Acessibilidade / Reportar erro

Vulnerabilidade no desenvolvimento da criança: influência dos elos familiares fracos, dependência química e violência doméstica1 1 Extraído da dissertação - Vulnerabilidade no desenvolvimento da criança segundo o enfermeiro da Estratégia da Saúde da Família. Universidade Federal do Paraná (UFPR), 2012.

Resumos

Pesquisa exploratória qualitativa que objetivou conhecer a compreensão do enfermeiro sobre a vulnerabilidade no desenvolvimento da criança. Os sujeitos foram 39 enfermeiros que trabalham em 39 Unidades Municipais de Saúde em Curitiba, Paraná, Brasil. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e analisados pela hermenêutica dialética. Os resultados apontaram que, segundo os enfermeiros, a vulnerabilidade da criança é influenciada pelos elos familiares fracos, pela dependência química e pela violência doméstica. Os sujeitos da pesquisa relatam a expressão de processos individuais como reflexos da sociedade pós-moderna e compreendem a relação sociedade-família como uma situação adversa ao desenvolvimento infantil. A utilização do conceito de vulnerabilidade no cotidiano profissional do enfermeiro e da equipe de saúde permite uma análise crítica de suas práticas. A aplicação desse conceito no cuidado à criança propicia a reorientação do modelo assistencial e, portanto, a superação do conceito biologicista e fragmentado de desenvolvimento infantil.

Vulnerabilidade em saúde; Desenvolvimento infantil; Saúde da família; Enfermagem


Exploratory qualitative research with the aim to learn the nurses' understanding of vulnerability in child development. Participants were 39 nurses working at 39 health units in Curitiba, state of Paraná, Brazil. Data were collected by means of semi-structured interviews and analyzed by dialectical hermeneutics. Results showed that, according to the nurses, child vulnerability is influenced by weak family bonds, substance abuse and domestic violence. Study participants report the expression of individual processes that reflect postmodern society, and understand the society-family relationship as a deleterious situation for child development. The use of the concept of vulnerability in the professional lives of nurses and healthcare teams enables a critical analysis of their practice. The application of this concept in childcare allows to restructure the care model, thus overcoming the fragmented and biologicist concept of child development.

Health vulnerability; Child development; Family health; Nursing


Investigación exploratoria cualitativa que objetivó conocer la comprensión del enfermero sobre la vulnerabilidad en el desarrollo del niño. Los sujetos fueron 39 enfermeros que trabajan en 39 Unidades de Salud en Curitiba, Paraná, Brasil. Los datos fueron obtenidos por medio de entrevistas semi-estructuradas, y analizados por la hermenéutica dialéctica. Los resultados apuntaron, según los enfermeros, que la vulnerabilidad del niño es influida por los eslabones familiares débiles, por la dependencia química y violencia doméstica. Los sujetos de la investigación relatan la expresión de procesos individuales como reflejos de la sociedad posmoderna y comprenden esta relación sociedad-familia como situación adversa al desarrollo infantil. La utilización del concepto de vulnerabilidad en el cotidiano profesional del enfermero y del equipo de Salud, permite un análisis crítico de sus prácticas. La aplicación de este concepto en el cuidado al niño propicia la reorientación del modelo asistencial, y así, la superación del concepto biologicista y fragmentado de desarrollo infantil.

Vulnerabilidad en salud; Desarrollo infantil; Salud de la familia; Enfermería


INTRODUÇÃO

As condições da saúde da criança, ligadas aos fatores socioeconômicos, têm desafiado a sociedade em garantir às crianças, os seus direitos fundamentais como proteção, saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, cultura, entre outros.11. Mazza VA, Chiesa AM. Family needs on child development in the light of health promotion. Online Braz J Nurs [online]. 2008 [acesso 2012 Out 01]; 7(3). Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2008.1852
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
Essa conquista, entretanto, somente pode ser alcançada mediante amplo compromisso político e social que viabilize condições sociais, econômicas e materiais às famílias.22. Apostólico MR, Cubas MR, Altino DM, Pereira KCM, Egry EY. Contribuição da CIPESC na execução das políticas de atenção à saúde da criança no município de Curitiba, Paraná. Texto Contexto Enferm. 2007 Jul-Set; 16(3):453-62.

As crianças que habitam em nações em desenvolvimento e as que moram em condições socioeconômicas precárias estão mais vulneráveis a agravos à saúde. Portanto, é preciso reconhecer os aspectos que influenciam o potencial de crescimento e desenvolvimento das crianças, tais como ambiente, escolaridade materna, renda familiar, situação da gestação, organização dos serviços de saúde, entre outros. É evidenciado que os elementos biológicos, psicossociais e ambientais influenciam de forma negativa e/ou positiva o desenvolvimento infantil.33. Veleda AA, Soares MCF, Cézar-Vaz MR. Fatores associados ao atraso no desenvolvimento em crianças, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Gauch Enferm. 2011 Mai-Jun; 32(1):79-85.

O desenvolvimento infantil pode ser entendido como um processo vital que resulta da interação entre os fenômenos de crescimento, maturação e aprendizagem. Esses fenômenos causam mudanças qualitativas nas funções do indivíduo, que podem ser percebidas nas habilidades adquiridas e nas mudanças de comportamentos manifestadas em âmbito físico, intelectual, emocional e social. Estas mudanças são expressas nas alterações e obtenções de habilidades e competências particulares de cada etapa da vida da criança.44. Ribeiro MO, Sigaud CHS, Rezende MA, Veríssimo MLÓR. Desenvolvimento infantil: a criança nas diferentes etapas de sua vida. In: Fujimori E, Ohara CVS, organizadoras. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. Barueri (SP): Manole; 2009. p. 61-90.

Entende-se que a ausência ou a deficiência de relações sustentadoras e vínculos afetivos dos cuidadores para com a criança podem resultar em comprometimento significativo do sistema nervoso central e das funções cognitivas e emocionais, que podem aumentar a vulnerabilidade no desenvolvimento da criança.55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. - 66. Mustard JF. Early human development - Equity from the start - Latin America. Rev Lat Am Cienc Soc Niñez Juv. 2009 Jul-Dec; 7(2):639-80.

Vulnerabilidade pode ser apreendida como um conjunto de condições que tornam indivíduos e comunidades mais susceptíveis às doenças ou incapacidades, em decorrência de elementos individuais, sociais e programáticos.77. Ayres JRCM, Paiva V, França Junior I. From natural history of disease to vulnerability. In: Parker R, Sommer M. Routledge handbook in global public health. New York (US): Routledge; 2011. p. 98-107. Na dimensão individual da vulnerabilidade no desenvolvimento da criança, entende-se que um ambiente sem relações sustentadoras contínuas, com estímulos inadequados e insuficientes e com presença de drogas e violência, pode compor as situações adversas ao desenvolvimento infantil.55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. - 66. Mustard JF. Early human development - Equity from the start - Latin America. Rev Lat Am Cienc Soc Niñez Juv. 2009 Jul-Dec; 7(2):639-80. , 8 8. Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLOR, Mazza VA. Vulnerability of children in adverse situations to their development: proposed analytical matrix. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(6):1397-402. Estas situações inadequadas compõem espaços de vulnerabilidade, que podem ser minimizados por um ambiente apoiador, definido como: o conjunto de relacionamentos sustentadores contínuos e interações afetuosas que são necessárias para que a criança tenha um desenvolvimento adequado.5

Ao apreender a vulnerabilidade, o enfermeiro e a equipe de saúde poderão reconhecer as necessidades de saúde de sujeitos ou comunidades sob seu cuidado, tornando possível prover intervenções mais apropriadas,77. Ayres JRCM, Paiva V, França Junior I. From natural history of disease to vulnerability. In: Parker R, Sommer M. Routledge handbook in global public health. New York (US): Routledge; 2011. p. 98-107. o que mostra que este estudo pode contribuir para o avanço nas práticas de enfermagem, pois ao usar a vulnerabilidade como tecnologia de cuidado à criança, o enfermeiro poderá desenvolver uma assistência que propicie mecanismos fundamentais para a obtenção dos potenciais intelectual, social, emocional e físico da criança.5 5. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002.

Desta forma, na atenção primária à saúde, a enfermagem pode intervir na primeira infância, ampliando as oportunidades para o desenvolvimento das crianças que vivem em áreas de risco social.44. Ribeiro MO, Sigaud CHS, Rezende MA, Veríssimo MLÓR. Desenvolvimento infantil: a criança nas diferentes etapas de sua vida. In: Fujimori E, Ohara CVS, organizadoras. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. Barueri (SP): Manole; 2009. p. 61-90. - 55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. , 88. Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLOR, Mazza VA. Vulnerability of children in adverse situations to their development: proposed analytical matrix. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(6):1397-402. A atuação direta nos determinantes do desenvolvimento da criança, pode propiciar futuramente: melhores condições de saúde, aumento de capacidade produtiva e econômica e o protagonismo como cidadão responsável.99. Shonkoff JP, Wood DL, Dobbins MI, Earls MF, Garner AS, McGuinn L, et al. The lifelong effects of early childhood adversity and toxic stress. Pediatrics. 2012 Jan; 129(1):232-46.

Diante disso, o estudo apresenta como questão norteadora: qual a compreensão do enfermeiro sobre a vulnerabilidade no desenvolvimento da criança? Desta forma, o objetivo do estudo foi conhecer a compreensão do enfermeiro sobre a vulnerabilidade no desenvolvimento da criança.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa exploratória qualitativa, realizada em 39 Unidades Municipais de Saúde (UMSs) com Estratégia Saúde da Família (ESF), localizadas em distritos sanitários da cidade de Curitiba-PR, que apresentavam concomitantemente os resultados de Indicadores de Inserção Social (IISs) e de Qualidade do Domicílio (IQD) iguais ou inferiores à média do Município (IIS-3,66; IQD-3,05).11. Mazza VA, Chiesa AM. Family needs on child development in the light of health promotion. Online Braz J Nurs [online]. 2008 [acesso 2012 Out 01]; 7(3). Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2008.1852
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
Os distritos sanitários escolhidos, conforme os critérios acima estabelecidos, foram: Bairro Novo (IIS - 3,23; IQD - 2,98), Pinheirinho (IIS -3,30; IQD - 2,96), CIC (IIS - 3,34; IQD -3,02), Boqueirão (IIS - 3,52; IQD - 3,05) e Cajuru (IIS - 3,56; IQD - 3,05).11. Mazza VA, Chiesa AM. Family needs on child development in the light of health promotion. Online Braz J Nurs [online]. 2008 [acesso 2012 Out 01]; 7(3). Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2008.1852
http://www.objnursing.uff.br/index.php/n...
, 8

Para recrutar os sujeitos, o pesquisador solicitou que a autoridade sanitária da UMS indicasse, por meio do planejamento local de saúde, a área de maior risco social e epidemiológico de sua unidade. Consequentemente, os sujeitos da pesquisa foram 39 enfermeiros que cumpriram os critérios de inclusão, pois atuavam nas equipes das áreas de maior risco das UMSs, tinham dois anos completos de atuação na ESF e concordaram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram excluídos da amostra os enfermeiros que não cumpriram os critérios de inclusão, e que estavam de férias, licença médica ou em afastamento por outro motivo.

A coleta dos dados ocorreu no período de fevereiro a março de 2012, por meio de entrevistas individuais semiestruturadas em que foram abordados os seguintes temas: aspectos que prejudicam o desenvolvimento da criança em sua primeira infância, situações de prejuízos no desenvolvimento infantil que o enfermeiro vivenciou, e ações de promoção ao desenvolvimento infantil que o enfermeiro tenha praticado.

A análise das falas dos sujeitos foi realizada por meio da hermenêutica dialética, e embasada na matriz de análise da vulnerabilidade da criança diante de situações adversas ao seu desenvolvimento.88. Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLOR, Mazza VA. Vulnerability of children in adverse situations to their development: proposed analytical matrix. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(6):1397-402. Esta matriz permitiu uma leitura sintética da situação da criança e de sua família e uma aproximação com este fenômeno na práxis assistencial das equipes de saúde que mostrasse como este conceito era compreendido em suas vivências diante dos aspectos biológicos, comportamentais, afetivos, contextuais, econômicos, sociais e político-programáticos.88. Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLOR, Mazza VA. Vulnerability of children in adverse situations to their development: proposed analytical matrix. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(6):1397-402.

As unidades de registro foram apresentadas e identificadas com abreviação (E) e numeradas sequencialmente, garantindo o anonimato dos respondentes. Esta pesquisa obteve a aprovação do Comitê de Ética do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná, sob registro n. 1170.095.11.6.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Este material provém de uma pesquisa que abordou as dimensões individual, social e programática da vulnerabilidade no desenvolvimento da criança.88. Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLOR, Mazza VA. Vulnerability of children in adverse situations to their development: proposed analytical matrix. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(6):1397-402. Com a interpretação das falas dos sujeitos, emergiram as categorias: Elos familiares fracos, Dependência química e Violência doméstica, dispostas dentro da dimensão individual da vulnerabilidade.

Elos familiares fracos

O enfermeiro menciona que os elos familiares fracos são caracterizados pela permissividade no lar, pela presença ou ausência do pai e pelos múltiplos parceiros da mãe. Estes elos frágeis podem prejudicar os laços afetivos para com a criança, assim como os estímulos para o seu desenvolvimento:

[...] as questões sociais é que existem bastante, as famílias são numerosas e os elos familiares são fracos e há uma permissividade dentro desses elos familiares, e uma promiscuidade bastante presente [...]. Essa semana ainda, fiz a avaliação de uma criança com oito meses e ela não engatinha ainda [...] então, aquele gráfico infantil está bem, bem normal, mas ela não tem estímulo dentro do domicílio. Dentro de uma família extremamente desagregada, totalmente esfacelada, ela perdeu totalmente a oportunidade dos estímulos motores e agora ela está atrasada, apesar de ter uma condição física totalmente boa (E27).

[...] não tem um vínculo familiar, não tem, não são casadas, às vezes são amigadas, vários parceiros, então a gente já começa pela mulher, e isso acaba refletindo depois, durante o pré-natal delas, e depois, no ato, no cuidar da criança (E11).

As falas E27 e E11, correlacionam os elos familiares a um padrão social de famílias constituídas por laços formais civis, apontando as fragilidades do vínculo familiar para com a criança, com a permissividade dentro do lar. Os sujeitos mencionam o papel ideal de uma família nuclear tradicional, composta por marido e mulher, para a provisão de cuidados adequados aos seus filhos. Este conceito familiar foi construído histórica e socialmente pela sociedade contemporânea, pois a família, desde o início do século XX, assumiu uma função moral, não sendo simplesmente uma entidade de direito privado que transmite bens e o nome para sua prole.1010. Ariès P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro (RJ): Zahar; 1981.

As famílias têm sido construídas em novos arranjos, que excedem à família nuclear tradicional, e que ainda podem manter sua função socializadora para a criança. Assim, na realidade de muitas famílias ao redor do mundo, a mulher tem sido, muitas vezes, o arrimo de seus filhos, sobrevivendo muitas vezes com baixa renda, sem a presença de companheiro, convivendo com a violência das periferias.1111. Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, Almeida-Filho N, Barreto M. Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica. Rev Saude Publica. 2005 Ago; 39(4):606-11. - 1212. Radcliff E, Racine EF, Huber LRB, Whitaker BE. Association between family composition and the well-being of vulnerable children in Nairobi, Kenya. Matern Child Health J. 2012 Ago; 16(6):1232-40.

Segundo os sujeitos entrevistados, estes elos familiares fracos refletem diretamente na interação entre os membros da família e a criança, assim como nos estímulos para o desenvolvimento infantil. Isto alude à necessidade de experiências que a criança precisa desenvolver para adquirir novas competências de habilidades motoras e de relações com as pessoas ao seu redor.66. Mustard JF. Early human development - Equity from the start - Latin America. Rev Lat Am Cienc Soc Niñez Juv. 2009 Jul-Dec; 7(2):639-80. Tais experiências demandam cuidadores que forneçam interações empáticas e sustentadoras, que possam ensiná-la a aprender novas experiências de vida, assim como capacitá-la a aprender a pensar e raciocinar. As dificuldades que a criança pode ter com as relações afetivas na família e a ausência ou a deficiência de vínculos com os cuidadores podem resultar em comprometimento significativo nas funções cognitivas e emocionais.55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002.

Todavia, estas situações não ocorrem isoladamente, mas podem ser condicionadas pela situação econômica e social das comunidades, que sofrem de falta de acesso à educação, a empregos adequados e de condições para poder criar seus filhos, o que denota a influência das políticas econômicas com baixos investimentos públicos.1111. Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, Almeida-Filho N, Barreto M. Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica. Rev Saude Publica. 2005 Ago; 39(4):606-11.

12. Radcliff E, Racine EF, Huber LRB, Whitaker BE. Association between family composition and the well-being of vulnerable children in Nairobi, Kenya. Matern Child Health J. 2012 Ago; 16(6):1232-40.
- 1313. Bittar DB, Nakano AMS. Violência intrafamiliar: análise da história de vida de mães agressoras e toxicodependentes no contexto da família de origem. Texto Contexto Enferm. 2011 Jan-Mar; 20(1):17-24. Por isso, a inserção destas famílias na produção social fica prejudicada com a dependência de seus membros da renda de poucas pessoas, o que não é necessariamente dirigido a suprir a necessidade da criança. 11 11. Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, Almeida-Filho N, Barreto M. Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica. Rev Saude Publica. 2005 Ago; 39(4):606-11.Esta realidade necessita ser compreendida não somente pela equipe de saúde no seu processo de cuidar, mas pela rede social de apoio e pelo Estado como provedor de políticas econômicas e sociais que possam contribuir para dirimir essas vulnerabilidades.1414. Mustard JF. Free market capitalism, social accountability and equity in early human (child) development. Padiatr Child Health. 2008 Dez; 13(10):839-42. - 1515. Alexandre AMC, Labronici LM, Maftum MA, Mazza VA. Mapa da rede social de apoio às famílias para a promoção do desenvolvimento infantil. Rev Esc Enferm USP. 2012 Abr; 46(2):272-9.

Desta forma, o reconhecimento das debilidades nos elos familiares, implica diretamente na prática assistencial do enfermeiro, pois a falta de vínculos dos responsáveis com a criança pode influenciar na adesão às intervenções e condutas prescritas pelos profissionais.55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. , 16 16. Moreira MDS, Gaíva MAM. Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil: análise dos registros das consultas de enfermagem. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2013 Abr-Jun; 5(2):3757-66.

Dependência química

Para o enfermeiro, a presença da dependência química no lar é identificada como um elemento que pode gerar situações adversas para o desenvolvimento infantil, pois influi sobre os laços afetivos e sobre a proteção da criança:

[...] tem muitas mães que são drogaditas, e então elas não participam e os filhos não têm o mesmo convívio familiar, muitas vezes. [...] a mãe tinha quatro filhos. O último filho, ela não fez pré-natal nenhum, ela ficava usando droga dia e noite, passava as noites fora, e esses filhos, os anteriores, ficaram com a avó, e o último também ficou [...] a avó cuida de cinco ao mesmo tempo e é uma criança que não foi amada (E35); teve uma mãe soropositiva, usuária de crack, que fez o pré-natal em várias unidades em Curitiba, e ela veio para a nossa, assim, com 36 semanas, Gesta II. Então a gente começou a busca ativa. Ela tinha infecção urinária, um monte de coisa. Ela abandonou essas crianças no Conselho Tutelar, e a gente teve que fazer busca ativa, porque a criança ficou com sífilis (E2); [...] a gente vê isso. Então as crianças que são de mães drogaditas, é bem mais complicado. Isso influencia, influencia muito [...]. Eu tive duas que eu acompanhei, que são crianças que acabaram tendo problema bem grave, nutricional e de desenvolvimento. Elas demoraram muito para caminhar, para falar, para se comunicar (E37); [...] é porque os pais que usam drogas, eles já não acompanham a criança como deveriam acompanhar. Então não tem aquela adesão que a gente queria, nem na questão vacinal, nem de acompanhamento na unidade, desde o pré-natal até o nascimento, e continua (E22); [...] essa mãe mora numa região bem próxima do rio... a gente sempre aqui diz que é um beco [...], e essa criança tem problema de desenvolvimento, teve atraso de fala e tudo mais, e essa criança veio a falecer porque a mãe, o problema dela com a droga, ela deitou em cima do bebê e esse bebê, acabou falecendo mesmo. [...] já vi mães usuárias de drogas. Nós temos a questão de uma criança que a mãe fez uso de drogas em todo o pré-nata. Essa criança teve uma complicação, teve que ser encaminhada para o especialista, e são crianças que são acompanhadas até hoje (E9); [...] a gente continuava fazendo visita para ela, usuária de craque; no começo ela levava o bebê para ficar com ela embaixo da ponte, com o marido dela, e eles passavam a noite inteirinha usando craque, com o bebezinho ali, e por causa daquela fumaça tóxica o bebê começou a ficar com problema. Então ele se sentia mal às vezes (E31).

Nas falas E35 e E2, os sujeitos apontam a presença da droga no cotidiano das famílias como elemento que prejudica seus vínculos familiares e a proteção das crianças. Um estudo mostra que um grande fator estressor para o desenvolvimento infantil tem sido o abuso de substâncias pelos pais. Cerca de 10% das crianças menores de cinco anos convivem com pais que abusaram de substâncias no passado.17 17. Substance abuse and mental health services administration, office of applied studies. The NSDUH report: children living with substance-dependent or substance-abusing Parents: 2002 to 2007. Rockville (US): MD: SAMHSA; 2009.Além disso, outro estudo mostra que famílias com abuso de substâncias pelos pais possuem maiores taxas de doenças mentais, desemprego, violência doméstica, delinquência, e de maior dependência dos serviços sociais,1818. Onigu-Otite EC, Belchera HME. Maternal substance abuse history, maltreatment, and functioning in a clinical sample of urban children. Child Abuse Negl. 2012 Jun; 36(6):491-7. fato que tem gerado angústia, traumas e prejuízos para o desenvolvimento das crianças.1919. Gabatz RIB, Padoin SMM, Neves ET, Terra MG. Fatores relacionados à institucionalização: perspectivas de crianças vítimas de violência intrafamiliar. Rev Gauch Enferm. 2010 Dez; 31(4):670-7.

Dentro do contexto dos laços afetivos e a droga, os enfermeiros E35 e E2 fazem menção ao abandono da criança pela mãe. Todavia, esta relação mãe-filho está correlacionada, primordialmente, pelas influências psicológicas culturais e de educação que a mãe teve na infância. Neste sentido, é preciso compreender o significado que pode ter o abandono de um filho pela mãe.2020. Soejima CS, Weber LND. O que leva uma mãe a abandonar um filho? Aletheia. 2008 Jul-Dez; 28:174-87. Esta pode ser a manifestação em atos, muitas vezes, do significado de reconhecer sua impossibilidade de criar a criança, ou sua rejeição a ela, ou a frustração de seu amor e desejo maternos. Há evidências que as mães que abandonam sofrem exclusão e abandonam porque foram abandonadas pelas políticas públicas e pela sociedade.2020. Soejima CS, Weber LND. O que leva uma mãe a abandonar um filho? Aletheia. 2008 Jul-Dez; 28:174-87.

As evocações E37 e E22 apontam para a associação que há entre o abuso de drogas pelas mães e a falta de cuidado com a saúde da criança e de estímulos ao seu desenvolvimento. Estudos mostram que o abuso de drogas afeta as prioridades da mãe para com a criança, havendo consequentes efeitos negativos sobre a consistência de cuidados e supervisão desta, podendo haver influência negativa no desenvolvimento infantil.1818. Onigu-Otite EC, Belchera HME. Maternal substance abuse history, maltreatment, and functioning in a clinical sample of urban children. Child Abuse Negl. 2012 Jun; 36(6):491-7. , 2121. Dakil SR, Sakai C, Lin H, Flores G. Recidivism in the child protection system: Identifying children at greatest risk of reabuse among those remaining in the home. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011 Nov; 165(11):1006-12.

As sentenças E9 e E31 estão relacionadas com o consumo materno de substâncias psicoativas, como álcool e outras drogas e seu efeito sobre a proteção e segurança da criança. Tais situações podem resultar em negligência com os cuidados, ferimentos, acidentes domésticos e mortes relacionadas com os acidentes de trânsito, assim como a maior chance de que as crianças se tornem dependentes químicos ou abusadores de si mesmos.1717. Substance abuse and mental health services administration, office of applied studies. The NSDUH report: children living with substance-dependent or substance-abusing Parents: 2002 to 2007. Rockville (US): MD: SAMHSA; 2009.

Um estudo mostra que maus tratos sofridos pelas crianças, que incluem abuso e negligência, são um importante problema de saúde pública, estimando que, somente nos Estados Unidos, por ano, 872 mil crianças são maltratadas e 1.500 morrem em decorrência da violência.22 22. Kaslow NJ, Thompson MP. Associations of child maltreatment and intimate partner violence with psychological adjustment among low SES, African American children. Child Abuse Negl. 2008 Sep; 32(8):888-96.Grande parte das crianças que nascem com baixo peso e dificuldades físicas, de aprendizagem, emocionais e sociais, poderiam ter estas situações prevenidas, se estivessem protegidas do abuso e negligência precoces, o que as torna vulneráveis a alterações no sistema nervoso central.1515. Alexandre AMC, Labronici LM, Maftum MA, Mazza VA. Mapa da rede social de apoio às famílias para a promoção do desenvolvimento infantil. Rev Esc Enferm USP. 2012 Abr; 46(2):272-9. , 2323. Shonkoff JP. Protecting brains, not simply stimulating minds. Science. 2011 Aug; 333(6045):982-3.

Em concordância com a fala E9, existem evidências que a deficiência de crescimento, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, microcefalia, disfunção motora fina e dismorfismo facial, além de fenda palatina e anomalias cardíacas estão relacionados ao uso de drogas pela mãe no período pré-natal. Pode também haver manifestações tardias, como mudanças na capacidade intelectual, psicomotora, de aprendizagem, atenção e comportamento.55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. , 2424. Souza LHRF, Santos MC, Oliveira LCM. Padrão do consumo de álcool em gestantes atendidas em um hospital público universitário e fatores de risco associados. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012 Jul; 34(7):296-30. Outro estudo mostra que gestantes que usam drogas são mais frequentes entre as mulheres que recebem tardio, limitado ou nenhum cuidado pré-natal. Por outro lado, as gestantes que usam drogas e recebem atenção pré-natal adequada geralmente têm apresentado melhores resultados em seu parto e na saúde de seus filhos.2525. Roberts SCM, Pies C. Complex calculations: how drug use during pregnancy becomes a barrier to prenatal care. Matern Child Health J. 2010 Apr; 15(3):333-41.

A fala E31 corrobora um estudo que mostra que o uso de drogas por seus pais pode trazer comprometimento funcional para esta criança, sendo os déficits em seu desenvolvimento atribuídos aos maus tratos dos cuidadores usuários de drogas.17 17. Substance abuse and mental health services administration, office of applied studies. The NSDUH report: children living with substance-dependent or substance-abusing Parents: 2002 to 2007. Rockville (US): MD: SAMHSA; 2009. Há evidências que filhos de pais dependentes químicos tendem a entrar em orfanatos em idades mais tenras e são mais propensos a permanecer em um orfanato mais do que crianças maltratadas de famílias não afetadas pelo uso de drogas. Da mesma forma, as crianças cujos pais abusaram de substâncias tinham duas vezes mais probabilidade de sofrer abuso físico ou sexual, em comparação com crianças de pais não usuários.1818. Onigu-Otite EC, Belchera HME. Maternal substance abuse history, maltreatment, and functioning in a clinical sample of urban children. Child Abuse Negl. 2012 Jun; 36(6):491-7.

Os dados discutidos evidenciam que a dependência química é um aspecto de impacto no cuidado de enfermagem ao desenvolvimento infantil, devido à falta de laços afetivos e ações de proteção para a criança.55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. Tais situações demandarão do enfermeiro e da equipe de saúde um processo assistencial baseado na equidade e na integralidade, articulado com outros setores da sociedade como as áreas jurídicas e sociais.33. Veleda AA, Soares MCF, Cézar-Vaz MR. Fatores associados ao atraso no desenvolvimento em crianças, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Gauch Enferm. 2011 Mai-Jun; 32(1):79-85. , 55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. , 1616. Moreira MDS, Gaíva MAM. Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil: análise dos registros das consultas de enfermagem. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2013 Abr-Jun; 5(2):3757-66.

Violência doméstica

O enfermeiro menciona a presença da violência dentro do lar da criança como uma situação adversa para sua proteção física, que pode influenciar em seu desenvolvimento:

[...] aqui na nossa área temos muitas crianças em situação de risco e vulnerabilidade; eu acho que a família, a base familiar, a estrutura familiar influencia bastante nestes casos; aqui a gente tem crianças que convivem com drogadição dentro de casa, com violência doméstica (E12); [...] a violência comprometeu a criança, chegando a levar a criança a fazer tratamento ambulatorial [no] CAPS infantil; não conseguiu ter um bom desempenho, e até hoje está recebendo tratamento, um tratamento que não se dá uma continuidade, um tratamento que começa, para, melhora, volta. Então, foi através da violência mesmo que tem na região e a drogadição (E7); [...] o meio que essa criança está vivendo, se existe presença de dependente químico no ambiente, se existe violência doméstica, eu acho que tudo isso, não estou falando só da parte estrutural da criança, da parte física, mas da parte psicológica também, tudo isso, vai ter uma consequência, quando essa criança chegar na sua adolescência e na sua adultice (E25); [...] que você vai às casas das pessoas, você vê as condições. Não basta apenas às vezes você olhar só no consultório, você tem que ir às casas das pessoas realmente; é o que leva elas estarem assim, que ambiente que elas vivem [...] ambiente do pai e da mãe brigando, são ambientes dos pais (E15).

Nas falas E12, E7 e E25, o enfermeiro se refere à presença da violência como uma consequência do uso de drogas dentro do domicílio. Este enfoque corrobora um estudo que mostrou a presença de drogas e violência no seio familiar como uma realidade em muitos países do mundo.1717. Substance abuse and mental health services administration, office of applied studies. The NSDUH report: children living with substance-dependent or substance-abusing Parents: 2002 to 2007. Rockville (US): MD: SAMHSA; 2009. Concorda também com outros estudos que revelam que a dependência química dos pais, em muitos casos, é um fator que estimula a expressão da violência, por meio de agressividade e atitudes de negligência para com os filhos.1414. Mustard JF. Free market capitalism, social accountability and equity in early human (child) development. Padiatr Child Health. 2008 Dez; 13(10):839-42. , 1818. Onigu-Otite EC, Belchera HME. Maternal substance abuse history, maltreatment, and functioning in a clinical sample of urban children. Child Abuse Negl. 2012 Jun; 36(6):491-7. , 2121. Dakil SR, Sakai C, Lin H, Flores G. Recidivism in the child protection system: Identifying children at greatest risk of reabuse among those remaining in the home. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011 Nov; 165(11):1006-12.

Além disso, sabe-se que maus tratos à criança geram efeitos a curto e longo prazo sobre sua saúde mental, física e seu bem-estar psicossocial. Outro estudo apontou que os maus-tratos geram consequências no desenvolvimento infantil. Entre estas estão sinais de estresse pós-traumático na infância e na adolescência, dificuldades emocionais e comportamentais na vida adulta, abuso de substâncias na adolescência e na idade adulta, comportamento suicida, agressivo, de revitimização.2222. Kaslow NJ, Thompson MP. Associations of child maltreatment and intimate partner violence with psychological adjustment among low SES, African American children. Child Abuse Negl. 2008 Sep; 32(8):888-96.

Na fala E15, o enfermeiro cita a violência como um componente negativo nas relações intrafamiliares. Este resultado concorda com um referencial que afirma que o desenvolvimento psicoemocional da criança pode ser deteriorado por tais situações.55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. Nestas situações, em vez de a criança receber proteção de seus cuidadores, em muitos casos convive com situações deletérias, que podem ocasionar prejuízos para a solução de problemas, linguagem, memória e habilidades sociais.1212. Radcliff E, Racine EF, Huber LRB, Whitaker BE. Association between family composition and the well-being of vulnerable children in Nairobi, Kenya. Matern Child Health J. 2012 Ago; 16(6):1232-40. , 2626. Nobre FSS, Costa CLA, Oliveira DJ, Cabral DA, Nobre GC, Caçola P. Análise das oportunidades para o desenvolvimento motor (affordances) em ambientes domésticos no Ceará - Brasil. J Hum Growth Dev. 2009 Abr; 19(1):9-18.

Uma pesquisa expõe que os níveis de maus tratos à criança estão correlacionados com iniquidades sociais na comunidade e na organização social encontradas em meios urbanos, como falta de infraestrutura, habitação precária, falta de apoio social e violência na comunidade.21 21. Dakil SR, Sakai C, Lin H, Flores G. Recidivism in the child protection system: Identifying children at greatest risk of reabuse among those remaining in the home. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011 Nov; 165(11):1006-12.Da mesma forma, outro estudo indica que o baixo nível socioeconômico definido em termos de renda familiar, está fortemente associado com negligências à criança, sendo que as crianças provenientes de famílias de baixa renda possuem cinco vezes mais probabilidade de serem maltratadas.1818. Onigu-Otite EC, Belchera HME. Maternal substance abuse history, maltreatment, and functioning in a clinical sample of urban children. Child Abuse Negl. 2012 Jun; 36(6):491-7.

As sentenças E12, E7 e E25 corroboram um estudo realizado na China, que mostrou que a violência sofrida pelas crianças é um problema mundial e tem atravessado cultura, classe, educação, renda e etnia. Isso chama a atenção para o contexto em que a violência entre parceiros íntimos e maus-tratos coexistem dentro de uma família.27 27. Chan KL. Children exposed to child maltreatment and intimate partner violence: a study of co-occurrence among Hong Kong Chinese families. Child Abuse Negl. 2011 Jul; 35(7):532-42.Embora a família seja representada como um local para proteção, segurança e afeto à criança, em muitos casos a mesma tem sofrido abusos dentro de seu conjunto familiar, muitas vezes desencadeados por conflitos intrafamiliares.1414. Mustard JF. Free market capitalism, social accountability and equity in early human (child) development. Padiatr Child Health. 2008 Dez; 13(10):839-42.

Em outro estudo, os autores mostram que a violência intrafamiliar pode ocorrer por meio de agressões física, verbal e emocional, tais como agressão, domínio e controle.2828. Karakurt G, Cumbie T. The relationship between egalitarianism, dominance, and violence in intimate relationships. J Fam Violence. 2012 Feb; 27(2):115-22. Por outro lado, esta violência e agressividade estão em grande parte relacionadas à pobreza afetiva, que conduz à desorganização familiar, sendo que as crianças advindas dessas famílias se desenvolvem em um ambiente de insegurança, agregado à vergonha e ao constrangimento social.1919. Gabatz RIB, Padoin SMM, Neves ET, Terra MG. Fatores relacionados à institucionalização: perspectivas de crianças vítimas de violência intrafamiliar. Rev Gauch Enferm. 2010 Dez; 31(4):670-7. Em muitos casos, essas crianças crescerão e reproduzirão os padrões comportamentais de seus familiares, tornando-se pessoas agressivas e propensas à criminalidade e violência.2929. Milletich RJ, Kelley ML, Doane AN, Pearson MR. Exposure to interparental violence and childhood physical and emotional abuse as related to physical aggression in undergraduate dating relationships. J Fam Violence. 2010 Oct; 25(7):627-37.

Os resultados desta categoria apontam para o contraditório discurso oficial de um Estado que professa proteger a família e a criança, mas na prática as marginaliza e se mostra ausente em suas vidas, o que é notório nas periferias de grandes centros urbanos.3030. Fleury S. Militarização do social como estratégia de integração - o caso da UPP do Santa Marta. Sociologias. 2012 Mai-Ago; 14(30):194-222. Portanto, urge a formulação de políticas públicas de intervenção que permitam a prevenção da violência e o tratamento daqueles que estão sofrendo do agravo da dependência química.

Desta forma, a violência revela a transição epidemiológica para as condições crônicas de saúde que se mostram como aspecto de relevância para a prática assistencial da enfermagem na promoção do desenvolvimento infantil.55. Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002. , 99. Shonkoff JP, Wood DL, Dobbins MI, Earls MF, Garner AS, McGuinn L, et al. The lifelong effects of early childhood adversity and toxic stress. Pediatrics. 2012 Jan; 129(1):232-46. Por se tratar de um fenômeno de cunho complexo que ultrapassa o paradigma biologicista, há a demanda de o enfermeiro intervir por meio de articulações com outros setores da sociedade que venham proteger a criança.44. Ribeiro MO, Sigaud CHS, Rezende MA, Veríssimo MLÓR. Desenvolvimento infantil: a criança nas diferentes etapas de sua vida. In: Fujimori E, Ohara CVS, organizadoras. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. Barueri (SP): Manole; 2009. p. 61-90.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na dimensão individual da vulnerabilidade, o enfermeiro compreende a influência de elementos de ordem afetiva e comportamental nos vínculos familiares e no cuidado e proteção da criança. Existe, nos discursos, um olhar para a influência da legalização do estado conjugal dos pais e do potencial destrutivo da dependência química e da violência sobre as famílias e, em especial, sobre as crianças. Esta visão, no entanto, não traz a correlação da expressão dos desgastes individuais dos elementos desta dimensão da vulnerabilidade aos reflexos da sociedade capitalista, à desigualdade de gênero e à insuficiência de uma rede social de apoio.

Os sujeitos relatam a expressão de processos individuais que são reflexos da sociedade pós-moderna e compreendem esta relação sociedade-família como uma situação adversa ao desenvolvimento infantil. Esses processos individuais podem ser apreendidos como uma expressão do processo saúde-doença da família, que manifesta as suas limitações no cuidado à criança, e a necessidade de uma sociedade inclusiva e igualitária que busque compartilhar seus recursos para o bem-estar de todos os cidadãos.

Os dados assinalam a necessidade de o enfermeiro aperfeiçoar suas tecnologias de cuidado que enfoquem as relações familiares, a dependência química e a proteção à criança exposta à violência doméstica. Eles também demonstram que ao utilizar o conceito de vulnerabilidade em seu cotidiano profissional, o enfermeiro e as equipes de saúde da família podem realizar uma análise crítica de suas práticas com vistas à integralidade da atenção e à complexidade da concepção de saúde, assim como sua aplicação no cuidado à criança propicia a reorientação do modelo assistencial, com a superação do conceito biologicista e fragmentado de desenvolvimento infantil.

Este estudo possui limitações de alcance da realidade, considerando que foi elaborado com dados qualitativos, que são falas de pessoas, e nem sempre refletem a realidade em sua totalidade. Diante disso, se reconhece a necessidade da realização de novas pesquisas que busquem o avanço na estruturação do conceito de vulnerabilidade no campo do desenvolvimento infantil.

REFERENCES

  • 1
    Mazza VA, Chiesa AM. Family needs on child development in the light of health promotion. Online Braz J Nurs [online]. 2008 [acesso 2012 Out 01]; 7(3). Disponível em: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2008.1852
    » http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2008.1852
  • 2
    Apostólico MR, Cubas MR, Altino DM, Pereira KCM, Egry EY. Contribuição da CIPESC na execução das políticas de atenção à saúde da criança no município de Curitiba, Paraná. Texto Contexto Enferm. 2007 Jul-Set; 16(3):453-62.
  • 3
    Veleda AA, Soares MCF, Cézar-Vaz MR. Fatores associados ao atraso no desenvolvimento em crianças, Rio Grande, Rio Grande do Sul, Brasil. Rev Gauch Enferm. 2011 Mai-Jun; 32(1):79-85.
  • 4
    Ribeiro MO, Sigaud CHS, Rezende MA, Veríssimo MLÓR. Desenvolvimento infantil: a criança nas diferentes etapas de sua vida. In: Fujimori E, Ohara CVS, organizadoras. Enfermagem e a saúde da criança na atenção básica. Barueri (SP): Manole; 2009. p. 61-90.
  • 5
    Brazelton TB, Greenspan SI. As necessidades essenciais das crianças: o que toda criança precisa para crescer, aprender e se desenvolver. Porto Alegre (RS): Artmed; 2002.
  • 6
    Mustard JF. Early human development - Equity from the start - Latin America. Rev Lat Am Cienc Soc Niñez Juv. 2009 Jul-Dec; 7(2):639-80.
  • 7
    Ayres JRCM, Paiva V, França Junior I. From natural history of disease to vulnerability. In: Parker R, Sommer M. Routledge handbook in global public health. New York (US): Routledge; 2011. p. 98-107.
  • 8
    Silva DI, Chiesa AM, Veríssimo MLOR, Mazza VA. Vulnerability of children in adverse situations to their development: proposed analytical matrix. Rev Esc Enferm USP. 2013; 47(6):1397-402.
  • 9
    Shonkoff JP, Wood DL, Dobbins MI, Earls MF, Garner AS, McGuinn L, et al. The lifelong effects of early childhood adversity and toxic stress. Pediatrics. 2012 Jan; 129(1):232-46.
  • 10
    Ariès P. História social da criança e da família. Rio de Janeiro (RJ): Zahar; 1981.
  • 11
    Andrade SA, Santos DN, Bastos AC, Pedromônico MRM, Almeida-Filho N, Barreto M. Ambiente familiar e desenvolvimento cognitivo infantil: uma abordagem epidemiológica. Rev Saude Publica. 2005 Ago; 39(4):606-11.
  • 12
    Radcliff E, Racine EF, Huber LRB, Whitaker BE. Association between family composition and the well-being of vulnerable children in Nairobi, Kenya. Matern Child Health J. 2012 Ago; 16(6):1232-40.
  • 13
    Bittar DB, Nakano AMS. Violência intrafamiliar: análise da história de vida de mães agressoras e toxicodependentes no contexto da família de origem. Texto Contexto Enferm. 2011 Jan-Mar; 20(1):17-24.
  • 14
    Mustard JF. Free market capitalism, social accountability and equity in early human (child) development. Padiatr Child Health. 2008 Dez; 13(10):839-42.
  • 15
    Alexandre AMC, Labronici LM, Maftum MA, Mazza VA. Mapa da rede social de apoio às famílias para a promoção do desenvolvimento infantil. Rev Esc Enferm USP. 2012 Abr; 46(2):272-9.
  • 16
    Moreira MDS, Gaíva MAM. Acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil: análise dos registros das consultas de enfermagem. Rev Pesqui Cuid Fundam. 2013 Abr-Jun; 5(2):3757-66.
  • 17
    Substance abuse and mental health services administration, office of applied studies. The NSDUH report: children living with substance-dependent or substance-abusing Parents: 2002 to 2007. Rockville (US): MD: SAMHSA; 2009.
  • 18
    Onigu-Otite EC, Belchera HME. Maternal substance abuse history, maltreatment, and functioning in a clinical sample of urban children. Child Abuse Negl. 2012 Jun; 36(6):491-7.
  • 19
    Gabatz RIB, Padoin SMM, Neves ET, Terra MG. Fatores relacionados à institucionalização: perspectivas de crianças vítimas de violência intrafamiliar. Rev Gauch Enferm. 2010 Dez; 31(4):670-7.
  • 20
    Soejima CS, Weber LND. O que leva uma mãe a abandonar um filho? Aletheia. 2008 Jul-Dez; 28:174-87.
  • 21
    Dakil SR, Sakai C, Lin H, Flores G. Recidivism in the child protection system: Identifying children at greatest risk of reabuse among those remaining in the home. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011 Nov; 165(11):1006-12.
  • 22
    Kaslow NJ, Thompson MP. Associations of child maltreatment and intimate partner violence with psychological adjustment among low SES, African American children. Child Abuse Negl. 2008 Sep; 32(8):888-96.
  • 23
    Shonkoff JP. Protecting brains, not simply stimulating minds. Science. 2011 Aug; 333(6045):982-3.
  • 24
    Souza LHRF, Santos MC, Oliveira LCM. Padrão do consumo de álcool em gestantes atendidas em um hospital público universitário e fatores de risco associados. Rev Bras Ginecol Obstet. 2012 Jul; 34(7):296-30.
  • 25
    Roberts SCM, Pies C. Complex calculations: how drug use during pregnancy becomes a barrier to prenatal care. Matern Child Health J. 2010 Apr; 15(3):333-41.
  • 26
    Nobre FSS, Costa CLA, Oliveira DJ, Cabral DA, Nobre GC, Caçola P. Análise das oportunidades para o desenvolvimento motor (affordances) em ambientes domésticos no Ceará - Brasil. J Hum Growth Dev. 2009 Abr; 19(1):9-18.
  • 27
    Chan KL. Children exposed to child maltreatment and intimate partner violence: a study of co-occurrence among Hong Kong Chinese families. Child Abuse Negl. 2011 Jul; 35(7):532-42.
  • 28
    Karakurt G, Cumbie T. The relationship between egalitarianism, dominance, and violence in intimate relationships. J Fam Violence. 2012 Feb; 27(2):115-22.
  • 29
    Milletich RJ, Kelley ML, Doane AN, Pearson MR. Exposure to interparental violence and childhood physical and emotional abuse as related to physical aggression in undergraduate dating relationships. J Fam Violence. 2010 Oct; 25(7):627-37.
  • 30
    Fleury S. Militarização do social como estratégia de integração - o caso da UPP do Santa Marta. Sociologias. 2012 Mai-Ago; 14(30):194-222.
  • 1
    Extraído da dissertação - Vulnerabilidade no desenvolvimento da criança segundo o enfermeiro da Estratégia da Saúde da Família. Universidade Federal do Paraná (UFPR), 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2013
  • Aceito
    05 Dez 2013
Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Enfermagem Campus Universitário Trindade, 88040-970 Florianópolis - Santa Catarina - Brasil, Tel.: (55 48) 3721-4915 / (55 48) 3721-9043 - Florianópolis - SC - Brazil
E-mail: textoecontexto@contato.ufsc.br