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O tétano neonatal no Estado de Minas Gerais: contribuição para a compreensão do problema

Tétano neonatal en el Estado de Minas Gerais: contribución para la comprensión del problema

Neonatal tetanus in the State of Minas Gerais: a contribution to understand the problem

Resumos

O estudo objetivou investigar a situação do tétano neonatal no Estado de Minas Gerais, no período de 1989 a 1996. A fonte de dados foram as Fichas de Investigação da Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica. Dos 70 casos confirmados, 48 evoluíram para óbito, representando taxa de letalidade de 68,6 % para o período do estudo. Os casos ocorreram em áreas rurais e urbanas muito pobres, as quais apresentam déficit maior na distribuição de recursos de saúde locais. Do total de casos, 59,4% eram de origem rural, 72,1% filhos de mães multíparas, 68,6% utilizaram substâncias inapropriadas no coto umbilical, destacando-se o azeite e o fumo, isolado ou não. A maioria dos partos (65,3%) ocorreu no domicílio e 60,8% foram assistidos por pessoa sem qualificação profissional. As crianças com tétano neonatal, procedentes da zona rural, tiveram 3,9 vezes mais chance de falecer do que aquelas da zona urbana.

tétano; recém-nascido; epidemiologia; fatores de risco


Esta investigación tiene como objetivo estudiar el tétano neonatal en el Estado de Minas Gerais en el período de 1989 a 1996. La fuente de datos fue la Ficha de Investigación de la Coordinación de Vigilancia Epidemiológica. Se identificaron 70 casos, 48 murieron, representando una tasa de letalidad de 68,6% en el período de estudio. Los casos ocurrieron en áreas rurales y urbanas muy pobres, que tienen un déficit acentuado en la distribución de recursos de salud locales con dificultades de acceso. De todos los casos, 59,4% eran de origen rural, 72,1% hijos de mujeres multíparas, 68,6% utilizaron sustancias inapropiadas en el cordón umbilical, destacándose el aceite y tabaco, ambos conjuntamente con otras sustancias. De los partos, 65,3% ocurrieron en el domicilio y 60,8% asistidos por personas sin calificación. Los niños con Tétano Neonatal de la zona rural presentaron 3,9 veces más chance de fallecer que los de zona urbana.

tétano; recién nacido; epidemiología; factores de riesgo


This study aimed at investigating the status of neonatal tetanus in the state of Minas Gerais from 1989 to 1996. Data were collected from the Investigation Forms of the Epidemiological Surveillance Office. Of the 70 confirmed cases, 48 developed to death, which represents a mortality rate of 68.6% for the period under study. The cases occurred in very poor rural and urban areas with a greater deficit in the distribution of local health resources. Of the total number of cases, 59.4% originated in the rural area, 72.1% were children of multiparae, 68.6% used inadequate substances on the umbilical cord stump, among which olive oil and tobacco, whether isolated or not, were distinguished. Most of the deliveries (65.3%) occurred at home and 60.8% were assisted by an unqualified professional. Comparatively, the chances of children from rural areas dying of tetanus were 3.9 times higher than those of children from urban areas.

tetanus; infant, newborn; epidemiology; risk factors


ARTIGO ORIGINAL

O tétano neonatal no Estado de Minas Gerais: contribuição para a compreensão do problema1 1 Este estudo é uma síntese da dissertação de Mestrado intitulada "Contribuição ao Estudo Epidemiológico do Tétano Neonatal no Estado de Minas Gerais de 1989 a 1996: um enfoque de risco"

Neonatal tetanus in the State of Minas Gerais: a contribution to understand the problem

Tétano neonatal en el Estado de Minas Gerais: contribución para la comprensión del problema

Lúcio José Vieira

Mestre em Enfermagem, Professor Assistente da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, e-mail: vieira@enf.ufmg.br

RESUMO

O estudo objetivou investigar a situação do tétano neonatal no Estado de Minas Gerais, no período de 1989 a 1996. A fonte de dados foram as Fichas de Investigação da Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica. Dos 70 casos confirmados, 48 evoluíram para óbito, representando taxa de letalidade de 68,6 % para o período do estudo. Os casos ocorreram em áreas rurais e urbanas muito pobres, as quais apresentam déficit maior na distribuição de recursos de saúde locais. Do total de casos, 59,4% eram de origem rural, 72,1% filhos de mães multíparas, 68,6% utilizaram substâncias inapropriadas no coto umbilical, destacando-se o azeite e o fumo, isolado ou não. A maioria dos partos (65,3%) ocorreu no domicílio e 60,8% foram assistidos por pessoa sem qualificação profissional. As crianças com tétano neonatal, procedentes da zona rural, tiveram 3,9 vezes mais chance de falecer do que aquelas da zona urbana.

Descritores: tétano; recém-nascido; epidemiologia; fatores de risco

ABSTRACT

This study aimed at investigating the status of neonatal tetanus in the state of Minas Gerais from 1989 to 1996. Data were collected from the Investigation Forms of the Epidemiological Surveillance Office. Of the 70 confirmed cases, 48 developed to death, which represents a mortality rate of 68.6% for the period under study. The cases occurred in very poor rural and urban areas with a greater deficit in the distribution of local health resources. Of the total number of cases, 59.4% originated in the rural area, 72.1% were children of multiparae, 68.6% used inadequate substances on the umbilical cord stump, among which olive oil and tobacco, whether isolated or not, were distinguished. Most of the deliveries (65.3%) occurred at home and 60.8% were assisted by an unqualified professional. Comparatively, the chances of children from rural areas dying of tetanus were 3.9 times higher than those of children from urban areas.

Descriptors: tetanus; infant, newborn; epidemiology; risk factors

RESUMEN

Esta investigación tiene como objetivo estudiar el tétano neonatal en el Estado de Minas Gerais en el período de 1989 a 1996. La fuente de datos fue la Ficha de Investigación de la Coordinación de Vigilancia Epidemiológica. Se identificaron 70 casos, 48 murieron, representando una tasa de letalidad de 68,6% en el período de estudio. Los casos ocurrieron en áreas rurales y urbanas muy pobres, que tienen un déficit acentuado en la distribución de recursos de salud locales con dificultades de acceso. De todos los casos, 59,4% eran de origen rural, 72,1% hijos de mujeres multíparas, 68,6% utilizaron sustancias inapropiadas en el cordón umbilical, destacándose el aceite y tabaco, ambos conjuntamente con otras sustancias. De los partos, 65,3% ocurrieron en el domicilio y 60,8% asistidos por personas sin calificación. Los niños con Tétano Neonatal de la zona rural presentaron 3,9 veces más chance de fallecer que los de zona urbana.

Descriptores: tétano; recién nacido; epidemiología; factores de riesgo

INTRODUÇÃO

O tétano neonatal se mantém como importante problema de saúde pública na maioria dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, sendo a doença, em muitos países das Américas, responsável pela metade de todas as mortes neonatais e por 25% da mortalidade infantil(1-2). Nos países desenvolvidos, conseguiu-se controlar essa doença através da melhor atenção ao parto e puerpério e da cobertura universal com a vacinação anti-tetânica(3-4).

Entre as diferentes medidas de prevenção, não há dúvida de que a imunização ativa é seguramente a mais eficaz e prática. O toxóide tetânico é uma das vacinas mais efetivas e seguras dentre aquelas de utilização rotineira, estimando-se o seu grau de proteção entre 85 e 95%(5-6).

Estudos brasileiros apontam que o tétano neonatal é doença que acomete populações carentes, que têm dificuldade de acesso aos serviços de saúde, incluindo os serviços obstétricos e pré-natal(7-8). Estudos mais abrangentes mostram que, historicamente, o diferencial de mortalidade infantil entre crianças de famílias ricas e pobres, ou entre crianças filhas de mães com instrução elevada e sem instrução, pode chegar a valores extremamente elevados, revelando a desigualdade diante da morte(9). Assim, a mortalidade por tétano neonatal pode ser vista como um indicador, não apenas de diferenciais da situação de vida da população, mas também da qualidade e utilização dos serviços de saúde materna e da extensão da cobertura pelo programa de vacinação.

No Brasil, embora se observe tendência ao declínio da taxa de incidência do tétano neonatal a partir de 1983, ainda se faz necessário implementar e intensificar as ações de controle, preconizadas pela Organização Mundial de Saúde, pois essas taxas ainda são preocupantes, em função da alta letalidade da doença, que se situa entre 50 e 80%(10).

Supõe-se também que a subnotificação de casos, tanto por parte dos profissionais ligados formalmente ao sistema de saúde, como por parte de parteiras leigas e curiosas e a subnotificação de óbitos, ocultados em cemitérios clandestinos, estejam mascarando a real magnitude do problema(11).

Considera-se que os fatores de risco para a doença estão associados aos aspectos econômicos, sociais e culturais, às características dos serviços de saúde, acessíveis ou não aos indivíduos e que, de alguma forma, condicionaram o risco de doença, incapacidade e morte, assim como suas possibilidades de recuperação. Esses elementos devem ser levados em consideração ao se propor e adotar medidas de controle e prevenção como estratégias de Saúde Pública.

O objetivo do estudo foi analisar o comportamento do tétano neonatal em Minas Gerais, no período de 1989 a 1996. Foram analisadas as informações contidas nas Fichas de Investigação da Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica e a associação entre variáveis de interesse.

O período escolhido corresponde ao início da implantação e da consolidação do modelo de vigilância epidemiológica no Estado, visando trazer contribuições para a implementação das ações de controle da doença.

METODOLOGIA

Este trabalho foi do tipo descritivo, horizontal e retrospectivo, abrangendo uma série histórica de 8 anos de casos confirmados de tétano neonatal, ocorridos no Estado de Minas Gerais, no período de 1989 a 1996, totalizando 70 casos confirmados.

As informações dos casos foram obtidas através das Fichas de Investigação de Tétano Neonatal existentes na Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica do Sistema Único de Saúde do Estado de Minas Gerais (CVE - SUS/MG).

Foram analisados todos os casos confirmados como tétano neonatal, nos municípios pertencentes às 25 Diretorias Regionais de Saúde de Minas Gerais, buscando-se identificar os fatores de risco de natureza individual, familiar e coletiva aos quais as crianças acometidas pela doença estiveram sujeitas.

Na análise dos fatores de risco foram definidas categorias, para as quais foram encontradas variáveis a serem trabalhadas, através da Ficha de Investigação de Tétano Neonatal da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG). Essas categorias são relacionadas às condições de vida de natureza familiar ou pessoal, geográfica e temporal e àqueles fatores que possam ter afetado especificamente o caso em estudo, das quais destacaremos aquelas de maior relevância.

Entre as variáveis estudadas buscou-se verificar se havia associação entre procedência x vacina e procedência x óbito, partindo-se do pressuposto de que a origem urbana ou rural poderia ter afetado na história de antecedente vacinal e também na evolução dos casos. Na avaliação dessas variáveis de interesse, utilizou-se o teste Qui-quadrado, indicado para medir a significância estatística.

Para a tabulação e análise dos dados foi utilizado o Software SAS, Versão 5.0, desenvolvido pelo SAS Institute Inc(12).

RESULTADOS

Aspectos gerais do tétano neonatal em Minas Gerais

Em Minas Gerais, foram registrados na Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica (SUS/MG) 134 casos suspeitos de tétano neonatal, no período compreendido entre 1989 e 1996. Desses, foram investigados 84 casos, o que corresponde a 62,7% do total de casos suspeitos, confirmando-se 70 casos, ou 83,3% dos casos investigados. Foram descartados 14 casos e existem 50 casos pendentes* * Segundo a Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica, o elevado número de casos pendentes foram decorrentes da escassez de recursos humanos e materiais para realizar a investigação e também pela migração da população , o que equivale, respectivamente, a 10,4 e 37,3% dos casos suspeitos.

No período estudado, observou-se uma primeira fase, de 1989 a 1991, em que, de 47 casos suspeitos, existem 40 casos pendentes, o que equivale a 85,1% das notificações. Na segunda fase, de 1992 a 1996, observou-se expressiva melhora no trabalho de investigação do tétano neonatal em Minas Gerais, pois, de 87 casos suspeitos, existem apenas 10 casos pendentes, o que equivale a 11,5% dos casos notificados.

O aumento do número de casos confirmados, a partir de 1992, possivelmente decorre da consolidação do modelo de vigilância adotado em 1988, após 5 anos de sua implantação no Estado.

Na Tabela 1 apresentam-se os casos de tétano neonatal ocorridos em Minas Gerais, no período de 1989 a 1996, agrupados por Diretorias Regionais de Saúde. Dos 70 casos confirmados, observa-se que o maior número ocorreu nas Diretorias Regionais de Saúde de Montes Claros (34,3%), seguida por Governador Valadares (18,6%), Diamantina (11,4%) e Teófilo Otoni (8,6%).

A essas quatro diretorias regionais de saúde, subordinam-se municípios das regiões norte e nordeste do Estado, correspondendo a áreas onde há maior carência de recursos, maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde e onde ocorreram 72,9% do total de casos confirmados de tétano neonatal estudados.

Dos 70 casos confirmados, 48 evoluíram para óbito, 16 tiveram alta recuperada e 6 mantêm a condição de evolução ignorada* * Segundo a Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica, o elevado número de casos pendentes foram decorrentes da escassez de recursos humanos e materiais para realizar a investigação e também pela migração da população , eqüivalendo à taxa de letalidade de 68,6%. Do total de óbitos, 21 ocorreram em municípios da Diretoria Regional de Saúde de Montes Claros, 7 na Regional de Governador Valadares, 6 na Regional de Diamantina e 4 na Regional de Teófilo Otoni, correspondendo a 79,3% das mortes ocorridas. Considerando que o recém-nascido com tétano precisa de assistência em unidade de terapia intensiva, a ocorrência de maior percentual de óbitos em municípios, dessas quatro diretorias regionais de saúde, provavelmente está sendo influenciado pelos mesmos motivos que levaram ao maior número de casos, do que nas demais regionais: uma menor disponibilidade de recursos e maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde especializados.

Fatores de risco do tétano neonatal em Minas Gerais

A) Variáveis familiares

Quanto à procedência dos casos, verificou-se que 59,4% (41 casos) eram da zona rural e os restantes 40,6% (28 casos) eram da zona urbana. Não foi possível identificar a origem de 1 caso.

Em relação à ordem de nascimento da criança que teve tétano neonatal, observou-se que, em 72,1% dos casos, as mães eram multíparas e em cerca de 1/3 (27,9%) dos mesmos eram primíparas.

B) Variáveis relacionadas ao grau de instrução da mãe

Quanto ao nível de instrução das mães, observou-se 59% sem escolaridade e as demais, correspondendo a 41%, freqüentaram a escola de 1 a 4 anos (1ª a 4ª séries).

C) Variáveis relacionadas ao atendimento à gestante e ao recém-nascido

Em relação à higiene e cuidados com o coto umbilical, 81% das mães informaram que não foram orientadas sobre esses cuidados.

Em todas as crianças foi utilizado algum tipo de tratamento no coto umbilical, embora, em 28,5% das fichas, o tratamento conste como ignorado. Os tratamentos mais utilizados foram o azeite (32,9%), o fumo (17,1%) e o álcool (8,7%), usados isoladamente, ou em associação com outras substâncias, seguidas de outras substâncias variadas (12,8%).

Quanto ao local onde o parto foi atendido, observou-se que 65,3% dos mesmos ocorreu no domicílio, 33,3% em hospitais e 1,4% em trânsito.

Em relação ao preparo profissional de quem deu atendimento à mãe no parto, observou-se que 60,8% dos mesmos foram assistidos por parteiras curiosas, ou parentes próximos, 8,7% foram assistidos por enfermeiro, ou auxiliar de enfermagem, e 30,5% dos atendimentos foram prestados por médicos.

Das fichas estudadas, consta que cerca de 83% das mães não receberam o mínimo de 2 doses da vacina antitetânica para serem consideradas imunizadas, o que aponta para o precário atendimento pré-natal. Entretanto, pode-se questionar também a qualidade da técnica de aplicação e a conservação da vacina recebida pelas mães assistidas (cerca de 17%), que, embora conste que tenham recebido doses adequadas do toxóide, ainda assim isso não foi suficiente para prevenir a doença no recém-nascido.

Respectivamente 84,4 e 81,8% dos casos de tétano neonatal, cujas mães não tomaram vacina, eram rurais e urbanos, de modo que não houve associação significativa entre os casos de tétano neonatal procedentes da zona rural e urbana (p > 0,05) quando relacionados à história de antecedente vacinal antitetânico da mãe durante a gravidez.

D) Variáveis epidemiológicas

Quanto à origem das informações dos 70 casos de tétano neonatal confirmados que integraram o estudo, observou-se que 55,7% dessas foram obtidas através de notificação, 41,4% através de busca ativa e 2,9% através de declaração de óbitos.

Dos casos investigados, o tempo transcorrido entre o conhecimento do caso e a realização da investigação, observou-se que em 53% dos casos a investigação foi realizada de 1 a 7 dias de sua notificação, 10,6% o foram de 8 a 14 dias e 36,4% de 15 dias ou mais.

Das crianças que tiveram tétano neonatal, 76,8% foram hospitalizadas, tendo havido variação do tempo de permanência de 1 a 35 dias. O tempo de permanência mais freqüente foi de 1 a 7 dias, compreendendo a 56,8% das crianças hospitalizadas, explicado por ser esse o período de maior letalidade da doença (mal de sete dias), seguido por 8 a 14 dias (18,2%), 15 a 21 dias (9,1%), 22 a 28 dias (11,4%) e 29 a 35 dias (4,5%).

Em relação à evolução do caso, observou-se associação significativa com a sua procedência, ou seja, a proporção de óbitos no grupo dos casos originados da zona rural (84,6%) foi significativamente superior (p < 0,05) àquele encontrado nos casos da zona urbana (58,3%). A Figura 1 apresenta esses dados.


DISCUSSÃO

Embora tenha sido observado número maior dos casos de procedência rural, observa-se que o tétano neonatal foi encontrado também, em proporções elevadas, nas áreas urbanas, sugerindo que não é apenas a disponibilidade e acessibilidade aos serviços de saúde que interferem na ocorrência da doença.

Poder-se-ia supor que mães multíparas, por terem vivenciado outras situações de saúde/doença fossem mais experientes no cuidado da criança, diminuindo o risco de adoecimento do recém-nascido. Entretanto, deve ser considerado que, mesmo em gestações futuras, as mães mantêm hábitos e práticas de risco há muito tempo sedimentadas no conhecimento popular, utilizadas por ocasião da primeira gestação. Por outro lado, cabe salientar as oportunidades perdidas de vacinação, tendo em vista que as mães multíparas provavelmente já freqüentaram unidades de saúde e não foram convenientemente orientadas para a prevenção do tétano neonatal através da vacinação.

As características epidemiológicas dos casos, mostrando que os recém-nascidos são em sua maioria filhos de mulheres multíparas procedentes de áreas rurais, estão em conformidade com o descrito na literatura(13-14).

A baixa escolaridade, um dos indicadores de condições de vida e estreitamente relacionada à mortalidade infantil, pode ser um dos fatores de influência na manutenção de práticas inapropriadas de higiene e cuidados ao coto umbilical, ou mesmo dificultando a aquisição de novos conhecimentos.

Em estudo sobre nascidos vivos que não tiveram assistência pré-natal, ou cujo parto foi realizado no domicílio, segundo o nível de escolaridade da mãe, verificou-se que, para mulheres sem escolaridade, os percentuais alcançados nessas duas variáveis são próximos de 45 e 25%, respectivamente, ao passo que, para mulheres com mais de doze anos de estudo, o percentual cai para zero nas duas variáveis(15).

No presente estudo a proporção de mães de crianças que contraíram tétano neonatal e que não apresentaram história de antecedente vacinal antitetânico foi elevado e semelhante tanto na zona rural como na zona urbana, 84,4 e 81,8%, respectivamente.

O álcool, isoladamente ou associado, foi utilizado em 8,6% dos casos, sendo que o álcool absoluto aparece em apenas 2,8% dos casos. A relação de risco entre as substâncias usadas no coto umbilical e o aparecimento da doença, observada neste estudo, está em conformidade com o descrito na literatura(16-17).

O fato de 28,5% das mães alegarem que ignoravam o que foi utilizado para tratar o coto umbilical, pode estar ligado a dificuldades bastante mencionadas nesse tipo de estudo e não se referem apenas a fatos como o desconhecimento da relação de risco de adoecer existente, ou mesmo ao temor de revelar as substâncias que foram empregadas, mas também à dificuldade de lembrança dos entrevistados, ao fato de outra pessoa ter prestado aquele cuidado, ou mesmo por ter sido uma terceira pessoa a fornecer a informação.

Embora 19% das mães tenham informado que foram orientadas sobre as condutas corretas com o coto umbilical, isso por si só, não garante que a mãe empregará a substância correta.

A grande proporção de atendimentos prestados por pessoa sem preparo profissional (60,8%) é condição de risco para o adoecimento, por não oferecer segurança quanto à correta higienização das mãos, de objetos cortantes do cordão umbilical e uso de substâncias próprias para curar o coto, apontando para a possibilidade da maioria dos recém-nascidos ter contraído a doença no momento do parto. As características epidemiológicas dos casos, mostrando que os recém-nascidos são, na sua grande maioria, filhos de mulheres cujo parto ocorreu no domicílio e foi assistido por parteira curiosa, ou parentes, coincide com os achados da revisão bibliográfica(13-17).

Observou-se que 47% das investigações levaram mais de 7 dias para serem realizadas, tempo superior ao recomendado pelo Guia de Vigilância Epidemiológica(11), pois, na maioria das vezes, a criança já evoluiu para óbito, dificultando a obtenção de informações junto à mãe. Esse poderia ser um dos fatores que está contribuindo para a existência de dados incompletos nas fichas de investigação.

Além da demora na realização da investigação, cabe lembrar que, em 24,3% das fichas disponíveis, não constava a identificação do profissional que a preencheu e, em muitos casos, não constavam informações relativas a determinados campos, indicando o preenchimento incompleto da mesma. Isso aponta para a necessidade de treinar os profissionais não apenas para a realização das atividades de investigação do tétano neonatal, mas, também, para o preenchimento correto das fichas, enfatizando a importância da informação no controle da doença.

Pelos dados encontrados, quanto à proporção de óbitos por procedência, pode-se dizer que as crianças da zona rural têm 3,9 vezes mais chance de falecer de tétano neonatal do que uma criança da região urbana. Embora o percentual de crianças hospitalizadas tenha sido semelhante tanto para aquelas da zona rural como da urbana, parece que as da zona rural, pela necessidade de deslocamento para cidades com melhores recursos de saúde, chegariam mais tardiamente ao hospital, aumentando o risco de morte.

Sendo assim, as estratégias para o incremento da cobertura pré-natal e vacinal antitetânica em gestantes e mulheres em idade fértil deveriam ser reforçadas em todas as áreas.

CONCLUSÃO

Os resultados encontrados mostram que, além do tétano neonatal continuar apresentando elevada taxa de letalidade em Minas Gerais, essa taxa é ainda mais elevada entre os casos ocorridos na zona rural, o que pode estar associado à menor distribuição de recursos de saúde nessas áreas, bem como à dificuldade de acesso e referência a centros melhor equipados, juntamente com a difícil situação socioeconômica das populações rurais.

Embora se observe queda progressiva no número de casos de tétano neonatal em Minas Gerais, no período de 1989 a 1996, o presente estudo aponta que esforços deveriam ainda ser realizados para intensificar o controle da doença nos níveis preconizados pela OMS. Os resultados obtidos sugerem que se torna necessário melhorar o sistema de informação, tornando-o mais ágil e confiável, promover a capacitação dos recursos humanos na assistência à mulher e à criança, implementar as ações de vigilância epidemiológica.

É importante encontrar formas acessíveis de comunicação de massa na veiculação de informações educativas sobre a prevenção da doença, principalmente aquelas relativas à vacina antitetânica, à importância do pré-natal e dos cuidados com o coto umbilical, utilizando-se o álcool absoluto. Também é necessário promover o treinamento das parteiras leigas para os cuidados higiênicos ao parto e ao curativo do coto umbilical, bem como torná-las parceiras na promoção da vacinação antitetânica em mulheres em idade fértil.

Deve ser largamente enfatizada a importância da vacinação das gestantes e mulheres em idade fértil que comparecerem aos serviços de saúde, ou buscá-las nos locais de trabalho e nos pequenos aglomerados humanos(18-19). Essa estratégia deve ser reforçada junto aos profissionais de saúde, evitando as oportunidades perdidas de vacinação, divulgando-se amplamente os benefícios da vacina para as mães e o recém-nascido. Nesse sentido, devem ser utilizadas alternativas para aumentar a extensão de cobertura, mobilizando, por exemplo, profissionais inseridos no Programa de Saúde da Família e no Programa de Agentes Comunitários, que prestam o atendimento, rotineiramente, no local de residência das famílias.

A elevada ocorrência de partos no domicílio pode não ser uma opção das mães, mas conseqüência da dificuldade de acesso e de atendimento em serviços de atenção ao parto, levando, na maioria das vezes, à assistência por indivíduo despreparado e aumentando os riscos para o recém-nascido contrair o tétano neonatal.

A detecção de casos de tétano neonatal através das declarações de óbitos, ainda é instrumento pouco utilizado pelos serviços na vigilância dessa doença, embora possa ser uma fonte de informação mais segura e esteja disponível à pesquisa.

Os achados do presente estudo apontam para a necessidade de outros trabalhos de investigação para a melhor compreensão da problemática do tétano neonatal e o planejamento de ações mais resolutivas.

Recebido em: 25.2.2002

Aprovado em: 6.6.2003

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  • 1
    Este estudo é uma síntese da dissertação de Mestrado intitulada "Contribuição ao Estudo Epidemiológico do Tétano Neonatal no Estado de Minas Gerais de 1989 a 1996: um enfoque de risco"
  • *
    Segundo a Coordenadoria de Vigilância Epidemiológica, o elevado número de casos pendentes foram decorrentes da escassez de recursos humanos e materiais para realizar a investigação e também pela migração da população
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2004
    • Data do Fascículo
      Out 2003

    Histórico

    • Aceito
      06 Jun 2003
    • Recebido
      25 Fev 2002
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