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Significados do trabalho no processo de viver de trabalhadoras de um programa de saúde da família

Meanings of work in the living process of workers in a family health program

Significados del trabajo en el proceso de vivir de trabajadoras de un programa de salud de la família

Resumos

Este estudo teve por objetivo compreender os significados do trabalho no processo de viver de trabalhador(as) do Programa de Saúde da Família, de um município do Rio Grande do Sul. Com base em uma abordagem exploratório-descritivo, dados qualitativos foram obtidos através de entrevista e grupo focal, com dez trabalhador(as) do Programa de Saúde da Família. Os dados foram analisados usando o programa de análise qualitativa - QSR Nvivo e interpretados através do referencial teórico proposto. De acordo com os resultados deste estudo, o trabalho emergiu a partir de uma rede de significados que o caracterizam como processo (des)potencializador do viver humano do(as) trabalhador(as) do Programa de Saúde da Família.

Trabalho; Trabalhadores; Programa Saúde da Família


The aim of this study was to comprehend the meanings of work in the living process of workers in a Family Health Program of a town in Rio Grande do Sul, Brazil. Based on a descriptive exploratory design, qualitative data was generated through interviews and focus groups with ten workers of a Family Health Program. Data was analysed using a qualitative analysis software - QSR Nvivo and interpreted through a proposed theoretical framework. According to the results of this study, work emerges as a network of meanings, which characterize it as a(n) (un) propelling process of human living of the workers in a Family Health Program.

Work; Workers; Family Health Program


El objetivo del presente estudio es comprender los significados del trabajo en el proceso de vivir de trabajadores (as) del Programa de Salud de la Familia, de una ciudad del Estado de Rio Grande do Sul. Con base en un abordaje exploratorio descriptivo, los datos cualitativos fueron obtenidos con diez trabajadoras del Programa de Salud de la Familia, a través de entrevistas y grupo focal. Los datos fueron analizados usando el programa de análisis cualitativo - QSR Nvivo e interpretados a través del referencial teórico propuesto. De acuerdo con los resultados de este estudio, el trabajo surgió a partir de una red de significados que lo caracterizan como proceso (des) potencializador del vivir humano de los (las) trabajadores (as) del Programa de Salud de la Familia.

Trabajo; Trabajadores; Programa Salud de la Familia


ARTIGO ORIGINAL

PESQUISA

Significados do trabalho no processo de viver de trabalhadoras de um programa de saúde da família

Meanings of work in the living process of workers in a family health program

Significados del trabajo en el proceso de vivir de trabajadoras de un programa de salud de la família

Eliana P. AzambujaI; Geani F. M. FernandesII; Nalu P. C. KerberIII; Rosemary S. da SilveiraIV; Alcione Leite da SilvaV; Lucia H. Takase GonçalvesVI; Maria do Horto F. CartanaVII

IEnfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do Curso Técnico de Enfermagem, do Colégio Técnico Industrial Prof. Mário Alquati, da Fundação Universidade Rio Grande (FURG). Bolsista do Programa de Qualificação Institucional (PQI) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Membro do Laboratório de Estudo de Processos Sócio-ambientais e Produção Coletiva de Saúde (LAMSA). Membro do Núcleo de Estudos sobre Saúde, Trabalho e Cidadania (PRÁXIS)

IIEnfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC. Professora de Enfermagem da FURG. Bolsista PQI/CAPES. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde (NEPES). Membro do Grupo de Pesquisa em Educação em Enfermagem e Saúde (EDEN)

IIIEnfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC. Professora de Enfermagem da FURG. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Membro do LAMSA. Membro do PRÁXIS

IVEnfermeira. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da UFSC. Professora de Enfermagem da FURG. Bolsista PQI/CAPES. Membro do NEPES. Membro do Grupo de Pesquisa em Tecnologias Convergentes Assistenciais em Saúde e Enfermagem (GIATE)

VEnfermeira. Doutora em Filosofia de Enfermagem. Professora Associada Convidada da Secção Autônoma de Ciências da Saúde da Universidade de Aveiro, Portugal. Coordenadora da Unidade Integrada de Estudo e Investigação em Educação e Cuidado em Enfermagem e Saúde, Aveiro, Portugal

VIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora da UFSC. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre Cuidado de Saúde de Idosos (GESPI)

VIIEnfermeira. Doutora em Filosofia da Enfermagem. Professora da UFSC. Membro do EDEN

Endereço Endereço: Eliana P. Azambuja Visconde do Rio Grande, 608 96.211-490 - Cidade Nova, Rio Grande, RS Email: gama@vetorial.net

RESUMO

Este estudo teve por objetivo compreender os significados do trabalho no processo de viver de trabalhador(as) do Programa de Saúde da Família, de um município do Rio Grande do Sul. Com base em uma abordagem exploratório-descritivo, dados qualitativos foram obtidos através de entrevista e grupo focal, com dez trabalhador(as) do Programa de Saúde da Família. Os dados foram analisados usando o programa de análise qualitativa - QSR Nvivo e interpretados através do referencial teórico proposto. De acordo com os resultados deste estudo, o trabalho emergiu a partir de uma rede de significados que o caracterizam como processo (des)potencializador do viver humano do(as) trabalhador(as) do Programa de Saúde da Família.

Palavras-chave: Trabalho. Trabalhadores. Programa Saúde da Família.

ABSTRACT

The aim of this study was to comprehend the meanings of work in the living process of workers in a Family Health Program of a town in Rio Grande do Sul, Brazil. Based on a descriptive exploratory design, qualitative data was generated through interviews and focus groups with ten workers of a Family Health Program. Data was analysed using a qualitative analysis software - QSR Nvivo and interpreted through a proposed theoretical framework. According to the results of this study, work emerges as a network of meanings, which characterize it as a(n) (un) propelling process of human living of the workers in a Family Health Program.

Keywords: Work. Workers. Family Health Program.

RESUMEN

El objetivo del presente estudio es comprender los significados del trabajo en el proceso de vivir de trabajadores (as) del Programa de Salud de la Familia, de una ciudad del Estado de Rio Grande do Sul. Con base en un abordaje exploratorio descriptivo, los datos cualitativos fueron obtenidos con diez trabajadoras del Programa de Salud de la Familia, a través de entrevistas y grupo focal. Los datos fueron analizados usando el programa de análisis cualitativo - QSR Nvivo e interpretados a través del referencial teórico propuesto. De acuerdo con los resultados de este estudio, el trabajo surgió a partir de una red de significados que lo caracterizan como proceso (des) potencializador del vivir humano de los (las) trabajadores (as) del Programa de Salud de la Familia.

Palabras clave: Trabajo. Trabajadores. Programa Salud de la Familia.

INTRODUÇÃO

Este estudo é parte de um protocolo de pesquisa, que teve como propósito compreender o processo de viver (não)saudável de grupos sociais da Região Sul do Brasil. Neste estudo, focamos especificamente o trabalho no processo de viver de trabalhador(as) do Programa de Saúde da Família (PSF) de um município do sul do Rio Grande do Sul (RS).

O PSF, enquanto proposta governamental de ação para a saúde, tem como foco de ação o cuidado de famílias inseridas em um contexto social, que por vezes é desfavorável e limitante do processo de viver humano. Em seu trabalho, os(as) trabalhadores(as) convivem com desafios cotidianos que acabam por afetar todas as dimensões de suas vidas. Deste modo, consideramos importante compreender a dimensão que o trabalho assume na vida de trabalhadores(as) do PSF e que significados lhe são atribuídos.

A escolha da Unidade de Saúde da Família (USF) deste estudo, deve-se ao fato desta unidade estar vinculada à universidade e por ser a pioneira na estratégia Saúde da Família no município. Nesta unidade, algumas das pesquisadoras deste estudo são integrantes do pólo de capacitação em saúde da família, desde 1999. Além disso, são desenvolvidos alguns estágios curriculares e extracurriculares dos acadêmicos dos cursos de enfermagem e medicina.

CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

O PSF tem como estratégia central o estabelecimento de vínculos e a criação de laços e compromissos de co-responsabilidades entre profissionais de saúde e a população. Tem como objetivo "contribuir para a re-orientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do SUS, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades entre os serviços de saúde e a população".1:10

O processo de trabalho em saúde e os desafios necessários para a construção de um novo fazer na estratégia Saúde da Família tem sido alvo de estudos.2-4 que identificam como pressuposto operacional, desta estratégia, a cooperação entre aqueles que executam o trabalho e o conhecimento técnico para a resolubilidade das ações e a garantia da integralidade do atendimento.

Os(as) trabalhadores(as), integrantes de uma equipe multidisciplinar, têm como desafio transformar o modo como percebem e realizam o fazer, e estender as suas ações para fora dos muros dos postos, percebendo a realidade e as necessidades in loco, onde as famílias vivem, relacionam-se e produzem, visto ser a família o principal objeto de atenção. Para pôr em prática o princípio da vigilância em saúde, é preconizado que os agentes de saúde residam na área de atuação.

As USF são caracterizadas como a porta de entrada do sistema local de saúde e contam com a atuação de uma equipe multiprofissional habilitada no desenvolvimento de atividades de promoção, proteção e recuperação da saúde, através da atenção contínua nas especialidades básicas. A avaliação do programa deve considerar a satisfação dos usuários e da equipe, as mudanças concretas no modelo assistencial, a qualidade do desempenho e o impacto nos indicadores de saúde.

A USF, deste estudo, se insere em uma cidade pertencente ao estado do RS, a qual possui uma população estimada de 189.515 habitantes. Localizada na metade sul do estado do RS, a região apresenta os piores indicadores de qualidade de vida do estado, pois, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 67,5% da população pertence a famílias com renda inferior a 3 salários mínimos; destas, 32,45 estão abaixo do limite de pobreza funcional, a expectativa de vida ao nascer (global) é de 68,3 anos e o Índice de Densidade Humana (IDH) é de 0,7222 (o IDH do RS é de 0,869).5 O município apresenta um grande número de desempregados, relacionado à baixa renda per capita, que segundo o IBGE é, em média, R$100,00/hab. nas regiões periféricas do município. Neste município, o serviço de saúde conta com 25 Unidades Básicas de Saúde (UBS), um centro de saúde, uma unidade de especialidades, uma Unidade de Saúde Mental (CAPS), sendo que a divisão territorial de saúde ocorre por bairros.

O município vem recebendo incentivos para a implantação do PSF desde 1998, quando houve a adesão do mesmo ao programa. No momento do estudo, existiam quatro equipes atuando em duas unidades de saúde, com cobertura em seis bairros, atingindo aproximadamente 10.352 pessoas, o que corresponde a uma cobertura de 5,4% da população do município.

A USF onde foi desenvolvido o estudo, situa-se no interior do Campus da Universidade, em um bairro afastado da zona central da cidade. Nesta unidade atuam duas equipes compostas por duas enfermeiras, duas médicas, duas auxiliares de enfermagem e doze agentes comunitários de saúde, totalizando dezoito trabalhadores(as).

REFERENCIAL TEÓRICO

Os seres humanos vivem e convivem em diversos contextos: trabalho, escola, espaços de lazer, relações sociais e família. As inter-relações que se processam nos diferentes espaços sociais compõem o processo de viver humano. O viver humano é entendido como um processo dinâmico, multifacetado e complexo, que se constrói historicamente, de forma individual e coletiva, em âmbito local e global, através dos recursos sociais, culturais, políticos, econômicos, ecológicos, geográficos, tecnológicos, educacionais, dentre outros, compartilhados por uma certa sociedade em determinado momento histórico* * Silva AL, Gonçalves LT, Alvarez A, Cartana MH. Protocolo de Pesquisa Colaborativa e Participativa do Processo de Viver Humano no Contexto da Região Sul. Florianópolis (SC): UFSC/PEN; 2003 [material não publicado]. .

No processo de viver humano, nos interessa, em particular, o trabalho enquanto componente inseparável das vivências cotidianas, como processo das construções históricas e sociais, enquanto espaço dos sonhos, das aspirações e dos desejos. O trabalho como espaço de relações, que envolve o ser humano como um todo, com sua capacidade criativa, de pensar, de envolver-se, de mostrar-se, de exteriorizar-se no mundo das relações, o que o torna um ser social, em constante formação e transformação.

O trabalho é um dos pontos de partida para a humanização do ser social, pois pode se constituir em momento de busca de sua realização, condição para a sua existência; não se constituindo, apenas, em instrumento para a satisfação de suas necessidades. "O trabalho tem um significado intrínseco. As razões para trabalhar estão no próprio trabalho e não fora dele ou em qualquer de suas conseqüências. A satisfação do trabalho não decorre da renda, nem da salvação, sequer do status ou do poder sobre outras pessoas, mas do processo técnico inerente".6:59 Assim sendo, o ser humano pode reconhecer-se nos produtos que cria. Ao transformar a natureza, reconhece a sua própria natureza e, dessa forma, toma consciência de si como ser no mundo, transformando-se a si mesmo, valorizando-se como ser humano.

No entanto, na sociedade capitalista na qual vivemos, o trabalho nem sempre apresenta esta conotação de satisfação pessoal, de valorização do ser humano, mas tende a predominar como meio de satisfação das necessidades básicas. O ser humano trabalha para sua sobrevivência, recebendo um salário nem sempre digno para a sua subsistência. A sociedade nos impõe condições e com isso, muitas vezes, não levamos uma vida digna, pois o salário recebido não nos permite repor as energias mentais e físicas que gastamos, possibilitando somente a satisfação das necessidades imprescindíveis. As condições de trabalho do ser humano embotam a expressão de outras necessidades, como as de lazer, de satisfação pessoal. Nesta visão, o trabalho aparece afastado do prazer, contribuindo para que o ser humano nem sempre consiga encontrar, nas horas vagas, meios de satisfação que compense o trabalho exaustivo.

As pessoas tendem a adotar uma postura de submissão ao capital; a força de trabalho é vista como uma mercadoria; os(as) trabalhadores(as) pouco analisam, pouco criticam, pouco discutem, e parecem não ter poder de decisão sobre o mundo em que trabalham. Na maioria das vezes, o(a) trabalhador(a) não tem opção de escolha e trabalha para a sua sobrevivência, sem ter a oportunidade de vivenciar o prazer e ter consciência do significado do seu trabalho e da sua vida.7 "Essa dimensão pragmática é algo para ser levado em conta por todos nós, trabalhadores sociais. É preciso que busquemos recursos para auxiliar na transformação social, na diminuição das desigualdades. Porém, esse é um processo de construção coletiva".7:32

O trabalho, como processo de produção, faz parte de nossa existência, do nosso mundo real, ele não é algo à parte do mesmo. Ele emerge e se estabelece através das relações. Neste sentido, "[...] a forma como os seres humanos se relacionam na esfera do trabalho, para produzir e reproduzir a sua vida material, influencia as relações sociais, as condições de vida e a dinâmica das organizações".8:9 O trabalho é capaz de influenciar a personalidade do ser humano, podendo desempenhar um papel fundamental para o seu equilíbrio, sua inserção social, sua saúde física e mental.

Neste contexto, interpõe-se a questão ética, enquanto valorização do ser humano, como um ser de relações inserido e construtor de seu meio, como trabalhador(a) que possui deveres, mas que também tem direitos em participar de forma mais ativa e dinâmica nas relações sociais, políticas, culturais e econômicas de seu processo de trabalho e de seu viver.

O(a) trabalhador(a) de hoje é chamado a uma contínua mudança, a uma contínua transcendência: sair de si, de seu trabalho. Transcendência e trabalho se pertencem intimamente, já que o ser humano é quem dá valor ao seu trabalho; portanto, será preciso inverter o dito "o trabalho enobrece o homem", pois é o ser humano que torna o trabalho algo nobre, enquanto lugar de sua transcendência, como lugar de realização de desejos e necessidades, espaço profundamente humano e humanizador, um espaço que implica qualidade de vida no trabalho como expressão da qualidade de vida na existência do ser humano.9

O ESTUDO

Objetivo e questão do estudo

Este estudo é parte de um protocolo de pesquisa, desenvolvido entre 2003 a 2005, com o propósito de compreender o processo de viver (não) saudável de grupos sociais da Região Sul do Brasil. O objetivo deste estudo foi compreender os significados do trabalho no processo de viver humano de trabalhador(as) do PSF, de um município do sul do RS. A questão central da pesquisa foi: Quais os significados do trabalho no processo de viver de trabalhador(as) do PSF, do sul do RS?

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo de caráter qualitativo, do tipo exploratório-descritivo, desenvolvido com a utilização de diferentes métodos de coleta de dados.

Participantes do estudo

Participaram do estudo trabalhador(as) do PSF de um município do RS: duas enfermeiras, uma médica, duas auxiliares de enfermagem e cinco agentes comunitários de saúde, totalizando dez trabalhador(as), sendo nove do sexo feminino e um do sexo masculino.

Coleta de dados

Os dados qualitativos foram obtidos através de dois métodos de coleta de dados: entrevista individual10 e grupo focal.11 As entrevistas foram desenvolvidas através de um diálogo, com duração de mais ou menos uma hora, no qual os(as) participantes foram encorajados(as) a refletir sobre a dimensão do trabalho nos seus processos de viver humano. Os grupos focais foram desenvolvidos através de quatro encontros, no local de trabalho, com a duração de aproximadamente 2 horas. As entrevistas e os grupos focais foram gravados com o consentimento do(as) participantes, transcritos, analisados e validados. Notas de campo foram elaboradas pelas pesquisadoras.

Análise dos dados

Os dados das entrevistas, grupos focais e notas de campo foram analisados através do processo de codificação axial, seletiva e aberta, usando o programa para análise de dados qualitativos - QSR Nvivo.12 Neste processo, temas relevantes para a questão da pesquisa, foram identificadas e posteriormente interpretadas. A fidedignidade e a credibilidade do estudo foram asseguradas através da utilização de mais de um método de coleta de dados e do envolvimento de várias pesquisadoras, bem como da validação dos dados pelo(as) participantes.

Considerações éticas

O estudo foi realizado de acordo com os preceitos éticos presentes na Resolução Nº. 196/96, que dispõe sobre as diretrizes e as normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos,13 bem como mediante a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC, sob o Nº 172/03. Foram asseguradas a confidencialidade dos dados e o anonimato do(as) trabalhador(as). A letra T (trabalhador), seguida da numeração correspondente à seqüência das entrevistas, foi utilizada para identificar os(as) trabalhadores(as). O processo da pesquisa teve inicio após a explicação aos(às) trabalhadores(as) sobre a meta, o propósito e o processo da pesquisa e após a obtenção por escrito do Consentimento Livre e Esclarecido. Durante a explicação foram assegurados: o direito de recusar a participar ou de se retirar da pesquisa em qualquer momento.

RESULTADOS

Características sócio-demográficas do(as) participantes

O grupo de trabalhador(as) do PSF, em estudo, apresenta alguns aspectos comuns e outros divergentes em relação às suas histórias de vida. Em comum os(as) trabalhadores(as) têm a valorização do trabalho, da vida em família, da qualidade das relações interpessoais e do comprometimento social. Por outro lado, alguns aspectos diferenciam os(as) trabalhadores(as) entre si. Os(as) participantes deste estudo, predominantemente mulheres, constituem um grupo heterogêneo: faixa etária que varia de 20 a 52 anos; são integrantes de diferentes profissões, pois são duas enfermeiras, uma médica, duas auxiliares de enfermagem, e cinco agentes comunitários de saúde. Em relação à raça, nove são brancos(as) e uma é negra. A escolaridade também é diversa, pois varia desde o ensino fundamental, dos(as) agentes comunitários, aos cursos superiores. As profissionais de curso superior estão engajadas em cursos de pós-graduação (especialização e mestrado) e uma auxiliar cursando técnico de enfermagem. O tempo de trabalho no local também os diferencia, uma vez que há trabalhadores(as) com mais de quatro anos e outros(as) com apenas alguns meses de atuação. A classe social é outro diferencial entre ele(as), determinando uma enorme distância entre os salários percebidos, ao acesso de bens e serviços, aos locais e condições de moradia. Quanto ao estado civil, a maioria das mulheres é casada, com filhos e sofre as penalidades da dupla e tripla jornada de trabalho. São heterogêneos, também, no modo de ver e posicionar-se diante da vida, pois alguns são otimistas e entendem que a busca da resolução dos problemas sociais se dá no coletivo, já outros, se sensibilizam e sofrem com as adversidades da realidade, porém atuam de modo isolado.

Temas emergentes

O trabalho assume uma posição central no viver dos(as) trabalhadores(as) do PSF. Nos discursos, o trabalho se destaca como fonte de remuneração, de segurança e satisfação das necessidades básicas, de prazer e satisfação pessoal, de interação e reconhecimento social, de desafios, de realização pessoal e transformação social. A partir desta rede de significados, o trabalho emerge como processo potencializador do viver humano. Paradoxalmente, o trabalho está ligado à sobrecarga de atividades e estresse, à ocupação do tempo destinado ao convívio com a família, ao lazer e ao cuidado de si. O trabalho também é gerador de angústias pelas responsabilidades assumidas e impotência sentida na resolução dos problemas sociais, políticos, econômicos e ambientais presentes na comunidade. Neste outro sentido, o trabalho se caracteriza como processo despotencializador do viver humano, conforme veremos a seguir. No viver dos(as) trabalhadores(as) do PSF, ambas as dimensões não se apresentam de forma estanque, mas se imbricam, a cada momento do cotidiano.

O trabalho como processo potencializador do viver humano

No processo de viver dos(as) trabalhadores(as) do PSF, o trabalho influencia a forma como se vêem, se sentem, se relacionam e vivenciam as situações cotidianas. Focalizam o trabalho como imprescindível no processo de viver humano, pois é fonte de segurança e de remuneração. Através dele, podem satisfazer as próprias necessidades básicas como: alimentação, educação e saúde. Nos discursos, esta situação contrasta com o meio em que vivem, caracterizado pelos piores indicadores de qualidade de vida do RS e por um número significativo de pessoas desempregadas.

Acho que a vida saudável é um emprego. Não precisa ser bem remunerado, mas um emprego que te dê, que tu saiba mesmo que no final do mês, tu vai receber teu salário (T2).

A gente batalha muito por uma vida saudável aqui [...], embora a gente não consiga, porque muitos não têm, não conseguem viver uma vida saudável porque uns não tem trabalho. Se não tem trabalho, não tem comida (T1).

A capacidade de satisfazer, através do trabalho, não somente as necessidades individuais, mas também as coletivas, aparece nos depoimentos, como forma de dar sentido à vida do(as) trabalhador(as).

[...] eu me sinto mais útil ajudando o próximo [...] sempre que eles precisam de mim, eu poder estar lá, sinto gratificada [...] vejo que assim que fiz um bem enorme para eles a até às vezes eu nem acho que estou fazendo tanto (T11).

O trabalho é visto como forma de inserção social concreta, de valorização pessoal e profissional e de pertença a um mundo, onde o trabalho, historicamente, forma, transforma e recria as relações humanas. O trabalho se consubstancia na base da vida, conferindo dignidade aos(às) trabalhadores(as). Neste sentido, o ter trabalho é visto como forma de fugir à marginalidade, de não ser estruturalmente excluído.

O trabalho para mim é a grande base da minha vida. Eu acho assim que sem o trabalho, eu me sentiria um zero a esquerda (T6).

Eu entendo assim, oh, que em primeiro lugar, o trabalho na minha vida [...] eu acho que o trabalho em primeiro lugar, representa a dignidade, para qualquer pessoa, para mim [...] Tu pode dizer eu trabalho em tal instituição, ou em tal empresa, eu acho que isso dá dignidade (T9).

O trabalho é fonte de prazer, de satisfação pessoal que advém da valorização e do reconhecimento obtido através das ações efetuadas junto à comunidade, da melhoria das condições da saúde das famílias e, principalmente, dos vínculos de confiança e amizade que se criam, como exemplificado a seguir: [...] ninguém trabalha por filantropia; mas também um elogio na hora certa, deixa a gente tão mais feliz, tão mais faceira, tão mais envaidecida que, embora não represente, é mais gratificante que o próprio salário (T9); o trabalho é uma necessidade financeira, mas é uma coisa gratificante, principalmente sob o meu ponto de vista, o nosso trabalho, que é realizado com a comunidade [...] (T1).

A qualidade das interações estabelecidas entre os(as) trabalhador(as) quando em equipe, favorecem um trabalho cooperativo e mais efetivo. As relações interpessoais entre os(as) trabalhadores(as) são afirmadas como necessitando ser pautadas em amizade, em relações dialógicas horizontais, na cumplicidade e no envolvimento com a organização do processo de trabalho. As trocas estabelecidas, mediante o fazer dos(as) trabalhadores(as), fortalecem o conhecimento e as relações interpessoais, não só entre a equipe de trabalho, mas também com a comunidade. O trabalho possibilita, então, a realização dos trabalhadores através da inserção na realidade e nas relações que estabelecem com seus colegas e com a clientela.

[...] trabalho em equipe é unir os saberes, porque cada um da equipe tem um saber diferente, uma vivência diferente. Eu acho que isso é importante para o crescimento do grupo (T6).

A gente senta para conversar tudo, todos os problemas, dificuldades. Na nossa área a gente trabalha assim. É bom o trabalho em equipe porque tem mais de uma cabeça para pensar, para te ajudar a resolver, fora as trocas de experiências que são muito boas numa equipe (T5).

O posicionamento dos(as) trabalhadores(as) é de que, para a construção de um processo de vida significante e saudável, é preciso o compromisso e envolvimento de cada um, tanto como membro da equipe de trabalho como membro da comunidade onde atuam. Neste sentido, enfatizam a busca de soluções para os problemas que afetam a comunidade, como por exemplo, saneamento básico, alimentação, educação, estilos de vida saudável, possibilitando-lhes acesso aos bens e recursos necessários a uma vida saudável. As conquistas cotidianas são verbalizadas como sendo importantes para a realização pessoal e profissional. Mesmo as pequenas conquistas são muito valorizadas, principalmente porque elas representam a superação de desafios muitas vezes complexos, os quais lhes exigem esforço criativo e a busca de novos conhecimentos e relações.

O trabalho como processo despotencializador no viver humano

Em contrapartida ao exposto, existe uma face do trabalho que se constitui em fonte geradora de estresse e desgaste pela sobrecarga e pelo comprometimento do tempo demandado por ele, o que, por vezes, reduz o tempo destinado às demais esferas do viver humano. O trabalho consome uma fatia considerável de tempo na vida dos(as) trabalhadores(as), não só do tempo cronologicamente passível de ser medido no ambiente de trabalho, como também do tempo extra ambiente institucional, que envolve atividades burocráticas, planejamento que não pode ser implementado e solicitação por parte da comunidade.

Domingo sim, eu tiro para descansar. [...] mas levo a pastinha e aproveito o tempo para organizar as fichas. Vou descansar, mas estou trabalhando [...]. Batem na tua casa sábado, batem domingo, te ligam. Meu marido me cobra isso, que eu não descanso nunca. [...]. Eu estou dando muito de mim, mas para mim, meu tempo está sendo muito pouco. Até para dormir: se eu tenho um problema, não consigo dormir. É muita sobrecarga mesmo (T5).

Nos depoimentos, é freqüente a queixa do desenvolvimento de inúmeras atividades durante a jornada de trabalho, sendo que várias outras deixam de ser realizadas, porque não há possibilidade concreta de execução.

A gente não passa aqui as oito horas, mas o que nós fazemos na rua! A gente sai, a gente corre, às vezes, a gente se programa para fazer tal coisa e acaba fazendo outra, e a gente não tem tempo de fazer aquilo que se programou (T1).

No discurso dos(as) trabalhadores(as), em especial, dos(as) agentes comunitários(as), se sobressai um processo de trabalho desigual, que parece decorrer da heterogeneidade da equipe, que é constituída por diferentes profissionais, com diferentes remunerações e status social. Na situação específica dos(as) agentes comunitários(as), até mesmo o tempo livre, o qual significaria momentos de repouso merecido e lazer, são preenchidos com atividades na comunidade. São extremamente solicitados pela comunidade nesses horários, mesmo em finais de semana, já que residem no mesmo bairro e têm uma relação muito próxima e de confiança com a mesma, o que os difere dos demais integrantes da equipe.

Como agente de saúde tem que prestar contas de todo o nosso trabalho [...] a equipe nos cobra bastante e a gente se torna responsável pelas famílias. E o povo cobra muito da gente também, então, a gente se acha responsável por eles (T5).

Diante das exigências internas e externas ao trabalho, principalmente por parte dos familiares, os(as) trabalhadores(as) se vêem sem condições de abarcar a imensa cota de responsabilidades que lhe são imputadas. Isso produz sensações de incompetência, de cansaço, de sofrimento, de desgaste, as quais interferem sobremaneira, no processo de viver humano.

Destacam também a necessidade de capacitação, já que no mundo moderno todos estão continuamente "correndo" atrás do aperfeiçoamento, como forma de ter melhores condições de competir no mercado de trabalho e, assim, conseguir uma melhor condição de vida. Assim, as trabalhadoras consideram a rotina diária como sendo cansativa, com dupla e até tripla jornada, o que lhes acarretam cansaço físico, preocupação e ansiedade gerada por uma vida atribulada.

A maioria de nós é mulher, a gente tem essa cobrança, não é só trabalhar fora, o compromisso com o cliente. Trabalhamos fora, mas tem a casa, os compromissos com a família. E isso gera ansiedade, frustração (T7).

Soma-se a estas questões, a impotência para resolver problemas de diversas origens no cotidiano de trabalho, como a miséria, a fome, a violência, a falta de saneamento, a própria infra-estrutura do bairro. Tais problemas são sentidos em maior escala pelos(as) agentes comunitários(as), por residirem na mesma comunidade em que atuam. Essa inserção dos(as) agentes comunitários(as) na comunidade, acarreta uma percepção de maior responsabilidade desses(as) trabalhadores(as) diante da resolução dos problemas sociais. Diversas manifestações traduzem o sentimento desses(as) trabalhadores(as), dentre as quais: de onde vem essa responsabilidade? Da comunidade que vê em nós um artifício, uma coisa para ajudar. E de nós, principalmente, porque, se nós mesmos não tivermos essa cobrança, nós não vamos conseguir fazer um trabalho mais ou menos (T2).

As constantes solicitações aos(às) agentes de saúde, bem como as responsabilidades assumidas por eles(as) são percebidas como sinônimo de valorização e reconhecimento por parte da comunidade, como sendo vistos(as) como pessoas ativas, dinâmicas e empenhadas em contribuir para a melhorias das condições de saúde das famílias do local.

DISCUSSÃO

O trabalho emerge como processo complexo e paradoxal. É visualizado como propulsor do viver humano, tanto pela satisfação das necessidades de sobrevivência, quanto pela possibilidade de realizar-se através das relações que estabelecem no seu cotidiano, seja com as famílias, com os colegas, no desenvolver de um trabalho em equipe, ou com a comunidade. O trabalho aparece, assim, relacionado ao prazer, à satisfação e valorização pessoal. Extrapola a mera satisfação das necessidades básicas. Neste sentido, "o trabalho tem uma alma – aquela do ser humano –, pois ele é muito mais do que satisfação das exigências de produção e serviços do mercado [...] está muito longe de ser simplesmente um meio para obter os meios de sustentação [...] da vida. Trabalhar é deixar a [...] marca num presente que logo se faz história. Trabalhar é ter a possibilidade de contribuir para criar o meu/nosso futuro, é realização de desejos e de esperanças, é criação".9:22 Neste sentido, podemos dizer que o trabalho humaniza o ser humano, social e historicamente, constituindo-se em um momento de busca de sua realização, condição para a sua existência.14

Mas o trabalho se mostra também, em sua outra face, uma face perversa determinada pelo sistema capitalista. Esta face se expressa nas dificuldades e problemas micro e macroestruturais, vividos pelos(as) trabalhadores(as) no cotidiano do trabalho, na sobrecarga de atividades, na falta de tempo no dia-a-dia, na luta constante para melhorar as próprias condições de vida e de saúde, bem como da comunidade, em investimento na capacitação profissional para continuar integrando a força de trabalho, na impotência diante dos problemas estruturais, dentre outros aspectos. A necessidade de sobrevivência, muitas vezes não lhes deixa opção de escolha, impedindo de vivenciar o prazer e ter consciência do significado do trabalho na sua vida. Esta forma como se apresenta o trabalho influencia diretamente a vida cotidiana dos(as) trabalhadores(as), pois o mundo do trabalho e o mundo da vida são interligados.7

A sobrecarga de trabalho parece ser a expressão de um trabalho exaustivo, realizado de forma (in)consciente, com os(as) trabalhadores(as) envolvidos(as) constantemente na busca de melhores condições de vida e saúde para a comunidade à qual atendem. As mulheres são as mais penalizadas, pois enfrentam dupla ou tripla jornada de trabalho, estando esta última ligada aos processos de capacitação profissional. Isso se dá por uma exigência do sistema capitalista, que "converte o tempo livre em tempo de consumo para o capital, onde o indivíduo é impelido a ‘capacitar-se’ para melhor ‘competir’ no mercado de trabalho[...]".15:178

Constatamos, por outro lado, um trabalho desenvolvido sem que os elementos de planejamento e organização sejam precursores das ações de trabalho. Destacamos, assim, a necessidade de uma reorganização no processo de trabalho, criando espaços para a reflexão coletiva sobre o planejamento, organização e avaliação das ações cotidianas, de modo a priorizar atividades e, conseqüentemente, organizar o tempo, conciliando a rotina diária e suas atividades para atender a finalidade do PSF. A reflexão individual e coletiva faz-se necessária na prática cotidiana, para evitar o desenvolvimento de atividades mecânicas, sem repercussão e impacto na vida e na saúde da comunidade, estimulando o enfrentamento dos problemas e fortalecendo o trabalho em equipe.16 O processo de trabalho implica organização e essa depende da competência de cada membro da equipe, de objetivos definidos e compartilhados. Esse processo requer relacionamentos interpessoais favoráveis, integrativos, em um contexto em que todos busquem uma visão global do trabalho.

No cotidiano do trabalho com as famílias, é evidente a assimetria social, econômica e de poder na equipe do PSF, tendo em vista as diferenças em relação à formação, classe social, remuneração e a exigência, do programa, de que os(as) agentes comunitários(as) residam na própria comunidade onde atuam, e como conseqüência, convivam cotidianamente com os problemas existentes. Os(as) agentes comunitários são os mais penalizados na equipe. Vivem no limite da pobreza. Assumem uma carga de trabalho complexa, para a qual não estão devidamente preparados(as). A pouca capacitação dos(as) agentes comunitários para o trabalho os situam na rota de acumulação do capitalismo, ao qual estas pessoas servem, se submetem e são exploradas, pois é a única forma que encontram para sobreviverem, diante da falta de formação profissional. No entanto, se sentem privilegiados diante de tantos marginalizados sociais no meio em que vivem. Se sentem valorizados, pois ao estarem vinculados a uma instituição e ao trabalharem na comunidade se diferenciam desta. O trabalho lhes confere um sentimento de segurança e integração social.

É preciso questionar esta face do trabalho. É preciso questionar o trabalho como ponto de partida para a humanização do ser social na lógica capitalista. Onde está a dignidade do trabalhador(as) neste processo de esmagamento social? Se não a encontramos aí, podemos, entretanto, visualizá-la no enfrentamento cotidiano dos problemas sociais, em que os(as) trabalhadores(as) desafiam o próprio viver pessoal e coletivo, transformando-o e transformando-se.

É preciso entender a lógica do trabalho no sistema capitalista para descobrirmos o nosso papel nele. Quando o(a) trabalhador(a) assume a consciência de seu papel, ele(a) transforma o seu projeto de vida e desperta a sua humanidade. A falta de consciência do fazer cotidiano implica na falta e consciência de si e do outro. Por sua vez, a consciência de si desperta a consciência das razões de seu esmagamento social e com ela a vontade de transformação.

Sem conhecimento, sem a formação necessária, sem a consciência política, a ação dos trabalhadores em saúde será inócua, irrefletida e assistencialista. Daí a necessidade de prepará-los(as) para serem agentes de transformação ao invés de agentes de produção. Nesse sentido, os(as) trabalhadores(as), especialmente os(as) agentes comunitários(as), necessitam conscientizar-se das limitações do seu fazer e de que a resolução dos problemas extrapola as suas ações individuais, configurando-se como uma ação intersetorial e macroestrutural. As reflexões coletivas necessitam transcender o trabalho para incluir questões ligadas ao processo de viver dos(as) trabalhadores(as), enquanto seres humanos inseridos no contexto social, político, econômico e ambiental.

O trabalho na medida em que despotencializa o viver dos(as) trabalhadores(as) do PSF, os(as) aniquilam, os(as) subjugam e reduz as suas capacidades de realizarem plenamente a sua humanidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste estudo foi compreender os significados do trabalho no processo de viver de trabalhadores(as) do PSF de um município do sul do Rio Grande do Sul. O trabalho emerge como processo potencializador do viver humano. Assim, o trabalho se destaca como fonte de remuneração, de segurança e satisfação das necessidades básicas, de prazer e satisfação pessoal, de interação e reconhecimento social, de desafios, de realização pessoal e transformação social. Paradoxalmente, o trabalho como processo (des)potencializador do viver humano emerge ligado à sobrecarga de trabalho e estresse, por ocupar o tempo destinado ao convívio com a família, ao lazer e ao cuidado de si. As mulheres são penalizadas pela dupla e tripla jornada de trabalho. O trabalho também é gerador de angústias pelas responsabilidades assumidas e impotência sentida na resolução dos problemas sociais, políticos, econômicos e ambientais presentes na comunidade.

Como limitações do estudo, apontamos a pouca representatividade da USF escolhida e o pequeno número de participantes, com destaque para o sexo masculino. Deste modo, os resultados deste estudo não podem ser generalizados. Dada a centralidade do trabalho no processo de viver humano e a lacuna de estudos sobre este tema no PSF, apontamos esta área como sendo prioritária nas agendas de pesquisa.

Recebido em: 15 de agosto de 2006.

Aprovação final: 12 de janeiro de 2007.

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  • Endereço:
    Eliana P. Azambuja
    Visconde do Rio Grande, 608
    96.211-490 - Cidade Nova, Rio Grande, RS
    Email:
  • *
    Silva AL, Gonçalves LT, Alvarez A, Cartana MH. Protocolo de Pesquisa Colaborativa e Participativa do Processo de Viver Humano no Contexto da Região Sul. Florianópolis (SC): UFSC/PEN; 2003 [material não publicado].
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Recebido
      15 Ago 2006
    • Aceito
      12 Jan 2007
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