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Pressupostos teórico-metodológicos e didático-pedagógicos da unidade curricular ética profissional na Unifesp

Theoretical-methodological and didactic-pedagogical assumptions of the Professional Ethics curricular unit at Unifesp

Resumo:

O objetivo deste artigo é refletir sobre a ética na formação profissional, na particularidade da Unidade Curricular de Ética Profissional na graduação em Serviço Social da Unifesp. Realizou-se pesquisa bibliográfica, documental e sistematização de experiências. Os resultados apontam para a importância do compartilhamento dos pressupostos teórico-filosóficos e das estratégias didático-pedagógicas no desenvolvimento das disciplinas específicas de ética, em coerência com as diretrizes curriculares da Abepss.

Palavras-chave:
Ética; Ética profissional; Formação profissional; Unidade curricular; Serviço social; Unifesp

Abstract:

The article aims to reflect on ethics in professional training, particularly, in the Professional Ethics Curricular Unit in the undergraduate course in Social Work at Unifesp. Bibliographical, documentary research and systematization of experiences were carried out. The results point to the importance of sharing theoretical-philosophical assumptions and didactic-pedagogical strategies in the development of specific ethics disciplines in coherence with Abepss curricular guidelines.

Keywords:
Ethics; Professional ethics; Professional qualification; Curricular unit; Social work; Unifesp

1. Introdução

A proposta deste artigo é fazer reflexões e aprofundamentos teóricos sobre a ética na formação profissional com base na trajetória didático-pedagógica e teórico-metodológica na Unidade Curricular (UC)1 1 A disciplina de Ética profissional é denominada “Unidade Curricular/UC” no Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social da Unifesp/2023. de Ética Profissional, no curso de graduação em Serviço Social na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Os aportes teórico-metodológicos que amparam o ensino da ética profissional em Serviço Social são orientados pelos pressupostos da Ontologia do Ser Social nas contribuições marxiana e lukacsiana2 2 Marx e Lukács são autores que influenciam preponderantemente o debate da ética na área do Serviço Social, especialmente sob a perspectiva da ontologia do ser social, fundamento que orienta a concepção de valores ético-morais da vida social. , constituindo-se nos fundamentos ontológico-sociais da dimensão ético-moral da vida social como alicerce filosófico e teórico na formação profissional.

As categorias marxianas de história e totalidade sustentam as análises substantivas da construção sócio-histórica da vida em sociedade, inserindo a ética como dimensão teórica e reflexiva e, ao mesmo tempo, como práxis que se concretiza na realidade social e nos modos de ser, ainda que nas condições limitadas da sociabilidade burguesa. Conforme sinaliza Barroco:

Assim como a ética supõe a compreensão do seu sujeito, não cabe, na perspectiva de análise sócio-histórica, tratá-la apenas como teoria. Desse modo, a ética não é aqui entendida apenas como conhecimento. Além de reflexão e sistematização filosófica, ela é concebida, antes de tudo, como práxis, ou, nas palavras de Lukács, como “uma parte da práxis humana em seu conjunto” (Lukács, 2007LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista: sobre a particularidade como categoria da estética. São Paulo: Instituto Lukács, 2018. 272 p., p. 72).

Com essa compreensão, a ética diz respeito à prática social de homens e mulheres, em suas objetivações na vida cotidiana e em suas possibilidades de conexão com as exigências éticas conscientes da genericidade humana (BARROCO, 2008BARROCO, M. L. S. Ética: fundamentos sócio-históricos. São Paulo: Cortez, 2008., p. 16, grifo da autora).

Fundamentado nesses pressupostos, o ensino da ética propicia a conexão necessária entre os valores ético-morais instituídos historicamente na sociedade, viabilizando possibilidades e criação de novas escolhas, respostas e estratégias ético-profissionais consistentes ao projeto ético-político profissional.

A construção coletiva da Unidade Curricular (UC) no decorrer de quinze anos do curso na Região Metropolitana da Baixada Santista possibilita aprofundamentos que demonstram o quanto o ensino da ética, em sua transversalidade na formação profissional, e, especificamente, na UC, traz, cotidianamente, desafios que incentivam e provocam reflexões.

Considera-se o desenvolvimento da UC de ética profissional um momento particular, no processo formativo em Serviço Social e na construção e desconstrução de desvalores e crenças. Nela, abre-se a possibilidade de pensar o ser social e suas relações em uma perspectiva ontológica. Uma compreensão dessa sociabilidade na totalidade de seus aspectos e, em decorrência, uma reflexão crítica sobre os lugares sociais de privilégio ou opressão de classe, raça, gênero e sexualidade.

Na condição de docentes do curso desde 20103 3 Além das três autoras deste artigo, contamos até 2019, com a companheira Andrea Almeida Torres (in memoriam), com sua militância teórica e política voltada ao campo dos direitos humanos. , a incorporação da ética em sua transversalidade no Projeto Político-Pedagógico do curso (PPPC) e em suas revisões, tem sido um compromisso que envolve o coletivo, assentado nos pressupostos éticos, teóricos e políticos do projeto de formação profissional, consolidado pela Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss), por meio das Diretrizes Gerais para o Curso de Serviço Social - Diretrizes Curriculares (1996)ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. 1996. Disponível em: Disponível em: https://www.abepss.org.br/diretrizes-curriculares-da-abepss-10 . Acesso em: 18 jan. 2024.
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, no projeto ético-político profissional e no PPP do Campus Baixada Santista/Unifesp. Também tem sido um compromisso coletivo a construção da UC e no repensar de aspectos que devem fazer parte do estudo e debate da ética, desdobrando-se em amadurecimento teórico-metodológico e didático-pedagógico em sua oferta.

O percurso metodológico deste artigo exigiu pesquisas bibliográfica e documental (Gil, 2002GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002.) e a sistematização do desenvolvimento da UC. Por esse motivo, apresenta-se inicialmente o contexto que identifica a ética profissional no Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social e, em seguida, expõem-se os fundamentos teórico-filosóficos que embasam a UC no processo de ensino-aprendizagem. Por fim, compartilham-se experiências e estratégias didático-pedagógicas no ensino da ética profissional. Salienta-se que a presente organização do artigo supõe a compreensão de unidade formativa no processo de ensino-aprendizagem, na qual forma e conteúdo se conectam, se embricam e compõem o projeto de formação profissional.

2. A ética profissional no Projeto Político-Pedagógico do Curso (PPPC) de Serviço Social da Unifesp

É real o momento vivenciado na sociabilidade do capital em que prevalecem tendências à sociabilidade que se sustenta nos desvalores, na desumanização e em perspectivas antimodernas civilizatórias. Esse caldo cultural impõe o desafio da defesa de princípios e valores fundamentados em outra ordem societária.

Fundamentar essa análise exige a reflexão sobre as transformações operadas na lógica capitalista, que, nos anos 1970, com a crise estrutural do capital (Mészáros, 2002MESZARÓS, I. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002.), potencializa várias transformações societárias, repondo perspectivas anticivilizatórias visíveis na barbarização da vida social. As transformações propiciadas pela ofensiva do capital culminaram na intensificação das desigualdades sociais, na degradação da vida humana e da natureza e, no campo político-ideológico, na ênfase ao individualismo, nas reverências ao intimismo e nas questões da vida privada, originando novas formas de comportamento social com impactos na sociabilidade humana.

A presença dos desvalores se coloca mundialmente na mesma posição do crescimento das posturas autoritárias e conservadoras assentadas em um discurso da ordem, de ódios aos grupos historicamente oprimidos e conteúdos neofacistas, denominado por Mota e Rodrigues (2020MOTA, A. E.; RODRIGUES, M. Legado do Congresso da Virada em tempos de conservadorismo reacionário. Revista Katálysis. Florianópolis, v. 23, n. 2, p. 199-212, maio/ago. 2020.) de traços do conservadorismo reacionário.

No Brasil, país com forte herança colonial, marcado pelo capitalismo dependente e com traços conservadores, esses conteúdos ganham forma na intensificação das disputas político-ideológicas, no violento ataque aos direitos humanos, na retomada do discurso do anticomunismo, no apelo aos valores cristãos, no incentivo à repressão e à criminalidade e na naturalização dos assassinatos de corpos pretos e pobres. A sociabilidade é marcada por essas questões que se expressam na consciência dos(es) sujeitos(es) que reproduzem, muitas vezes, de maneira acrítica, esses desvalores.

Nesse contexto, é um desafio qualificar e adensar a formação profissional. Não uma formação mercadológica, aligeirada, acrítica e tecnicista, mas sim crítica e reflexiva. Direção que, no Serviço Social, ganha força nos anos 1980 e se fortalece na construção das Diretrizes Curriculares da Abepss (1996), articuladas sob a perspectiva emancipatória que avança na consolidação de um novo perfil profissional, com “capacitação teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa para a apreensão teórico-crítica do processo histórico como totalidade” (Abepss, 2014ABEPSS. Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social. Diretrizes Gerais para o curso de Serviço Social. 1996. Disponível em: Disponível em: https://www.abepss.org.br/diretrizes-curriculares-da-abepss-10 . Acesso em: 18 jan. 2024.
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, p. 2-3).

A lógica curricular nas Diretrizes aponta a articulação de três núcleos de fundamentação: 1. teórico-metodológicos da vida social; 2. formação sócio-histórica da sociedade brasileira; 3. trabalho profissional, eixos articuladores de conteúdos necessários para a formação e o trabalho profissional, que, no campo dos projetos político-pedagógicos das Unidades de Formação Acadêmica (UFAS), “desdobram-se em áreas de conhecimento que, por sua vez, se traduzem pedagogicamente através do conjunto dos componentes curriculares” (Abepss/Cedepss, 1996ABESS/CEDEPSS. Caderno Abess. n. 07. Caderno Especial: Formação Profissional: trajetórias e desafios. São Paulo: Cortez, 1996., p. 63).

As Diretrizes Curriculares parametrizam a formação profissional no curso de Serviço Social da Unifesp, criado em 2009, com 100 vagas/ano, turnos vespertino e noturno, nove semestres para sua integralização e carga horária total de 3.360 horas.

Uma das características do curso é seu movimento contínuo de reflexão dos processos formativos, seja na dimensão mais específica, seja em sua vinculação com o campus, com o território da Baixada Santista e, principalmente, em sua organicidade com as entidades da categoria de assistentes sociais, como no Conjunto CFESS/CRESS, na Abepss e na Executiva Nacional de Estudantes de Serviço Social (Enesso). Essas são forças propulsoras ao intenso debate e ações políticas que se aliam às lutas sociais. Com esse propósito é que, em 2021/2022, o curso se debruçou no movimento de reformulação de seu PPPC “na direção de responder a dois aspectos prioritários: 1. necessária educação antirracista; 2. curricularização da extensão” (Unifesp, 2023UNIFESP. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social, 2022. Disponível em: Disponível em: http://www.unifesp.br/reitoria/prograd/pro-reitoria-de-graduacao/cursos/informacoes-sobre-os-cursos . Acesso em: 18 jan. 2024.
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).

Em seu novo PPPC, a direção da formação centra-se em princípios e pressupostos importantes, entre os quais: a ética como princípio formativo que perpassa a formação curricular; a busca pela promoção da equidade e igualdade étnico-racial, prevenção e combate ao racismo; a capacitação teórico-metodológica e ético-política como requisito para o exercício de atividades técnico-operativas, com vistas à apreensão crítica dos processos sociais numa perspectiva de totalidade (Unifesp, 2023UNIFESP. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social, 2022. Disponível em: Disponível em: http://www.unifesp.br/reitoria/prograd/pro-reitoria-de-graduacao/cursos/informacoes-sobre-os-cursos . Acesso em: 18 jan. 2024.
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).

Constatam-se, como fundamental, o exercício da transversalidade da ética no processo de formação profissional e os princípios e valores que articulam o projeto de formação profissional a um societário, vinculado às lutas sociais e comprometido com outra sociabilidade, no horizonte da emancipação humana.

É inconteste que o debate ético não se localiza exclusivamente em determinada disciplina, porém compreende-se, como essencial, o espaço de demarcação teórico-metodológica e política como componente curricular no processo da formação acadêmica.

Conforme previsto nas Diretrizes Curriculares da Abepss (1996), as indicações das matérias básicas expressam as áreas de conhecimento necessárias para a formação e, no caso da UC Ética profissional, é importante buscar aprofundamentos específicos que articulam discussões, debates e conteúdos, que compõem um conjunto de reflexões para enfrentar as naturalizações presentes na sociabilidade contemporânea.

No curso, o percurso formativo mais voltado aos componentes que fundamentam a dimensão ética e da ética profissional é localizado no 2o semestre com a UC Fundamentos filosóficos para o Serviço Social e, na UC de Ética profissional, no 5o semestre, ambas com 80 horas. Compreende-se que o conjunto das UCs, dos Seminários temáticos e das Supervisões acadêmicas, incorpora o debate ético em sua transversalidade, pois os valores e princípios ético-morais não se suspendem ou aguardam o momento regulamentar da oferta das UCs, mas sim a realidade, como dinâmica, exige das(os/es) docentes apreensão e apropriação dos fundamentos éticos do Serviço Social, tornando-se um desafio permanente o compartilhamento dos saberes, reflexões e debates.

A UC de Ética profissional com as de Fundamentos históricos, teóricos e metodológicos do Serviço Social (I, II e III) são pré-requisitos para o Estágio supervisionado obrigatório. A ementa da UC de Ética profissional indica os seguintes conteúdos:

Fundamentos ontológicos da ética. Particularidade brasileira, cotidiano e desvalores. Crítica ontológica ao racismo e ao patriarcado. A ética profissional na trajetória do Serviço Social: do conservadorismo à ruptura. O código de ética profissional de 1993 e a defesa de um projeto emancipatório (Unifesp, 2023UNIFESP. Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social, 2022. Disponível em: Disponível em: http://www.unifesp.br/reitoria/prograd/pro-reitoria-de-graduacao/cursos/informacoes-sobre-os-cursos . Acesso em: 18 jan. 2024.
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).

Frente às considerações apresentadas, destacam-se, a seguir, as formulações do ensino da ética profissional no desenvolvimento da Unidade Curricular.

3. A fundamentação filosófica e teórica na UC de ética profissional

O processo de ensino-aprendizagem da ética e da ética profissional supõe imersão, debate e questionamento dos valores morais e éticos hegemônicos na sociedade, além de sua forma de reprodução, incorporação nos modos de ser e sua materialização na vida cotidiana. Assim, o dia a dia torna-se importante categoria analítica e crítica que colabora com o despertar das formas alienantes e antiéticas do estar no mundo e nas relações sociais.

A autora Agnes Heller (2008HELLER, A. O cotidiano e a história. Trad. COUTINHO, C. N.; KONDER, L. São Paulo: Paz e Terra, 2008.) é importante referência teórica nesse debate. Sua contribuição assenta-se, para o ensino da ética, sobre a compreensão da estrutura da vida cotidiana, que é, por si só, heterogênea, hierárquica, espontânea, probabilística, pragmática, ultrageneralizadora, mimética, entre outras características, revelando o campo inevitável de construção e reprodução ético-moral.

O aporte teórico que viabiliza compreender a ética na dinâmica da vida cotidiana, em suas contradições e possibilidades de superação ou suspensão, é consubstanciado pelos pressupostos da Ontologia do ser social. Georg Lukács afirma que só em Marx é possível formular a compreensão da essência e da constituição do ser social como ontologia - a ontologia marxiana - e, nesse aspecto, Lukács sistematiza o percurso do pensamento marxiano, em que assegura que a matriz categórica essencial pressupõe a análise da realidade social como critério último do ser social, elementos que são constatados na obra Os princípios ontológicos fundamentais de Marx (Lukács, 1979LUKÁCS, G. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Trad.: COUTINHO, C. N. São Paulo: Livraria Ciências Humanas, 1979.).

Esse norte teórico-metodológico pressupõe a apreensão do método em Marx, sob o terreno da história, no movimento das lutas de classes e de suas particularidades na dinâmica da realidade concreta. Por sua vez, totalidade, contradição e mediação constituem categorias centrais para apreensão do real e, nesse sentido, de necessária recuperação no processo de formação profissional no ensino da ética profissional.

Para Netto (2011NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx. São Paulo: Expressão Popular, 2011.), a totalidade é dinâmica e articulada, resulta no caráter contraditório da sociabilidade burguesa, composta de “complexo de complexos”. A natureza da vida social é constituída de processos que se inter-relacionam, se transformam e sofrem determinações concretas da realidade. As respostas a esses processos não são absolutas, uma vez que compõem uma série de determinantes, de maior ou menor grau, que interferem no percurso sócio-histórico, pois apresentam dinamicidade e contradições.

Contradições inerentes, por exemplo, nas possibilidades de avanço ou recuo no campo dos valores éticos emancipatórios no contexto da sociabilidade do capital. É desse modo que compreender e identificar as possibilidades de mediações existentes na totalidade social constitui um desafio concreto, pois não é imediato e exige compreender as relações, suas estruturas e dinâmicas na unidade do diverso4 4 Nas palavras de Marx: “o concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações e, por isso, é a unidade do diverso. Aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, e não como ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida, e, portanto, também, o ponto de partida da intuição e da representação” (MARX, K. 1982, p. 14). .

A apropriação, o debate e o aprofundamento dos fundamentos ontológicos da vida social, que orientam a perspectiva ética do Serviço Social, são tarefas obrigatórias e essenciais para o desenvolvimento político-pedagógico nas disciplinas de ética e ética profissional nos cursos de Serviço Social.

Esses fundamentos perpassam o debate e o estudo sobre a compreensão de homem/mulher, de mundo e sociedade, e, assim sendo, exige a necessária construção e reconstrução dos processos que edificam os valores ético-morais na história da humanidade sob a ótica ontológica marxiana.

Parte-se do pressuposto de que somente os homens e mulheres podem agir de forma ética, pois têm atributos e capacidades, como a consciência e a liberdade para projetar, planejar e realizar atos e ações concretas na perspectiva de transformar a natureza cada vez mais social.

A modificação da intervenção humana na natureza desdobra-se na criação de alternativas antes não existentes e das possibilidades que se constroem na história de escolhas e novas opções para responder às necessidades humanas. Nesse processo, modifica-se dialeticamente tudo ao redor, os homens e mulheres, a natureza, o produto realizado pelo trabalho que passa a atender novas necessidades, o conhecimento, as formas de intercâmbio e, por sua vez, também se modifica a linguagem, a cultura, as regras e formas de convivência, os costumes, a consciência e as possibilidades de liberdade determinadas pelas possibilidades de escolha.

A liberdade é compreendida como princípio fundamental. Barroco (1999BARROCO, M. L. S. As implicações ético-políticas do agir profissional. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social, módulo II: Reprodução social, trabalho e Serviço Social. Brasília: CEAD, 1999.) afirma que quanto mais ampliam-se as possibilidades de alternativas, de escolhas, mais extensivas serão as oportunidades éticas. Aqui está um conteúdo central no desenvolvimento da UC de ética profissional. O fato é que a ética supõe liberdade de escolha, ponto elementar da concepção ética de vertente marxista. Para que “a liberdade exista é preciso que os homens tenham, objetivamente, condições sociais que lhes permitam intervir conscientemente na realidade, transformando seus projetos ideais em alternativas concretas de liberdade, ou seja, de novas escolhas e novos projetos” (Barroco, 1999BARROCO, M. L. S. As implicações ético-políticas do agir profissional. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social, módulo II: Reprodução social, trabalho e Serviço Social. Brasília: CEAD, 1999., p. 122).

É desse modo, como ponto de partida dos fundamentos ontológicos da vida social, que a UC de ética profissional é desenvolvida, no entanto, é também fundamental compreender que os antecedentes filosóficos que colaboram com tais fundamentos são abordados em outras disciplinas no percurso formativo da/o estudante.

Nessa acepção, a ética é apreendida como capacidade humana livre e consciente, que supõe a práxis como substância da ação ética. E como a práxis é apreendida nesse processo? Como categoria ontológica do ser social, que pressupõe consciência, escolha e ação transformadora, especialmente no e pelo trabalho, lócus privilegiado da práxis, desenvolvendo capacidades e necessidades que inauguram produtos antes não construídos e que respondem às necessidades humanas, seja de ordem material ou imaterial. É nesse percurso que a ética requisita a práxis em sua ação, assim como é também na política, na arte e na ciência, por exemplo (Barroco, 1999BARROCO, M. L. S. As implicações ético-políticas do agir profissional. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social, módulo II: Reprodução social, trabalho e Serviço Social. Brasília: CEAD, 1999.).

O percurso teórico aqui aludido, fundamental na dinâmica da UC de ética profissional, para chegar à ética na perspectiva ontológico-marxiana, demandará a necessária compreensão da genericidade humana. Debate para o qual Lukács e Heller contribuíram significativamente e que constitui o insight revelador do encontro ético-emancipador. Os recursos teórico-metodológicos para esse “encontro” reivindicam o estudo das capacidades humanas sócio-históricas, portanto, mais uma vez, da apreensão do trabalho como componente central para ampliação ou alargamento das habilidades e capacidades das mulheres e homens em seu tempo. Além do trabalho, a apreensão da consciência, liberdade e do contato com os valores ético-morais, social e historicamente construídos.

Nesse ponto, a genericidade humana, ou, melhor dizendo, o movimento das ações vinculadas aos valores ético-morais universais, resultantes da riqueza produzida pela humanidade em termos de valores inalienáveis a todas as mulheres e todos os homens, como a liberdade, a sociabilidade e a consciência, representa um estrato que, se não desenvolvido no chão da realidade histórica, territorial, de recorte étnico-racial e de gênero, tende a se tornar mero atributo externo.

Ao longo dos últimos anos e, especialmente, na última revisão curricular do PPPC na Unifesp, em 2021 e 2022, a tônica fundamental que enriqueceu e aprofundou o debate na perspectiva ontológica foi a de trabalhar os pressupostos da formação sócio-histórica que estruturaram a sociabilidade brasileira e latino-americana. Trata-se de recuperar, nos conteúdos da UC de Ética profissional, as características do colonialismo, do racismo e do machismo que constituem a formação sociocultural e incidem na reprodução dos valores ético-morais.

Alguns autores orientam as conexões antirracistas e antipatriarcais que se fazem indispensáveis nesse processo. Entre eles, discutem “a descolonização dos saberes africanos”, com Francisco Vieira (2012); “a conformação da branquitude e do branqueamento”, com Maria Aparecida Bento (2002); “a discussão da construção sócio-histórica do patriarcado”, com Silvia Frederic (2019), obras que conformam a discussão da genericidade humana sem declinar para o “universalismo eurocentrado”.

Posto isso, o ensino da ética pressupõe a imersão nos fundamentos ontológicos da vida social, da particularidade brasileira e do cotidiano, e na reprodução dos desvalores. Compreende a crítica ontológica ao racismo e ao patriarcado, e o desafio que requer estudo, pesquisa e intervenção na complexa realidade vivida pelas(os/es) estudantes.

A apropriação dos fundamentos ontológicos da ética profissional e a exposição da trajetória do debate ético no Brasil, do conservadorismo à ruptura, conectam-se com a totalidade dos processos socialmente determinados. E, por fim, aproxima-se do ethos profissional requisitado pela direção social da profissão a seus futuros profissionais. Pressupõe apropriação da ética objetivada pela prática moral, ação ética e reflexão filosófica, e compreende a ética profissional em suas distintas dimensões: 1. teórica, que compõe as orientações filosóficas - valores, princípios, visão de homem e sociedade; 2. moral-prática, que discute e identifica as manifestações dos comportamentos individuais e o conjunto das ações profissionais coletivas; 3. dimensão normativa, com o código de ética profissional na prescrição dos direitos, deveres e proibições às/aos assistentes sociais (Barroco, 1999BARROCO, M. L. S. As implicações ético-políticas do agir profissional. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social, módulo II: Reprodução social, trabalho e Serviço Social. Brasília: CEAD, 1999.).

Com base nesses fundamentos, a UC de Ética profissional materializa-se na dinâmica da formação profissional e, como um “farol”, orienta as escolhas e estratégias didático-pedagógicas no dia a dia do processo ensino-aprendizagem.

4. A perspectiva didático-pedagógica na UC de ética profissional na Unifesp

O processo de formação em Serviço Social “organiza”, “desorganiza” e “reorganiza” crenças, valores, emoções e vidas de quem por ele passa. A concepção é a de uma graduação que traga novas informações, reflexões e, acima de tudo, que seja formação e não apenas desenvolvimento de habilidades técnicas. Formação que é profissional, mas também de um sujeito social que terá a possibilidade de ver e rever seus valores, se questionar e se pensar no mundo. “É por esta razão que nós, educadores democráticos, devemos lutar de modo que se torne cada vez mais e mais claro que a educação representa formação e não treinamento” (Freire, 2001FREIRE, P. Pedagogia dos sonhos possíveis. Organização: Ana Maria Araújo Freire. São Paulo: Editora Unesp, 2001., p. 66).

A experiência coletiva de construção da UC de ética profissional possibilita a afirmativa de que ela é um dos espaços propícios a construções, desconstruções e/ou reconstruções. É nela, por meio de seus conteúdos, que se explicitam uma série de valores, preconceitos e crenças muitas vezes arraigados e não conscientes em cada um/e/a.

O ensino não é, portanto, um movimento de transmissão que termina quando a coisa que se transmite é recebida, mas “o começo do cultivo de uma mente de forma que o que foi semeado crescerá” (Oakeshott, 1968, p. 160).

Penso que é importante ir além da metáfora da semeadura e descobrir no ensino sua função essencial de socialização criadora e recriadora de conhecimento e cultura (...). Por intermédio do gesto de ensinar, o professor, na relação com os alunos, proporciona a eles, num exercício de mediação, o encontro com a realidade considerando o saber que já possuem e procurando articulá-lo a novos saberes e práticas (Rios, 2001RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001., p. 52).

Desse modo, a UC exige pensar não somente em seu conteúdo, com nitidez de intencionalidade, mas também em sua forma. É necessário que ela ocorra mediada por processos pedagógicos que possibilitem o contato com a realidade social, com os fundamentos éticos e com os próprios valores e crenças, em um movimento de construção e desconstrução contínuo, capaz de propiciar a conexão com a inteireza do(e) sujeito(e), conforme aponta Lukács:

A incessante conversão da forma em conteúdo e vice-versa é, sem dúvida, o modo de ser universal da realidade e ocorre por isso em qualquer forma de reflexo (...). Um processo análogo, naturalmente, manifesta-se também no processo da criação artística (...), mas o resultado, a individualidade da obra de arte, enquanto forma de um determinado conteúdo, apresenta esta unidade de conteúdo e forma como uma unidade não mais superável: a conversão de um momento no outro se orienta tão somente para aprofundar e fixar a unidade orgânica indissolúvel de conteúdo e forma, ao mesmo tempo como processo infinito e como unidade completa (Lukács, 2018LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista: sobre a particularidade como categoria da estética. São Paulo: Instituto Lukács, 2018. 272 p., p.232-3).

Partindo da premissa de que pensar e ser, ética e estética, real e abstrato, teoria e prática não estão dissociadas e formam uma unidade contraditória, faz-se necessário estabelecer estratégias coerentes com os próprios conceitos e categorias analíticas compreendidas em uma perspectiva ontológica, de modo a chegar na discussão da ética profissional possibilitando que estudantes compreendam e se apropriem dos princípios éticos que são o norte profissional. Essa unidade, porém, não está dada espontaneamente no dia a dia da vida. Para compreendê-la é necessário a mediação da práxis, que possibilita a suspensão dessa cotidianidade e sua reflexão.

Lukács (1969)LUKÁCS, G. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Trad.: COUTINHO, C. N. São Paulo: Livraria Ciências Humanas, 1979. aponta a importância da “reflexão científica” e da “construção artística” como possibilitadoras da compreensão ética para além da superficialidade expressa no real em busca da “essência dos fenômenos”, apresentando o que é próprio da capacidade ética: a elevação de nossa singularidade à genericidade humana.

Sob a perspectiva ontológica, compreende-se que, como capacidade tipicamente humana, a ação ética, ou o sujeito ético, só é possível a partir dos momentos de suspensão ou elevação da cotidianidade. Nas produções de Heller (2008HELLER, A. O cotidiano e a história. Trad. COUTINHO, C. N.; KONDER, L. São Paulo: Paz e Terra, 2008.), Lukács (1978)LUKÁCS, G. Os princípios ontológicos fundamentais de Marx. Trad.: COUTINHO, C. N. São Paulo: Livraria Ciências Humanas, 1979. e Netto (1994NETTO, J. P. Para a crítica da vida cotidiana. In: NETTO, J. P.; CARVALHO, M. do C. B. Cotidiano: conhecimento e crítica. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1994.), a arte, a ciência, o trabalho criador, com o acréscimo da política, são práxis que possibilitam tal suspensão havendo a conexão e o reconhecimento da singularidade à humanidade. A partir dela, o retorno à vida cotidiana será carregado de novos valores e ações éticas.

Está contida aqui, nitidamente, uma dialética de tensões: o retorno à cotidianidade após uma suspensão (seja criativa, seja fruidora) supõe a alternativa de um indivíduo mais refinado, educado (justamente porque se alçou à consciência humano-genérica); a vida cotidiana permanece ineliminável e inultrapassável, mas o sujeito que a ela regressa está modificado. A dialética cotidianidade/suspensão é a dialética da processualidade da constituição e do desenvolvimento do ser social (Netto, 1994NETTO, J. P. Para a crítica da vida cotidiana. In: NETTO, J. P.; CARVALHO, M. do C. B. Cotidiano: conhecimento e crítica. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1994., p. 70, grifo do autor).

Sousa, Santos e Cardoso (2013SOUSA, A. A. S.; SANTOS, S. M.; CARDOSO, P. Ética e Serviço Social: um itinerante caminhar. Temporalis. Revista da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (Abepss). n. 25. Brasília: Abepss, 2013., p. 59) afirmam que, nessa UC, é fundamental:

a recorrência a uma metodologia que propicie a interiorização dos conteúdos essenciais, com desenvolvimento de estratégias que favoreçam a reflexão crítica e a formação da consciência de classe articulada ao reconhecimento e valorização dos projetos coletivos, da singularidade e da diversidade humana.

Somado a isso, a oferta de estratégias didático-pedagógicas que possibilitem a compreensão e apropriação sobre os lugares de privilégios e de opressões vivenciados pelas(os/es) estudantes e pela população atendida pelo Serviço Social, numa sociedade capitalista, patriarcal e racista, sustentada pelo machismo e pela branquitude.

Desse modo, compreende-se que, ao longo das aulas semanais de ética profissional - um privilegiado espaço de suspensão da cotidianidade -, levando-se em conta os conteúdos nela trabalhados na perspectiva ontológica e com a fundamental inserção do debate das relações étnico-raciais e do patriarcado como centrais nas relações de classe, foi-se construindo as estratégias pedagógicas.

Dinâmicas, vivências, exibição de filmes, poesia, músicas, depoimentos, produções artísticas como parte do processo avaliativo, entrevistas com assistentes sociais em campo, reflexão sobre o cotidiano profissional, entre outras. O contato com a realidade com sua possível reflexão crítica e a arte ganham centralidade na proposta pedagógica da UC.

É marcante, e por que não dizer emocionante, acompanhar e vivenciar, em cada semestre, os impactos dessa disciplina na vida das(os/es) estudantes e das(os/es) docentes num movimento de descobertas, redescobertas, medos, anseios, alegrias diante dos debates que se aproximam aos valores humano-genéricos.

A utilização de filmes, poesias e músicas em cada aula e a produção das(os/es) estudantes em saraus e na mostra cultural intitulada “Um olhar ético às questões de nosso tempo: do moralismo ao reconhecimento de nossa genericidade humana”, com base nos cadernos do CFESS “Assistente social no combate ao preconceito” (para todo o campus), demonstram que realmente a arte tem a capacidade da elevação de nossa singularidade à genericidade humana.

O contato com a realidade, a partir da fala dos sujeitos, tem se mostrado uma excelente estratégia. Nesse sentido, recorre-se à exibição de depoimentos, entrevistas e falas de sujeitos que vivenciam opressões e/ou que explicitam seus privilégios de classe, raça e gênero, diante do capitalismo, da branquitude e do patriarcado. Entre alguns importantes vídeos, temos as falas de Chimamanda Adichie5 5 Acessível em: https://youtu.be/ZUtLR1ZWtEY , Lia Vainer6 6 Acessível em: https://canaisglobo.globo.com/assistir/futura/entrevista/v/8858540 , Luciana Alves7 7 Acessível em: https://www.youtube.com/watch?v=boMgEjkM3o0 e Weber Lopes8 8 Acessível em: https://www.youtube.com/watch?v=lROYO0RH8JM&t=2s .

Ainda como contato com a realidade, outro recurso importante são matérias de jornais ou artigos de blogs que reflitam sobre acontecimentos marcantes pensados sob uma perspectiva ética - um olhar crítico sobre a humanidade. Um dos textos que provocam ótima reflexão, conforme mencionado, tem sido o do prof. Deivison Faustino, intitulado “Não é só pelos franceses, é por você, mesmo! Sobre porque também deveríamos chorar a queima da catedral”9 9 Acessível em: https://deivisonnkosi.com.br/artigos/diversos/nao-e-pelos-franceses-e-por-voce-mesmo-sobre-porque-tambem-deveriamos-chorar-a-queima-da-catedral/ .

A partir da reflexão dos fundamentos teórico-filosóficos na perspectiva didático-pedagógica, percebe-se que chegar à reflexão sobre a ética profissional se torna mais fluido e com maior possibilidade de apropriação dos princípios éticos presentes no Código de Ética Profissional (2011)CFESS. Conselho Federal de Serviço Social. Código de Ética do/a Assistente Social, 2011.. Uma apropriação que ocorre com a interiorização de valores e permite o distanciamento da reprodução acrítica e cartorial do Código apenas como uma lei ou algo a ser decorado para os processos avaliativos.

Quando se aborda a especificidade da ética profissional, as(os/es) estudantes têm a possibilidade de compreender a lógica expressa nos onze princípios do Código de Ética diante das reflexões realizadas sobre o ser social, a liberdade, o cotidiano e os demais conteúdos explicitados na fundamentação teórica que sustenta a UC.

Para dar concretude à compreensão dessa lógica, realizam-se exercícios de compreensão dos artigos à luz dos princípios. Assim, pretende-se ultrapassar sua apreensão como uma lei a ser decorada dizendo às/aos profissionais o que pode e não pode fazer. A compreensão dos princípios conduz à reflexão sobre as ações a serem realizadas diante dos desafios éticos postos ao cotidiano do trabalho profissional. Diante desse aspecto, oportunizam-se situações fictícias ou reais (sem nenhuma identificação dos sujeitos para que estudantes se posicionem eticamente acerca dos desafios postos nessa sociabilidade.

Ao realizar escolhas, é necessário levar em conta a estrutura ética do Código e, então, encontrar nos artigos a sustentação para a ação a ser tomada e não o contrário, ou seja, os artigos do Código não devem ser uma “cartilha” que determina a ação pelo que se pode ou não fazer, mas sim um guia, uma orientação de possibilidades de caminhos em consonância com a ética da profissão.

Ainda em contato com o real, organizam-se visitas de campo a espaços sócio-ocupacionais previamente escolhidos pelas docentes, nos quais se conhece e discute o compromisso ético das(os/es) profissionais. Nessa visita, estudantes devem dialogar com a(o/e) profissional sobre os dilemas éticos vivenciados cotidianamente e como os “resolve”, entendendo também como o Código e a direção ético-profissional dão sustentação à(ao/e) assistente social em seus posicionamentos. No retorno à turma, a apresentação se dá de maneira empolgada. É fundamental compreender os processos dialéticos e contraditórios que fazem parte do trabalho profissional, pois são materiais para o debate.

Por fim e como um momento muito especial, ocorre, a depender das condições do semestre letivo, um sarau no qual docentes e estudantes levam sua arte, poesia, música, entre outras formas de expressão para exteriorizar o que a disciplina construiu/desconstruiu/reconstruiu, subjetiva e objetivamente, nos sujeitos e em suas realidades.

O registro das experiências didático-pedagógicas, alinhadas aos pressupostos teórico-filosóficos, contribui para o fortalecimento do ensino da ética.

5. Considerações finais

O percurso deste artigo, que expressa a dinâmica e o desenvolvimento do ensino da ética profissional na condição de unidade curricular, em seus pressupostos teórico-metodológicos, filosóficos, políticos e didático-pedagógicos, desvela a matriz ontológica que estrutura a perspectiva ética profissional, acentuando as possibilidades concretas das diretrizes ético-políticas que fundam o Serviço Social desde sua renovação e ruptura com o conservadorismo.

Expõe as conexões necessárias dos fundamentos do Serviço Social e seus núcleos de fundamentação que alicerçam o projeto profissional, o que comprova a necessária interlocução entre conteúdos, categorias analíticas e estratégias pedagógicas possíveis de evidenciar a dinâmica do debate ético no processo formativo.

Fica nítido que a transversalidade não é mera narrativa, mas sim princípio! O trajeto para apreensão do conteúdo da ética não começa nem termina no desenvolvimento da UC específica. Conforme destacado, o tema não “se suspende” aguardando o seu lugar de estudo e debate, portanto ética deve ser discutida e apropriada em todo percurso formativo, compreendendo que o momento da oferta da disciplina é o espaço privilegiado para o aprofundamento teórico-filosófico e ético-político.

O que aqui se pretendeu foi partilhar a concepção e a dinâmica do desenvolvimento da UC, construída coletivamente, divulgando e partilhando aos docentes da área experiência, concepção e possibilidades.

As linhas traçadas neste artigo apontam a imprescindível conexão entre os saberes, conhecimentos articulados com a realidade e com a história. Com isso, o momento da UC conduz as(os/es) estudantes às sínteses e intersecções que dialogam e debatem com os núcleos da formação sócio-histórica, da vida social e do trabalho profissional. Os saberes e reflexões éticas produzidas alicerçam os demais passos para a formação acadêmica, seja ela para a chegada no estágio, para a elaboração das mediações maturadas na análise da realidade e do trabalho ou mesmo para o processo de sistematizações teórico-reflexivas que demandam às(aos/es) futuras(os/es) profissionais se posicionar, manifestar e imergir no cotidiano do trabalho profissional, coerência ética e política.

Por fim, considera-se que a formação profissional ganha espaço privilegiado também no campo das disputas de projetos societários, e os componentes teóricos, éticos e políticos da ética profissional podem propiciar a ampliação de conteúdos, repertórios de reflexão e ações práticas no campo emancipatório. Nessa direção, deve estar a intencionalidade do desenvolvimento da ética profissional nos cursos de Serviço Social.

Referências

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    » https://www.abepss.org.br/diretrizes-curriculares-da-abepss-10
  • BARROCO, M. L. S. As implicações ético-políticas do agir profissional. In: Capacitação em Serviço Social e Política Social, módulo II: Reprodução social, trabalho e Serviço Social. Brasília: CEAD, 1999.
  • BARROCO, M. L. S. Ética: fundamentos sócio-históricos. São Paulo: Cortez, 2008.
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  • LUKÁCS, G. Introdução a uma estética marxista: sobre a particularidade como categoria da estética. São Paulo: Instituto Lukács, 2018. 272 p.
  • MARX, K. Para a crítica da economia política: salário, preço e lucro: o rendimento e as fontes; a economia vulgar. São Paulo: Abril Cultural, 1982.
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  • NETTO, J. P. Introdução ao estudo do método de Marx São Paulo: Expressão Popular, 2011.
  • RIOS, Terezinha Azeredo. Compreender e ensinar: por uma docência da melhor qualidade. São Paulo: Cortez, 2001.
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    » http://www.unifesp.br/reitoria/prograd/pro-reitoria-de-graduacao/cursos/informacoes-sobre-os-cursos
  • 1
    A disciplina de Ética profissional é denominada “Unidade Curricular/UC” no Projeto Político-Pedagógico do Curso de Serviço Social da Unifesp/2023.
  • 2
    Marx e Lukács são autores que influenciam preponderantemente o debate da ética na área do Serviço Social, especialmente sob a perspectiva da ontologia do ser social, fundamento que orienta a concepção de valores ético-morais da vida social.
  • 3
    Além das três autoras deste artigo, contamos até 2019, com a companheira Andrea Almeida Torres (in memoriam), com sua militância teórica e política voltada ao campo dos direitos humanos.
  • 4
    Nas palavras de Marx: “o concreto é concreto porque é a síntese de múltiplas determinações e, por isso, é a unidade do diverso. Aparece no pensamento como processo de síntese, como resultado, e não como ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida, e, portanto, também, o ponto de partida da intuição e da representação” (MARX, K. 1982MARX, K. Para a crítica da economia política: salário, preço e lucro: o rendimento e as fontes; a economia vulgar. São Paulo: Abril Cultural, 1982., p. 14).
  • 5
    Acessível em: https://youtu.be/ZUtLR1ZWtEY
  • 6
    Acessível em: https://canaisglobo.globo.com/assistir/futura/entrevista/v/8858540
  • 7
    Acessível em: https://www.youtube.com/watch?v=boMgEjkM3o0
  • 8
    Acessível em: https://www.youtube.com/watch?v=lROYO0RH8JM&t=2s
  • 9
    Acessível em: https://deivisonnkosi.com.br/artigos/diversos/nao-e-pelos-franceses-e-por-voce-mesmo-sobre-porque-tambem-deveriamos-chorar-a-queima-da-catedral/

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2023
  • Aceito
    08 Nov 2023
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