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Editorial

EDITORIAL

O presente número da Revista Texto & Contexto Enfermagem, que aborda a perspectiva da "Cultura na Enfermagem e na Saúde", acolhe a cultura como tendo diferentes denotações, refletindo deste modo a diversidade teórica e operacional, seja pelas disciplinas acadêmicas, seja pelas profissões da saúde que fazem uso deste conceito. Assim, do ponto de vista editorial, a Revista explicita também o compromisso que continua assumindo com a pluralidade de saberes e práticas relacionados aos temas que aborda, trazendo ao leitor todas as ideologias e estilos de pensamento que possam promover o debate saudável em torno dos números temáticos que publica.

Nas suas variadas seções, o tema em pauta é esquadrinhado em múltiplos e complementares sentidos, de modo que, em seu todo, o fascículo seja um veículo de idéias e modos de fazer que contribuem para uma amostra do estado da arte da "cultura" na produção científica de profissionais de saúde e, especialmente, das enfermeiras.

A seção Pesquisa inicia com uma dessas contribuições, dirigindo o olhar para dentro das instituições de saúde, com a intenção de vislumbrar se os trabalhadores de enfermagem, enquanto (também) usuários de um determinado hospital de ensino, enfatizam mais a "cultura da subalternidade" ou a "cultura da solidariedade". Os resultados, ancorados no referencial da análise institucional, mostram distintos valores, crenças e conceitos imbricados em tais culturas, revelando as distintas forças que ambas possuem na concepção do que seja receber e prestar cuidados em um hospital. A investigação seguinte focaliza a cultura como sistema simbólico para identificar as representações que as trabalhadoras de enfermagem de uma maternidade possuem sobre o próprio termo "cultura", enquanto desenvolvem o processo de cuidar de famílias em uma unidade de alojamento conjunto. Trata-se de um recorte de uma etnografia que coloca em pauta a discussão do hospital como realidade clínica e como instituição total, além de incitar-nos a refletir sobre o significado de desenvolver o cuidado culturalmente sensível e culturalmente competente. O próximo artigo se debruça no estudo das construções sociais sobre o masculino e o feminino, a partir da visão de cuidadoras de crianças em uma pré-escola, sendo que os resultados apontam para "cuidados diferentes para diferentes sujeitos", considerando-se aí a perspectiva da construção cultural do gênero. A seguir, o texto publicado trata do relatório de uma pesquisa que busca os significados atribuídos ao sangue pelos doadores e receptores, visando a dimensão simbólica de tal representação.

Na seqüência da sessão de Pesquisa, é apresentado um artigo original que busca compreender uma doença cultural que acomete recém-nascidos, sob a ótica de mães de bebês que foram à óbito, recentemente, decorrente de tal patologia. Em seguida é apresentado o relato de uma investigação concluída cujo objeto tratou da construção da identidade profissional da enfermeira, a partir de três passagens: o período anterior à universidade, o período durante o decorrer da universidade e o período posterior à formação universitária. O próximo texto aborda algumas facetas do itinerário terapêutico de grupos populares, após orientações feitas pelos profissionais de saúde, mostrando que o sistema familiar e popular de cuidado familiar tem peso e é referência nas condutas referentes ao enfrentamento dos processos de saúde e doença. O outro artigo focaliza uma pesquisa etnográfica realizada na Venezuela, abordando o cuidado cultural adotado pelas gestantes diabéticas no processo de cuidar de si, cujos resultados remetem à necessidade de se considerar os três modos de cuidar propostos por Madeleine Leininger em direção ao cuidado cultural congruente. Também faz parte deste número, um artigo que trata da importância da abordagem etnográfica visual para auxiliar na compreensão do processo saúde saúde-doença dos usuários e para a avaliação dos serviços de saúde. Há ainda um artigo original envolvendo uma investigação sobre os determinantes sociais, culturais e históricos de práticas populares de uma comunidade, cujos resultados confirmam a diversidade das condutas terapêuticas e meios diagnósticos utilizados pelos grupos sociais brasileiros. Em seguida, socializa-se uma pesquisa qualitativa, de fundamento interacionista, que buscou desvendar os significados do aleitamento materno para as avós das crianças e propor estratégias de negociações culturais das mesmas junto aos profissionais de saúde que atuam na área. Os demais relatos de pesquisa abordam, respectivamente, o impacto cultural na implementação do programa de humanização ao parto e nascimento em um determinado cenário brasileiro, e subsídios instrumentais para a utilização de fitoterápicos na rede pública de saúde.

A seção de Reflexão inclui uma importante contribuição teórica de autora canadense a respeito do diálogo intercultural em enfermagem, particularmente para se pensar sobre a perspectiva de programas de cuidados culturalmente sensíveis ou culturalmente competentes. Outra inclusão nesta seção trata-se de um ensaio teórico que incita reflexões em torno do tema morte, doação e transplante de órgãos, abordando-o sob o prisma das práticas sociais enquanto práticas de significação e, portanto, práticas culturais. Outro artigo de reflexão tece-se em torno das representações sobre a amamentação e os impactos que as mesmas têm ou podem ter durante as práticas educativas desenvolvidas pelos profissionais de saúde que trabalham com sexualidade e direitos reprodutivos. Para finalizar, a seção contempla uma contribuição teórica sobre as questões culturais que envolvem a violência na infância.

A publicação também contém, em sua seção de Relato de Experiência, dois textos de relevância. Enquanto o primeiro destaca uma perspectiva descritiva e analítica sobre o desenvolvimento da antropologia dos cuidados no âmbito acadêmico espanhol, o outro apresenta um diálogo reflexivo em torno das questões do parto, considerando-se seus fundamentos culturais, ou seja, impregnados de símbolos e significados, particularmente no que se refere à atuação e desempenho da mulher que o vivencia. Finalizando a publicação, é apresentada uma resenha de obra que aborda a identidade cultural na pós-modernidade, traduzindo-se como mais um texto relevante para contribuir nas reflexões sobre a cultura e sobre suas influências no campo da saúde e da enfermagem.

Em suma, o número em pauta, ao incorporar as várias contribuições que são construídas em torno do tema "cultura", mostra como o saber dali emergente pode auxiliar na prática assistencial, investigativa e educativa da saúde e da enfermagem. Certamente o leitor encontrará outros benefícios decorrentes desta publicação, ao discutir o papel que a cultura desempenha na vida social.

Drª Marisa Monticelli

– Editora –

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Abr 2008
  • Data do Fascículo
    Mar 2006
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