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ENTRE AFINIDADES E DIFERENÇAS: FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E A SOCIOLOGIA HISTÓRICA

BETWEEN AFFINITIES AND DIFFERENCES: FERNANDO HENRIQUE CARDOSO AND THE HISTORICAL SOCIOLOGY

Resumo

O objetivo do artigo é situar a sociologia histórico-comparada de Fernando Henrique Cardoso diante das propostas de Reinhard Bendix e Barrington Moore Jr., considerando o modo pelo qual a história e a comparação são mobilizadas heuristicamente pelo sociólogo brasileiro. Perscrutarei o sentido da contribuição de Cardoso para o debate da sociologia histórica, recorrentemente negligenciada em trabalhos que realizam mapeamentos da área e de suas principais contribuições ou tratada de forma lateral, sem maiores esforços de sistematização. Contudo, talvez não constitua exagero sugerir que, embora Cardoso não estivesse preocupado com a construção da sociologia histórica enquanto campo disciplinar autônomo, suas formulações parecem aportar uma contribuição indireta para a consolidação da área a partir da periferia.

Palavras-chave:
Fernando Henrique Cardoso; Reinhard Bendix; Barrington Moore; Sociologia histórica; Teoria da dependência

Abstract

This article aims mainly to situate Fernando Henrique Cardoso’s historical-comparative sociology before Reinhard Bendix and Barrington Moore Jr.’s proposals, considering how history and comparison are heuristically mobilized by the Brazilian sociologist. I will examine the sense of Cardoso’s contribution to the debate on historical sociology, which is repeatedly neglected in works that map the area, and of its main contributions or treated indirectly, without major systematization efforts. However, it may not be an exaggeration to suggest that, although Cardoso was not concerned with constructing historical sociology as an autonomous disciplinary field, his formulations seem to provide an indirect contribution to consolidate the area from the periphery’s point of view.

Keywords:
Fernando Henrique Cardoso; Reinhard Bendix; Barrington Moore; Historical sociology; Dependency theory

INTRODUÇÃO

A relação entre teoria e história figura em diversos trabalhos da sociologia brasileira, constituindo aspecto crucial da produção intelectual da Cadeira de Sociologia I da Universidade de São Paulo (USP), na qual Fernando Henrique Cardoso atuou como orientando e assistente de Florestan Fernandes. Como discutido por Bastos (2002Bastos, Elide Rugai. (2002). Pensamento social da Escola Sociológica Paulista. In: Miceli, Sergio (org.). O que ler na ciência social brasileira, 1970-2002. São Paulo: Sumaré/Anpocs, p. 183-232, vol. 4.: 187), o percurso analítico delineado por Fernandes teria como referências complementares a história e a totalidade, mobilizadas de modo a “dar conta das peculiaridades da formação social brasileira como uma forma particular de realização do sistema capitalista, ante as experiências clássicas do capitalismo originário”. Ao questionar a narrativa unilinear da “sociologia da modernização”, Fernandes teria contribuído para o “adensamento histórico” da compreensão da mudança social, trazendo ao primeiro plano de suas análises a matéria social brasileira (Brasil Jr., 2013Brasil Jr., Antonio. (2013). Passagens para a teoria sociológica: Florestan Fernandes e Gino Germani. São Paulo: Hucitec.). A dimensão histórica teria sido internalizada, desse modo, enquanto componente fundante de sua explicação sociológica (Brasil Jr., 2013Brasil Jr., Antonio. (2013). Passagens para a teoria sociológica: Florestan Fernandes e Gino Germani. São Paulo: Hucitec.), interpelando diretamente a produção de seu discípulo, ainda que não sem divergências, como admitido pelo próprio Cardoso (2006, 2009).

Malgrado sua importância para o aprendizado sociológico de Cardoso, o objetivo deste artigo não será reconstituir o contexto da Cadeira de Sociologia I da USP. Enfatizarei alguns de seus trabalhos produzidos no exílio, entre os anos 1964-1968 (Goertzel, 2002Goertzel, Ted. (2002). Fernando Henrique Cardoso e a reconstrução da democracia no Brasil. São Paulo: Saraiva.; Leoni, 1997Leoni, Brigitte. (1997). Fernando Henrique Cardoso: o Brasil do possível. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.), nos quais os recursos à história e à comparação têm precedência em seu diagnóstico sobre o desenvolvimento latino-americano. Analisarei o modo pelo qual Cardoso mobiliza tais recursos para qualificar, em seu famoso livro Dependência e desenvolvimento na América Latina (1969) - doravante DDAL -, escrito em colaboração com o intelectual chileno Enzo Faletto, as particularidades do desenvolvimento capitalista na América Latina. Recorrerei ainda, em menor medida, ao seu trabalho solo Política e desenvolvimento em sociedades dependentes (PDSD), publicado em 1971, no qual compara o processo histórico e as ideologias que interpelavam os empresariados argentino e brasileiro.

Para mensurar como a história e a comparação são empregadas por Cardoso, situarei sua perspectiva diante de dois importantes esforços da sociologia histórico-comparada produzida nos Estados Unidos, ao longo dos anos 1960: Construção nacional e cidadania (CNC), livro do sociólogo alemão radicado nos Estados Unidos, Reinhard Bendix, publicado em 1964, e As origens sociais da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno (OSDD), do sociólogo estadunidense Barrington Moore, de 1966. A hipótese que discutirei é a de que Cardoso tende, a despeito de diferenças significativas, a se aproximar mais da sociologia histórico-comparada de Bendix, afastando-se da forma pela qual Moore incorpora a história e a comparação.

Embora Cardoso compartilhe a preocupação de Moore em relação à internalização dos conflitos entre classes e grupos sociais na análise sobre a mudança social, não endossa a construção de proposições teóricas mais gerais. Cardoso parece se aproximar mais da proposta de Bendix ao enfatizar as especificidades dos casos analisados, conferindo limites históricos a explicações generalizantes1 1 Segundo Botelho (2013: 49), Maria Sylvia de Carvalho Franco - que, assim como Cardoso, foi orientada por Fernandes - pode ser aproximada de Bendix, por valorizar a perspectiva histórica weberiana e por sua crítica a Parsons e à “sociologia da modernização”. . Entretanto, também afasta-se do autor ao incorporar a dialética marxista como chave de sua visão sobre o desenvolvimento na América Latina. O movimento sugerido se justifica, pois Bendix pode ser considerado um dos precursores do resgate da historicidade pela análise sociológica na academia estadunidense (Reis, 1998Reis, Elisa. (1998). Processos e escolhas: estudos de sociologia política. Rio de Janeiro: Contra Capa.: 18), bem como o trabalho de Moore teria sido decisivo na crítica à “sociologia da modernização” (Calhoun, 2003Calhoun, Craig. (2003). Why historical sociology. In: Delanty, Gerard & Isin, Engin (orgs.). Handbook of historical sociology. London: SAGE, p. 383-395.; Wiener, 1975Wiener, Jonathan. (1975). The Barrington Moore Thesis and its critics. Theory and Society, 2/3, p. 301-330.), valorizando as relações simbióticas entre teoria e história (Reis, 1998Reis, Elisa. (1998). Processos e escolhas: estudos de sociologia política. Rio de Janeiro: Contra Capa.: 18).

Contudo, se para o caso dos Estados Unidos podemos falar, por um lado, em um resgate da história pela análise sociológica - haja vista o predomínio do estrutural-funcionalismo (Reis, 1998Reis, Elisa. (1998). Processos e escolhas: estudos de sociologia política. Rio de Janeiro: Contra Capa.) - e em um abandono da perspectiva histórica que não se limitou à sociologia (Burke, 2012Burke, Peter. (2012). História e teoria social. São Paulo: Unesp.), por outro a crítica que Cardoso dirige à “sociologia da modernização” já começa a ser delineada no Brasil (Cardoso, 1964aCardoso, Fernando Henrique. (1964a). Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Difusão Europeia do Livro.), país no qual a sociologia se constitui intimamente conectada à história. Como mostra Bastos (2005Bastos, Elide Rugai. (2005). Raízes do Brasil - Sobrados e mucambos: um diálogo. Perspectivas, 28, p. 19-36.), desde os chamados ensaios de interpretação do Brasil, como aqueles produzidos por Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Júnior, a articulação entre a sociologia e a história foi fundamental em suas análises sobre a formação social brasileira. Ou seja, se em relação à intelectualidade do centro não constitui exagero falar em uma “virada histórica” operada por alguns teóricos sociais (Burke, 2012Burke, Peter. (2012). História e teoria social. São Paulo: Unesp.: 38), tal perspectiva não se adequa para pensar a formação da sociologia histórico-comparada de Cardoso, que nasce em um contexto no qual a história jamais deixou de ser recurso incontornável.

Tendo em vista a hipótese delineada, ressalto que a discussão proposta dialoga com pesquisas recentes que vêm avançando na análise sobre a obra de Cardoso, seja para pensar o sentido que o marxismo nela assume (Lima, 2015Lima, Pedro Luiz. (2015). As desventuras do marxismo: Fernando Henrique Cardoso, antagonismo e reconciliação (1955-1968). Tese de doutorado. IESP/Universidade do Estado do Rio de Janeiro.), seja para localizá-la no debate da “nacionalização” do repertório marxista (Belinelli, 2019Belinelli, Leonardo. (2019). Marxismo como crítica da ideologia: um estudo sobre os pensamentos de Fernando Henrique Cardoso e Roberto Schwarz. Tese de doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.; Gonçalves, 2018Gonçalves, Rodrigo Santaella. (2018). Teoria e prática em Fernando Henrique Cardoso: da nacionalização do marxismo ao pragmatismo político (1958-1994). Tese de doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.). É importante assinalar, também, que boa parte da fortuna crítica de Cardoso destaca a política como variável fundamental de seus trabalhos, na chave de sua centralidade para uma reflexão mais densa sobre o plano econômico (Hadler, 2013Hadler, João Paulo. (2013). Dependência e superexploração: os limites das reflexões de Fernando Henrique Cardoso e Ruy Mauro Marini sobre a problemática do desenvolvimento dependente. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas.; Leme, 2015Leme, Alessandro. (2015). La centralidad de la política para pensar lo económico en Fernando Henrique Cardoso. Revista Mexicana de Sociología, 77/3, p. 357-384.), qualificando-o ainda, em alguns casos, como “politicista” (Cotrim, 2001Cotrim, Ivan. (2001). O capitalismo dependente em Fernando Henrique Cardoso. Dissertação de mestrado. IFCH/Universidade Estadual de Campinas.; Lahuerta, 1999Lahuerta, Milton. (1999). Intelectuais e transição: entre a política e a profissão. Tese de doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.). Assim, procurarei contribuir para o debate sobre sua obra, situando-a diante do campo da sociologia histórica, uma vez que sua perspectiva é recorrentemente negligenciada por trabalhos que propõem um mapeamento da área e de suas principais contribuições (Delanty & Isin, 2003Delanty, Gerard & Isin, Engin. (2003). Introduction: reorienting historical sociology. In: Delanty, Gerard & Isin, Engin (eds.). Handbook of historical sociology. London: SAGE , p. 1-8.; Skocpol, 1984Skocpol, Theda. (1984). Sociology’s historical imagination. In: Skocpol, Theda. Vision and method in historical sociology. Cambridge: Cambridge University Press , p. 1-21.; Smith, 1991Smith, Dennis. (1991). The rise of historical sociology. Philadelphia: Temple University Press.) ou é tratada de forma lateral, sem maiores esforços de sistematização (Adams et al., 2005Adams, Julia et al. (2005). Remaking modernity: politics, history, and sociology. Durham: Duke University Press.).

Em outra perspectiva, cumpre ressaltar que Giordano (2014Giordano, Verónica. (2014). La sociología histórica y la sociología latinoamericana. La comparación en nuestras ciencias sociales. Revista de la Red Intercátedras de América Latina Contemporánea (Segunda Época), 1/1, p. 14-29.) entende DDAL como um emblema da sociologia histórico-comparada latino-americana, bem como Villegas (2014Villegas, Miguel Ángel Beltrán. (2014). El análisis comparativo: algunos aportes latinoamericanos en la segunda mitad del siglo XX. Revista Mexicana de Ciencias Políticas y Sociales. Universidad Nacional Autónoma de México, LIX/221, p. 145-174.) localiza, opondo-se a visões eurocêntricas a respeito da sociologia histórico-comparada, as formulações de Cardoso e Faletto diante de trabalhos de Sergio Bagú e Antonio García, que também mobilizaram a análise comparativa, informados por uma perspectiva histórica e sociológica para o entendimento da América Latina. Por seu turno, Sztompka (1998Sztompka, Piotr. (1998). A sociologia da mudança social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira .: 162) enquadra Cardoso e Faletto no rol da chamada sociologia da mudança social, identificando a “teoria da dependência” como uma das “três formulações teóricas da globalização que já podem ser tratadas como clássicas”. Ou ainda, segundo Connell (2007Connell, Raewyn. (2007). Southern theory: the global dynamics of knowledge in social science. London: Routledge.), DDAL pode ser qualificado como um dos mais importantes textos de sociologia histórica de sua geração. Já Adams, Clemens e Orloff (2005Adams, Julia et al. (2005). Remaking modernity: politics, history, and sociology. Durham: Duke University Press.) entendem que a contribuição da obra teria sido a de interpelar o surgimento de extensões críticas inscritas na “segunda onda” da sociologia histórica (1970-1980), especialmente os trabalhos que analisaram formações sociais distintas da europeia e estadunidense. No entanto, tendo em vista ainda a noção de “primeira onda” da sociologia histórica, na qual as autoras inscrevem autores como Bendix e Moore (Adams et al., 2005Adams, Julia et al. (2005). Remaking modernity: politics, history, and sociology. Durham: Duke University Press.), entendo que podemos localizar a perspectiva de Cardoso nesse mesmo momento, uma vez que DDAL é escrito entre os anos 1966-19672 2 DDAL foi escrito, ressaltam Cardoso e Faletto (2004: 13), “em Santiago entre 1966 e 1967, época em que os autores trabalhavam em estreita relação com economistas e planejadores, num instituto internacional de ensino, pesquisa e assessoria à planificação [os autores se referem ao Ilpes (Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social), vinculado à Cepal]”. , compartilhando, como mostrarei, preocupações similares. Em suma, ainda que entendam DDAL na chave da sociologia histórica, tais trabalhos não sistematizam sua contribuição diante de esforços paradigmáticos, como são os casos de CNC e OSDD.

Com isso, ao tomar a sociologia histórico-comparada de Cardoso como ponto de vista, oponho-me às narrativas canônicas que tendem a atribuir protagonismo exclusivo a intelectuais europeus e estadunidenses no processo de construção da sociologia histórica. A despeito da proeminência comumente conferida aos intelectuais situados nos Estados Unidos, pretendo mostrar como no hemisfério sul a internalização do que podemos entender como a equação analítica “teoria, história e comparação”3 3 Agradeço a Lucas Carvalho, que, ao discutir o meu paper “Teoria, história e comparação na sociologia de Fernando Henrique Cardoso”, no simpósio “Pensamento Social no Brasil” da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em 2018, sintetizou muito bem, por meio do termo, a relação entre os três elementos. não foi menos decisiva do que no centro da sociologia no pós-guerra. Ou seja, é no mesmo momento em que o resgate da história ocorria na sociologia estadunidense (Reis, 1998Reis, Elisa. (1998). Processos e escolhas: estudos de sociologia política. Rio de Janeiro: Contra Capa.) que Cardoso constrói o seu diagnóstico sobre o desenvolvimento dependente4 4 Limongi (2012) chega a indicar uma aproximação direta entre DDAL e OSDD, ainda que sem sistematizá-la, apontando para a maior abrangência e atualidade do trabalho de Cardoso e Faletto no que se refere à combinação entre regime político e desenvolvimento. . Talvez seja possível sugerir que, embora Cardoso não estivesse preocupado com a construção da sociologia histórica enquanto campo disciplinar autônomo, suas formulações parecem aportar uma contribuição indireta para sua consolidação a partir da periferia, por meio da análise do processo de desenvolvimento na América Latina, contexto não trabalhado por Bendix e Moore.

Assim, o artigo se divide em dois momentos: no primeiro, analisarei como Bendix e Moore mobilizam os recursos à história e à comparação para, em um segundo momento, reconstituir analiticamente a sociologia histórico-comparada de Cardoso e situá-la diante das formulações de seus coetâneos do hemisfério norte.

O “RESGATE” DA HISTÓRIA

O processo de constituição da sociologia histórica está longe de poder ser considerado um movimento homogêneo. Skocpol e Somers (1980Skocpol, Theda & Somers, Margaret. (1980). The uses of comparative history in macrosocial inquiry. Comparative Studies in Society and History, 22/2, p. 174-197.) se contrapõem às visões que teriam reduzido os diversos tipos de história comparativa a uma única possibilidade metodológica. Ao destacarem a pluralidade de perspectivas e abordagens existentes, as autoras discutem três lógicas distintas para o tratamento da história comparativa, sendo a primeira delas qualificada como “demonstração paralela da teoria”. Nela, o recurso à história comparativa auxiliaria na demonstração e validação de um determinado modelo teórico. A teoria seria mobilizada como algo inquestionável, e a história passaria a exemplificar o modelo adotado, ilustrando-o na medida em que a preocupação consistiria na generalidade dos processos. Já o segundo tipo se refere a um uso da história comparativa atento ao “contraste de contextos”, que ressaltaria os traços únicos de cada caso particular, limitando a explicação com base em inferências teóricas mais gerais. Segundo as autoras, a comparação seria vista como um recurso que iluminaria as especificidades dos contextos analisados, não tendo como objetivo a formulação de novas generalizações. Por fim, a terceira lógica de mobilização teria em vista a elaboração de inferências causais sobre estruturas e processos de nível macro. Em relação à “análise macro-causal”, a abordagem comparada procuraria tomar como ponto de partida as particularidades com vistas à construção de novas generalizações históricas (Skocpol & Somers, 1980Skocpol, Theda & Somers, Margaret. (1980). The uses of comparative history in macrosocial inquiry. Comparative Studies in Society and History, 22/2, p. 174-197.).

O debate sobre a diversidade de usos da história e da comparação proposto por Skocpol e Somers configura um bom ponto de partida para situarmos, sincronicamente, as formulações de Cardoso diante dos trabalhos de Bendix e Moore. Localizado em meio ao contexto mais amplo de crítica à “sociologia da modernização” e ao estrutural-funcionalismo parsoniano, Bendix teria se debruçado sobre os grandes processos de modernização, contrapondo-se à visão unilinear e evolucionista até então em voga na sociologia estadunidense (Reis, 1996Reis, Elisa. (1996). Reinhard Bendix, uma introdução. In: Bendix, Reinhard. Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp , p. 13-29.; Rueschemeyer, 1984Rueschemeyer, Dietrich. (1984). Theoretical generalization and historical particularity in the comparative sociology of Reinhard Bendix. In: Skocpol, Theda (org.). Vision and method in historical sociology. Cambridge: Cambridge University Press, p. 129-169.). As formulações de Moore também contribuíram decisivamente ao enfatizarem a relação entre teoria e história (Calhoun, 2003Calhoun, Craig. (2003). Why historical sociology. In: Delanty, Gerard & Isin, Engin (orgs.). Handbook of historical sociology. London: SAGE, p. 383-395.; Reis, 1998Reis, Elisa. (1998). Processos e escolhas: estudos de sociologia política. Rio de Janeiro: Contra Capa.; Smith, 1984Smith, Dennis. (1984). Discovering facts and values: the historical sociology of Barrington Moore. In: Skocpol, Theda. Vision and method in historical sociology. Cambridge: Cambridge University Press , p. 313-355.), reforçando a oposição a Talcott Parsons e à “sociologia da modernização”. Entretanto, Bendix e Moore divergem sobre o emprego da história e da comparação: enquanto o alemão se preocupa com os contrastes, conferindo maior peso às singularidades, o estadunidense toma as especificidades como ponto de partida para a construção de novas generalizações (Skocpol, 1984Skocpol, Theda. (1984). Sociology’s historical imagination. In: Skocpol, Theda. Vision and method in historical sociology. Cambridge: Cambridge University Press , p. 1-21.; Skocpol & Somers, 1980Skocpol, Theda & Somers, Margaret. (1980). The uses of comparative history in macrosocial inquiry. Comparative Studies in Society and History, 22/2, p. 174-197.). É levando em conta essa diferença que localizarei a forma pela qual Cardoso modela a sua sociologia histórico-comparada, na qual a mobilização do repertório marxista ocupa papel decisivo.

Passando a CNC, observa-se o papel crucial da comparação na sociologia histórica de Bendix, cuja mobilização enfatiza os contrastes entre as distintas experiências de constituição do Estado-nação. Bendix tem em vista as especificidades dos processos de consolidação da autoridade pública, da legitimidade e da solidariedade na modernidade, mostrando como o Estado-nação não teria se formado a despeito das relações sociais. Segundo Reis (1996Reis, Elisa. (1996). Reinhard Bendix, uma introdução. In: Bendix, Reinhard. Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp , p. 13-29.: 19), o autor partiria de um exercício baseado em premissas mais gerais, centrando-se em problemas relativos à “legitimação da autoridade, articulação de interesses e organização da solidariedade, para destacar como sociedades particulares apresentam respostas singulares a questões universais”. Haja vista a ênfase conferida por Bendix à singularidade das experiências históricas, o que ele entende numa chave genérica ou universal seriam “certas questões de base que perpassam diferentes sociedades, questões que são historicamente vivenciadas pelos indivíduos e às quais eles respondem contextualmente, articulando de forma variável suas ideias e seus interesses” (Reis, 1996Reis, Elisa. (1996). Reinhard Bendix, uma introdução. In: Bendix, Reinhard. Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp , p. 13-29.: 18). Concordando com Reis, nota-se que a análise de Bendix se ancora nas circunstâncias históricas, orientando-se por uma utilização historicizada de conceitos legados pela sociologia clássica de Tocqueville e Weber. A articulação entre categorias analíticas e matéria social surge como uma de suas principais preocupações, a fim de evitar a cristalização unívoca dos tipos ideais, eludindo a reposição mecânica de conceitos forjados no Ocidente em contextos diversos. Bendix se preocupa, portanto, em saturar de historicidade as categorias utilizadas, levando em consideração que a construção dos tipos ideais, como propunha Weber, deveria internalizar o chão histórico ao qual os conceitos se referem.

Os tipos ideais seriam mobilizados como construtos decisivos para uma reflexão sobre a mudança social, sem, no entanto, homogeneizá-la, uma vez que Bendix procura enfatizar as diferenças que a compõem. Assim, realça o imperativo de repensarmos “as categorias que nos são familiares em virtude da transformação e diversidade da própria experiência ocidental” (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 36). Não se trata de descartar as formulações do passado, mas de reorientá-las de modo a darmos conta da “diversidade das estruturas sociais”, pois a condução do “desenvolvimento” se daria por vias distintas. O movimento consiste, desse modo, no uso sistemático da comparação, no intuito de apreender as contingências históricas do processo social de constituição da modernidade em diferentes contextos.

Bendix se debruça, nesse sentido, sobre a problemática do limite da aplicabilidade dos conceitos. A ideia seria delimitar a possibilidade do uso de proposições teóricas mais gerais, a fim de evitar generalizações propensas a obnubilar as diferenças históricas. Contudo, sua preocupação permaneceria eminentemente teórica, permitindo-lhe situar as experiências históricas examinadas mediante um marco comparativo, o que realça a preponderância da teoria sociológica sobre a história em suas formulações (Reis, 1996Reis, Elisa. (1996). Reinhard Bendix, uma introdução. In: Bendix, Reinhard. Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp , p. 13-29.). Bendix identifica a existência de um hiato entre teoria e evidências empíricas, posto que categorias tidas como universais - como “divisão do trabalho”, “burocracia”, “governos” e “classe social” - seriam dotadas de aplicabilidade limitada, requerendo uma especificação historicizada (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 39).

Assim, a comparação entre sociedades distintas contribuiria para dirimir a dicotomia entre “tradição” e “modernidade”, demonstrando a inexistência de uma passagem automática de um momento a outro, o que deixa claro sua oposição à “sociologia da modernização”. Para Bendix, a experiência que pode ser considerada mais geral seria a de que as modernas sociedades industriais manteriam suas múltiplas tradições contrastantes (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 42). Seu conceito de “desenvolvimento” incorporaria não somente os “produtos ou subprodutos” decorrentes da industrialização, “mas também os vários amálgamas de tradição e modernidade que tornam todos os desenvolvimentos ‘parciais’” (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 43). Sua análise comparativa dos casos japonês e alemão é elucidativa a esse respeito, pois a importação de “ideias”, “inovações técnicas” e “instituições políticas” produzidas em contextos distintos teria implicações significativas para o enfrentamento de impasses derivados da “simbiose da tradição e modernidade” (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 212).

A perspectiva não disjuntiva entre tradição e modernidade opõe Bendix a vertentes teóricas que entenderiam o processo de transição como uma passagem direta e linear, enxergando a “sociedade tradicional” e a “sociedade moderna” como “dois sistemas de variáveis inter-relacionadas” (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 347). Na contramão de tais vertentes, Bendix afirma que tradição e modernidade não seriam polos mutuamente excludentes, enfatizando a sua continuidade. Nem mesmo premissas tidas como universalistas ou particularistas poderiam ser entendidas de modo disjuntivo, uma vez que a construção dos tipos-ideais, seguindo Weber, nada teria a ver com generalizações.

Em síntese, não seria acertado tratar os pares “tradição”/“modernidade” e “universalismo”/”particularismo” de forma estanque, haja vista a necessidade de internalização da complexidade dos processos de mudança na própria artesania conceitual. As continuidades entre o tradicional e o moderno teriam implicações no sentido conferido à modernização, devido ao poder de interpelação do polo da tradição, tornando mais evidente o caráter parcial do desenvolvimento. As revoluções industrial e democrático-burguesa seriam, nesse sentido, “culminações de continuidades europeias específicas, isto é, que elementos ‘modernos’ eram evidentes muito antes da era moderna” (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 367). Logo, os processos de industrialização e democratização ocorridos na Europa ocidental caracterizariam uma “ruptura histórica singular, culminando num desenvolvimento secular e especificamente europeu” (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 370). Bendix deseja destacar, nessa direção, os perigos inerentes à generalização das experiências sociais de modernização originárias, como se elas pudessem antecipar o futuro de formações sociais entendidas como retardatárias.

Portanto, pensando nas especificidades do processo de modernização, Bendix discute a relação entre a “estrutura interna” das diferentes sociedades, portadora de particularidades, e o “cenário externo” a elas como uma relação com efeitos teóricos significativos. Nas suas palavras, “a estrutura interna, desenvolvida historicamente, de um país e a emulação induzida por desenvolvimentos econômicos e políticos no exterior afetam o processo de modernização de cada país” (Bendix, 1996Bendix, Reinhard. (1996). Construção nacional e cidadania. São Paulo: Edusp.: 371). O autor aponta que a importação de “ideias” e “técnicas” teria efeitos distintos de sociedade para sociedade, posto que seriam aclimatadas pelo país receptor de modo a atender aos seus objetivos particulares. A modernização seria um processo variável, uma vez que os esforços retardatários, dadas as suas especificidades, não poderiam simplesmente repetir percursos pretéritos. Bendix procura levar às últimas consequências a dimensão da incerteza em relação ao futuro - algo que se afigura patente em sua análise da modernização então em curso na Índia -, sublinhando que o seu reconhecimento pode ofertar uma base mais sólida para estudos comparativos sobre a mudança social do que a hipótese referida a uma industrialização cujos resultados se dariam a despeito dos contextos históricos.

Passando ao trabalho de Barrington Moore (1983Moore, Barrington. (1983). As origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes.), constata-se que a história e a comparação são mobilizadas não somente com o intuito de enfatizar as singularidades dos processos de mudança social, como empreende Bendix, mas para, a partir delas, produzir generalizações mais matizadas. Não por acaso, a terceira parte de OSDD é dedicada à análise das “implicações teóricas e projeções”, procurando apreender possibilidades cognitivas mais gerais outorgadas pelo mergulho em três vias que conduziriam à modernidade. Segundo Smith (1984Smith, Dennis. (1984). Discovering facts and values: the historical sociology of Barrington Moore. In: Skocpol, Theda. Vision and method in historical sociology. Cambridge: Cambridge University Press , p. 313-355.: 313), o interesse de Moore reside nos custos e regularidades envolvidos no processo de mudança histórica, encontrando-se expresso num certo esquema de “rotas para o mundo moderno”, que guardaria “um forte sabor evolucionário”.

Moore se volta para três trajetórias que culminariam no mundo moderno: a primeira, entendida como democrática e capitalista, seria aquela pela qual Inglaterra, França e Estados Unidos ingressaram na modernidade, embora partindo de sociedades diferenciadas; a segunda via também seria capitalista, não obstante as sociedades nela inscritas não terem passado por um processo revolucionário, projetando-se através de “formas políticas reacionárias” que desembocariam no fascismo, um dos efeitos políticos da “revolução vinda de cima”, casos de Japão e Alemanha; e a terceira via seria a do socialismo, marcada por revoluções que teriam tido como uma de suas principais origens o papel do campesinato, caso da China. Por último, assim como Bendix, o autor analisa o caso da Índia, país que esboçava o ingresso no mundo moderno sem ter sofrido uma “revolução burguesa”, uma “revolução conservadora vinda de cima” ou uma “revolução comunista” (Moore, 1983Moore, Barrington. (1983). As origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes.).

O sociólogo estadunidense não deixa de chamar a atenção para certas precauções na tentativa de elaborar inferências gerais, a fim de evitar a construção de uma perspectiva que pudesse vir a enviesar os fatos de modo a acomodá-los à teoria. Moore ressalta que uma dedicação exacerbada às problemáticas de ordem cognitiva poderia incorrer no risco de conferir demasiada importância aos fatos que possam, porventura, ajustar-se ao complexo teórico mobilizado. A comparação emerge, dessa maneira, como um recurso que iluminaria as diferenças entre as trajetórias de países distintos, permitindo uma compreensão renovada dos processos histórico-sociais. Empreender um movimento comparativo poderia contribuir, salienta Moore, para a formulação de novas generalizações, mais densas e matizadas. Em suma, as singularidades constituem seu ponto de partida, ressaltando as recorrências que poderiam auxiliá-lo na construção de proposições teóricas mais amplas.

A extração de tais proposições aparece claramente no modo pelo qual Moore se debruça sobre os casos da Revolução Puritana, da Revolução Francesa e da Guerra de Secessão - qualificadas como a via democrática para a sociedade moderna -, a partir dos quais elenca uma série de condições gerais. Tomando como ponto de partida o caso inglês, a primeira condição seria o desenvolvimento de um certo tipo de equilíbrio, que impediria uma atuação contundente da Coroa ou uma aristocracia proprietária demasiadamente independente. A segunda condição diz respeito a um movimento que logre constituir “uma forma adequada de agricultura comercial” (Moore, 1983Moore, Barrington. (1983). As origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes.: 423, grifo do autor), seja por parte da aristocracia proprietária, seja por parte do campesinato. As terceira e quarta condições seriam o estiolamento da aristocracia proprietária, bem como a obstrução da formação de uma coligação entre aristocratas e burgueses contra os interesses do campesinato e do operariado. Por fim, a quinta condição implicaria uma drástica ruptura com o passado, o que se sucedeu decisivamente nos três casos em questão.

A segunda via para o capitalismo seria entendida por Moore como reacionária, apesar de propiciar desenvolvimento industrial e econômico, o que se afigura emblemático no caso japonês expresso pela Restauração Meiji, qualificada como uma “revolução vinda de cima” ou uma variante do que comumente é designado como “modernização conservadora”. Tal “revolução” teria desmantelado o feudalismo, substituindo-o por uma estrutura que passaria a operar em consonância com uma sociedade moderna. Moore destaca que o desenvolvimento à japonesa se encontraria expresso na tentativa dos governantes Meiji em reconciliar as classes superiores do campo com a nova ordem em ascensão. A forma capitalista desenvolvida no Japão não constituiria mola propulsora para o fortalecimento de princípios e valores democráticos, uma vez que não teria sido operado um movimento propositivo de rompimento com o passado. A característica fundante do processo seria a continuidade da aldeia japonesa do século XVIII - com sua “estrutura oligárquica”, “solidariedade interna” e laços verticalizados estabelecidos com as autoridades - no processo de “transição para a produção moderna destinada ao mercado” (Moore, 1983Moore, Barrington. (1983). As origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes.: 310). O capitalismo teria se consolidado na indústria e na agricultura, transformando o Japão em um país industrial, sem a eclosão de uma revolução de caráter popular. Assim, destaca-se a constituição de uma coligação entre os setores fundiários e os setores comerciais e industriais em ascensão, no intuito de controlar possíveis impulsos disruptivos de camponeses e operários. Em suma, teria sido formada uma “coligação aristocrático-burguesa”.

Em relação às sociedades que enveredaram pela via comunista, o autor constata a participação decisiva dos camponeses para a eclosão dos processos revolucionários russo e chinês. Moore sublinha a importância histórica dos camponeses em ambas as revoluções, embora advirta que sua contribuição tenha se manifestado de modo desigual em diferentes sociedades. Na tentativa de entender processos de modernização, como o indiano, a partir do contraste com o caso chinês, Moore traça uma hipótese mais geral. Por um lado, em relação à Índia, o fato de sua sociedade ser extremamente segmentada, dependente de sanções dispersas para a garantia de algum grau de coesão e para a extração do excedente dos camponeses, a tornaria imune a rebeliões camponesas, pois, “provavelmente, a oposição toma a forma de mais um segmento” (Moore, 1983Moore, Barrington. (1983). As origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes.: 453). Por outro lado, uma “burocracia agrária” ou uma sociedade que dependa de uma autoridade centralizada para a extração do excedente econômico, como a chinesa, seria mais suscetível a movimentos que expressassem a revolta camponesa. Outro aspecto que contribuiria para a eclosão de movimentos revoltosos entre os camponeses se daria em contextos nos quais “a aristocracia proprietária de terras” não teria conseguido imprimir um “impulso comercial” satisfatório. Em conjunto com a ausência de uma “revolução comercial na agricultura”, encaminhada pelos estratos proprietários superiores, outra causa significativa para as revoluções camponesas teria sido a “concomitante sobrevivência das instituições camponesas até a era moderna, sujeitas a novas tensões e novas forças” (Moore, 1983Moore, Barrington. (1983). As origens sociais da ditadura e da democracia. São Paulo: Martins Fontes.: 470).

Como observamos, os recursos à história e à comparação não possuem sentido unívoco, podendo ser mobilizados de formas distintas, seja para realçar a dimensão das particularidades, seja para, a partir delas, construir proposições mais amplas. Tendo em vista a discussão procedida, cujo objetivo foi reconstituir brevemente alguns aspectos das perspectivas de Bendix e Moore, sublinhando suas diferenças em relação aos usos da história e da comparação, empreenderei agora um diálogo comparativo entre suas abordagens e a de Fernando Henrique Cardoso, a fim de localizar o sociólogo brasileiro nesse campo de debates.

TEORIA, HISTÓRIA E COMPARAÇÃO NO HEMISFÉRIO SUL

Localizar a perspectiva de Cardoso frente aos esforços de Bendix e Moore constitui movimento instigante, pois, como pontua o sociólogo brasileiro, a recepção da chamada “teoria da dependência” teria assumido, nos Estados Unidos, um caráter a-histórico (Cardoso, 1980Cardoso, Fernando Henrique. (1980). A dependência revisitada. In: Cardoso, Fernando Henrique. As ideias e seu lugar. Petrópolis: Vozes.). A despeito da recepção estadunidense, criticada por Cardoso, deve-se ressaltar que a formalização da equação analítica “teoria, história e comparação” no debate latino-americano da dependência marca uma diferença significativa em relação ao contexto de surgimento da sociologia histórica nos Estados Unidos. Se, por um lado, sob a pena de Bendix, Weber ganha centralidade na sociologia histórica que emergia no hemisfério norte, por outro, na América Latina, Marx aparece como o autor decisivo nas discussões em torno da relação entre teoria e história, o que pode ser observado no debate de Cardoso com outros “dependentistas” (Helayel, 2019Helayel, Karim. (2019). Um sociólogo na periferia do capitalismo: a sociologia histórico-comparada de Fernando Henrique Cardoso. Tese de doutorado. PPGSA/IFCS/Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Vale lembrar que Bendix publicou, em 1960, seu livro Max Weber: um perfil intelectual, incorporando, como vimos, categorias weberianas em seu CNC. Colocando lado a lado as perspectivas de Bendix e Cardoso, percebe-se como a incorporação da história nos anos 1960, decisiva para a crítica a Parsons e à “sociologia da modernização”, deu-se com ênfases distintas nos Estados Unidos e na América Latina5 5 Como assinala Sewell Jr. (2017), em seus primeiros momentos, a seção de “Sociologia Histórica Comparativa” da American Sociological Association (ASA) teria sido marcada por uma orientação eminentemente weberiana. .

Parte significativa da sociologia histórica desenvolvida nos Estados Unidos teria representado igualmente “uma reação às formulações abstratas e muitas vezes funcionalistas do marxismo teórico, que era então a principal alternativa crítica ao funcionalismo parsoniano e à pesquisa de levantamento” (Monsma, 1996Monsma, Karl. (1996). Charles Tilly, a sociologia histórica e a formação do Estado nacional. In: Tilly, Charles. Coerção, capital e Estados europeus. São Paulo: Edusp , p. 13-36.: 15). Seguindo Monsma, podemos dizer que a sociologia histórica se constitui nos Estados Unidos não como uma reação apenas ao estrutural-funcionalismo parsoniano e à “sociologia da modernização”, mas também a um certo marxismo mais esquemático, contra o qual também se opôs Cardoso6 6 A esse respeito, podemos lembrar, por exemplo, de suas críticas ao etapismo das teses do Partido Comunista Brasileiro (PCB) (Cardoso, 1964a). . Por outro lado, não desejo sugerir que o campo da sociologia histórica nos Estados Unidos tenha se organizado apenas em torno da perspectiva weberiana, uma vez que, segundo Skocpol (1973Skocpol, Theda. (1973). A critical review of Barrington Moore’s social origins of dictatorship and democracy. Politics and Society, 4/1, p. 1-34.) e Wiener (1975Wiener, Jonathan. (1975). The Barrington Moore Thesis and its critics. Theory and Society, 2/3, p. 301-330.), Moore leva em consideração o potencial teórico da análise do conflito de classes proposta por Marx sem endossar o determinismo econômico de inúmeros trabalhos no campo do marxismo. No entanto, é importante dizer que, apesar das divergências de Moore com alguns trabalhos de Weber, mais especificamente com Economia e sociedade, o sociólogo estadunidense teria em vista a importância da sociologia histórico-comparada weberiana, inclusive recomendando-a como uma espécie de modelo para a sociologia comparativa (Wiener, 1975Wiener, Jonathan. (1975). The Barrington Moore Thesis and its critics. Theory and Society, 2/3, p. 301-330.: 305).

Passando a DDAL, escrito em parceria com Faletto, é importante dizer que, além de poder ser considerado um trabalho emblemático da sociologia histórico-comparada latino-americana (Giordano, 2014Giordano, Verónica. (2014). La sociología histórica y la sociología latinoamericana. La comparación en nuestras ciencias sociales. Revista de la Red Intercátedras de América Latina Contemporánea (Segunda Época), 1/1, p. 14-29.), o livro pode ser entendido como o ponto de chegada da própria perspectiva sociológica histórico-comparada de Cardoso, cuja origem remonta aos seus trabalhos na Cadeira de Sociologia I da USP (Helayel, 2019Helayel, Karim. (2019). Um sociólogo na periferia do capitalismo: a sociologia histórico-comparada de Fernando Henrique Cardoso. Tese de doutorado. PPGSA/IFCS/Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Em DDAL, os recursos à história e à comparação conferem densidade à análise sociológica das variações do processo de desenvolvimento nas formações sociais latino-americanas. Os autores focalizam internamente os países da região em sua dinâmica particular, considerando insuficiente contrastá-los apenas com os casos dos países centrais, desenvolvendo o insight comparativo presente no projeto de estudo publicado por Cardoso na revista América Latina, em 1964 (Cardoso, 1964bCardoso, Fernando Henrique. (1964b). Empresários industriais e desenvolvimento econômico na América Latina. América Latina, 7/1, p. 101-104.). Para que suas especificidades fossem apreendidas, seria incontornável pensar os países da região entre si, o que permitiria qualificar as particularidades do desenvolvimento latino-americano.

A preocupação consiste, nesse sentido, na especificação das diferenças estruturais e históricas dos países latino-americanos que, caso ignoradas, levariam a um “equívoco teórico de consequências práticas perigosas” (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 14). Analisando a pluralidade de itinerários históricos na região, o desenvolvimento decorreria do tipo de interação estabelecida entre grupos e classes sociais, cuja oposição, conciliação ou superação teria implicações decisivas para o sistema socioeconômico. As estruturas social e política modificam-se “à medida que diferentes classes e grupos sociais conseguem impor seus interesses, sua força e sua dominação ao conjunto da sociedade” (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 34). A perspectiva adotada visa à articulação entre “processo econômico”, “condições estruturais” e “situação histórica”, inviabilizando o uso de “esquemas teóricos relativos ao desenvolvimento econômico e à formação da sociedade capitalista dos países hoje desenvolvidos para a compreensão da situação dos países latino-americanos” (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 179).

Junto a Faletto, Cardoso retoma suas críticas à “sociologia da modernização” (Cardoso, 1964aCardoso, Fernando Henrique. (1964a). Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Difusão Europeia do Livro.), contrabatendo as interpretações que entendiam que os Estados Unidos e a Europa ocidental antecipariam o futuro das formações sociais subdesenvolvidas. Ao examinarem a pluralidade do desenvolvimento latino-americano, os autores levam às últimas consequências o que podemos chamar livremente de princípio da não linearidade, mostrando como o estudo da mudança social não poderia ser procedido com base em uma trajetória a priori. Incorreriam em grave equívoco as abordagens que entendessem que os países da periferia teriam que, normativamente, reproduzir as fases atravessadas pelos países centrais. Portanto, para o duo, não seria acertado supor que os países periféricos estivessem repetindo a história e o itinerário dos países de desenvolvimento originário (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 46).

Ao pensarem o desenvolvimento como um processo social, Cardoso e Faletto ressaltam que as propriedades a princípio estritamente econômicas permitiriam entrever a dinâmica subjacente das relações sociais. A análise do desenvolvimento dos países latino-americanos implicaria uma reflexão crítica em torno de categorias que não disporiam de força cognitiva suficiente para explicar o processo em sua pluralidade. A contrapelo das categorias cepalinas “subdesenvolvimento” e “periferia econômica”, os autores priorizam a categoria “dependência” como ferramenta analítica que poderia lhes auferir maior potencial explicativo. Do mesmo modo, as clássicas categorias “tradicional” e “moderno” não seriam tão amplas de modo a abranger integralmente diferentes contextos sociais, não dando conta dos nexos entre os momentos econômicos singulares e as particularidades de sociedades diversas. Consequentemente, análises esquemáticas que acionem conexões simples como subdesenvolvimento/tradicional e desenvolvimento/moderno, enxergando-as na chave de um continuum, sairiam desautorizadas ao deixarem de lado a componente da historicidade. Como observou Kay (2011Kay, Cristóbal. (2011). Latin American theories of development and underdevelopment. London: Routledge .), Cardoso teria como objetivo, assim como outros teóricos da dependência, compreender e explicar por que as previsões de intelectuais da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e de teóricos da modernização não se concretizaram na América Latina.

Conquanto, Cardoso e Faletto não deixam de mobilizar trabalhos produzidos no âmbito da Cepal, bem como seu léxico próprio, estabelecendo uma interlocução crítica com tais formulações. Não podemos esquecer que os trabalhos de Prebisch e da Cepal conteriam uma ênfase no “enfoque histórico-estruturalista”, atribuindo um importante papel à história e à comparação na busca das particularidades latino-americanas (Bielschowsky, 2000Bielschowsky, Ricardo. (2000). Cinquenta anos de pensamento na CEPAL - uma resenha. In: Comissão Econômica para América Latina e Caribe. Cinquenta anos de pensamento na CEPAL. Rio de Janeiro: Record, p. 13-68.; Gurrieri, 2011Gurrieri, Adolfo. (2011). A economia política de Raúl Prebisch. In: Prebisch, Raúl. O Manifesto Latino-Americano e outros ensaios. Rio de Janeiro: Contraponto, p. 15-92.). Cumpre lembrar, nessa direção, como já ressaltaram Blomström e Hettne (1984Blomström, Magnus & Hettne, Bjorn. (1984). Development theory in transition: the dependency debate and beyond: the Third World responses. London: Zed Books.), que a abordagem dependentista tem lugar a partir de uma confluência entre o marxismo/neomarxismo e as discussões sobre o subdesenvolvimento iniciadas na Cepal. Em registro similar, ainda que confira maior ênfase ao estruturalismo cepalino, Love (1998Love, Joseph. (1998). A construção do Terceiro Mundo: teorias do subdesenvolvimento na Romênia e no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra.: 427) ressalta sua relação com o marxismo, pois teria sido a partir dessas vertentes teóricas que “viria a surgir, em fins dos anos 1960, uma nova literatura sobre a dependência”.

Em suma, Cardoso ingressa em um fecundo ambiente intelectual, que lhe permite avançar sua proposta para uma sociologia histórico-comparada, a qual já vinha sendo gestada antes de seu exílio no Chile, por meio de seu projeto publicado na revista América Latina (Cardoso, 1964bCardoso, Fernando Henrique. (1964b). Empresários industriais e desenvolvimento econômico na América Latina. América Latina, 7/1, p. 101-104.). Assim, a análise sobre a particularidade das condições históricas é decisiva, sendo operada sem a exclusão de aspectos econômicos, políticos e sociais subjacentes ao processo de desenvolvimento, tanto em relação ao plano interno quanto ao externo. Os autores não se restringem a uma perspectiva que privilegia apenas o âmbito externo aos países em situação de dependência, conferindo importância concomitante aos objetivos e interesses que norteiam os conflitos entre seus diferentes grupos e classes sociais. Assim, os interesses conflitivos entre grupos e classes orientam a observação da situação particular de dependência, jogando as histórias nacionais, bem como a política, no centro da análise. Por meio da articulação entre os polos interno e externo, a interpretação empreendida em termos de “processo histórico” deveria considerar que “o devir histórico só se explica por categorias que atribuam significação aos fatos e que, em consequência, sejam historicamente referidas” (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 34). Percebe-se como os autores se voltam diretamente para a construção historicizada de categorias analíticas, a qual não poderia deixar de lado a matéria social a ser escrutinada. Portanto, o conceito de “dependência” emerge como um recurso decisivo, de modo a atribuir inteligibilidade sociológica aos casos empíricos focalizados, permitindo estabelecer a conexão entre os planos interno e externo. A categoria “dependência” aparece, portanto,

[…] como instrumento teórico para acentuar tanto os aspectos econômicos do subdesenvolvimento quanto os processos políticos de dominação de uns países por outros, de umas classes sobre as outras, num contexto de dependência nacional. Consequentemente, ressaltamos a especificidade da instauração de um modo capitalista de produção em formações sociais que encontram na dependência seu traço histórico peculiar (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 179-180).

A partir de sua elaboração historicizada, a categoria “dependência” atua como elemento de mediação entre os polos interno e externo, permitindo-lhes qualificar o tipo de inserção dos países dependentes na divisão internacional do trabalho. Ela parece ser ainda uma via que possibilita iluminar a forma da sociologia histórico-comparada de DDAL, sociologia essa atenta às diferenças e à não linearidade da mudança social. Para discutirem as especificidades do desenvolvimento latino-americano, Cardoso e Faletto destacam que as relações entre o “sistema econômico” e o “sistema de poder” no século XIX, em meio ao contexto de implementação dos Estados-nação, teria conformado possibilidades distintas para os países da região. A quebra do pacto colonial, que reorientou as relações econômicas dos então jovens países, vinculando-os à Inglaterra, teria contribuído para uma reordenação econômico-social. Os grupos sociais locais detentores do controle do setor produtivo-exportador teriam procurado assegurar sua estabilidade reorientando, de um lado, as suas vinculações externas em direção aos novos centros hegemônicos e, de outro, construindo internamente alianças com as oligarquias localizadas à margem do sistema exportador.

Cardoso e Faletto (2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) diferenciam duas situações específicas de dependência, que exprimiriam modos distintos de vinculação dos países latino-americanos com as economias centrais. O primeiro tipo de vinculação dependente diz respeito aos países cujo sistema produtivo seria controlado nacionalmente por grupos locais, os quais teriam logrado êxito ao recuperarem, após a independência, seus vínculos tanto com o mercado mundial quanto com os setores produtores orientados para o mercado interno (casos de Argentina, Brasil, Uruguai e Colômbia). Já o segundo tipo se refere às “economias de enclave”, nas quais os grupos locais não teriam tido condições técnicas, materiais ou econômicas para exercer sua hegemonia de modo a controlar o sistema produtivo, que ficaria a cargo de grupos estrangeiros nelas diretamente instalados (casos de México, Bolívia, Venezuela, Chile, Peru e América Central).

A mudança social nos países latino-americanos aparece condicionada, de forma decisiva, pelo tipo de inserção dependente dessas mesmas nações no mercado mundial. Cardoso e Faletto ressaltam, em virtude da diversificação alcançada pelas economias latino-americanas, o aparecimento de novos atores sociais no momento de surgimento da ordem urbano-industrial na região. O “período de transição” seria entendido pelos autores como o processo histórico-estrutural por meio do qual a diferenciação da economia exportadora teria criado as condições políticas e sociais para a emersão dos setores comumente qualificados como “médios”. O “período de transição” se manifesta mediante a adoção de políticas, como as de “industrialização substitutiva de importações”, que preconizariam a consolidação do mercado interno e do desenvolvimento do setor industrial. Contudo, existiriam diferenças mais gerais entre os casos dos países com sistema produtivo controlado nacionalmente e as situações das economias de enclave. No primeiro caso, antes mesmo da crise econômica de 1929, ter-se-ia logrado a constituição de um “setor industrial importante”, cujo processo de formação teria sido informado por um “caráter mais liberal” permitido pela dinâmica conferida pela “empresa privada”. Em relação às economias de enclave, a direção do Estado exprimiria o modo pelo qual os grupos que não se encontravam diretamente atrelados ao “sistema exportador-importador” teriam erigido seu setor urbano-industrial.

As mudanças sociais atravessadas pelos países latino-americanos teriam alterado significativamente a divisão social do trabalho ao engendrarem novos atores sociais, como são os casos do proletariado urbano e de setores da população que não teriam se integrado à produção urbano-industrial. Entretanto, o processo de industrialização não teria assumido um sentido linear, uma vez que as relações das burguesias industriais com o Estado teriam variado de país para país. Cardoso e Faletto (2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) sublinham três vias distintas para que a industrialização se consumasse nos diferentes países da região, desestabilizando pressupostos que tomariam como base os casos dos países centrais. A primeira delas se refere à industrialização qualificada por eles como “liberal”, posto que “orientada e conduzida diretamente pelos setores empresariais privados” (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 127). Sua particularidade reside na existência de um setor agroexportador hegemônico, com vínculos estabelecidos no mercado interno, cuja atuação teria preconizado a transferência de divisas para o setor industrial em formação. Cardoso e Faletto destacam o caso da Argentina por ser expressivo do dinamismo de uma sólida camada empresarial que teria logrado hegemonia ao açambarcar os demais grupos sociais em seu sistema de dominação.

O segundo tipo de industrialização seria qualificado pelos autores como “nacional-populista” e teria o Brasil como caso paradigmático. Tal tipo de desenvolvimento industrial estaria ancorado em um esquema de poder que articularia os setores agroexportadores e os produtores rurais orientados para o mercado interno, a classe média urbana, a massa urbana e os setores industriais. Os setores agroexportadores hegemônicos no período anterior à instituição do Governo Provisório de Getúlio Vargas se encontrariam, em um primeiro momento, excluídos da equação. Já os trabalhadores rurais não seriam incorporados à chamada “aliança desenvolvimentista”, permanecendo excluídos, pois “a força política dos setores latifundiários baseia-se na manutenção de uma ordem que exclua a massa rural dos benefícios da participação econômica, política e social” (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 138).

A comparação entre as experiências argentina e brasileira, que seria aprofundada por Cardoso em PDSD, surge embrionariamente em seu trabalho com Faletto. Os autores afirmam que, em contraste com a Argentina, no Brasil não se consolidaria a existência de um grupo empresarial hegemônico com capacidade para neutralizar os setores agroexportadores e reunir as camadas populares do campo e da cidade sob a rubrica de “massa assalariada”. Diferentemente da Argentina, no caso brasileiro, o Estado teria catalisado o processo de formação do parque industrial, não se limitando apenas à sua regulação. No entanto, a diferença básica em relação ao caso argentino não consistiria na suposta inexistência de setores empresariais privados nacionais ou internacionais com capacidade para subsidiar o desenvolvimento industrial da economia brasileira, mas em sua “menor gravitação econômica e, principalmente, por sua impossibilidade de impor uma política de industrialização liberal” (Cardoso & Faletto, 2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 136).

Já o terceiro caso se refere à industrialização coordenada por um “Estado desenvolvimentista”, a qual se encontra relacionada ao quadro das economias de enclave. Diante da pusilanimidade do “setor capitalista exportador-importador interno” nessas economias, caberia ao Estado reorientar as inversões de capital para a consolidação do mercado interno, assumindo a responsabilidade de promover a industrialização. Cardoso e Faletto (2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.) apresentam o Chile e o México como casos representativos de uma industrialização fomentada pela participação ativa e direta do Estado. Isso se sucedeu não apenas porque os setores controladores do Estado precisavam hipertrofiar os mecanismos que permitiriam uma célere acumulação de capitais, mas por se encontrarem em aliança com os setores médios e com as camadas populares. Para a manutenção dessa aliança, assinalam, seria incontornável conceber ou ampliar a oferta de empregos para incorporar as massas ao mercado de trabalho.

Com isso, observa-se o caráter plural da modernização latino-americana, que evidencia a não linearidade da sociologia histórico-comparada de DDAL. Essa não linearidade é reforçada por Cardoso em PDSD, haja vista sua análise comparativa dos casos argentino e brasileiro, os quais são enquadrados na mesma modalidade de dependência, na qual algum grupo econômico local teria obtido o controle do sistema produtivo, mas que, ainda assim, comportariam diferenças marcantes. Ou seja, além de ponto de chegada da sociologia histórico-comparada de Cardoso, DDAL pode ser lido ainda como um tipo de cartografia da mudança social na América Latina, uma vez que os autores parecem construir uma espécie de mapa com o intuito de apreender as semelhanças e os contrastes entre as experiências de modernização na região. O livro opera ainda como uma abertura ao permitir a Cardoso a realização de análises comparativas mais sistemáticas, como em PDSD, no qual contrasta os processos de modernização argentino e brasileiro, cujas particularidades históricas teriam ressonâncias distintas sobre as ideologias de seus respectivos empresariados (Cardoso, 1978Cardoso, Fernando Henrique. (1978). Política e desenvolvimento em sociedades dependentes. Rio de Janeiro: Zahar.).

Em DDAL, Cardoso e Faletto discutem, ainda, o então novo momento econômico que qualificam como “internacionalização do mercado interno”, que se constitui no contexto em que as políticas de matriz populista entram em declínio na América Latina. Se, internamente, o populismo padeceria por conta de suas limitações, externamente, os capitais industriais estrangeiros se encontrariam em uma busca incessante por novos mercados. As inversões estrangeiras de capital passariam a reforçar o setor urbano-industrial, concentrando-se num tipo de industrialização que teria como base um mercado de altas rendas, o que permitiria uma indústria efetivamente moderna, porém excludente. A ênfase nesse tipo de industrialização acentuaria a exclusão de amplas parcelas da sociedade, formando um “sistema social excludente”, que caracteriza a maneira pela qual o capitalismo se manifesta na periferia, o que não quer dizer, por outro lado, alertam os autores, que o desenvolvimento fosse inviável na América Latina. Muito pelo contrário: a particularidade desse tipo de desenvolvimento permitiria tanto a acumulação de capital quanto a transformação e complexificação da estrutura do parque industrial, compatibilizando, portanto, dependência e desenvolvimento.

Embora Cardoso constitua sua sociologia histórico-comparada de modo próximo a Bendix, enfatizando as particularidades das distintas experiências sociais de modernização latino-americanas, o brasileiro se distancia do alemão em relação ao seu diagnóstico referente à simultaneidade entre dependência e desenvolvimento. Ao mobilizar dialeticamente a categoria “desenvolvimento”, Cardoso o faz na chave proposta por Marx, embora sem lançar mão de qualquer normatividade, destacando, portanto, as contradições do processo7 7 Como destacado, trabalhos como os de Lima (2015), Gonçalves (2018) e Belinelli (2019) vêm ressaltando que a perspectiva de Cardoso não é alheia ao repertório marxista. . Cardoso (1980Cardoso, Fernando Henrique. (1980). A dependência revisitada. In: Cardoso, Fernando Henrique. As ideias e seu lugar. Petrópolis: Vozes.) sublinha que o desenvolvimento/acumulação capitalista seria, sobretudo, um processo contraditório, espoliativo e gerador de desigualdades. Economias como a brasileira e a mexicana estariam apresentando mudanças estruturais significativas, não obstante os problemas próprios acarretados pelo desenvolvimento na periferia. Como argumenta, “A composição das forças produtivas, a alocação dos fatores de produção, a distribuição da mão-de-obra, as relações de classe, estão se modificando no sentido de responder mais adequadamente a uma estrutura capitalista de produção” (Cardoso, 1980Cardoso, Fernando Henrique. (1980). A dependência revisitada. In: Cardoso, Fernando Henrique. As ideias e seu lugar. Petrópolis: Vozes.: 76). Sendo assim, estaria concomitantemente em curso um “processo de dependência e de desenvolvimento capitalista” (Cardoso, 1980Cardoso, Fernando Henrique. (1980). A dependência revisitada. In: Cardoso, Fernando Henrique. As ideias e seu lugar. Petrópolis: Vozes.: 76, grifo do autor).

CONSIDERAÇÕES FINAIS: PERSPECTIVAS NÃO LINEARES

Levando em consideração a preocupação de Cardoso com o mapeamento das especificidades latino-americanas, que enfatiza as diferenças entre as próprias sociedades da região, percebem-se proximidades entre suas proposições e as de Bendix. A despeito de suas diferenças, assim como Bendix, Cardoso privilegia a dimensão das especificidades, destacando a demarcação de limites históricos para o alcance da teoria. Ainda que Cardoso se aproxime, por outro lado, da preocupação de Moore em operar uma minuciosa análise das relações, conflitos e alianças entre classes e grupos sociais - compartilhando uma perspectiva devedora a Marx -, discrepa do sociólogo estadunidense em relação à mobilização da história e da comparação. Divergindo de Moore, a preocupação de Cardoso não incide na construção de inferências teóricas mais amplas, o que é reforçado pelo brasileiro em sua resposta às críticas desferidas por Weffort (2003Weffort, Francisco. (2003). Notas sobre a teoria da dependência: teoria de classe ou ideologia nacional. In: Weffort, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra , p. 187-206.) às suas formulações sobre a dependência. Respondendo a Weffort, Cardoso (1977Cardoso, Fernando Henrique. (1977). Teoria da dependência’ ou análises concretas de situações de dependência? In: Cardoso, Fernando Henrique. O modelo político brasileiro e outros ensaios. Rio de Janeiro-São Paulo: Difel, p. 123-139.) ressalta que a elaboração da categoria “dependência” não se encontraria fundamentada em pretensões generalizantes, pois sua virtude consistiria na análise de cada situação de dependência. Segundo Cardoso, não seria razoável falar em uma “teoria da dependência” com vocação universalizante, já que o seu grande mérito teria sido a particularização de “situações de dependência” (Cardoso, 1977Cardoso, Fernando Henrique. (1977). Teoria da dependência’ ou análises concretas de situações de dependência? In: Cardoso, Fernando Henrique. O modelo político brasileiro e outros ensaios. Rio de Janeiro-São Paulo: Difel, p. 123-139.). Cardoso parece romper, desse modo, com uma certa tendência na produção intelectual latino-americana das décadas de 1960-1970, identificada por Prado (2005Prado, Maria Ligia. (2005). Repensando a história comparada da América Latina. Revista de História, 153, p. 11-33.: 23), que teria sido marcada por uma “visão generalizante”8 8 Contudo, para Prado (2005), nem mesmo a “teoria da dependência” teria escapado à construção de explicações mais gerais, apesar de esforços que considera mais sofisticados, como DDAL. .

Aproximando-se da perspectiva de Bendix, o tipo de formulação proposta por Cardoso para a categoria “dependência” não teria a ver, nesse sentido - como o sociólogo brasileiro assinala incansavelmente - com a adoção de um modelo teórico a ser aplicado universalmente a partir da periferia, mas sim com a constituição de uma sociologia atenta à diversidade do processo de desenvolvimento dependente. Como sugere, o “desenvolvimento dependente-associado” não constitui um tipo de desenvolvimento generalizável para toda a periferia do capitalismo, aspecto que procura ressaltar ao criticar a recepção a-histórica do debate nos Estados Unidos (Cardoso, 1980Cardoso, Fernando Henrique. (1980). A dependência revisitada. In: Cardoso, Fernando Henrique. As ideias e seu lugar. Petrópolis: Vozes.). Não à toa, recusa-se em qualificar a dependência como uma “teoria” que pudesse vir a ser aplicada de modo mais geral para o entendimento de contextos periféricos. Assim, se Cardoso toma como ponto de partida, por um lado, a problemática mais geral da circunscrição da América Latina na dinâmica capitalista internacional - contexto não analisado por Bendix e Moore -, por outro, seu ponto de chegada se refere às particularidades do processo de realização do capital nos diferentes países da região.

Apesar de empregarem a história e a comparação de modo semelhante, deve-se ressaltar as diferenças existentes entre as perspectivas de Bendix e Cardoso em relação à abordagem por eles conferida à dinâmica interno-externo. A construção da categoria “dependência” internaliza de modo decisivo uma mediação entre elementos internos e externos, o que contribui para o distanciamento da perspectiva de Cardoso em relação ao tratamento dado por Bendix. Como vimos, tais mudanças parecem se encontrar mais próximas, na perspectiva do alemão, de um entendimento que as enxerga como induzidas, via emulação, pelo tipo de desenvolvimento logrado pelos países de modernização originária, o que impactaria diretamente em como os retardatários conduziriam o seu próprio desenvolvimento. Desse modo, a adoção de “tecnologias”, “inovações técnicas”, “ideias” e “instituições políticas” importadas pelos países em desenvolvimento tensionaria suas estruturas sociais, por conta da interação com aspectos tradicionais ainda vigentes.

Não seria exagero afirmar, nessa direção, que a análise de Bendix parece codificar uma certa noção de “efeito-demonstração”, diferentemente de Cardoso, que se concentra nas relações entre classes e grupos sociais em um contexto de expansão do capitalismo, com base em uma dinâmica entre economias centrais e periféricas, categorias distantes do léxico mobilizado pelo sociólogo alemão9 9 Agradeço o insight a Antonio Brasil Jr., que, em meu exame de qualificação de doutorado, realizado em 2016, chamou atenção para a questão. . Cardoso discute ainda os efeitos da acumulação de capital na periferia numa chave analítica propriamente marxista, perspectiva veementemente recusada pelo autor de CNC. Não obstante suas diferenças, Bendix e Cardoso apresentam modos de intelecção semelhantes, valorizando as particularidades em detrimento de uma perspectiva teórica com tendências generalizantes.

A despeito das diferenças que guardam entre si, a não linearidade inscrita nos trabalhos de Bendix, Moore e Cardoso problematiza o caráter teleológico e convergente da “sociologia da modernização” e de certas vertentes do marxismo. A partir do diálogo entre os seus trabalhos, nota-se que a perspectiva sociológica histórico-comparada de Cardoso pode ser situada diante do contexto intelectual mais amplo no qual o resgate da história pela análise sociológica vinha se dando sistematicamente nos anos 1960, no hemisfério norte. Em suma, o sociólogo brasileiro compartilhou dos pressupostos que informam um contexto intelectual - a princípio remoto, quando pensamos suas formulações sobre a dependência - em que a crítica à “sociologia da modernização”, ao estrutural-funcionalismo parsoniano e ao esquematismo de certas vertentes do marxismo constitui um movimento mais geral a partir da internalização da historicidade pela teoria sociológica.

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Notas

  • 1
    Segundo Botelho (2013Botelho, André. (2013). Teoria e história na sociologia brasileira: a crítica de Maria Sylvia de Carvalho Franco. Lua Nova, 90, p. 331-366.: 49), Maria Sylvia de Carvalho Franco - que, assim como Cardoso, foi orientada por Fernandes - pode ser aproximada de Bendix, por valorizar a perspectiva histórica weberiana e por sua crítica a Parsons e à “sociologia da modernização”.
  • 2
    DDAL foi escrito, ressaltam Cardoso e Faletto (2004Cardoso, Fernando Henrique & Faletto, Enzo. (2004). Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.: 13), “em Santiago entre 1966 e 1967, época em que os autores trabalhavam em estreita relação com economistas e planejadores, num instituto internacional de ensino, pesquisa e assessoria à planificação [os autores se referem ao Ilpes (Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social), vinculado à Cepal]”.
  • 3
    Agradeço a Lucas Carvalho, que, ao discutir o meu paper “Teoria, história e comparação na sociologia de Fernando Henrique Cardoso”, no simpósio “Pensamento Social no Brasil” da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em 2018, sintetizou muito bem, por meio do termo, a relação entre os três elementos.
  • 4
    Limongi (2012Limongi, Fernando. (2012). Fernando Henrique Cardoso: teoria da dependência e transição democrática. Novos Estudos, 94, p. 187-197.) chega a indicar uma aproximação direta entre DDAL e OSDD, ainda que sem sistematizá-la, apontando para a maior abrangência e atualidade do trabalho de Cardoso e Faletto no que se refere à combinação entre regime político e desenvolvimento.
  • 5
    Como assinala Sewell Jr. (2017Sewell Jr., William. (2017). Lógicas da história: teoria social e transformação social. Petrópolis: Vozes .), em seus primeiros momentos, a seção de “Sociologia Histórica Comparativa” da American Sociological Association (ASA) teria sido marcada por uma orientação eminentemente weberiana.
  • 6
    A esse respeito, podemos lembrar, por exemplo, de suas críticas ao etapismo das teses do Partido Comunista Brasileiro (PCB) (Cardoso, 1964aCardoso, Fernando Henrique. (1964a). Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo: Difusão Europeia do Livro.).
  • 7
    Como destacado, trabalhos como os de Lima (2015Lima, Pedro Luiz. (2015). As desventuras do marxismo: Fernando Henrique Cardoso, antagonismo e reconciliação (1955-1968). Tese de doutorado. IESP/Universidade do Estado do Rio de Janeiro.), Gonçalves (2018Gonçalves, Rodrigo Santaella. (2018). Teoria e prática em Fernando Henrique Cardoso: da nacionalização do marxismo ao pragmatismo político (1958-1994). Tese de doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.) e Belinelli (2019Belinelli, Leonardo. (2019). Marxismo como crítica da ideologia: um estudo sobre os pensamentos de Fernando Henrique Cardoso e Roberto Schwarz. Tese de doutorado. FFLCH/Universidade de São Paulo.) vêm ressaltando que a perspectiva de Cardoso não é alheia ao repertório marxista.
  • 8
    Contudo, para Prado (2005Prado, Maria Ligia. (2005). Repensando a história comparada da América Latina. Revista de História, 153, p. 11-33.), nem mesmo a “teoria da dependência” teria escapado à construção de explicações mais gerais, apesar de esforços que considera mais sofisticados, como DDAL.
  • 9
    Agradeço o insight a Antonio Brasil Jr., que, em meu exame de qualificação de doutorado, realizado em 2016, chamou atenção para a questão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2020
  • Revisado
    20 Jun 2021
  • Aceito
    18 Jan 2022
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