, foi solicitado que apontasse em um diagrama com imagem de sete faces sendo a primeira a mais feliz e a sétima a face mais triste, qual a face que, naquele momento, representava seu sentimento em relação à sua vida como um todo. Esse instrumento, Escala de Andrews(8), tem sido utilizado como forma de avaliação global de resultados subjetivos e também de qualidade de vida.

Na avaliação da condição econômica, elaborou-se o índice de bens acumulados. No cálculo desse índice foram consideradas as quantidades que os hipertensos referiram possuir em sua residência dos seguintes eletrodomésticos: telefone, televisão em cores, aspirador de pó, máquina de lavar roupa, geladeira, geladeira duplex e freezer. A seguir, fez-se a somatória dos preços equivalentes aos respectivos eletrodomésticos. O total obtido foi dividido por doze para obtenção do valor mensal da renda de bens acumulados. No final, esse valor foi convertido ao valor do salário mínimo vigente, para obtenção do índice de equivalência de poder aquisitivo em salários mínimos.

Para avaliar os níveis da pressão arterial, foram realizadas três medidas com intervalo de 1 a 2 minutos entre cada medida, pelo método indireto, utilizando-se aparelho automático (OMROM- HEM 705 CP), validado de acordo com protocolos internacionais, com o paciente sentado e uso de manguito adequado ao tamanho do braço. O procedimento da medida da pressão arterial atendeu ao preconizado pelas V Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial(1). Foram considerados controlados os hipertensos que apresentaram valor de pressão resultante da média das três medidas abaixo de 140 mmHg para a pressão sistólica e 90 mmHg para a diastólica.

Todos os dados foram processados no sistema Statistic Package for Social Sciencies versão 7.5. A relação entre as variáveis foi avaliada com o teste Qui-quadrado e teste exato de Fisher. Nesse item estão incluídas as variáveis qualitativas tais como: sexo, cor da pele, estado civil e escolaridade. As variáveis quantitativas com o índice de bens acumulados são apresentadas em tabelas contendo média e desvio padrão. O nível de significância adotado foi de 0,05.

RESULTADOS

A análise das características biossociais dos hipertensos estudados mostrou que a maioria era do sexo feminino (66%), cor branca (52%) e com companheiro (56%). Em relação à escolaridade, apesar de praticamente metade referir ter o 1º grau, cerca de um terço possuía baixa ou nenhuma escolaridade, representados pelos analfabetos e que sabiam ler/escrever sem ter freqüentado escola. Quanto à faixa etária, apesar de pouco mais da metade (53%) apresentar idade abaixo de 60 anos, a média geral dos hipertensos estudados (57±12 anos) foi bem próxima dos 60 anos. O poder socioeconômico total, avaliado pelo índice de bens acumulados, evidencia baixo poder aquisitivo, pois a média foi pouco mais de um salário mínimo (1,22±0,36). Os dados da Tabela 1 mostram que não houve associação estatisticamente significante (p>0,05) entre o índice de bens acumulados, expressado em salários mínimos, em relação às variáveis biossociais.

O controle da hipertensão, avaliado por níveis de pressão abaixo de 140/90 mmHg, foi encontrado em 45% dos hipertensos estudados. Verificou-se, ainda, que 35% referiram já ter interrompido o tratamento pelo menos uma vez e pouco menos, 28%, ter faltado às consultas. Os dados da Tabela 2 mostram que o índice de bens acumulados não influenciou na condição de controle da hipertensão, interrupção do tratamento e falta às consultas, pois não houve associação significativa (p>0,05) entre eles.

Em relação às crenças e conhecimentos sobre a hipertensão arterial, observou-se que maioria expressiva acreditava que a hereditariedade influencia no aparecimento da hipertensão (84%), que pessoas jovens também têm hipertensão (79%) e que pressão alta é maior que 140/90 mmHg (88%). O menor percentual de respostas foi para a ausência de sintomas na hipertensão arterial (60%). Os dados da Tabela 3 mostram que houve associação significante (p<0,05) entre o índice de bens acumulados e crenças sobre hipertensão arterial apenas no item "não há nada que eu possa fazer para evitar a pressão alta". Os hipertensos de menor índice de bens acumulados concordaram que não há nada que eles pudessem fazer para evitar a pressão alta, enquanto os que não concordaram apresentaram índices com valores significativamente mais elevados (1,17±0,35 vs 1,25±0,36, p<0,05).

Em relação às atitudes frente ao tratamento da hipertensão, verificou-se atitudes positivas como sempre levar os remédios quando viaja (92%) e providenciar os remédios antes de acabarem (88%). Destaca-se, ainda, que pouco menos da metade relatou raramente seguir as orientações sobre a dieta (44%) e, em menor freqüência (27%), raramente tomar os remédios sempre no mesmo horário. A relação entre índice de bens acumulados e atitudes frente ao tratamento mostrou associação com o fato de chegar atrasado à consulta médica, apresentando índices significativamente menores aqueles que nunca se atrasam em relação aos que referiram sempre atrasar (1,20±0,3 vs 1,31±0,32, p<0,05) (Tabela 4).

Com a finalidade de se avaliar a qualidade de vida, os hipertensos foram solicitados a apontar a face que melhor expressasse seu sentimento em relação à sua vida como um todo ou de bem-estar subjetivo, em um diagrama com sete possibilidades que inicia pela face mais feliz e termina com a mais triste. Assim, como mostram os dados da Tabela 5, praticamente metade (53%) indicou as faces 1 e 2, que representam as expressões mais felizes ou de contentamento. Apenas 9% se colocaram nas faces seis e sete, indicando tristeza. Verificou-se ainda, que houve associação significante (p<0,05) entre o índice de bens acumulados em relação ao sentimento expressado pelos hipertensos. Evidenciou-se que o menor índice (0,98±0,35 salário mínimo) foi para a face 5, com tendência à condição de tristeza. O poder aquisitivo da face 5 foi estatisticamente diferente aos das faces 2 e 3, portanto, as faces 1, 2 e 3, que representavam mais felicidade, contentamento em relação à vida como um todo, os respectivos respondentes apresentaram índices de bens mais elevados. De acordo com o coeficiente de variação, ou seja, a dispersão da amostra, a face 5 equivaleu a 35,7%, e foi diferente das faces 2 com 28,1% e face 3 com 25,6%. Pode-se, com esses dados, verificar que os pacientes de baixo poder aquisitivo, representados na face 5, apresentaram tendência de serem mais tristes do que felizes.

DISCUSSÃO

Em relação às características biossociais dos hipertensos, o fato da maioria pertencer ao sexo feminino, pode ser indicativo de que as mulheres têm maior preocupação com a sua saúde, freqüentam mais os serviços de saúde e são mais participativas do que os pacientes do sexo masculino. A etnia também merece ser avaliada, pois já foi demonstrado, em nosso meio, que negros e mulatos hipertensos foram menos aderentes às consultas e apresentaram menor controle da pressão arterial do que os brancos(9). Por outro lado, o controle de um grupo de hipertensos atendidos em uma unidade básica de saúde da cidade de Mogi das Cruzes, SP, não se associou com etnia(10). Estudos(7,11) também revelam que a pressão arterial tende a se elevar nos pacientes com menor grau de escolaridade e que o fato de possuir companheiro expressado pelo estado civil, pode ser agente facilitador no processo de tratamento dos hipertensos.

Controle da pressão arterial, falta às consultas e interrupção do tratamento são variáveis objetivas que podem indicar o grau de adesão dos hipertensos ao tratamento. Apesar de que menos da metade (45%) dos hipertensos estudados apresentou níveis da pressão arterial controlados, esse índice está até um pouco acima do obtido em outros estudos, que foi em torno de 30%(12-13).

A avaliação de crenças, conhecimentos e atitudes frente ao tratamento mostraram que maioria significativa expressou aspectos positivos relativos à doença e tratamento. Houve associação com índice de bens acumulados com o item "não há nada que eu possa fazer para evitar a pressão alta", os pacientes que concordaram com essa afirmação possuíam menor poder aquisitivo. Esse achado pode indicar maior grau de desconhecimento da doença, falta de estímulo e auto-estima que se relacionam com barreiras para adesão ao tratamento. Quanto às atitudes frente ao tratamento em relação ao índice de bens acumulados, houve associação positiva no item "chegar atrasado à consulta". Os dados revelaram que chegar atrasado foi característica de pacientes com maior índice de bens acumulados sobre os que nunca chegam atrasados. Provavelmente por ser os pacientes com maior poder aquisitivo aqueles com mais compromissos e atividade profissional e social não dão a atenção devida ao seu tratamento e cumprimento do horário das consultas.

A hipertensão arterial é doença crônica que poderá afetar o paciente de maneira degenerativa e progressiva, influenciando diretamente em sua qualidade de vida e a avaliação do bem estar geral pode retratar esse aspecto. A escala subjetiva de bem-estar mostrou que as faces apontadas pela maioria dos pacientes foram as mais felizes, porém a condição expressada por face que tende à tristeza se associou com menor índice de bens acumulados, evidenciando, dessa forma, relação direta entre a condição socioeconômica e satisfação e bem-estar geral. Ainda, dentro desse contexto, cabe ressaltar que no contigente das emoções é inegável a sua interação com a hipertensão arterial(14).

O principal resultado do presente estudo evidenciou que houve pouca associação entre o índice de bens acumulados que foi usado como indicador da condição econômica dos hipertensos e fatores que podem influenciar na adesão ao tratamento. Na análise da literatura, que relaciona fatores que podem interferir na condição de hipertensão arterial e controle da doença, as variáveis socioeconômicas têm tido papel de destaque. Tem-se verificado que renda, escolaridade, além da qualificação da ocupação se associam inversamente com os níveis de pressão arterial, prevalência de hipertensão e adesão ao tratamento refletido no controle pouco satisfatório da doença. Na presente investigação, variáveis como renda salarial, que reflete a condição econômica isoladamente, não influenciou no perfil dos hipertensos estudados. Numa tentativa de explorar um pouco mais o assunto, elaborou-se o índice de bens acumulados a partir da posse de bens que definem a que classe social o paciente pertence, considerando os bens duráveis que possui e que adquiriu no decorrer dos anos, à semelhança de como é utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mesmo de posse de um recurso numérico mais elaborado, a análise estatística revelou poucas associações entre o índice de bens acumulados e as variáveis estudadas. Uma possível explicação para tal resultado pode ser o fato de que, de um modo geral, o padrão socioeconômico da população estudada apresenta-se em níveis baixos, sem grandes diferenças entre si, o que não permitiu estratificação em classes que denotassem grandes diferenças entre elas.

A condição socioeconômica de um grupo de pessoas pode se refletir no contexto da saúde, principalmente em doenças crônicas e mais precisamente nas doenças cardiovasculares que têm a hipertensão arterial como um dos principais fatores de risco. Nesse sentido, investigação(15) que acompanhou mais de 10.000 homens franceses e irlandeses, por período de cinco anos, mostrou que o aparecimento de doença coronariana se associou com baixos recursos materiais, desemprego e baixa escolaridade. Porém, quando ajustados para outros fatores de risco maiores como tabagismo, hipertensão e índice de massa corporal aqueles relativos à condição econômica perderam seu valor. Outro estudo(16), que comparou mulheres norte-americanas, mexicanas e chinesas radicadas no Estados Unidos, revelou que a condição socioeconômica não conseguiu explicar totalmente as diferenças étnicas e raciais da hipertensão naquele país e os autores acreditam que as variações identificadas possam atuar na mediação dos fatores de risco. Em nosso meio, estudo(17) conduzido na região de Coroa do Meio, distrito de Aracaju, em Sergipe, evidenciou que a hipertensão foi fator independente que se associou com idade mais elevada, obesidade central, baixa estatura e o fato de residir em área de elevada condição socioeconômica. Com base nesses achados, observa-se que os estudos têm apontado para a necessidade de se ampliar os conceitos inerentes às relações entre o social, econômico e saúde-doença.

Um caminho a ser trilhado já tem sido indicado pela Organização Mundial de Saúde(18) em relatórios publicados em 2002, cujo enfoque é pautado no conceito de risco e saúde, onde risco é definido como a probabilidade de um evento adverso ou um fator que aumenta essa probabilidade. Salientam que alguns riscos têm sido amenizados, mas outros têm aumentado de forma significativa, por estarem relacionados com padrão de consumo como alimentação, tabagismo e ingestão de bebida alcoólica e que são de crucial importância na saúde global. Doenças como câncer, cardiovasculares e diabetes têm sofrido acréscimo vertiginoso, principalmente em países em desenvolvimento e pouco desenvolvidos. Nesse aspecto, o contexto socioeconômico é ressaltado pelo impacto dos efeitos deletéricos dos riscos à saúde serem muito mais marcantes naqueles de baixa renda.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A hipertensão arterial apresenta características específicas do processo de cronicidade, destacando-se pela história natural prolongada, multiplicidade de fatores associados, longo curso assintomático, curso clínico lento, prolongado e permanente, além da possibilidade de evolução para complicações. A doença gera transformações na vida do paciente e o enfermeiro tem participação importante na assistência global do hipertenso, principalmente em relação à adesão ao tratamento, o grande desafio a ser vencido pelos profissionais de saúde e o paciente. Dessa forma, a caracterização das reais necessidades da clientela a ser atendida é de vital importância e, dentre elas, os aspectos socioeconômicos merecem consideração. A condição socioeconômica isoladamente pode não ser a única responsável pela baixa adesão ao tratamento e conseqüente controle pouco satisfatório da doença, mas, principalmente em nosso meio, onde ela é um marcador social importante, a sua ação sem dúvida irá refletir na problemática da doença e tratamento.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Recebido em: 16.8.2006

Aprovado em: 5.6.2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    Out 2007

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2006
  • Aceito
    05 Jun 2007
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