Acessibilidade / Reportar erro

A mediação de leitura como recurso de comunicação com crianças hospitalizadas

Resumos

O Projeto Biblioteca Viva em Hospitais é estratégia adotada por diversas instituições de saúde com o objetivo de levar à criança e ao adolescente hospitalizados a mediação de leitura de histórias infanto-juvenis, por intermédio de profissionais e voluntários capacitados para tal função. O objetivo deste trabalho é apreender em que medida a estratégia da mediação de histórias, proposta pelo Projeto Biblioteca Viva em Hospitais, pode ser recurso de comunicação com a criança hospitalizada. Para tanto, a coleta de dados empíricos foi realizada mediante a entrevista semi-estruturada com mediadores e crianças maiores de sete anos e a observação de sessões de mediação de leitura. Procedeu-se à análise qualitativa dos dados e constatou-se que a mediação de leitura facilita os diálogos e o relacionamento, amplia o processo diagnóstico e terapêutico e valoriza o processo de desenvolvimento de crianças, familiares e equipe de saúde.

criança hospitalizada; biblioterapia; enfermagem pediátrica; humanização da assistência


The Live Library in Hospitals Project is a strategy adopted by several health institutions for the purpose of providing hospitalized children and adolescents the reading mediation of infant-juvenile stories through professionals and volunteers capable of this function. This study aimed to find out to what extent the reading of stories strategy proposed by this project in hospitals can be a communication resource to use with hospitalized children. In order to do that, empirical data collection was carried out through the use of semi structured interviews with the reader and children above the age of seven years and observation of reading sections. The qualitative data analysis was doing it and it was verified that the reading mediation favors the dialogs and relationships; contribute for the expansion of the diagnostic and therapeutic and development processes of children, relatives and health professionals.

child, hospitalized; bibliotherapy; pediatric nursing; humanization of assistance


El Proyecto Biblioteca Viva en Hospitales es una estrategia adoptada por diversas instituciones de salud con el objetivo de llevar al niño y al adolescente hospitalizados a la mediación de la lectura de historias infante-juveniles, por intermedio de profesionales y voluntarios capacitados para esa función. El objetivo de este trabajo es aprender en que medida la estrategia de la mediación de historias, propuesta por lo Proyecto Biblioteca Viva en Hospitales, puede ser un recurso de comunicación con el niño hospitalizado. Para esto, la recolección de datos empíricos fue realizada mediante una entrevista semiestructurada con mediadores y niños mayores de siete años y observando las sesiones de mediación de lectura. Se realizó un análisis cualitativo de los datos y se constató que la mediación de lectura facilita los diálogos y la relación, amplía el proceso diagnóstico y terapéutico y valoriza el proceso de desarrollo de los niños, de los familiares y del equipo de salud.

niño hospitalizado; biblioterapia; enfermería pediátrica; humanización de la atención


ARTIGO ORIGINAL

A mediação de leitura como recurso de comunicação com crianças hospitalizadas

Carina CeribelliI; Lucila Castanheira NascimentoII; Soraya Maria Romano PacíficoIII; Regina Aparecida Garcia de LimaIV

IEnfermeira do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil, Pós-graduanda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: caceribelli@yahoo.com.br

IIEnfermeira, Professor Doutor Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: lucila@eerp.usp.br

IIIProfessor Doutor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Brasil, e-mail: smrpacifico@ffclrp.usp.br

IVEnfermeira, Professor Associado da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Brasil, e-mail: limare@eerp.usp.br

RESUMO

O Projeto Biblioteca Viva em Hospitais é estratégia adotada por diversas instituições de saúde com o objetivo de levar à criança e ao adolescente hospitalizados a mediação de leitura de histórias infanto-juvenis, por intermédio de profissionais e voluntários capacitados para tal função. O objetivo deste trabalho é apreender em que medida a estratégia da mediação de histórias, proposta pelo Projeto Biblioteca Viva em Hospitais, pode ser recurso de comunicação com a criança hospitalizada. Para tanto, a coleta de dados empíricos foi realizada mediante a entrevista semi-estruturada com mediadores e crianças maiores de sete anos e a observação de sessões de mediação de leitura. Procedeu-se à análise qualitativa dos dados e constatou-se que a mediação de leitura facilita os diálogos e o relacionamento, amplia o processo diagnóstico e terapêutico e valoriza o processo de desenvolvimento de crianças, familiares e equipe de saúde.

Descritores: criança hospitalizada; biblioterapia; enfermagem pediátrica; humanização da assistência

INTRODUÇÃO

Todos os anos, mais de um milhão de crianças em nosso país são hospitalizadas por diferentes causas(1). Diversos autores(2-3), de diferentes áreas de conhecimento, têm discutido os efeitos dos processos de hospitalização sobre o desenvolvimento infantil, dado que essa experiência é potencialmente traumática. Além das mudanças em sua rotina e hábitos de sono, higiene e alimentação, a criança é submetida a situações nas quais não terá muita escolha. A hospitalização pode, ainda, desencadear o surgimento de sentimentos diversos como angústia, ansiedade e medo diante dessa situação desconhecida e ameaçadora(4). Em crianças pequenas, o sofrimento maior é aquele causado pela separação da mãe. A hospitalização, também, pode ocasionar distúrbios de afetividade, pensamento abstrato limitado e dificuldades cognitivas(2).

Tornar o hospital ambiente agradável é um recurso para minimizar os efeitos adversos da hospitalização, e pode-se alcançar esse objetivo mediante a humanização do atendimento em pediatria. Quando se pensa no cuidado à criança hospitalizada, sob a perspectiva da atenção integral(3), não se pode ficar limitado às intervenções medicamentosas ou às técnicas de reabilitação.

Tendo em vista a ampliação do processo diagnóstico e terapêutico, algumas estratégias adotadas por instituições de saúde, os chamados projetos de humanização, têm avaliações que evidenciam a melhora da qualidade da assistência. Entre os mais citados temos o Projeto Viva e Deixe Viver, Maternidade Segura, Hospital Amigo da Criança, Parto Humanizado, Mãe Canguru, Classe Hospitalar, Doutores da Alegria e Projeto Biblioteca Viva em Hospitais, também conhecido como PBVH(5).

O programa Biblioteca Viva foi criado em 1994 pela Cor da Letra. Essa instituição agrega escritores, ilustradores e profissionais ligados à literatura, os quais, numa ação voluntária, buscam a difusão e valorização dos atos de leitura junto à população. Em 1995, o programa foi incorporado às ações desenvolvidas pela Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente e, até 2002, estava implantado em 293 localidades como escolas, instituições sociais, creches e programas socioeducativos, atingindo 78 mil crianças, adolescentes e suas comunidades(6).

Em 2000, o Ministério da Saúde firmou convênio com a Fundação Abrinq para a elaboração de versão específica do programa a ser implantado em hospitais públicos brasileiros, o Projeto Biblioteca Viva em Hospitais(5-6). Em maio de 2001, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo implantou o PBVH, com o apoio do Ministério da Saúde, da Fundação Abrinq e do Citibank, recebendo acervo de trezentos livros, entre os quais clássicos da literatura, livros-dobradura, livros-brinquedo e livros educativos, atendendo de bebês até adolescentes. Recebeu, também, material de apoio como almofadas, tapetes, carrinhos para transportar livros e camisetas para os mediadores(7). O PBVH tem como objetivo geral levar para a criança e o adolescente hospitalizados a mediação de leitura de histórias infanto-juvenis, por intermédio de funcionários e voluntários capacitados para tal função. O projeto prioriza o foco de atenção na criança e no adolescente, permitindo-lhes escolher e participar ativamente do momento proposto, mas envolve, também, pais e funcionários, proporcionando vivências e trocas importantes a partir das narrativas e dos livros de literatura infanto-juvenil(5).

A princípio, foram capacitadas uma enfermeira, uma assistente social e a bibliotecária da instituição, formando assim o grupo multiplicador do projeto, que, desde então, capacita equipes compostas por funcionários, estagiários e voluntários que contam histórias para as crianças e adolescentes hospitalizados.

O PBVH tem pontos de intersecção com a Biblioterapia(8) que é a terapia por meio de livros, mesmo que os mediadores realizem a simples leitura de histórias, respeitando a escolha e disponibilidade das crianças e adolescentes para ouvi-las. As reações apresentadas pelas crianças dão indícios da sua vivência com relação à doença e ao cuidado, sua aceitação e compreensão. Essas informações são relevantes para o planejamento da assistência integral e humanizada.

Este estudo, assim, tem por objetivo apreender em que medida a estratégia da mediação de histórias infanto-juvenis, proposta pelo Projeto Biblioteca Viva em Hospitais, pode ser um recurso de comunicação com a criança hospitalizada.

ABORDAGEM METODOLÓGICA

O presente estudo é de natureza descritiva e exploratória(9) e as respostas para as suas questões foram buscadas na abordagem qualitativa, devido às características do objeto de estudo e do objetivo proposto.

Considerando as exigências contidas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o projeto de pesquisa foi submetido, para apreciação, ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, e foi aprovado.

Escolheu-se como campo de pesquisa o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP), unidade campus. A Clínica Pediátrica, localizada no 7º andar, foi o local de coleta de dados empíricos e conta com 40 leitos. Participaram do estudo 14 crianças de ambos os sexos, na faixa etária de 3 a 12 anos, internadas nesse setor, durante o primeiro semestre de 2006. Com relação aos mediadores, foram selecionados 9 deles, atuantes no projeto no momento de coleta de dados.

A coleta de dados empíricos foi realizada em dois momentos, um de observação e outro de entrevista. Pela observação, buscou-se identificar o grau de participação da criança e do adolescente, como ocorreu a interação, mudanças na expressão da criança durante a leitura das histórias, aceitação de procedimentos durante a mediação e a reação da criança quando terminou a leitura e o mediador se despediu. Utilizou-se, também, a entrevista semi-estruturada, realizada com os mediadores e somente com aquelas crianças maiores de sete anos de idade. A opção por realizar a entrevista apenas com as crianças nessa faixa etária, ou seja, acima de sete anos, deve-se ao fato de as mesmas se encontrarem na fase do pensamento lógico, conseguindo comunicar verbalmente suas idéias, dando significado às suas experiências(10).

Na entrevista com os mediadores buscou-se informações sobre como conheceu e se interessou pelo PBVH, quais eram os benefícios da mediação de leitura, quais os sentimentos ao contar histórias e porque o PBVH pode ser um instrumento de comunicação com a criança hospitalizada. Com as crianças, o empenho foi para conhecer o tipo de história que prefere,; porque gostam de ouvir as histórias, como se sentem ao ouvi-las e quais relações estabelecem entre a história (mundo imaginário) e a sua vida.

A obtenção da concordância dos responsáveis pelas crianças sobre a participação das mesmas ocorreu após apresentação do objetivo do estudo e da técnica de coleta de dados e, diante da concordância, foi solicitada a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. No caso de crianças maiores de sete anos, solicitou-se a concordância delas e de seu responsável. O mesmo procedimento ocorreu com os mediadores de leitura.

Para garantir o anonimato das crianças participantes do estudo, substituiu-se seus nomes por letras de a A a N, seguida da idade, acompanhada ainda das letras E (quando era entrevista) ou O (quando era observação). Os mediadores foram identificados por números, de I a IX, também acompanhado de E (quando era entrevista) ou O (quando observação).

O material empírico produzido a partir da entrevista e da observação foi digitado e organizado em arquivos individuais, tendo-se percorrido, através da análise, as etapas preconizadas pela técnica de análise temática de conteúdo, ou seja, pré-análise, análise dos sentidos expressos e latentes, elaboração das temáticas e análise final(11). Agrupou-se os dados ao redor de dois temas: as histórias e as possibilidades terapêuticas e educativas e a comunicação e a contação de histórias.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na caracterização dos participantes, identificou-se que os mediadores conheceram o projeto Biblioteca Viva em Hospitais, através de cartazes, de pessoas que fizeram a indicação e da mídia local. Freqüentavam a instituição no máximo duas vezes por semana, por duas horas consecutivas, idade entre 30 e 60 anos, 3º. grau completo, eram casados e tinham filhos. Entre os mediadores, 40% eram do sexo masculino. Todos afirmaram ter benefícios pessoais com a mediação de leitura para a criança hospitalizada e relataram interessar-se pelo projeto por necessidade de fazer algo pelo próximo. Alguns deles também tinham por hábito contar histórias para os próprios filhos. As datas, em que esses mediadores de leitura foram capacitados para atuarem no projeto, variaram desde 2002 (início do projeto nesse hospital) até a última capacitação, realizada em março de 2006.

As crianças tinham idade entre 3 e 12 anos 40% de meninos e 60% de meninas. A maioria encontrava-se internada em tratamento por doenças crônicas, como doenças onco-hematológicas, gastrintestinais, pneumopatias e doença renal aguda e crônica. O tempo mínimo de internação foi de três semanas, sendo que uma das crianças é moradora da instituição há cinco anos. Todas afirmavam gostar de ouvir histórias durante a hospitalização por motivos diversos, mas algumas citaram o aprendizado como o motivo principal.

As histórias e as possibilidades terapêuticas e educativas

Percebeu-se as possibilidades terapêuticas da contação de histórias, mesmo não sendo os contadores de histórias do PBVH profissionais especialistas em tal função e a leitura ser livre, e não direcionada. Argumenta-se, aqui, que a leitura oferece ao leitor ou ouvinte, além do prazer do texto, a possibilidade de descobrir segurança emocional, da catarse de conflitos internos, de sentimentos de pertencimento, de amor, engajamento na ação e superação de dificuldades(12).

Nesse sentido, o relato de um mediador exemplifica tal possibilidade, a seguir.

Ajuda até mesmo nos procedimentos. Eu tive uma experiência em que a enfermeira foi fazer um procedimento e a criança estava muito arredia, não estava deixando de jeito nenhum. Eu, sem saber disso, entrei no quarto, me apresentei como mediador, contei algumas histórias, conversamos um pouco e, quando eu saí da enfermaria, ela foi tentar novamente. Depois ela me disse o quanto foi significativo para aquela criança a mediação de leitura; foi tão bom para ela, tanto que aceitou o procedimento (E, IX).

As crianças participantes do estudo mencionaram que a leitura no hospital foi uma oportunidade de aprendizado e passatempo gratificante, como no relato abaixo.

As histórias educam. Aquelas que estão explicando as coisas, como aquela da semente, [conto bíblico 'A semente da verdade', Patrícia Engel Secco] os meninos todos mentiram e só um falou a verdade e tem que falar a verdade. Então, eu acho que tem histórias que educam (E, F - 10 anos).

As histórias são bem comunicativa, a gente não fica pensando nas coisas ruins, não fica só vendo televisão (E, J - 11 anos).

O hospital, para a criança, é um ambiente diferente, desconhecido e muitas vezes assustador e a separação da sua família, causada pela hospitalização, pode acarretar severos traumas emocionais, levando-os a apresentar comportamentos agressivos como raiva e violência, ou choro constante, seguidos de angústia e depressão, dificuldades de aprendizagem e retardo de desenvolvimento(13).

Ao procurar a leitura como recurso para minimizar o estresse da hospitalização é necessário considerar aspectos do desenvolvimento infanto-juvenil. Por exemplo, pré-escolares (entre 3 e 6 anos) experimentam rápido desenvolvimento de vocabulário e habilidades de fala, entendendo suas experiências por meio do uso de símbolos, incluindo a linguagem. As crianças em idade escolar (entre 6 e 8 anos) estão aprimorando a leitura e gostam de saber sobre conceitos e habilidades; os pré-adolescentes (entre 8 e 11 anos) gostam de ficção realista e livros que descrevem eventos que acontecem no mundo real, quando estão aprendendo a fazer escolhas e desenvolvendo valores pessoais e, ainda, os adolescentes (entre 12 e 18 anos) gostam de romances e ficção, fantasia ou mesmo de leituras individuais e não assistidas(6).

Para os mediadores, as histórias, ao mesmo tempo em que proporcionam bem-estar, também são educativas, como pode se observar nos relatos.

O PBVH traz bem-estar, uma alegria, momentânea talvez porque vou embora e não sei como ficam, mas, eu acho que irradia para mais. Porque eles ficam com aquela sementinha na cabeça; quando a gente vai embora e diz: pense bem nesta historinha e veja o que você aprendeu! Tipo as educativas, de não jogar sujeira no chão, enfim acho que leva muitos benefícios para a criança, porque dali ela tira substâncias, coisas boas para a vida dela (E, III).

No livro: 'Bolinha de Algodão' [Marly Mattos] a criança se encanta com a bolinha de algodão que quer ir para os hospitais fazer curativos e é levada pelo vento. A mediadora abre um sorriso e diz: 'igual esse algodão que vocês usam aqui!'. Então a bolinha de algodão se suja e não pode socorrer uma pessoa (O, K - 6 anos).

Pensando em campos de aprendizado como o afetivo-emocional, além do intelectual e do espiritual, visualizou-se a produção literária infantil e juvenil questionando valores e desmistificando-os. Através de diferentes obras e autores, as crianças e adolescentes podem resgatar neles e com eles os verdadeiros valores do homem.

Através da linguagem dos contos de fadas, a criança compreende algumas coisas que, se lhes fossem colocadas de maneira muito realista, não seriam internalizadas. Os contos de fadas dão contribuições psicológicas positivas para o crescimento interno da criança, pois as "verdades" dos contos de fadas, se internalizadas por ela, servem como base para solução de problemas psicoemocionais na infância, adolescência e vida adulta. A narração de histórias de fadas ativa e intensifica uma série de experiências na criança como compaixão, crítica, tensão, alívio, tristeza, alegria, medo, coragem, dentre outros sentimentos. Ler um conto de fadas para a criança é uma forma de alimentar sua alma e sua força criativa para o enfrentamento de situações difíceis como a de doença(14).

Os contadores de histórias relatam ser o ato de contar histórias um mecanismo de aprendizado para quem ouve e para quem conta a história. Mencionam que se sentem beneficiados com a mediação de leitura, pois aprendem com ela e com as situações vividas no hospital, como relatado a seguir.

Eu estou há pouco tempo neste projeto, mas eu estou aprendendo muito com eles; e eles também entendem que nem sempre os adultos impõem as coisas, mas podem oferecer também. Não é algo frio, sabe? É um momento humano, que tem uma grande empatia (E, V).

Observou-se, ainda, tais benefícios para as crianças.

Criança escolhe o livro 'O maior, o mais forte e o mais rápido' [Steve Jekins]. Mostrando os animais a mediadora pergunta se ela conhece e sabe dizer o nome de cada um; criança sorri dizendo alguns nomes como leão e girafa, acertando. Continua sorrindo para mim e para a mãe, sempre atenta à leitura da mediadora que lhe mostra uma água-viva e uma aranha tarântula. Para estas duas últimas figuras a criança manifesta expressão de surpresa e curiosidade e não responde quando lhe é perguntado os nomes. A mãe, então, diz os nomes dos bichos e explica onde eles vivem (O, M - 3 anos).

Quando se retrata o aspecto bilateral dos projetos de humanização que preconizam que a estratégia utilizada para humanizar tem que beneficiar quem recebe e quem pratica o ato(15), nota-se o reconhecimento desse fato nos relatos dos mediadores do PBVH participantes desse estudo, quanto ao benefício, também, para quem trabalha com os contadores de histórias voluntários. Exemplo mostrado abaixo.

Eu acho que a família, os pais, e penso que até os enfermeiros são beneficiados com a mediação de leitura. A pessoa que está lá e ouve a história, é naquele momento que ela se transporta, sai do ambiente hospitalar e entra numa fantasia. Eu percebo que não é só a criança que fica assim e eu acho que isso é bom pra mim (E, II).

O ato de contar histórias é colocado como mensagem universal à qual todos são capazes de compreender, uma experiência já vivenciada em algum momento da vida. As histórias servem de alimento para a alma, despertam a curiosidade e estimulam a busca por explicações, têm a capacidade de valorizar alternativas diferentes para vencer desafios(8,14).

É fato que a leitura de histórias infantis seja feita por crianças ou mediada pelos contadores de histórias, contribui para o processo de alfabetização e desenvolvimento da leitura e interpretação de texto, durante os períodos pré-escolar e escolar(16). É o primeiro benefício que se imagina advir de um projeto como o BVH.

A comunicação e a contação de histórias

A mediação da leitura pode, também, servir como forma de comunicação com a criança hospitalizada, pois torna possível relação mais intuitiva por facilitar a comunicação não-verbal. Através das fábulas e dos contos fantásticos, acessíveis à sua compreensão, desafogam emoções fortes como raiva, medo, dor e sofrimento(14).

Os mediadores de leitura reafirmam tal benefício ao revelarem que a contação de histórias possibilita ou viabiliza a comunicação com a criança hospitalizada e o quanto favorece os diálogos entre as crianças e a equipe de enfermagem, equipe multiprofissional e também entre as crianças e seus familiares. Para exemplificar coloca-se a fala do mediador.

A criança é um pouco tímida com o adulto, com outra criança ela já chega brincando, às vezes conversando, mas com o adulto, se sente inibida, e esta [a contação de história] é uma maneira de se abrir uma portinha e ter um acesso mais fácil a elas; uma conversa também consegue essa abertura, mas a conversa é mais longa e demora mais pra se cativar uma criança. Chegar contando uma história você já está entrando direto no mundo dela, no mundo da imaginação. Assim ela começa a se abrir mais, conversar um pouco mais com você (E, I).

A saúde e a doença são partes do mesmo continuum e fatores culturais, biológicos, individuais e coletivos podem interferir nesse processo, bem como nosso comportamento, crenças, atitudes e valores. O apoio emocional destaca-se como elemento do cuidar e a comunicação entre a equipe de enfermagem e o cliente se faz necessária para o sucesso desse cuidado(13). Partindo de tal perspectiva, a mediação de leitura cumpre a função de facilitar a comunicação entre a criança e a equipe de enfermagem, além de encorajar o paciente a falar sobre seus sentimentos, como exemplificado.

Gostei da 'A maior flor do mundo' [José Saramago]. Eu gostei, mas é muito difícil [a criança fala do personagem que machucou o pé]. Por que ficou sangrando o pé dele e doendo. Aí, ele desmaiou" (E, D - 8 anos).

A mãe dele sempre comentava que ele não conversava muito, que ele sempre ficava muito quieto, triste por causa do problema, e quando chegava eu conversava muito com ele, eu percebia que ele gostava de ouvir as histórias, ele ficava mais feliz com os livros! Então me marcou muito porque a mãe dizia que ele quase não se abria, por causa do tratamento ficou muito introspectivo e comigo ele se abria. Eu percebia que as histórias faziam bem pra ele (E, VI).

Estudos(5,8,14) evidenciam a importância e relevância dos diálogos oportunizados pela mediação de leitura, pois, a partir deles, é possível apreender como a criança vivencia a hospitalização, o tratamento e o sofrimento, além da compreensão das relações dessa criança com a equipe e com seus familiares.

Mesmo quando não falam, as crianças manifestam seus sentimentos de ansiedade, angústia e medo, inclusive da morte, através de brincadeiras, desenhos e nas histórias, sendo que esse desabafo alivia os males causados pela hospitalização(13,17). Defende-se, aqui, então, a mediação de leitura como forma de elas se expressarem, de colocarem em um discurso os sentimentos protagonizados por personagens, figuras e mensagens contidos nos livros de literatura infantil. Para exemplificar mostra-se a fala a seguir.

Gostei do 'Patinho feio' [Suely Mendes Brazão]... Porque ninguém gostava dele! Só que no final ele era um cisne (E, A - 10 anos).

Analisando os depoimentos anteriores, percebe-se as contribuições da contação de histórias para o cuidado de enfermagem, pois essas crianças falam da dificuldade de personagens que apresentam "sangramento e dor" e do "patinho feio que ninguém gostava", mas que, afinal, tornou-se um cisne. Identifica-se as complicações de doenças onco-hematológicas e nefropatias causadoras de alterações físicas, nessa experiência. Para os enfermeiros, entender o que sentem esses pacientes e enxergar suas necessidades, além do bem-estar físico, é conseguir elementos e subsídios para aumentar a qualidade da assistência prestada por todos da equipe de saúde.

Isso porque o hospital não é um local só de dor e sofrimento, nele sempre há espaço que deve ser aproveitado para o desenvolvimento de atividades pedagógicas e recreacionais, dado que a internação não deve interromper o processo de desenvolvimento infantil.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As enfermeiras pediátricas têm se questionado se apenas os aspectos clínicos são suficientes para o desempenho de suas práticas, considerando que os elementos humanísticos e artísticos poderiam ser parte integrante do ensino e, conseqüentemente, da prática de enfermagem. Sob essa perspectiva, o cuidado de enfermagem não pode ser desenvolvido unicamente a partir do conhecimento das ciências biológicas e sociais, negligenciando as artes e as humanidades(7). Nessa direção, as artes e a filosofia são fundamentais para o desenvolvimento do cuidado integral e personalizado, pois permitem chegar ao conhecimento mais abrangente e preciso da natureza humana, do mundo individual e coletivo.

Partindo desse pressuposto, a assistência à criança hospitalizada deve prover cuidados não apenas físicos, mas, também, emocionais e sociais como a inclusão de técnicas adequadas de comunicação e relacionamento, que podem ser fundamentadas na literatura, por exemplo. A mediação de leitura pode permitir que a equipe de saúde acesse, identifique, reconheça e compreenda quais são as reais necessidades da criança hospitalizada.

Sem dúvida, conversa-se mais com os pacientes e eles com os profissionais enfermeiros, com toda a equipe e família após essa mediação de leitura. Na prática clínica, os enfermeiros sabem o quanto é relevante a comunicação efetiva com o paciente e entre os membros da equipe de enfermagem, ficando prejudicada a continuidade do cuidado e sua eficácia caso os relacionamentos e as informações não sejam repassadas por falhas na comunicação. Os enfermeiros e membros da equipe de enfermagem podem utilizar objetos de transição como brinquedos e livros para a aproximação com seus pacientes pediátricos e constata-se tal possibilidade a partir dos resultados desta pesquisa.

A humanização da assistência é direito e necessidade de pessoas que se encontram hospitalizadas, principalmente aquelas com doenças crônicas, tratamentos prolongados e inúmeras reinternações e que, nem sempre, têm a família presente. A mediação de leitura pode ser um recurso para aliviar a ansiedade, a desolação, apatia e sofrimento de crianças e adolescentes hospitalizados, além da abrangência dessas ações para a enfermagem no "cuidar do cuidador", o que é essencial para melhorar a qualidade da assistência prestada ao paciente.

Os resultados do presente estudo corroboram aqueles de outros trabalhos(18-20) que têm evidenciado possibilidades de desenvolver novas competências para o cuidado em saúde, capazes de re-significar a prática de enfermagem, aliando competência técnico-científica e humana com vistas à humanização de um processo de cuidar que contemple o usuário e o trabalhador de saúde.

REFERÊNCIAS

  • 1. Ministério da Saúde (BR). DATASUS. [on-line]. Brasília: Ministério da Saúde; 2007. [Acessado em 01 set. 2007]. Disponível em: http//www.datasus.org.br
  • 2. Castro A Neto. As fases turbulentas da hospitalização. Rev Pediatria Moderna 2000; 4(36): 245-7.
  • 3. Lima RAG. Criança hospitalizada: a construção da assistência integral. [Tese]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP; 1996.
  • 4. Santa Roza E. Um desafio às regras do jogo. In: Santa Roza E, Reis ES, organizadores. Da análise na infância ao infantil na análise. Rio de Janeiro (RJ): Contra Capa; 1997. p. 161-88.
  • 5. Fundação Abrinq (BR). Biblioteca viva: fazendo histórias com livros e leituras. São Paulo (SP): Fundação Abrinq; 2004.
  • 6
    Projeto Biblioteca Viva em Hospitais (PBVH). Formação de multiplicadores: Material de Apoio. São Paulo; 2002.
  • 7. Ceribelli C. A mediação de leitura como recurso de comunicação com crianças e adolescentes hospitalizados: subsídios para a humanização do cuidado de enfermagem. [Dissertação]. Ribeirão Preto (SP): Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto /USP; 2007.
  • 8. Caldin CF. A leitura como função terapêutica: Biblioterapia. [on-line]. 2001. [Acessado em 25 set. 2003]. Disponível em: www.encontros-bibli.ufsc.br
  • 9. Polit DF, Hungler BP. Fundamentos de pesquisa em enfermagem. 3Ş ed. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1995.
  • 10. Wong DL. Enfermagem pediátrica: elementos essenciais à intervenção efetiva. 5 ed. Rio de Janeiro (RJ): Guanabara Koogan; 1999.
  • 11. Flick U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2 ed. Porto Alegre: Bookman; 2004.
  • 12. Fontenele MFS, Pinto VB, Andrade FJM, Dias AP, Moura RMG, Pinto JMB. A biblioterapia no tratamento do câncer infantil. [on-line]. 2006. [Acessado em 05 fev. 2007]. Disponível em http://dici.ibict.br
  • 13. Vieira MA, Lima RAG. Crianças e adolescentes com doença crônica: convivendo com mudanças. Rev Latino-am Enfermagem 2002; 10(2):23-30.
  • 14. Bettelheim B. A psicanálise dos contos de fadas. 16 ed. Rio de Janeiro (RJ): Paz e Terra; 2002.
  • 15. Deslandes SF. Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Rev Ciência e Saúde Coletiva 2004 maio-junho; 9(1): 15-7.
  • 16. Bragato Filho P. Pela leitura literária na escola de 1ş grau. São Paulo: Ática; 1995.
  • 17. Morsh DS, Aragão PM. A criança, sua família e o hospital: pensando processos de humanização. In: Deslandes SF, organizadora. Humanização dos cuidados em saúde: conceitos, dilemas e práticas. Rio de Janeiro (RJ): Fiocruz; 2006.
  • 18. Gatti MFZ, Silva MJP. Ambient music in the emergency services: the profissionals' perception. Rev Latino-am Enfermagem 2007; 15(3): 377-83.
  • 19. Pedro ICS, Nascimento LC, Poleti LC, Lima RAG, Mello DF, Luiz FMR. Playing in the waiting room of an infant outpatient clinic from the perspective of children and their companions. Rev Latino-am Enfermagem 2007; 15(2): 290-7.
  • 20. Backes DS, Koerich MS, Erdmann AL. Humanizing care through the valuation of the human being: resignification of values and principles by health professionals. Rev Latino-am Enfermagem 2007; 15(1): 34-41.
  • Reading mediation as a communication resource for hospitalized children: support for the humanization of nursing care

    Carina CeribelliI; Lucila Castanheira NascimentoII; Soraya Maria Romano PacíficoIII; Regina Aparecida Garcia de LimaIV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009

    Histórico

    • Recebido
      01 Out 2007
    • Aceito
      29 Set 2008
    Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto / Universidade de São Paulo Av. Bandeirantes, 3900, 14040-902 Ribeirão Preto SP Brazil, Tel.: +55 (16) 3315-3451 / 3315-4407 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
    E-mail: rlae@eerp.usp.br