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Um marco conceitual da clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva1 1 Artigo extraído da tese de doutorado "Estilos de cuidar na terapia intensiva em face das tecnologias: uma contribuição à clínica do cuidado de enfermagem", apresentada à Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 200554/2011-5.

Resumos

Objetivo:

propor um marco conceitual para uma clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva.

Método:

pesquisa de campo, descritiva e qualitativa, realizada com 21 enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva de um hospital público federal. Realizou-se entrevista semiestruturada e análise de conteúdo temático e lexical, com apoio do software Alceste.

Resultados:

os elementos que caracterizam a clínica do cuidado na terapia intensiva emergem dos saberes especializados, da interação, do contexto do trabalho, dos tipos de paciente e de enfermeiro, próprios da terapia intensiva, e dos referenciais assistenciais.

Conclusão:

conclui-se que o marco conceitual da clínica do cuidado de terapia intensiva articula elementos próprios da dinâmica desse cenário: objetivos em relação às tecnologias e atenção aos equipamentos e subjetivos relacionados à interação humana, específicos dos cuidados de enfermagem, contrapondo-se às críticas pautadas na desumanização.

Cuidado de Enfermagem; Unidades de Terapia Intensiva; Tecnologia Biomédica


Objective:

to propose a conceptual framework for clinical nursing care in intensive care.

Method:

descriptive and qualitative field research, carried out with 21 nurses from an intensive care unit of a federal public hospital. We conducted semi-structured interviews and thematic and lexical content analysis, supported by Alceste software.

Results:

the characteristics of clinical intensive care emerge from the specialized knowledge of the interaction, the work context, types of patients and nurses characteristic of the intensive care and care frameworks.

Conclusion:

the conceptual framework of the clinic's intensive care articulates elements characteristic of the dynamics of this scenario: objective elements regarding technology and attention to equipment and subjective elements related to human interaction, specific of nursing care, countering criticism based on dehumanization.

Nursing Care; Intensive Care Units; Biomedical Technology


Objetivo:

proponer un marco conceptual para una clínica del cuidado de enfermería en la terapia intensiva.

Método:

investigación de campo, descriptiva y cualitativa, desarrollada con 21 enfermeros de una unidad de terapia intensiva de un hospital público federal. Fue llevada a cabo entrevista semiestructurada y análisis de contenido temático y lexical, con apoyo delsoftwareAlceste.

Resultados:

los elementos que caracterizan la clínica del cuidado en la terapia intensiva emergen de los saberes especializados, de la interacción, delcontexto del trabajo, de los tipos de paciente y de enfermero, propios de la terapia intensiva, y de los referenciales asistenciales.

Conclusión:

se concluye que el marco conceptual de la clínica del cuidado de terapia intensiva articula elementos propios de la dinámica de ese escenario: objetivos con relación a las tecnologías y atención a los equipos y subjetivos relacionados a la interacción humana,específicos de los cuidados de enfermería, contraponiéndose a las críticas pautadas en la deshumanización.

Atención de Enfermería; Unidades de Terapia Intensiva; Tecnología Biomédica


Introdução

A temática da clínica na enfermagem é abordada de diferentes formas que vão desde a discussão da constituição de um conhecimento clínico orientador da prática do enfermeiro( 1. Matumoto S, Fortuna CM, Kawata LS, Mishima SM, Pereira MJB. Nurses' Clinical Practice in Primary Care: a Process Under Construction. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011;19(1):123-30. ), perpassando a formação clínica e seus nexos com a produção do cuidado( 2. Vieira NA, Silveira LC, Franco TB. A formação clínica e a produção do cuidado em saúde e na enfermagem. Trab Educ Saúde. 2011;9(1):9-24. ) até chegar a um conceito de clínica na enfermagem( 3. Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. O processo de trabalho e a clínica na enfermagem: pensando novas possibilidades. Rev Enferm UERJ. 2009;17(4):521-6. ). As publicações da enfermagem brasileira sobre tal tema tratam da pesquisa clínica como subsídio ao cuidado e também sobre o próprio cuidado que subsidia a pesquisa clínica( 4. Sousa LD, Lunardi Filho WD, Lunardi VL, Santos SSC, Santos CP. A produção científica de enfermagem acerca da clínica: uma revisão integrativa. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2): 495-500. ). Há também preocupação com esse tema no campo da enfermagem psiquiátrica no intuito de se delinear uma clínica específica dessa área( 5. Moreira LHO, Loyola CMD. Internação involuntária: as implicações para a clínica da enfermagem psiquiátrica. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(3):692-9. ).

Considera-se que a clínica na enfermagem ocorra numa relação de cuidado entre dois sujeitos, agentes transformadores do ato de cuidar. Essa clínica está centrada no cuidado e inclui o saber, as necessidades e desejos do outro( 3. Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. O processo de trabalho e a clínica na enfermagem: pensando novas possibilidades. Rev Enferm UERJ. 2009;17(4):521-6. ). Todavia, pouco se tratou do debate de uma clínica de enfermagem relacionada aos modos de cuidar do enfermeiro, o que conduz à necessidade de se investigar sobre o que fazem os enfermeiros ou o que precisa ser feito numa determinada área de atuação para alcance do cuidado.

A incorporação de tecnologias de processo aos modos de agir do enfermeiro ante o cliente vem sendo proposta à clínica do cuidado de enfermagem, foco deste artigo. Assim, no idoso, em especial, a clínica pauta-se na valorização da cultura e na dialogicidade na configuração de um cuidado compartilhado( 6. Teixeira MLO, Ferreira MA. Cuidado compartilhado: uma perspectiva de cuidar do idoso fundamentada na educação em saúde. Texto Contexto Enferm. 2009;18(4):750-8. ). Internacionalmente a clínica da enfermagem é considerada indefinida, pois seus saberes não são próprios, os métodos difíceis de identificar e os instrumentos inscritos no campo médico( 7. Etienne MS. Éléments d'une clinique en soins. RSI. 2005; (82):11-5. ).

A clínica da enfermagem na terapia intensiva apresenta particularidades da atuação profissional nesse cenário que conformam a dinâmica de cuidado dos enfermeiros. Cita-se como uma delas a objetividade tecnológica marcada nas ações dos profissionais, indicando posicionamentos diferenciados sobre os modos de agir dos enfermeiros intensivistas em face das tecnologias( 8. Backes MTS, Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. O cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva. Esc Anna Nery. 2012;16(4):689-96. - 9. Browne M, Cook P. Inappropriate trust in technology: implications for critical care nurses. Nurs Crit Care. 2011;16(2):92-8. ), colocando-as no alvo de críticas.

Entender tal problemática remete ao papel dos conceitos, que correspondem a ideias e percepções de um fenômeno, que orientam a compreensão dos fatos e das proposições, que articulam conceitos na tentativa de explicar um fenômeno. Conceitos e proposições formam o marco conceitual, ferramenta de identificação do saber/fazer que constrói o conhecimento científico por meio da reflexão dos conceitos que circundam seu processo de trabalho( 1010 . Taube SAM, Zagonel IPS, Meier MJ. Um marco conceitual ao trabalho da enfermagem na central de material e esterilização. Cogitare Enferm. 2005;10(2):76-83. ).

Identificar os elementos que integram o marco conceitual de uma clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva torna-se fundamental, pois, assim, têm-se melhores condições de conhecer como se conformam as práticas nesse setor e que sentido os aspectos que estruturam tal marco e guiam as ações assumem nele. Então, a questão central desta pesquisa é: quais elementos integram o marco conceitual para uma clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva? Objetiva-se propor um marco conceitual para uma clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva.

Método

Pesquisa de campo, descritiva, de abordagem qualitativa, que se apoia no metaparadigma da enfermagem. Esse está centrado na inter-relação de quatro conceitos que fundam as ações e identificam os núcleos primários de interesse da profissão, sendo eles: enfermagem - ciência e arte de cuidar para que o indivíduo alcance um nível ótimo de saúde; ser humano -totalidade individual, com qualidades e potencialidades física, intelectual, emocional, social e espiritual; saúde - bem-estar físico, mental e social, que resulta do equilíbrio do organismo, sendo a doença um desequilíbrio que ameaça a vida e a segurança e ambiente -processo saúde/doença que deriva da relação do sujeito com o ambiente( 1010 . Taube SAM, Zagonel IPS, Meier MJ. Um marco conceitual ao trabalho da enfermagem na central de material e esterilização. Cogitare Enferm. 2005;10(2):76-83. ).

O campo foi a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital federal no município do Rio de Janeiro, no qual atuam 24 enfermeiros. Participaram 21, 17 mulheres e quatro homens que atenderam os critérios de inclusão: atuarem diretamente na assistência, no período da pesquisa, de janeiro a junho de 2011. Foram excluídos três deles (afastados do serviço e gerentes). Majoritariamente, os enfermeiros tinham até 10 anos de formação (61,9%); 52,4% com até 35 anos de idade; 57,1% com dois empregos, atuação no turno diurno e especialistas em terapia intensiva; 66,7% escolheram trabalhar na UTI e 71% com até 5 anos de atuação nessa UTI.

Os dados foram produzidos por meio de entrevista individual, com aplicação de um roteiro semiestruturado, com questões abertas sobre a prática diária na UTI, estilo de cuidar, emprego de tecnologias dentre outros. Realizou-se teste-piloto do instrumento com enfermeiros de UTI de outra instituição para adequação das perguntas e verificação de sua funcionalidade para o alcance do objetivo proposto. As entrevistas foram realizadas no campo de estudo, no período da tarde, e tiveram duração média de uma hora e trinta minutos, sendo gravadas eletronicamente.

A análise foi realizada por meio do software Alceste 2010, que é um método informatizado de análise textual. Divide o texto em Unidades de Contexto Elementar (UCE) que distribui o vocabulário em classes lexicais. O perfil de cada classe corresponde às palavras mais associadas a essas, e cuja associação é calculada por um qui-quadrado (chi2).

O Alceste gerou um relatório com 58% de aproveitamento do texto e seis classes lexicais. Analisou-se o conjunto das seis classes e a relação entre elas, explorando-se especificamente os léxicos de classes que pudessem retratar a discussão do marco conceitual. Os conteúdos das classes, bem como seu aproveitamento quantitativo, são: classe 1 tratou das funcionalidades da tecnologia (10,4%), classe 2 tratou dos elementos organizativos dos estilos de cuidar (10%), classe 3 tratou do cotidiano assistencial (18,1%), classe 4 tratou dos fatores estruturais externos ao cuidado (19,0%), classe 5 tratou da prática de cuidar com a tecnologia (11,6%) e a classe 6 tratou das características do paciente como indicador do trabalho no CTI (30,9%).

Realizou-se, também, a técnica de análise temática de conteúdo das entrevistas, rastreando-se nos depoimentos a ocorrência e coocorrência dos temas, com aplicação do procedimento por milha. Essa técnica foi complementar para se captar conteúdos temáticos que traduzissem, de forma expressa ou latente, os elementos do marco conceitual que não foram identificados pelo Alceste. Os núcleos de sentido elaborados foram contrastados com as classes lexicais produzidas pelo Alceste, enriquecendo os exemplos de conteúdos ilustrativos dos eixos de análise, à luz do metaparadigma da enfermagem.

Considerando tal triangulação de técnicas de análise e a apreensão do metaparadigma da enfermagem, organizou-se a caracterização dos elementos envolvidos no marco conceitual em quatro eixos: enfermagem - ciência e arte; ambiente; ser humano e ser humano e saúde. De acordo com esses eixos, as UCE geradas pelo Alceste e as Unidades de Registo (UR), recortadas da análise de conteúdo, ilustram a apresentação descritiva dos elementos que integram o marco conceitual do cuidado de enfermagem em terapia intensiva.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital - campo da pesquisa (Protocolo nº35/10). A participação dos enfermeiros foi voluntária com assinatura com assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Resultados

Os resultados deste estudo serão apresentados de acordo com as UCE e UR contidas nos eixos temáticos, segundo o referencial do metaparadigma de enfermagem.

Enfermagem - ciência e arte

Saberes especializados: instrumental acessado pelos enfermeiros para o desenvolvimento das suas ações na unidade de terapia intensiva. Orienta a aplicação de tecnologias no cuidado e o manejo clínico do cliente, delineando um perfil para trabalho nesse setor.

As palavras da classe 2, tais como buscar (chi²:78,9), conhecimento (chi²:72,5), querer (chi²:32,5) ilustram esses saberes, assim como as presentes na classe 5. A apropriação dos saberes inerentes ao trabalho na UTI é uma exigência para o desempenho das ações, sobretudo em face das tecnologias avançadas. Isso, por sua vez, depende de esforços individuais de busca desse conhecimento, que irá se refletir na prática por meio de um estilo de cuidar próprio, diferenciando as formas de cuidar ante o cliente.

Primeiro tem que ter vontade de aprender, mas depois que essa vontade passa, que você domina, você vira tarefeiro, aí você tem que buscar mais, mas vai de cada um querer buscar mais ou não (UCE 3405, enf. 20).

Você tem que detectar o problema e verificar as causas daquilo ali, mas para isso tem que saber a clínica, e você tem que estar perto do paciente, tem que estar olhando para ele e junto dele (UCE 1912, enf. 13).

A despeito do perfil, o domínio do conhecimento especializado teórico e prático é em si uma obrigação do profissional que opta por atuar nesse setor. Em vista disso, organiza-se um conjunto de características pessoais e profissionais para dar sustentação a esse requisito. Na classe 2, as palavras adaptar (chi²:44,8) e perfil (chi²:39,7) mostram que a adaptação e o perfil englobam a atualização do saber para manejar os instrumentos de cuidado.

Na hora que você faz uma seleção, você tem que fazer de acordo com o perfil de cada um, porque realmente se não tem perfil não vai se adaptar, não se adapta (UCE 3336/3329, enf. 20).

Ter agilidade em determinadas situações, não é só agilidade, tem que saber manusear as coisas, tem que saber interpretar as coisas, tem que saber lidar com as coisas, manipular as coisas (UCE1435, enf. 9).

Atividades assistenciais: compreendem um conjunto de ações de cunho gerencial e de atenção direta ao cliente, abarcando procedimentos técnicos, avaliação e intervenção clínica, registros, suporte medicamentoso, diálogo, uso de tecnologias.

A atividade burocrática de cunho medicamentoso envolve planejar a administração de medicamentos e essa preocupação cotidiana do cuidar aparece na classe 3, através dos léxicos medicação (chi²:201,7), horário (chi²:97), prescrição (chi²:74,1).

Você tem um acompanhamento, a prescrição já está aprazada, você só vai tirar, você tira a medicação para não atrasar o horário, para o técnico administrar a medicação (UCE 1544, enf. 10).

O que é prioridade para o sistema hoje eu tenho que cumprir, porque se eu não perder a manhã quase toda tirando a medicação, a medicação do horário da manhã não vai ser feita (UCE 755, enf. 5).

A execução do banho (chi²:89,9), curativo (chi²:88,1) e passagem de sonda (chi²:39,1) são exemplos de atividades assistenciais diretas que mostram também o interesse do enfermeiro pelo cuidado procedimental no dia a dia dos seus afazeres.

A gente costuma entrar nos banhos com os técnicos, faz todos os procedimentos invasivos, faz o exame clínico, a gente tira as medicações, estamos falando de cuidado (UCE 3032, enf. 19).

Na hora de virar (no banho) já fico lá de vez, faço todos os curativos que tem que fazer, já examino, já saio de lá sabendo o que fazer, para você ir lá antes ficar só segurando, jogando aguinha(UCE 846, enf. 6).

Interação: utilizada pelo enfermeiro durante as ações de cuidado ao cliente para apreensão de suas necessidades e realização de intervenções. Ao interagir com o paciente, o enfermeiro aplica referenciais clínicos e também se pauta na intersubjetividade. Se a interação for utilizada como instrutiva (protocolar) do cuidado, guia-se somente pela informação clínico-hemodinâmica produzida pelos equipamentos; se tiver uma intenção construtiva, de negociação e coparticipação produz subjetividades que vêm ao encontro dos princípios da ciência e da arte da enfermagem( 1111 . Ferreira MA, Alvim NAT, Teixeira MLO, Veloso RC. Saberes de adolescentes: estilo de vida e cuidado à saúde. Texto Contexto Enferm. 2007;16(2):217-24. ).

Esse tema da interação com o cliente na terapia intensiva emergiu da análise de conteúdo temático com 17 UR. A interação instrutiva é evidenciada quando o enfermeiro, diante do ambiente da UTI, classifica o doente a partir do seu nível de gravidade, voltando sua atenção para os dados objetivos daquele de maior índice. A interação com o cliente é clínica, desconsiderando demandas subjetivas, principalmente a daqueles de menor gravidade.

Existem pessoas que estão com um olhar mais direcionado para o respirador, para o monitor, enfim, para as monitorizações, para a máquina de uma forma geral (...) por isso que as pessoas falam que não gostam, porque as pessoas preferem um paciente sedado, que não interage, e comatoso, porque você não vai ter uma troca com o paciente e vai se basear somente na monitorização (UR, Enf. 8).

O gerenciamento administrativo e assistencial é fator que contribui para a interação instrutiva, pois o atendimento das rotinas, mormente as burocráticas, distancia o enfermeiro do cliente, que se apoia nos equipamentos e vai até ele apenas em momentos pontuais.

O plantão fica esse caos de agitação, procedimentos acontecendo ao mesmo tempo, quando você acaba de fazer uma rotina aí já vem o próximo horário, para você dar continuidade ao serviço, aí me incomoda não conseguir ver nem o rosto do paciente. Não sei se é o dia a dia, acaba acontecendo de o enfermeiro estar mais distante do paciente e mais próximo da máquina (...) sobra até pouco tempo para ir aos leitos (UR, Enf. 4).

Na condição construtiva há envolvimento com o cliente, com o intuito de entender a vivência do adoecimento em seu contexto de vida. Importam as informações clínicas, mas também se valoriza o diálogo com ele e a família, permitindo conhecê-los integralmente.

Eu acho que aqui tem pessoas que se preocupam com esse aspecto subjetivo sim. Tem pessoas que se envolvem com o paciente, mas lidam com isso de uma forma muito mais descontraída (UR, Enf. 8).

Em síntese, Enfermagem na UTI traduz-se pela execução de atividades assistenciais que demandam o domínio de saberes especializados pautados na interação mediada por aspectos clínicos e intersubjetivos, que expressam a ciência e a arte da profissão.

Ambiente

Contexto de trabalho na terapia intensiva: cenário em que se processa o trabalho do enfermeiro, composto por especificidades ambientais, estruturais e institucionais que interferem no cuidado, pela geração de sentimentos positivos e negativos, a partir da experiência vivida.

A estrutura da instituição é entendida como uma variável externa ao cuidado, mas presente no contexto onde ele se realiza que implica na sua qualidade. Isso porquê um número reduzido de funcionários ou a falta de material produz condições de trabalho inapropriadas que provocam sobrecarga no profissional, repercutindo no cuidado, situações alertadas na classe 4 nos termos estrutura (chi²:70,2), serviço (chi²:51,1), hospital (chi²:41,5).

Existem fatores externos, outras variáveis que vão interferir no cuidado, e acho que a minha principal preocupação hoje é essa, a gente estar no serviço público que tem uma estrutura deficiente (UCE 3694, enf. 21).

Em alguns momentos o cansaço é forte, e isso acaba sendo nítido não só nas conversas, mas até na figura do enfermeiro, as questões fora da assistência acabam interferindo nesse cansaço (UCE 3769, enf. 21).

As relações de trabalho entre os profissionais que compõem a equipe são outro aspecto da classe 4 que exemplificam essa influência externa. As palavras enfermeiro (chi²:157,8), profissionais (chi2:96), interação (chi2:40,3), relacionamento (chi2:32,4), médico (chi²-36,6) revelam assimetrias e conflitos e seus nexos com o cuidado prestado.

No geral o relacionamento é bom, a maioria é de pessoas que estão ali dentro na maior parte do tempo: fisioterapeutas, médicos e enfermeiros. Com relação às pessoas de fora, da terapia nutricional, a gente não tem uma relação, fala o básico, eles falam às vezes coisas que a gente não concorda (UCE 2753, enf. 17).

Agora eu acho que lá a gente não consegue ter uma interação muito boa com, não é interação, eu acho que os médicos, os intensivistas lá que não são intensivistas (UCE 3099, enf. 19).

Tecnologia na terapia intensiva: instrumento potencializador da recuperação do cliente aplicado pelos enfermeiros, com base nos dados objetivos gerados pelos equipamentos. Seu uso é mediado por valores e saberes profissionais.

Sua face cuidativa é expressa na classe 1 quando utilizada para avaliar o cliente, identificar, direcionar e prever as alterações clínicas. As palavras tecnologia (chi²:275,74), cuidado (chi²:116,9) e tecnológico (chi²:103) apontam seu uso pragmático na assistência.

A tecnologia favorece uma melhor avaliação, te dá maior segurança no cuidado e possibilita questões adiante, mais concretas do que quando você não a tem a seu favor (UCE 2210, enf. 15).

O alcance desse uso pragmático implica proximidade ao paciente. A palavra 'questão' (chi²:83,1) denota que a utilização da tecnologia apela aos valores profissionais, sobretudo o da dignidade humana, na resolução das necessidades integrais do cliente.

O cuidado de enfermagem não pode ser deixado de lado, no sentido de prevalecer a questão da tecnologia em detrimento daquela questão de estar próximo do paciente, cuidando (UCE 2211, enf. 15).

A face organizativa do trabalho significa que o enfermeiro a utiliza para gerenciar as respostas clínicas do cliente à distância, enquanto realiza suas atividades administrativas. Tal funcionalidade da tecnologia demarcada na classe 1 pelas palavras administrativo (chi2:96,8) e distante (chi²:66,7) mostra que o enfermeiro se volta para as atividades administrativas por ser mais cômodo para ele.

Essa questão da tecnologia no cuidado é muito mais dividida com questões administrativas (...) hoje ele tem muito mais atividade administrativa para cumprir e aí ele prioriza isso (UCE 2273/2245, enf. 15).

Ultimamente, como o enfermeiro permanece mais distante do leito no seu trabalho, deixando a cargo do técnico de enfermagem essa execução, o procedimento fica mais descoberto da observação coerente que o enfermeiro tem, embora muitos profissionais o fazem por comodidade, por facilidade (UCE 2218, enf. 15).

Ambiente de UTI é tecnológico, possui dinâmica interna própria em que os equipamentos influenciam no tipo de cuidado prestado ao paciente crítico. As mudanças ocorridas nesse ambiente interferem no trabalho que lá se desenvolve.

Ser humano

Paciente de terapia intensiva: ser humano singular, com características que o definem como específico a esse cenário, requer acompanhamento intensivo do continuum saúde/doença por meio de recursos avançados e demanda cuidados técnicos e sensíveis.

As concepções ligadas ao paciente estão presentes na classe 6, principalmente pelas palavras falar (chi²:76,3), paciente (chi²:67,8), acordado (chi²:53,1), sedado (chi²:41,2) e lúcido (chi2:39,6). Reconhece-se que o trabalho do enfermeiro na UTI incita nesse a vivência de sentimentos a partir da condição de comunicação apresentada pelos clientes.

Quando o cliente acorda e fala após uma fase crítica, denota os efeitos do trabalho do enfermeiro, que se sente gratificado, mas a preferência ainda é pelo cliente sedado, pela menor ocupação, pois, quando acordado, as solicitações e a demanda emocional são inúmeras. Isso revela a imagem-tipo do paciente ideal de UTI: grave/sedado/entubado/recuperável.

Essa é a questão da evolução que eu já falei, ver o paciente gravíssimo sair daqui bem, rindo, falando, isso é super supergratificante para mim, não me vejo trabalhando de outra forma (UCE 2944, enf. 18).

Tem pessoas, como eu já ouvi falar aqui: ah, não me coloca com paciente acordado, eu prefiro paciente sedado, não me coloca com esse paciente, porque esse paciente solicita (UCE 1227, enf. 8).

Enfermeiro de terapia intensiva: profissional com conhecimentos formais, científicos e especializados, entre outros atributos, que o habilita a prestar cuidados a pessoas em estado crítico com auxílio de tecnologias. Alia técnica e sensibilidade em vista de sua recuperação.

Os atributos pessoais/profissionais que compõem a figura do enfermeiro intensivista se destacam na classe 2, abarcando aspectos relativos ao cliente e aos equipamentos, como gostar, agilidade, estabilidade, responsabilidade, manejo/interpretação, identificados nas UCE a seguir.

Ter estabilidade emocional para trabalhar lá, saber trabalhar em equipe (UCE 1435, enf. 9).

Acho que tem que ter respeito e responsabilidade, comprometimento, conhecimento, ser humano, humanização, tratar o paciente como ser em todos os aspectos e companheirismo (UCE 2553, enf. 16).

Em síntese, os seres humanos estão em constante inter-relação. O enfermeiro de UTI exerce um trabalho especializado e possui atributos típicos para cuidar de pacientes que têm características de estado crítico que despertam afetos que orientam seu modo de cuidar.

Saúde

Referenciais assistenciais: princípios pautados em bases teórico-filosóficas no âmbito da saúde e enfermagem que orientam linhas assistenciais na terapia intensiva.

A existência de um referencial biomédico, pautado em um conceito de saúde de base racional, é observada em trechos de UCE da classe 3, quando os enfermeiros abordam a execução de ações automatizadas para atender as necessidades biológicas, as quais ocorrem de maneira desarticuladas às outras dimensões do cuidado do cliente.

Dei banho, evolui meus pacientes, não faço mais nada, negativo, não tem porquê ser assim, as coisas poderiam ser programadas, embora dependa da prescrição, deveria estar fazendo junto (UCE 2529, enf. 16).

Tudo isso vai gerando uma angústia muito grande, esse estar da gente de fazer as coisas, que às vezes a gente faz no automático, vou fazer uma medicação ali, foi ali onde está o acesso fiz (UCE 733, enf. 5).

A classe 5 também traz impressa os referenciais alinhados ao ambiente e à profissão, pautados na dignidade humana, na medida em que mostra os esforços da equipe para a recuperação do paciente crítico, aplicando um cuidado intensivo e terapêuticas avançadas.

O doente fazendo febre, por quê? Taquicárdico, hipertenso, aumentar a noradrenalina ou diminuir? Preciso estar avaliando, preciso tomar iniciativa, essas coisas servem para intervir (UCE 1634, enf. 11).

O referencial de saúde é entendido como: estado de equilíbrio, alcançado pela aplicação de cuidados terapêuticos avançados voltados à recuperação biológica do paciente crítico, e de cuidados expressivos direcionados à dimensão integral do ser humano.

Discussão

A enfermagem entendida como ciência e arte de ajudar abarca de um lado o saber teórico, com seus princípios e conceitos organizadores, e de outro o saber prático oriundo da experiência vivida. Na UTI, a ciência e a arte se materializam nos conhecimentos especializados, cuja importância é demarcada nas produções dessa área( 1212 . Kendall-Gallagher D, Blegen MA. Competence and certification of registered nurses and safety of patients in Intensive Care Units. Am J Crit Care. 2009;18(2):106-14. - 1313 . Mattox E. Medical Devices and Patient Safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8. ).

Estudo com profissionais de UTI móvel sobre o cuidado intensivo à pessoa em risco de vida evidenciou o conhecimento como um dos integrantes do núcleo central da representação social, constituindo a essência do cuidado intensivo( 1414 . Nascimento KC, Tosoli AM, Erdmann AL. A estrutura representacional do cuidado intensivo para profissionais de Unidade de Terapia Intensiva móvel. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):176-84 . ). Outros autores defendem a existência do cuidado tecnológico na UTI, em que a aplicação de um gradiente maior de conhecimento pelo enfermeiro direciona sua atenção na busca de dados objetivos e subjetivos oriundos do cliente, bem como objetivos provenientes dos equipamentos( 1515 . Silva RC, Ferreira MA. Representações sociais dos enfermeiros sobre a tecnologia no ambiente da terapia intensiva. Texto Contexto Enferm. 2009;18(3):489-97. ).

Na UTI, o domínio de conhecimento se evidencia e define o estilo de cuidar do enfermeiro, principalmente pelas exigências relacionadas ao manejo dos equipamentos. Essa peculiaridade ganha repercussão internacional pela discussão da necessidade de se utilizar a expertise clínica do enfermeiro na prevenção de incidentes envolvendo as tecnologias. Esses incidentes demonstram a influência dos conhecimentos técnicos na promoção do uso seguro dos equipamentos na UTI, suscitando a participação ativa do enfermeiro nesse processo( 1313 . Mattox E. Medical Devices and Patient Safety. Crit Care Nurse. 2012;32(4):60-8. ).

Quanto à arte da enfermagem, a relação intersubjetiva mediada pela interação vem sendo foco de interesse nos estudos pelo fato de as diferentes dimensões envolvidas no cuidado intensivo não serem compreendidas como um todo complexo e integrado. Nessa direção, a preocupação ocorre na tentativa de resgatar o respeito aos aspectos que dão sustentação à expressão de tal arte como, por exemplo, as relações e interações interpessoais( 8. Backes MTS, Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. O cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva. Esc Anna Nery. 2012;16(4):689-96. ).

Há profissionais que preferem os pacientes "quietinhos" e familiares que não incomodam ou não demandam envolvimento( 8. Backes MTS, Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. O cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva. Esc Anna Nery. 2012;16(4):689-96. ) e, ao encontro desse resultado, o depoimento da Enf. 8 reitera a predominância de referenciais clínicos objetivos de base tecnológica, orientando a interação do enfermeiro com o cliente.

O estímulo à comunicação efetiva entre os envolvidos no cuidado é uma realidade atual, no sentido de que as falhas não tragam danos aos pacientes, já que se estima que muitos dos erros e eventos adversos ocorrem devido a falha na comunicação( 1616 . Abraham J, Kannampallil T, Patel B, Almoosa K, Patel VL. Ensuring patient safety in care transitions: an empirical evaluation of a Handoff Intervention Tool. AMIA Annu Symp Proc. 2012:17-26. ). Isso revela a importância do entendimento da complexidade do cuidado e da relação dialógica como base para a interação e vivência da intersubjetividade, despertando a percepção sensível no outro( 8. Backes MTS, Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. O cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva. Esc Anna Nery. 2012;16(4):689-96. ).

O ambiente em saúde é parte de um sistema no qual se situam os indivíduos que constituem a rede de cuidados, os quais interagem entre si e com o ambiente, influenciando-se mutuamente. As influências do contexto no cuidado têm diferentes abordagens na literatura, a exemplo da saúde do trabalhador, pelas configurações do trabalho na atualidade, em que ritmo, carga horária e controle rigoroso são características ainda mais acentuadas nas UTIs.

Nos dados sobre os fatores de riscos à saúde dos trabalhadores de UTI, destaca-se a organização do trabalho, classificada como grave, e as relações socioprofissionais, avaliadas como risco de moderado a crítico, em vista das disputas profissionais( 1717 . Campos JF, David HSL.Work Context Assessment in intensive therapy units from the perspective of work psychodynamics. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2):359-64. ).

Apesar do eixo de análise sobre o contexto não se referir especificamente à saúde do trabalhador, indica que lidar diariamente com contingências estruturais e ambientais produz experiências negativas que podem comprometer a saúde e impactar os estilos de cuidar, mostrando as relações entre a atuação profissional e o contexto no qual ocorre o cuidado.

As tecnologias relacionadas aos equipamentos geram representações que guiam as maneiras com que os enfermeiros lidam com elas. Pesquisas internacionais trazem ideias que associam o sujeito-máquina a uma unidade indissociável interdependente, numa relação de simbiose, ou que indicam que a tecnologia modifica a dinâmica entre enfermeiro e paciente, pois a linguagem comunicada por ela e traduzida pelos enfermeiros os coloca numa posição distante dos clientes( 1818 . Brangier É, Hammes-Adelé S, Bastien J-MC. Analyse critique des approches de l'acceptation des technologies: de l'utilisabilité à la symbiose humain-technologie-organisation. Revue européenne de psychologie appliquée. 2010;60:129-46. - 1919 . O'Keefe-McCarthy S. Technologically mediated nursing care: the impact on moral agency. Nurs Ethics. 2009;16(6):786-96. ).

Tais aspectos, no contraponto com os dados, sobretudo quando os sujeitos atribuem funções à tecnologia, revelam o lugar central que essa ocupa nessa clínica, ou seja, a partir do sentido que o profissional lhe atribui é que se organiza a prática de cuidar do cliente na UTI.

O conceito de ser humano, em torno do qual se organizou uma das categorias de análise, define os indivíduos envolvidos nas ações e se coadunou com o de outras produções, pois esse ser convive e se relaciona com outros semelhantes, sendo histórico, social, singular, integrado, constituído de uma dimensão física e de outras que abarcam os sentimentos, desejos, pensamentos, lembranças( 8. Backes MTS, Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. O cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva. Esc Anna Nery. 2012;16(4):689-96. ).

Ao tratar das dificuldades de comunicação do enfermeiro com o cliente, traz-se à tona sua tipificação, qual seja: aquele que não se comunica e com pouca demanda interativa( 8. Backes MTS, Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. O cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva. Esc Anna Nery. 2012;16(4):689-96. ). Essa tipificação apoia-se na dimensão imagética do cuidado intensivo, isto é, um paciente crítico/grave que porta equipamentos avançados e requer atendimento especializado nas situações de urgência/emergência. O paciente ideal é ainda visto nas fontes de sentimentos de prazer desses enfermeiros: cuidar de um paciente grave, com tecnologias e perceber sua recuperação até o momento em que consegue falar, quando deve ter alta( 2020 . Martins JT, Robazzi MLCC, Garanhani ML. Sentimentos de prazer entre enfermeiros de unidades de terapia intensiva. Cienc Enferm. 2009;15(3):45-53. ).

No interesse dos elementos da clínica, essa figura-tipo anunciada pelo Enf. 3 demanda intervenções, a fim de reorganizar os significados que constroem essa representação, e que implica em práticas excludentes. Sobre o perfil, as discussões situam-se numa adequação que atenda às peculiaridades desse setor. Assim, buscam-se qualidades pessoais e técnicas que assegurem competência clínica no manejo das tecnologias e das intercorrências com o cliente, com base nos conhecimentos, habilidades e julgamento( 1515 . Silva RC, Ferreira MA. Representações sociais dos enfermeiros sobre a tecnologia no ambiente da terapia intensiva. Texto Contexto Enferm. 2009;18(3):489-97. ).

Por fim, o arcabouço teórico da prática de enfermagem traz uma filosofia de cuidado em que o conceito saúde depende da harmonia do homem com a natureza, num estado de equilíbrio entre diferentes componentes, mente, corpo e ambiente. Todavia, esse referencial de natureza holística nem sempre é aplicado na UTI, caso dos enfermeiros que se referem às suas atividades assistenciais como práticas simplificadas pautadas em necessidades biológicas.

Assim, problematizam-se as correntes que os orientam, buscando incorporar o referencial de integralidade no cuidado da clientela, apreendendo a complexidade de forma multidimensional, e, desse modo, dando condições para atender o ser humano globalmente( 8. Backes MTS, Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. O cuidado intensivo oferecido ao paciente no ambiente de Unidade de Terapia Intensiva. Esc Anna Nery. 2012;16(4):689-96. ).

A articulação dos elementos que constituem a clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva permite estruturar seu marco conceitual que, por sua vez, explica tal clínica e lhe serve de arcabouço. Encontram-se nas publicações definições de clínica como, por exemplo, campo de saberes e práticas biopsicossociais que interagem de maneira circular e se refletem sobre os profissionais nos seus modos de atuar( 4. Sousa LD, Lunardi Filho WD, Lunardi VL, Santos SSC, Santos CP. A produção científica de enfermagem acerca da clínica: uma revisão integrativa. Rev Esc Enferm USP. 2011;45(2): 495-500. ).

Na enfermagem, os autores defendem a definição de uma clínica própria dessa área, já que foi apropriado um plano de clínica médica, assumindo um papel de organizadora dos espaços e corpos, objetivando os sujeitos e suas necessidades. Portanto, é preciso reinventar a clínica na enfermagem calcada na valorização do saber do outro em paralelo ao científico, uso de ferramentas de escuta em que a palavra é a matéria-prima, o objetivo central é o cuidar, a doença é parte da experiência da existência do sujeito( 3. Oliveira DC, Vidal CRPM, Silveira LC, Silva LMS. O processo de trabalho e a clínica na enfermagem: pensando novas possibilidades. Rev Enferm UERJ. 2009;17(4):521-6. ).

Apesar da limitação de ser realizado com uma única equipe de um campo específico hospitalar, o estudo indica que a clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva se pauta na interação de seres humanos, a partir da qual, modulada pelos saberes especializados e tecnologia, o enfermeiro executa atividades assistenciais voltadas a um paciente crítico, que expressam sua ciência e arte de cuidar e refletem as características próprias do ambiente relativas ao trabalho e aos referenciais assistenciais de saúde, sendo esse seu marco conceitual.

A contribuição deste estudo pode ser evidenciada pela proposicão de um marco conceitual, no qual os seres humanos e o ambiente se influenciam mutuamente, cuja alteração em um deles repercute no outro. Pensar intervenções nesses sistemas que visem a melhoria na qualidade do cuidado prestado é necessário. Pressupõe-se que intervir no contexto de trabalho impactaria diretamente a interface entre o enfermeiro e o paciente crítico; modificar os referenciais assistenciais de saúde traria interferência na expressão da ciência e arte da enfermagem, com maior qualidade às ações; investir nos saberes especializados do enfermeiro repercutiria na execução das atividades assistenciais, especialmente na expressão da ciência da enfermagem.

Conclusão

O marco conceitual para a clínica do cuidado de enfermagem na terapia intensiva compõe-se de elementos que se organizam em torno dos saberes especializados, atividades assistenciais, tecnologia, interação, contexto do trabalho, tipo de paciente e de enfermeiro próprios da terapia intensiva e dos referenciais assistenciais. Tais elementos são próprios da dinâmica desse cenário: objetivos em relação às tecnologias e subjetivos relacionados à interação humana.

Tal marco conceitual indica ações voltadas: à formulação de políticas públicas no que tange ao número de funcionários, à formação dos enfermeiros intensivistas à luz do perfil profissional e de referenciais de integralidade, no nível da atenção direta ao cliente na mudança do modelo assistencial e na valorização dos sujeitos enquanto copartícipes face à Política Nacional de Humanização, com estratégias pautadas no diálogo e na negociação.

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    Artigo extraído da tese de doutorado "Estilos de cuidar na terapia intensiva em face das tecnologias: uma contribuição à clínica do cuidado de enfermagem", apresentada à Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 200554/2011-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2014
  • Aceito
    24 Mar 2015
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