Acessibilidade / Reportar erro

Garantia dos direitos sociais das crianças com condições crônicas: reinventando o cuidado para a cidadania

RESUMO

Objetivo:

analisar as experiências das famílias para exercício dos direitos das crianças com condições crônicas nas instituições públicas de saúde, educação e assistência social.

Método:

estudo de casos múltiplos etnográfico, com abordagem qualitativa e referencial de Boaventura Santos. Foram estudadas experiências das famílias dessas crianças em um município, por meio de entrevistas com familiares, gestores e profissionais das instituições sociais (35), bem como por observações participante nos espaços sociais (13) e elaboração de ecomapas (3). Realizou-se Análise Crítica do Discurso.

Resultados:

a oferta de atendimento é menor que a demanda e persistem processos de exclusão. Diante da hegemonia das ideologias neoliberal e de normalização, os encontros entre familiares e profissionais revelaram obstáculos à cidadania, porém quando essas ideologias foram contestadas potencializou-se a efetivação dos direitos promulgados.

Considerações finais:

o cuidado para promover a cidadania exige construção de subjetividades nas práticas de familiares, gestores e profissionais que rompam com as ideologias neoliberal e de normalização, por consequência reconheçam essas crianças como sujeitos de direitos.

Descritores:
Crianças com Deficiência; Doença Crônica; Seguridade Social; Cuidado da Criança; Enfermagem Pediátrica

ABSTRACT

Objective:

To analyze the experiences of families in the exercise of the rights of children with chronic conditions in public health, education and social assistance institutions.

Method:

ethnographic multiple case study, with qualitative approach, following the theoretical approach of Boaventura Santos. Experiences of the families of these children in a city were studied through interviews with family members, managers and professionals from social institutions (35), participant observations in social spaces (13) and creation of eco-maps (3). Critical Discourse Analysis was performed.

Results:

the offer of services is lower than the demand, and exclusion processes persist. Given the hegemony of neoliberal and normality ideologies, meetings between family members and professionals revealed obstacles to civil rights; however, when these ideologies were challenged, the realization of their rights was enhanced.

Final considerations:

the care to promote civil rights requires family members, managers and professionals to develop subjectivities that overcome neoliberal and normality ideologies, recognizing these children as subjects of law.

Descriptors:
Disabled Children; Chronic Disease; Social Welfare; Child Care; Pediatric Nursing

RESUMEN

Objetivo:

analizar las experiencias de las familias en cuanto el ejercicio de los derechos de los niños en condiciones crónicas de las instituciones públicas de salud, educación y asistencia social.

Método:

se trata de una investigación etnográfica de casos múltiples, de enfoque cualitativo y referencial de Boaventura Santos, realizada en un municipio con entrevistas a familiares, gestores y profesionales de las instituciones (35), observación de los participantes en los espacios sociales (13) y elaboración de Ecomapas (3); se llevó a cabo el Análisis Crítico del Discurso.

Resultados:

la oferta del cuidado es inferior a la demanda y persisten los procesos de exclusión. Frente a la hegemonía de las ideologías neoliberales y la normalización, los encuentros entre familiares y profesionales revelaron obstáculos a la ciudadanía; sin embargo, al cuestionarse las ideologías, la efectividad de los derechos promulgados se potencializó.

Consideraciones finales:

el cuidado para promover la ciudadanía exige construcción de subjetividades en las prácticas de familiares, gestores y profesionales que rompan con las ideologías neoliberales y de normalización y, en consecuencia, reconozcan a esos niños como sujetos de derechos.

Descriptores:
Niños con Discapacidad; Enfermedad Crónica; Bienestar Social; Cuidado del Niño; Enfermería Pediátrica

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, verificamos o aumento das condições crônicas na infância, em parte como resultado dos avanços políticos e tecnocientíficos na atenção à saúde de recém-nascidos e crianças(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.

2 Stein RE. The 1990s a decade of change in understanding children with ongoing conditions. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011;165(10):880-3. https://doi.org/10.1001/archpediatrics.2011.165
https://doi.org/10.1001/archpediatrics.2...
-33 Glass HC, Costarino AT, Stayer SA, Brett CM, Cladis F, Davis PJ. Outcomes for extremely premature infants. Anesth Analg. 2015;120(6):1337-51. https://doi.org/10.1213/ANE.0000000000000705
https://doi.org/10.1213/ANE.000000000000...
). No entanto, evidenciam-se dificuldades das famílias para realizar os cuidados no domicílio das crianças com condições crônicas (CCC), ter acesso e utilizar os serviços de saúde tal como dos diversos setores e, ainda, obter medicamentos, alimentação especial e dispositivos tecnológicos(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,44 Tavares TS, Sena RR, Duarte ED. Implications for nursing care concerning children discharged from a neonatal unit with chronic conditions. Rev Rene. 2016;17(5):659-67. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000500011
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20160...

5 Nóbrega VM, Silva MEA, Fernandes LTB, Viera CS, Reichert APS, Collet N. Chronic disease in childhood and adolescence: continuity of care in the Health Care Network. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03226. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016042503226
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201604...
-66 Woodgate RL, Edwards M, Ripat JD, Borton B, Rempel G. Intense parenting: qualitative study detailing the experiences of parenting children with complex care needs. BMC Pediatr. 2015;15:197. https://doi.org/10.1186/s12887-015-0514-5
https://doi.org/10.1186/s12887-015-0514-...
). Essas dificuldades podem prejudicar a continuidade do cuidado e o atendimento das necessidades das crianças, posteriomente comprometendo possibilidades de autonomia e participação social(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

As condições crônicas na infância incluem aquelas com base biológica, psicológica ou cognitiva que duram ou têm potencial para durar pelo menos um ano. Essas condições produzem uma ou mais das seguintes repercussões: limitações de função, atividade ou papel social em comparação com crianças da mesma idade sem alterações no crescimento e desenvolvimento; dependência de mecanismos compensatórios - medicamentos, alimentação especial e dispositivos tecnológicos - ou de cuidados devido às limitações de funções; e necessidade ou uso de serviços acima do usual para a idade, como os serviços de saúde e educação(22 Stein RE. The 1990s a decade of change in understanding children with ongoing conditions. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011;165(10):880-3. https://doi.org/10.1001/archpediatrics.2011.165
https://doi.org/10.1001/archpediatrics.2...
).

O familiar responsável pelo cuidado das CCC, em geral a mãe, precisa empreender uma busca persistente para assegurar o atendimento das suas necessidades, desenvolvendo estratégias para o acesso aos serviços e insumos na rede de serviços de saúde pública e suplementar(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.). Essa busca depende de sua capacidade de identificar as necessidades e mobilizar recursos(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,44 Tavares TS, Sena RR, Duarte ED. Implications for nursing care concerning children discharged from a neonatal unit with chronic conditions. Rev Rene. 2016;17(5):659-67. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000500011
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20160...
). As dificuldades vivenciadas revelam a transferência da responsabilidade pública de proteção social, assumida na Constituição Federal de 1988, para a dimensão privada das famílias dessas crianças. Pesquisa documental de legislações brasileiras evidenciou que os direitos sociais estão constitucionalizados para as crianças com doenças crônicas ou com deficiência, porém as estratégias e ações definidas para esse grupo de crianças ainda são incipientes e com indícios de restrição de financiamento, limitando o acesso(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,77 Tavares TS, Duarte ED, Sena RR. Social rights of children with chronic conditions: a critical analysis of Brazilian public policies. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160382. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0382
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
).

Os direitos sociais possibilitam a participação igualitária de todos os membros de uma comunidade nos seus padrões básicos de vida e são assegurados por meio de instituições como as de educação, saúde e assistência social. Esses direitos, junto aos direitos civis e políticos, compõem a cidadania, que corresponde à pertença igualitária a uma dada comunidade política(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,88 Marshall TH. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. 220 p.). Para uma cidadania emancipatória, ou seja, que permita o desenvolvimento social sem restringir a individualidade e a autonomia(99 Santos BS. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. 511 p.), os direitos sociais das CCC devem possibilitar tanto a igualdade de participação social, quanto o reconhecimento de suas diferenças com atendimento de suas necessidades específicas(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Estudos indicam que a organização dos serviços e a oferta de ações no contexto brasileiro atual são insuficientes para garantir os direitos sociais das CCC(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,44 Tavares TS, Sena RR, Duarte ED. Implications for nursing care concerning children discharged from a neonatal unit with chronic conditions. Rev Rene. 2016;17(5):659-67. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000500011
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20160...
-55 Nóbrega VM, Silva MEA, Fernandes LTB, Viera CS, Reichert APS, Collet N. Chronic disease in childhood and adolescence: continuity of care in the Health Care Network. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03226. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016042503226
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201604...
,77 Tavares TS, Duarte ED, Sena RR. Social rights of children with chronic conditions: a critical analysis of Brazilian public policies. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160382. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0382
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
). Pressupõe-se que a formulação e implementação de políticas públicas que garantam os direitos sociais das CCC, reconhecendo suas diferenças, contribuirão para sua inserção na sociedade como cidadãos. Portanto, torna-se relevante investigar as experiências das famílias, para assegurar às crianças o acesso e utilização dos serviços prestados pelas instituições educacionais, de saúde e de assistência social, visando identificar desafios, contribuir para o seu reconhecimento e a reformulação de políticas públicas sociais(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

OBJETIVO

Analisar as experiências das famílias para exercício dos direitos das crianças com condições crônicas nas instituições públicas de saúde, educação e assistência social.

MÉTODO

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada por Comitê de Ética e os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Referencial teórico-metodológico

Adotado como referencial teórico-metodológico a Sociologia das ausências e a abordagem de direitos propostas por Boaventura Santos. Essa sociologia busca demonstrar que o que não existe é produzido como não existente, sendo então desqualificado, pela racionalidade que sustenta o conhecimento hegemônico filosófico e científico do ocidente. A Sociologia das ausências visa superar as totalidades homogêneas e excludentes por meio da identificação de outros saberes nas práticas sociais (ecologias dos saberes), e de novas articulações entre os princípios da igualdade e da diferença, confrontando a identificação de diferença com desigualdade (ecologias dos reconhecimentos)(99 Santos BS. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. 511 p.). Considera-se que a Sociologia das ausências pode contribuir para a inclusão social das CCC, sobretudo daquelas com deficiência, visto que esta depende da sociedade ser capaz de prever e incorporar a diversidade(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Tipo de estudo

Estudo de casos múltiplos etnográfico, com abordagem qualitativa(1010 Stake RE. The art of case study research. Thousand Oaks: SAGE, 1995. 175 p.). Utilizado o COREQ.

Procedimentos metodológicos

Entrevistas com familiares, gestores e profissionais das instituições sociais, observações participante nos espaços sociais e elaboração de ecomapas. O roteiro semiestruturado de entrevista com familiares abrangeu questões sobre composição da família e sua condição socioeconômica, notícia da condição crônica, organização do cuidado, vivências para a garantia dos direitos, participação na comunidade, acesso e utilização de serviços. O roteiro semiestruturado de entrevistas com gestores e profissionais abrangeu questões sobre formação, experiência na atuação com CCC, atendimento à CCC e sua família e relação com outros profissionais. O roteiro de observações abarcou aspectos a serem contemplados em espaços sociais e nos serviços, como: acessibilidade, estrutura arquitetônica, adaptação de recursos disponíveis, disponibilidade de tecnologias assistivas, organização das atividades e atuação dos participantes para a inclusão das CCC, relações entre atores, entre outros. Para representar o acesso das crianças e dos seus familiares aos serviços e à rede social foi utilizado o ecomapa, um diagrama das relações da família em um determinado momento(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.). O genograma da família é representado no centro e os contatos com pessoas, grupos ou instituições são representados em volta, sendo os tipos de relação indicados por linhas(1111 Nascimento LC, Rocha SMM, Hayes VE. Contribuições do genograma e do ecomapa para o estudo de famílias em enfermagem pediátrica. Texto Contexto Enferm. 2005;14(2):280-86. https://doi.org/10.1590/S0104-07072005000200017
https://doi.org/10.1590/S0104-0707200500...
). Os roteiros foram previamente testados para o atendimento aos objetivos do estudo. As entrevistas e as observações foram realizadas pela pesquisadora. Os dados foram registrados em áudio por gravador digital e por escrito em diário de campo(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Cenário do estudo

Estudo desenvolvido na regional Norte de Belo Horizonte (Minas Gerais, Região Sudeste, Brasil), pois esta apresentava maior distribuição de setores censitários de elevado e muito elevado risco segundo o Índice de Vulnerabilidade à Saúde do município(1212 Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Índice de Vulnerabilidade Social 2012. Belo Horizonte: PBH; 2012.).

Fonte de dados

Escolha intencional de CCC e seus familiares residentes na regional Norte, gestores e profissionais dos serviços de saúde, educação e assistência social do município(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Coleta e organização dos dados

A produção de dados ocorreu entre janeiro de 2015 e abril de 2016. Na fase exploratória foram realizadas 22 entrevistas com gestores e profissionais, assim como 9 observações em eventos para compreender o contexto municipal e regional em relação às ações propostas para as CCC, às dificuldades para a efetivação e à defesa dos direitos dessas crianças. Essa fase também possibilitou a definição dos seguintes serviços para a identificação das crianças: centros de saúde, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Serviço de Proteção Social à Pessoa com Deficiência (SPSPD), escola regular (equipe de apoio à inclusão da pessoa com deficiência) e Conselho Tutelar(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.). Realizaram-se reuniões com gestores e profissionais destes serviços para apresentar a pesquisa e discutir os critérios de indicação das crianças, foram estes: ter condição crônica(22 Stein RE. The 1990s a decade of change in understanding children with ongoing conditions. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011;165(10):880-3. https://doi.org/10.1001/archpediatrics.2011.165
https://doi.org/10.1001/archpediatrics.2...
) e experiências diversas em relação à garantia dos direitos sociais pela família(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Foram indicadas 103 crianças, buscou-se contato telefônico com as famílias, visando variedade de indicação por setor, faixa etária, condição de saúde e acesso aos serviços(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.). Foi considerada a importância em estudos qualitativos de aspectos da dimensão sociocultural que tornam os casos específicos, expressados por meio de valores, crenças, opiniões, representações, formas de relação, comportamentos e práticas, revelando dialética entre o grupo e o indivíduo(1010 Stake RE. The art of case study research. Thousand Oaks: SAGE, 1995. 175 p.). O contato com diversas famílias foi impossibilitado devido à incompletude dos dados informados pelos profissionais e às mudanças de endereço e telefone. Inicialmente, 7 familiares foram contatados e demonstraram interesse em participar, sendo agendada visita domiciliar com 4 que apresentaram disponibilidade imediata(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Na visita ao domicílio, foram realizadas entrevista com os familiares responsáveis pela criança e observação da rotina familiar. A partir disso, efetuaram-se contatos telefônicos quinzenais com os familiares para informar sobre a criança (condição de saúde, acesso e utilização dos serviços e obtenção de insumos), bem como agendar observações. Realizaram-se observações das vivências da criança e de sua família nos espaços sociais e serviços indicados em suas trajetórias. A partir da observação no serviço, foram realizadas entrevistas com profissionais mencionados pela família que realizavam atendimento à criança. Verificou-se a necessidade de interromper a produção de dados com dois irmãos e sua mãe, devido à Síndrome do X Frágil, uma condição de origem genética, informada pela mãe, que também apresentava comprometimento intelectual. Isto dificultou o acompanhamento das vivências da família por meio de entrevistas e conversas do cotidiano, configurando critério de exclusão(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Durante a inserção em campo, cada um dos 3 casos foi acompanhado por aproximadamente 4 meses, totalizando 13 entrevistas e 5 observações(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.). A partir da inclusão dos participantes e da produção de dados progressiva, confrontada com a teoria relativa ao objeto de estudo, verificou-se que as informações produzidas eram suficientes para propiciar reincidência e complementaridade das informações. Definiu-se, então, pela interrupção da produção de dados. Para garantir o rigor do estudo buscou-se assegurar os seguintes critérios(1313 Guba EG. Criteria for assessing the trustworthiness of naturalistic inquiries. ECTJ. 1981;29(2):75-92.): a) prolongado período em campo para apreender a cultura, desenvolver confiança nos participantes e averiguar informações contraditórias; b) combinação de diferentes fontes (familiares, gestores e profissionais) e técnicas (entrevista e observação) de produção de dados para a compreensão do objeto de estudo; c) busca de inclusão de casos com características diversas para evidenciar a variedade de experiências, assim como a revisão da produção e da análise dos dados pela orientadora e coorientadora.

Análise dos dados

Para a análise dos dados foi utilizada a abordagem da Análise de Discurso Crítica, proposta por Fairclough(1414 Fairclough N. Analysing discourse: textual analysis for social research. New York: Routledge; 2003. 270 p.), que articula as perspectivas social e linguística. As falas gravadas nas entrevistas foram transcritas e revisadas, quanto a sua acurácia em relação aos áudios, pela pesquisadora. Os nomes das CCC e de seus familiares foram substituídos pelos codinomes que esses escolheram para serem identificados. Após a leitura dos textos pela pesquisadora, foi realizada a seleção dos trechos a serem analisados e sua codificação. Utilizou-se o software MaxQDA para organização dos dados e codificação. Foi realizada validação por consenso da codificação pela orientadora e coorientadora(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Considerando a linguística como instrumento para a crítica social, foram utilizadas as categorias analíticas: vocabulário para análise textual; interdiscursividade para análise da prática discursiva; e efeitos ideológicos e políticos do discurso para análise da prática social. Foram considerados o significado representacional, relacionado aos discursos, revelados por valores, crenças e ideias utilizados para representar aspectos do mundo. E o significado identificacional, referente aos estilos, que estão vinculados ao processo de identificação das pessoas por elas mesmas e pelos outros. Os estilos são concretizados pelo vocabulário e pelas categorias modalidade (comprometimento dos atores em relação ao que é verdadeiro ou necessário) e avaliação (comprometimento dos atores em relação ao que é desejável ou indesejável), permitindo analisar o posicionamento dos familiares nas vivências relativas ao cuidado das CCC(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,1414 Fairclough N. Analysing discourse: textual analysis for social research. New York: Routledge; 2003. 270 p.).

RESULTADOS

Nas regionais do município, no setor da saúde, as ações destinadas às CCC eram realizadas nos centros de saúde - pela equipe de saúde da família e pela equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) -, nos centros de especialidades médicas, nas unidades de referência secundária e nos centros de reabilitação. Na assistência social, os CRAS e o SPSPD ofertavam ações, respectivamente, para as crianças vulneráveis e com deficiências. Na educação, as ações para inclusão escolar da criança com deficiência nas escolas municipais eram desenvolvidas pela equipe de apoio a inclusão e pela equipe do Atendimento Educacional Especializado (AEE), com professores especializados que atuavam nas salas multifuncionais promovendo a acessibilidade pedagógica para participação no contexto escolar(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.). Vale ressaltar que na regional Norte, as condições socioeconômicas e de saneamento eram desfavoráveis para parcela importante da população(1212 Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Índice de Vulnerabilidade Social 2012. Belo Horizonte: PBH; 2012.).

A interação entre familiares, gestores e profissionais nas práticas sociais ocasionou experiências diversas de acesso aos serviços e sua utilização, assim como, de participação social, que serão evidenciados por meio do ecomapa e do relato da experiencia de cada família. O acesso de Pablito e de sua família aos serviços e redes sociais foi representado por meio do ecomapa na Figura 1. Pablito tinha 14 anos, era atento e comunicativo, tinha traqueostomia, gastrostomia e os braços e as pernas atrofiadas, dependia de suporte ventilatório, precisava de apoio para as atividades diárias e utilizava cadeira de rodas para se locomover. Ele vivia com a mãe Vitória, 32 anos e a irmã Bárbara, 12 anos. Vitória estava solteira, cursou ensino fundamental incompleto e trabalhou como faxineira, mas há algum tempo não exercia atividade remunerada. Pablito e Bárbara são filhos de companheiros diferentes, ambos falecidos. A renda familiar era composta pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC) do governo federal, no valor de um salário mínimo (R$ 788,00 em 2015) e pelo Bolsa moradia, um auxílio aluguel no valor de R$ 500,00 fornecido pela Prefeitura do município. A família residia em uma casa alugada até dezembro de 2015, quando se mudaram para um “barracão” que Vitória herdou do pai de um dos filhos, sendo interrompido o Bolsa moradia(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Figura 1
Ecomapa de Pablito e família

Pablito foi diagnosticado com distrofia muscular congênita quando tinha 1 ano e 9 meses. Desde então, Vitória organizou o dia a dia em torno do seu cuidado, reduzindo suas atividades de trabalho e lazer devido às demandas do filho. Ela era a cuidadora principal e não contava com apoio familiar. No setor da saúde, na atenção primária, era garantido atendimento periódico por nutricionista do NASF, bem como o acesso irregular a medicamentos e insumos para o cuidado. Na atenção especializada à saúde, Pablito foi encaminhado com aproximadamente 2 anos para o serviço de atendimento domiciliar para crianças com doença neuromusculares do hospital infantil estadual, que contava com equipe de atenção domiciliar. O atendimento em centro de reabilitação foi interrompido por solicitação dessa equipe, devido à dificuldade de transporte com o aparelho respiratório. Aos 14 anos, foi realizada a transferência da assistência de Pablito do hospital infantil estadual para o hospital geral estadual, devido à idade(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

No setor da assistência social, a equipe do SPSPD desenvolvia ações para o fortalecimento do vínculo entre Pablito e a família. Além disso, a profissional de referência do serviço orientou Vitória a respeito dos benefícios que Pablito tinha direito, como o BPC e, também, disponibilizava vales para o transporte coletivo metropolitano, excepcionalmente para atendimento nos serviços da Secretaria Municipal de Saúde. Contudo, como a família mudou de endereço esse serviço interrompeu o acompanhamento, pois a nova residência estava localizada em área CRAS, que deveria assumir o acompanhamento da família. No setor da educação, a equipe de apoio à inclusão assegurava transporte para a escola, auxiliar de apoio para acompanhá-lo e adaptações na infraestrutura de acordo com as suas necessidades. A auxiliar de apoio de Pablito foi treinada pela equipe do programa de atenção domiciliar para realizar os cuidados com traqueostomia(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Para a realização dos atendimentos e a participação social destacaram-se barreiras ao deslocamento, por Pablito ser uma criança cadeirante e dependente de dispositivos tecnológicos. O uso do aparelho respiratório que precisava estar conectado a uma fonte de energia era um limite para que ele saísse de casa. Isso foi resolvido com a obtenção do cabo de bateria portátil compatível com o aparelho. Contudo, Vitória mencionou restrições para fazer deslocamentos longos no transporte público com ele. Outro problema era arcar com o custo do transporte público para visitá-lo no hospital ou quando precisava ir à Secretaria de Saúde resolver questões relativas ao filho(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

O acesso e utilização dos serviços por Pablito, assim como a obtenção de medicamentos e insumos para o cuidado, foram assegurados pela busca de Vitória em conjunto com o apoio de profissionais da regional. Verificou-se articulação intersetorial para a defesa de direitos de Pablito, destacando-se a atuação da conselheira tutelar, com apoio da psicóloga do SPSPD e do gerente de assistência social. Tal como evidenciaram os enunciados de Vitória sobre a obtenção do cabo de bateria compatível com o aparelho respiratório e do benefício bolsa moradia. Esse benefício foi obtido quando ela precisou sair da residência de um companheiro devido a agressões verbais e ameaças de violência feitas por ele à ela e aos filhos. Apenas com a renda do BPC ela não tinha condição de pagar aluguel de um imóvel que atendesse aos critérios do programa de atenção domiciliar e, ainda, custear as despesas da família. Pablito permaneceu em internação social no hospital estadual infantil por 7 meses até a obtenção do bolsa moradia, quando Vitória pode alugar uma casa(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

[…] todo mundo se moveu pra ajudar o Pablito, […] então entrou todo mundo, juntou-se uma equipe toda, […] é uma equipe toda mobilizada. (Vitória)

Os enunciados de Vitória evidenciam a avaliação positiva da atuação conjunta dos profissionais da regional acionada pelos verbos reunir e mobilizar. Verificou-se a importância do apoio da conselheira tutelar e da psicóloga do SPSPD na garantia dos direitos de Pablito. Essas profissionais ressaltaram as exceções realizadas na assistência à família devido à representação que tem de Pablito, configurando como um caso atípico (Profissional de referência do SPSPD) devido a sua condição de saúde, com menor expectativa de vida, assim como à situação socioeconômica da família. Verificaram-se discursos da mulher e da criança como sujeitos de direitos, de cuidado centrado na família e de inclusão social nas justificativas apresentadas pelas profissionais para atuação, além do protocolar das instituições. A prática discursiva das profissionais revelou representação sobre o modo de ação profissional na atenção às CCC com reconhecimento das diferenças(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.):

É um caso que saiu fora da linha de trabalho, pra você ver, é uma criança que não morava em área de risco, conseguiu bolsa moradia, um caso de exceção mesmo, pra garantir o convívio familiar.[...] Então nós fizemos uma reunião em rede [...] e justifiquei que sem esse cabo ele não pode ir a escola e tem outros danos, o dano psicológico, sabe, ele tá sendo impedido da convivência [...] (Conselheira Tutelar)

Eu analiso a situação dela [Vitória] naquele mês, o que ela tem que resolver, na verdade nem poderia fornecer [vale para transporte] pra saúde, pra te falar a verdade, mas assim, considerando a situação. (Psicóloga do SPSPD)

Vitória não destacou alguma dificuldade específica na garantia dos direitos de Pablito, por ser um processo com diferentes fases. Porém, seus enunciados evidenciaram dificuldades no cuidado ocasionadas pelas relações estabelecidas com profissionais do serviço hospitalar que realizavam o atendimento domiciliar. Ela expressou insatisfação por ser desresponsabilizada como mãe, e Pablito ser tratado como propriedade do médico, que tomava para si a autoridade nas decisões relativas ao cuidado. O programa de atenção domiciliar permitiu a Pablito a alta do hospital, criando possibilidades de participação social. Contudo, transferiu para o domicílio os mecanismos disciplinares desenvolvidos no hospital, como evidenciado no enunciado de Vitória sobre a proibição do filho andar de ônibus. Em geral, ela negava estar queixando dos médicos e modalizava suas declarações, que expressavam valores sobre o atendimento à saúde, porém este enunciado evidencia a crítica de Vitória, por meio do uso da ironia e do humor, contestando o discurso médico e os papéis sociais estabelecidos entre médico, mãe e criança. A intertextualidade manisfesta com a voz do médico ressaltou o desrespeito ao seu papel como mãe(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Não to reclamando de médico nenhum, foi a única coisa que o Dr. [nome] me falou, que me deixou assim, meio que, ‘Você tem um filho, você não é responsável por ele, seu filho esta em casa é por minha conta’, então tipo quem manda no seu filho sou eu, então tipo, eu sou uma simples cuidadora do Pablito. [...] são os mesmo médicos, de longa data, igual eu mencionei, Dr [nome], que me proibiu de andar de ônibus, então não tem problema nenhum [risada] com médico, então são tudo tranquilo. [...] Todos os programas que eu mencionei eu não pago nem um centavo, só que se você for olhar, se paga um preço, não em dinheiro, mas é um preço, CARGA. (Vitória)

No decorrer dos anos, de uma postura de sujeição Vitória passou a uma postura de busca e reivindicação, expressando seus valores e críticas ao discurso e prática disciplinar desses profissionais. A análise do significado identificacional na prática discursiva de Vitória evidenciou uma prática social de revolta contra uma cidadania regulada, porém sua resistência às ideologias hegemônicas e ao discurso biomédico era limitada por desconhecer seus direitos, por exemplo, quando desconsiderava que pagava os serviços públicos por meio de impostos(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

O acesso de Campeão e de sua família aos serviços e redes sociais foi representado por meio do ecomapa na Figura 2. Campeão tinha 9 anos, expressão meiga, observava atentamente objetos ou batia palmas repetidamente, sendo difícil despertar sua atenção, comunicava-se por meio de expressões faciais, grunhidos e gestos. Dependia de apoio para alimentar, realizar higiene, ir ao banheiro e se vestir. Andava sozinho, embora tivesse dificuldades para fazer transferências e subir ou descer escadas. Ele morava com a mãe, Feliz de 36 anos e a irmã, Jade de 4 anos. Feliz estava solteira, Campeão e Jade são filhos de companheiros diferentes. Ela completou o ensino médio e trabalhou como vendedora até o nascimento do Campeão. A família reside em casa própria, que é acessível para o deslocamento de Campeão, exceto na escada que ainda não tem corrimão. Não foram verificadas adaptações nos cômodos. A mãe de Feliz reside em construção independente no mesmo lote. A renda familiar era aproximadamente R$ 1.500,00, composta pelo BPC, no valor de um salário mínimo (R$ 788,00 em 2015), e pelo dinheiro que o pai de Jade fornecia mensalmente(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Figura 2
Ecomapa do Campeão e sua família

Campeão teve diagnóstico de síndrome de Down ao nascer e de autismo aos 3 anos. Depois que teve notícia da condição de saúde do filho e dos cuidados que ele precisaria, Feliz passou a dedicar sua vida a ele, renunciou trabalhar fora e organizou sua rotina para o cuidado de Campeão e de Jade. Ela era a cuidadora principal de Campeão, o pai não participava do cuidado. No setor da saúde, na atenção primária, era realizado atendimento apenas pela psiquiatra da equipe complementar de saúde mental. Feliz comprava o medicamento de Campeão, pois ele não era disponibilizado pelo SUS na apresentação em solução. Na atenção especializada, o atendimento de reabilitação era realizado pela clínica da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, vinculada ao SUS, porém a frequência dos atendimentos estava em redução, já tendo sido interrompido o acompanhamento por fisioterapeuta. O atendimento com geneticista era realizado pelo SUS e com cardiologista pelo plano de saúde. Feliz optou por pagar plano de saúde para o filho quando ele ainda era pequeno para realizar os atendimentos especializados(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

No setor da assistência social, as ações do CRAS eram desenvolvidas de acordo com a demanda das famílias. Campeão teve acesso ao BPC e ao Passe Livre no transporte coletivo. No setor da educação, ele estudava na escola municipal, contava com auxiliar de apoio e atendimento pela equipe do AEE. Feliz fazia reinvindicações e buscava a resolução das dificuldades com a equipe de apoio à inclusão da regional. Apenas nesse caso foi verificado acesso a serviço de esporte e lazer. O transporte para a escola e os atendimentos nos serviços era realizado de carro. Feliz indicou que se precisasse utilizar o transporte público, teria dificuldade em manter todos os atendimentos, devido ao tempo de deslocamento e as limitações de Campeão em permanecer no ônibus ou em caminhar distâncias maiores(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

O atendimento nos serviços e a obtenção de recursos para o cuidado de Campeão foi assegurado pela busca persistente de Feliz, sendo potencializado pelo encontro com alguns profissionais que estabeleceram vínculo com ela e Campeão. Ela ressaltou como dificuldades a falta de informação sobre as necessidades do filho e seu cuidado, bem como o preconceito da sociedade que limitava a inclusão social. Como forma de enfretamento, ela buscou informações em organizações não governamentais e o apoio de familiares e profissionais(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Em relação à garantia dos direitos sociais, tanto Feliz quanto as professoras mencionaram os desafios para a inclusão de Campeão na escola regular. Feliz demonstrou compreensão que o filho tinha um tempo diferente de aprendizado e que a escola adequava o método de ensino às suas necessidades. A adequação pedagógica era realizada por meio de estratégias desenvolvidas pela professora do AEE, que tinha formação para tal atuação. Já a professora da escola regular mencionou a falta de informação sobre o tema e a experimentação no dia a dia, permeada de incertezas, visando à construção de um novo modo de atuar para uma prática social de inclusão. As práticas discursivas de ambas as professoras revelaram a defesa da inclusão escolar, porém destaca-se no enunciado da professora do AEE maior reconhecimento das diferenças entre alunos(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Ele, é, hoje vai pra escola, [...] as atividades pedagógicas, tem um tal de abaco lá que ele é doido. Então são brinquedos, tem a forma, é diferenciado a forma dele de trabalhar, porque não adianta eu querer/ inclusão é ele fazer tudo igual? [Feliz]. Muitos dos nossos alunos, eles não vão acessar o currículo iguais aos outros alunos, é:, né, ditos normais, mas, [...] o que eles tem condição de acessar, direito de acessar, cabe a nós pensarmos [...] a gente tá falando de pegar o planejamento que foi feito pra aquela sala, não importa quem esteja ali dentro e adequar a cada aluno que necessita, [...] enquanto profissional da educação é isso que a gente tem que buscar o tempo todo, conseguir enxergar cada aluno com a sua diferença. (Professora do AEE)

A gente sabe que emocionalmente eu já consegui bastante coisa. Mas eu queria ver se no papel, se eu vou conseguir alguma coisa, [...] O meu grande desafio é esse, eu quero poder falar e ele entender. E:, a falta de informação que a gente tem né? (Professora da escolar regular)

Na relação com o auxiliar de apoio verificaram-se obstáculos para inclusão de Campeão devido à dificuldade em lidar com o comportamento dele e à rotatividade ou indisponibilidade de profissionais. Durante alguns dias, quando não tinha auxiliar para acompanhá-lo, a diretora disse a Feliz que ele não poderia permanecer na escola. Nesta situação, verificou-se conotação inferiorizante às diferenças de Campeão, que remete ao discurso escolar tradicional. Evidenciou-se que a inclusão escolar é garantida circunstancialmente, já que depende da reivindicação do familiar e da postura de alguns profissionais para ser efetivada na realidade(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

[...] ele já tava sentado no ambiente dele e ai eu virava pra ela [diretora] e falava assim com ela ‘Cê vai mandar todos embora? Todos vão ou é só o meu? Que inclusão é essa? Não cê quer que eu levo? Tô levando agora, mas tô saindo daqui e vou lá na regional, vai ficar pequeno lá pra mim hoje, porque eu não conheço isso como inclusão social. (Feliz)

Feliz ficou indignada, referiu ao discurso de inclusão e reivindicou o direito dele permanecer na escola, sendo responsabilidade do sistema educacional garantir adequações e apoio para atender suas necessidades. Foram verificadas em seu discurso a noção do filho enquanto sujeito de direitos e a luta pela efetivação desses direitos. A análise do significado identificacional na prática discursiva de Feliz revelou uma prática social de cidadania emancipatória, marcada pela busca de informações, dedicação a atender as necessidades do filho, reivindicação por seus direitos e luta pelo seu reconhecimento social(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Figura 3
Ecomapa de Pequeno Príncipe e sua família

Pequeno Príncipe tinha 14 anos, era emagrecido, apresentava alterações na postura e limitações da movimentação dos membros superiores e inferiores, com aumento do tônus muscular. Por vezes sorria, reagindo a estímulos sonoros e físicos, e emitia grunhidos. Dependia de apoio para as atividades diárias e utilizava cadeira de rodas para se locomover. Ele vivia com a mãe, Esther de 31 anos, o pai, Miguel de 35 anos e as três irmãs. No início de 2016 nasceu mais um irmãozinho. Os pais têm ensino fundamental incompleto, Miguel atuava como vendedor autônomo e Esther se dedicava a rotina de cuidados. A mãe de Miguel auxiliava olhando as crianças quando eles precisavam sair. A família residia em uma casa construída no lote cedido pela mãe de Miguel, onde ela também tem sua casa. As portas e o espaço de circulação dentro dos cômodos eram estreitos, dificultando o deslocamento com cadeira de rodas no primeiro andar. Não havia rampa para o segundo andar, apenas escada. Miguel carregava Pequeno Príncipe entre os cômodos. Não foram verificadas adaptações. A renda familiar era composta pelo Benefício de Prestação Continuada do Governo Federal no valor de um salário mínimo (R$ 788,00 em 2015), pelo Bolsa Família e complementada pelo valor obtido por Miguel com a venda de CD /DVD (aproximadamente 500 reais)(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Pequeno Príncipe foi diagnosticado com paralisia cerebral aproximadamente aos 3 meses, devido a complicações de icterícia. Posteriormente, aproximadamente aos 10 anos, ele desenvolveu luxação de quadril à direita. Após o diagnóstico da condição crônica do filho, os pais se organizaram compartilhando o cuidado de Pequeno Príncipe e dos outros filhos. No setor da saúde, eram desenvolvidas ações pela equipe de saúde da família e do NASF no Centro de Saúde ou no domicílio. Os pais precisavam comprar medicamentos para Pequeno Príncipe. Apesar do encaminhamento pela Atenção Primária, foi verificado prolongado tempo de espera para consulta com neurologista e ortopedista. O atendimento de reabilitação foi interrompido aproximadamente aos dez anos. O acesso aos atendimentos de urgência e emergência na UPA e pelo SAMU, assim como a internação hospitalar, foram realizados ocasionalmente devido à insuficiência respiratória(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

No setor da assistência social, a oferta de ações pelo CRAS era desenvolvida de acordo com a demanda da família. A família de Pequeno Príncipe teve acesso ao BPC e ao Bolsa Família. No setor da educação existiam dificuldades, por exemplo, na escola regular para o atendimento às necessidades e a adequação de atividades de forma a inclui-lo na sala de aula. Como a dor da luxação piorava quando ele estava assentado na cadeira de rodas, os pais optaram por retirá-lo da escola. Eles relataram obstáculos para o deslocamento com o filho no transporte público, por ser cadeirante e devido à dor e agitação que gerava, o que restringia sair com o filho para atendimento em serviços e, também, para participação em atividades de lazer. Assim sendo, a criança permanecia a maior parte do tempo no quarto assistindo televisão(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Na busca para atender às necessidades do filho, os pais contaram com menor suporte nas redes institucionais e comunitárias, sendo este apoio, principalmente, dos profissionais da atenção primária, como evidenciado no ecomapa. Os familiares ressaltaram a preocupação e o sofrimento que sentiram nos momentos em que o filho precisou ser internado por insuficiência respiratória. Em relação à garantia dos direitos sociais de Pequeno Príncipe, foram identificadas diversas barreiras, sobretudo, para o acesso aos serviços especializados da saúde. Destacaram-se dos relatos dos pais, gestores e profissionais da atenção primária: a integração ineficiente entre as equipes dos serviços; equipe do NASF responsável pelo atendimento de um número excessivo de famílias e sem fonoaudiólogo; oferta insuficiente para a demanda de atendimentos nos serviços especializados, principalmente de profissionais com especialidade pediátrica; escassa contrarreferência para a atenção primária; distância dos serviços associada à dificuldade de deslocamento com a criança cadeirante no transporte coletivo; indisponibilidade de transporte vinculado ao setor da saúde para o deslocamento das crianças com deficiência aos serviços de reabilitação ou de especialidades. Além disso, evidenciou-se uma tendência nos serviços especializados de dar alta para as crianças com deficiência aproximadamente aos 10 anos, devido à restrição de oferta de serviços de reabilitação, sendo priorizadas as crianças mais novas por terem melhores resultados em relação à funcionalidade(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

E nas clínicas [de reabilitação] também as crianças chegam com idade de ١٠... ٩ anos, eles dão alta porque ai é manutenção. Então assim, os pais já estão orientados a fazer os exercícios... E tudo. Então é manutenção disso. Não tem mais aquele GAANHO, que o ganho mesmo é inicial, né? (Fisioterapeuta do NASF)

A responsabilidade da realização dos exercícios foi, então, transferida para os pais. Miguel demonstrou o entendimento que essa lógica também influenciou a opção dos ortopedistas por a não realização da cirurgia de quadril. Ele considerava que a cirurgia poderia ter contribuído para reduzir o desconforto e a dor do filho, discordando da decisão. Os valores apresentados pelos pais, em relação a uma prática desejável, remetem ao discurso de humanização e de cuidados paliativos(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Ele [ortopedista] falou assim que ele não precisaria operar não porque ele é cadeira de rodas mesmo [...] cê vê que a pessoa tá com dor lá, com, com deformações na coluna, mais eles não fazem, eles faz que é tipo assim, a pessoa não vai evoluir em nada, vou fazer uma operação só pra melhorar ela só um pouquinho só? (Miguel)

A gente tinha que ter um acompanhamento, [...] igual o caso dele que não pode sair pra fazer a fisioterapia, eles tinham que mandar uma pessoa, pra vim fazer fisioterapia, nos ajudar né? (Esther)

A dor de Pequeno Príncipe ocasiou a restrição progressiva de sua qualidade de vida e participação social, perturbando os pais. A fisioterapeuta e o médico mencionaram a importância do apoio emocional à família diante dessa situação, porém o enunciado do médico revelou contradições a respeito do relato dos pais quanto à qualidade de vida de Pequeno Príncipe(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Então é um quadro que a gente não vai ter assim uma melhora significativa né, mas a gente tem que ter sempre uma melhora na qualidade de vida dele [...] Então assim, ele é um paciente muito bem cuidado, e que tem né, por isso, uma qualidade de vida dos pacientes da situação dele boa, pelos cuidados que ele tem na família e a família sempre em contato com a gente ai então tem uma situação bem, eh, falo assim confortável né. [...] Eu acredito que o caso de maior dificuldade é a questão dos pais, de um conforto, de uma tranquilidade aos pais né, porque eu acredito que os pais sempre querem o melhor, queiram a cura, queira a melhora. Então às vezes é mais difícil a gente conseguir controlar essa ansiedade, esse anseio dos pais, em relação ao sofrimento da criança ou quadro da criança. (Médico da equipe de saúde da família)

A conduta dos profissionais direcionada a cura ou desenvolvimento funcional, com base em critérios de normalidade do discurso biomédico, evidenciou a predominância da ideologia de normalização. O que limita a perpectiva de ações para um adolescente com paralisia cerebral e declínio de funções, bem como de estruturas do corpo. Verificou-se uma noção vaga dos pais sobre os direitos de cidadania do filho. A análise do significado identificacional na prática discursiva de Miguel e Esther revelou uma prática social em busca do cuidado do filho, com insuficiente capacidade de mobilização de recursos. Enquanto pais e cuidadores, embora manifestassem sua indignação, ainda permaneciam com identidades submetidas ao domínio da racionalidade cognitivo-instrumental e à ideologia de normalização que produz a exclusão social de Pequeno Príncipe(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

DISCUSSÃO

Foram verificados obstáculos nos processos de institucionalização e subjetivação dos direitos das CCC, em relação à efetivação das políticas sociais. A institucionalização trata do aparato institucional, incluindo saberes e práticas, para implementar a política de saúde(1515 Fleury S. Educação Popular e questões de poder. Interface (Botucatu). 2014;18(Suppl 2):1489-92. https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0607
https://doi.org/10.1590/1807-57622013.06...
). No que concerne a esse processo, a proposta de organização dos serviços e ações no município apresentava conformidade com a legislação nacional(77 Tavares TS, Duarte ED, Sena RR. Social rights of children with chronic conditions: a critical analysis of Brazilian public policies. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160382. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0382
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
) e inovou na definição de algumas estratégias para efetuar as políticas sociais, porém com oferta insuficiente para a demanda(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

No setor da saúde foram verificadas restrições na oferta de atendimentos pelas equipes do NASF na atenção básica, por especialidades médica e reabilitação na atenção especializada. A integração entre atenção básica e especializada era restrita. Medicamentos de uso contínuo pelas CCC não eram disponibilizados pela farmácia do SUS. Além disso, não era oferecido transporte para os serviços de saúde que não eram ofertados na regional de residência, como aqueles destinados à reabilitação. No setor da assistência social, o número de CRAS era menor que o previsto considerando as áreas de vulnerabilidade da regional, e as equipes não realizavam ações sistemáticas para as crianças com deficiência e sua família, atendendo apenas por demanda. As ações do SPSPD contemplavam as crianças com deficiência, mas as equipes não atuavam nas áreas de abrangência dos CRAS. Na educação, o número de veículos para o transporte dos alunos com mobilidade reduzida para a escola era insuficiente. Vale destacar que os serviços da assistência social e da educação desenvolviam estratégias direcionadas para crianças com deficiência, não abrangendo as crianças com doenças crônicas. Devido à mesma lógica de organização no setor do transporte, as crianças com doenças crônicas não tinham direito ao passe para gratuidade no transporte público, embora também precisassem frequentemente deslocar para atendimentos nos serviços. No setor de esporte e lazer, a oferta de apenas um centro de referência esportiva destinado às pessoas com deficiência para todo o município era irrisória para a demanda(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

A subjetivação refere-se à constituição de sujeitos políticos mediante a construção de identidades individuais e de grupos que rompem com a alienação, por meio da construção de uma estratégia de transformação social e ruptura com as relações de opressão(1515 Fleury S. Educação Popular e questões de poder. Interface (Botucatu). 2014;18(Suppl 2):1489-92. https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0607
https://doi.org/10.1590/1807-57622013.06...
). Em relação a esse processo, nas práticas discursivas e sociais dos gestores e profissionais evidenciaram-se dificuldades impostas por valores, discursos e relações que reproduzem opressão: a) o discurso biomédico e o poder disciplinar na definição de planos de cuidado centrados na doença e no controle do corpo por meio da vigilância, perpetuando a lógica da atenção hospitalar na comunidade; b) o discurso assistencialista evidenciado pela redução da assistência social ao provimento de condições de sobrevivência; c) e a lógica de normalidade associada à racionalidade cognitivo-instrumental, que priorizava o atendimento das crianças com probabilidade de cura ou de desenvolvimento funcional e limitava a inclusão daquelas que estavam fora da norma nos serviços de saúde e educação. Nas práticas discursivas e sociais dos familiares foram constatadas dificuldades, para a constituição de sujeitos políticos, relacionadas à sobrecarga do cuidado, restrito apoio social e pouco acesso à informação(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Diversos desses obstáculos têm sido constatados por estudos nacionais sobre a atenção à saúde, assistência social e educação das CCC(44 Tavares TS, Sena RR, Duarte ED. Implications for nursing care concerning children discharged from a neonatal unit with chronic conditions. Rev Rene. 2016;17(5):659-67. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000500011
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20160...
-55 Nóbrega VM, Silva MEA, Fernandes LTB, Viera CS, Reichert APS, Collet N. Chronic disease in childhood and adolescence: continuity of care in the Health Care Network. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03226. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016042503226
https://doi.org/10.1590/s1980-220x201604...
,1616 Vaz EMC, Collet N, Cursino EG, Forte FDS, Magalhães RKBP, Reichert APS. Care coordination in Health Care for the child/adolescent in chronic condition. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 6):2612-19. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0787
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...

17 Nóbrega VM, Reichert APS, Viera CS, Collet N. Longitudinality and continuity of care for children and adolescents with chronic diseases. Esc Anna Nery. 2015;19(4):656-63. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150088
https://doi.org/10.5935/1414-8145.201500...

18 Cabral IE, Moraes JRMM. Family caregivers articulating the social network of a child with special health care needs. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1078-85. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680612i
https://doi.org/10.1590/0034-7167.201568...

19 Duarte ED, Silva KL, Tavares TS, Nishimoto CLJ, Silva PM, Sena RR. Care of children with a chronic condition in primary care: challenges to the healthcare model. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):1009-17. https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003040014
https://doi.org/10.1590/0104-07072015000...

20 Batista Jr JR, Sato DTB. Educação inclusiva no Brasil: discursos e práticas de letramento. Discurso Soc [Internet]. 2015;9(Spec No 1-2):201-21. Available from: http://www.dissoc.org/ediciones/v09n01-2/DS9(1-2)Ribamar&Borges.pdf
http://www.dissoc.org/ediciones/v09n01-2...
-2121 Costa NR, Marcelino MA, Duarte CMR, Uhr D. Social protection and people with disabilities in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(10):3037-47. https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.18292016
https://doi.org/10.1590/1413-81232015211...
). Os resultados deste estudo indicaram, no campo socioeconômico, a persistência de estruturas e recursos insuficientes para a efetivação das políticas sociais, devido ao subfinanciamento, restringindo a oferta e a qualidade do atendimento. A redução dos investimentos estatais é típica do estado mínimo e sinaliza a subordinação das políticas sociais à hegemonia da ideologia neoliberal e de sua lógica produtivista. No campo cultural e social, foi evidenciada a manutenção da lógica de classificação social, que desencadeia processos de exclusão das CCC, sobretudo daquelas com deficiência, inferiorizadas pelos critérios de normalidade(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,99 Santos BS. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. 511 p.). Embora nas legislações seja garantido o reconhecimento legal das CCC(77 Tavares TS, Duarte ED, Sena RR. Social rights of children with chronic conditions: a critical analysis of Brazilian public policies. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160382. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0382
https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-20...
), na realidade o predomínio das ideologias neoliberal e de normalização comprometem o reconhecimento destas crianças nas relações sociais e a redistribuição econômica e social(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,99 Santos BS. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. 511 p.).

Na sociologia das ausências, a ecologia dos reconhecimentos confronta-se com a lógica de classificação social do capitalismo(99 Santos BS. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. 511 p.), na qual ocorre a desqualificação das CCC sendo atribuída uma conotação inferiorizante à diferença, identificada como desigualdade(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,99 Santos BS. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. 511 p.). Esse confronto foi realizado por meio da luta dos familiares pelo reconhecimento dessas crianças e sua emancipação social, na qual combatiam as formas de opressão e dominação(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.). Estudos sobre a resiliência familiar diante de uma situação de crise, como a notícia da condição crônica do filho, indicam a influência de diversos fatores para a adaptação familiar(2222 Hall HR, Neely-Barnes SL, Graff JC, Krcek TE, Roberts RJ, Hankins JS. Parental stress in families of children with a genetic disorder / disability and the resiliency model of family stress adjustment and adaptation. Issues Compr Pediatr Nurs. 2012;35(1):24-44. https://doi.org/10.3109/01460862.2012.646479
https://doi.org/10.3109/01460862.2012.64...
). De acordo com as variações desses fatores, cada família participante do estudo vivenciou um processo de adaptação singular. Nos casos de Vitória e Feliz possibilitou o desenvolvimento de estratégias para assegurar os direitos dos filhos. Vale destacar o suporte social enquanto fator que contribuiu para a adaptação, ao ser garantido pelas instituições estatais, por meio das relações interpessoais e do compartilhamento de informações(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

As crianças deste estudo estão incluídas nos sistemas de desigualdade e exclusão devido às condições socioeconômicas das famílias e pelo desvio dos critérios de normalidade(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.,99 Santos BS. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. 511 p.). Sem ações para a distribuição do acesso às instituições sociais, o desenvolvimento das capacidades das famílias e a inclusão social dessas crianças, o provimento do benefício de prestação continuada permite apenas a integração pelo consumo(1515 Fleury S. Educação Popular e questões de poder. Interface (Botucatu). 2014;18(Suppl 2):1489-92. https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0607
https://doi.org/10.1590/1807-57622013.06...
). O acesso à informação é uma das condições fundamentais para possibilitar a participação, evitando uma situação de cidadania bloqueada(2323 Santos BS. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2007. 126p.), e poderia ser propiciado pelos profissionais das instituições sociais, de forma a incrementar o capital social dessas famílias, como verificado em relação a Vitória e Feliz. Nesses casos, os profissionais contribuíram com informações sobre as instituições e os recursos da rede, o que possibilitou ou potencializou condições de participação e luta por direitos, mesmo que os familiares não demonstrassem apropriação do discurso legal(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

Limitações do estudo

Os casos estudados evidenciam experiências propiciadas por encontros entre familiares, gestores e profissionais em um determinado espaço tempo. Foi desenvolvida a análise de cada caso e, em seguida, a análise por meio deles, que permitisse a transferibilidade das análises para outros contextos, devendo ser considerados as características do cenário e da população(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.). Considerando a proposta de investigação em profundidade do estudo de caso etnográfico, o número de participantes não permite generalizações dos resultados, sendo oportuna a realização de outros estudos do tema.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Faz-se necessário priorizar a implementação das políticas sociais para assegurar os direitos das CCC, propiciando financiamento adequado que permita ampliar a oferta de serviços de acordo com a demanda e atuação intersetorial. A fim de qualificar o cuidado, é importante romper com as ideologias neoliberais e de normalização na formação dos profissionais que atuam nas instituições de saúde, assistência social e educação. Assim como, propiciar informações aos familiares das CCC para que se constituam enquanto sujeitos políticos em luta pelos direitos dessas crianças. Em relação à prática de gestores e profissionais, incluindo os profissionais da enfermagem, é imprescindível buscar caminhos para sua maior participação no cuidado das CCC, considerando o reconhecimento das diferenças e o atendimento de suas necessidades específicas(11 Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A interação entre familiares, gestores e profissionais nas práticas sociais ocasionou configurações diversas de acesso às instituições sociais e de sua utilização, bem como a participação social para as CCC, de acordo com as lutas desenvolvidas pelos participes para reconhecimento destas crianças e garantia de seus direitos. Os encontros entre familiares, gestores e profissionais, quando orientados pela ideologia de direitos humanos e discurso de reconhecimento da diferença, potencializaram a efetivação dos direitos promulgados nas legislações, porém, quando vinculados à ideologia da normalização e discurso biomédico, revelaram obstáculos para a cidadania em uma perspectiva emancipatória. Nessa perspectiva, o pleno exercício dos direitos das CCC requer acesso aos serviços públicos, a utilização com efetividade, o reconhecimento das diferenças no atendimento e a continuidade dos cuidados. Para promover a cidadania, o cuidado das CCC exige nas práticas de familiares, gestores e profissionais a construção de subjetividades que rompam com as ideologias hegemônicas e reconheçam essas crianças como sujeitos de direitos, atuando para a defesa de seu bem-estar e inclusão social.

  • ERRATUM

    Article “Guarantee of the social rights of children with chronic conditions: reinventing care towards civil rights”, with number of DOI: https://doi.org/10.1590/0034-7167-2019-0136, published in the journal Revista Brasileira de Enfermagem, 74(Suppl 4): e20190136, on the front page. Figures 2 and 3 are in reverse order, keeping only the titles.
    Where did you see:
    See:

REFERENCES

  • 1
    Tavares TS. O cuidado às crianças com condições crônicas e a garantia de seus direitos sociais [Tese]. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2017. 221 p.
  • 2
    Stein RE. The 1990s a decade of change in understanding children with ongoing conditions. Arch Pediatr Adolesc Med. 2011;165(10):880-3. https://doi.org/10.1001/archpediatrics.2011.165
    » https://doi.org/10.1001/archpediatrics.2011.165
  • 3
    Glass HC, Costarino AT, Stayer SA, Brett CM, Cladis F, Davis PJ. Outcomes for extremely premature infants. Anesth Analg. 2015;120(6):1337-51. https://doi.org/10.1213/ANE.0000000000000705
    » https://doi.org/10.1213/ANE.0000000000000705
  • 4
    Tavares TS, Sena RR, Duarte ED. Implications for nursing care concerning children discharged from a neonatal unit with chronic conditions. Rev Rene. 2016;17(5):659-67. https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000500011
    » https://doi.org/10.15253/2175-6783.2016000500011
  • 5
    Nóbrega VM, Silva MEA, Fernandes LTB, Viera CS, Reichert APS, Collet N. Chronic disease in childhood and adolescence: continuity of care in the Health Care Network. Rev Esc Enferm USP. 2017;51:e03226. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016042503226
    » https://doi.org/10.1590/s1980-220x2016042503226
  • 6
    Woodgate RL, Edwards M, Ripat JD, Borton B, Rempel G. Intense parenting: qualitative study detailing the experiences of parenting children with complex care needs. BMC Pediatr. 2015;15:197. https://doi.org/10.1186/s12887-015-0514-5
    » https://doi.org/10.1186/s12887-015-0514-5
  • 7
    Tavares TS, Duarte ED, Sena RR. Social rights of children with chronic conditions: a critical analysis of Brazilian public policies. Esc Anna Nery. 2017;21(4):e20160382. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0382
    » https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2016-0382
  • 8
    Marshall TH. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. 220 p.
  • 9
    Santos BS. A gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo: Cortez, 2010. 511 p.
  • 10
    Stake RE. The art of case study research. Thousand Oaks: SAGE, 1995. 175 p.
  • 11
    Nascimento LC, Rocha SMM, Hayes VE. Contribuições do genograma e do ecomapa para o estudo de famílias em enfermagem pediátrica. Texto Contexto Enferm. 2005;14(2):280-86. https://doi.org/10.1590/S0104-07072005000200017
    » https://doi.org/10.1590/S0104-07072005000200017
  • 12
    Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Índice de Vulnerabilidade Social 2012. Belo Horizonte: PBH; 2012.
  • 13
    Guba EG. Criteria for assessing the trustworthiness of naturalistic inquiries. ECTJ. 1981;29(2):75-92.
  • 14
    Fairclough N. Analysing discourse: textual analysis for social research. New York: Routledge; 2003. 270 p.
  • 15
    Fleury S. Educação Popular e questões de poder. Interface (Botucatu). 2014;18(Suppl 2):1489-92. https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0607
    » https://doi.org/10.1590/1807-57622013.0607
  • 16
    Vaz EMC, Collet N, Cursino EG, Forte FDS, Magalhães RKBP, Reichert APS. Care coordination in Health Care for the child/adolescent in chronic condition. Rev Bras Enferm. 2018;71(Suppl 6):2612-19. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0787
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0787
  • 17
    Nóbrega VM, Reichert APS, Viera CS, Collet N. Longitudinality and continuity of care for children and adolescents with chronic diseases. Esc Anna Nery. 2015;19(4):656-63. https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150088
    » https://doi.org/10.5935/1414-8145.20150088
  • 18
    Cabral IE, Moraes JRMM. Family caregivers articulating the social network of a child with special health care needs. Rev Bras Enferm. 2015;68(6):1078-85. https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680612i
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167.2015680612i
  • 19
    Duarte ED, Silva KL, Tavares TS, Nishimoto CLJ, Silva PM, Sena RR. Care of children with a chronic condition in primary care: challenges to the healthcare model. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):1009-17. https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003040014
    » https://doi.org/10.1590/0104-0707201500003040014
  • 20
    Batista Jr JR, Sato DTB. Educação inclusiva no Brasil: discursos e práticas de letramento. Discurso Soc [Internet]. 2015;9(Spec No 1-2):201-21. Available from: http://www.dissoc.org/ediciones/v09n01-2/DS9(1-2)Ribamar&Borges.pdf
    » http://www.dissoc.org/ediciones/v09n01-2/DS9(1-2)Ribamar&Borges.pdf
  • 21
    Costa NR, Marcelino MA, Duarte CMR, Uhr D. Social protection and people with disabilities in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. 2016;21(10):3037-47. https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.18292016
    » https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.18292016
  • 22
    Hall HR, Neely-Barnes SL, Graff JC, Krcek TE, Roberts RJ, Hankins JS. Parental stress in families of children with a genetic disorder / disability and the resiliency model of family stress adjustment and adaptation. Issues Compr Pediatr Nurs. 2012;35(1):24-44. https://doi.org/10.3109/01460862.2012.646479
    » https://doi.org/10.3109/01460862.2012.646479
  • 23
    Santos BS. Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo, 2007. 126p.

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2019
  • Aceito
    15 Set 2019
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br