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Vigilância do desenvolvimento infantil: estudo de intervenção com enfermeiros da Estratégia Saúde da Família1 1 Artigo extraído da tese de doutorado "Vigilância do desenvolvimento neuropsicomotor de lactentes na estratégia de saúde da família", apresentada à Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil. Apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Brasil, processo nº 474322/2007-6.

Resumos

Objetivo:

avaliar a efetividade de uma ação educativa em vigilância do desenvolvimento infantil, de enfermeiros que atuam na atenção primária à saúde.

Métodos:

estudo de intervenção do tipo antes-depois, realizado com 45 enfermeiros e 450 mães de crianças menores de 2 anos. Inicialmente, avaliaram-se as práticas e conhecimentos dos enfermeiros quanto à vigilância do desenvolvimento infantil e entrevistaram-se as mães sobre estas práticas. Em seguida, realizaram-se oficinas com enfermeiros e após quatro meses reavaliaram-se os conhecimentos dos enfermeiros e as informações maternas.

Resultados:

após intervenção houve aumento significativo na frequência dos seguintes aspectos: de 73% para 100%, em relação à prática dos enfermeiros em perguntar a opinião das mães sobre o desenvolvimento dos filhos; de 42% para 91%, quanto à utilização de instrumento sistematizado para avaliação; de 91% para 100%, referente à orientação às mães sobre como estimular o desenvolvimento da criança.

Conclusões:

a intervenção contribuiu para o aumento dos conhecimentos dos enfermeiros e implementação da vigilância do desenvolvimento infantil, evidenciando a importância desta iniciativa para a melhoria da qualidade do cuidado em saúde da criança.

Desenvolvimento Infantil; Atenção Primária à Saúde; Saúde da Família; Enfermagem Pediátrica; Educação em Saúde


Objective:

to evaluate the effectiveness of an educational action in child development surveillance performed by nurses working in primary health care.

Methods:

interventional study with a before-and-after type of design, carried out with 45 nurses and 450 mothers of children under 2 years of age. Initially, it was evaluated the practices and knowledge of nurses on child development surveillance and the mothers were interviewed about these practices. Subsequently, workshops were carried out with nurses and four months later, the knowledge of nurses and the maternal information were reevaluated.

Results:

after intervention there was significant increase in the frequency of the following aspects: from 73% to 100%, in relation to the practice of nurses of asking the opinion of mothers about their children's development; from 42% to 91%, regarding the use of the systematized instrument of evaluation; from 91% to 100% with respect to guidance to mothers on how to stimulate child development.

Conclusions:

the intervention contributed to the increase of knowledge of nurses and implementation of child development surveillance, showing the importance of this initiative to improve the quality of child health care.

Child Development; Primary Health Care; Family Health; Pediatric Nursing


Objetivo:

evaluar la eficacia de una acción educativa en vigilancia del desarrollo infantil, de los enfermeros que trabajan en la atención primaria de salud.

Métodos:

estudio de intervención, con diseño tipo antes y después, llevado a cabo con 45 enfermeros y 450 madres de niños menores de 2 años. Inicialmente, se evaluó las prácticas y los conocimientos de los enfermeros sobre la vigilancia del desarrollo infantil y se entrevistó a las madres sobre estas prácticas. A continuación, talleres se llevaron a cabo con los enfermeros y después de cuatro meses, se reevaluaron los conocimientos de los enfermeros e la información materna.

Resultados:

después de la intervención se ha producido un aumento significativo en la frecuencia de los siguientes aspectos: del 73% al 100%, con respecto a la práctica de los enfermeros de preguntar la opinión de las madres sobre el desarrollo de sus hijos; del 42% al 91%, cuanto el uso de instrumento sistematizado para la evaluación; del 91% al 100%, con respecto a la orientación a las madres sobre cómo estimular el desarrollo del niño.

Conclusiones:

la intervención contribuyó para aumentar el conocimiento de los enfermeros y la implementación de la vigilancia del desarrollo infantil, destacando la importancia de esta iniciativa para mejorar la calidad de la atención a la salud infantil.

Desarrollo Infantil; Atención Primaria a la Salud; Salud de la Familia; Enfermería Pediátrica; Educación en Salud


Introdução

A fase inicial da vida compreende um período de significativas modificações no desenvolvimento físico e neuropsicomotor, exigindo acompanhamento regular da criança, a fim de detectar precocemente possíveis agravos a sua saúde. Este acompanhamento, que faz parte das ações de vigilância do desenvolvimento infantil, deve ser iniciado desde o nascimento, visto que, os dois primeiros anos de vida constituem-se em um período significativo e ideal para intervenções que previnam problemas no desenvolvimento( 1. Olusanya BO. Priorities for early childhood development in low-income countries. J Dev Behav Pediatr. 2011;32(6):476-81. ).

A vigilância do desenvolvimento infantil compreende todas as atividades relacionadas à promoção do desenvolvimento normal e detecção de problemas no desenvolvimento, durante a Atenção Primária à Saúde (APS) da criança. Trata-se de um processo contínuo, flexível, envolvendo informações dos profissionais de saúde, pais, professores, entre outros(2).

No Brasil, o Ministério da Saúde estabeleceu, em 2004, ações estratégicas que visam à redução da morbimortalidade infantil. Dentre estas ações está a vigilância do desenvolvimento infantil, cuja prática encontra-se aquém do esperado, observando-se o despreparo de enfermeiros em realizar este seguimento. Em geral, a consulta do enfermeiro na APS centra-se na aferição de peso, verificação do esquema de vacinações e orientação nutricional. Por conseguinte, os desvios no desenvolvimento são detectados tardiamente, quando a criança já apresenta sinais mais graves de comprometimento, dificultando o tratamento, na maioria dos casos( 3. Rugolo LMSS. Importância da monitorização do desenvolvimento em recém-nascidos prematuros. Rev Paul Pediatr. 2012;30(4):460-1. ).

A necessidade de qualificação dos enfermeiros para realização da vigilância do desenvolvimento infantil é uma prioridade, visto que, muitas crianças que frequentam as unidades de saúde na APS encontram-se em risco de atraso no desenvolvimento. Em países de baixa renda, estimativas apontam como intervenções para a promoção do desenvolvimento na primeira infância, a utilização de mídias educacionais voltadas à melhoria da saúde das crianças, intervenções com crianças de alto risco e programas de transferência de renda. Investimentos eficazes de desenvolvimento na primeira infância podem reduzir as desigualdades perpetuadas pela pobreza, má nutrição e acesso à educação( 4. Engle PL, Fernald LCH, Alderman H, Behrman J, O'Gara C, Yousafzai A, et al. Strategies for reducing inequalities and improving developmental outcomes for young children in low-income and middle-income countries. Lancet. 2011;378(9799):1339-53. ).

Tendo em vista a fragilidade do atendimento às crianças menores de 2 anos de idade, o impacto destas ações na saúde infantil( 5. Figueiras AC, Souza ICN, Rios VG, Benguigui Y. Organização Panamericana de Saúde. Manual de vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. Washington, DC: OPAS; 2005. - 6. Ribeiro DG, Pedrosa GB, Padovani FHP. Fatores de risco para o desenvolvimento de crianças atendidas em Unidades de Saúde da Família, ao final do primeiro ano de vida: aspectos sociodemográficos e de saúde mental materna. Ciênc Saúde Coletiva. 2014; 19(1):215-26. ) e a importância dos profissionais de saúde compreenderem as necessidades e direitos da criança e sua família, a fim de oferecer uma atenção humanizada e de qualidade( 7. Paranhos VD, Pina JC, Mello DF. Integrated management of childhood illness with the focus on caregivers: an integrative literature review. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2011; 19(1):203-11. ), considera-se fundamental a qualificação, por meio da educação em saúde, para realização da vigilância do desenvolvimento infantil. Portanto, este estudo tem o objetivo de avaliar a efetividade de uma ação educativa em vigilância do desenvolvimento infantil, por enfermeiros que atuam na atenção primária à saúde.

Métodos

Estudo quase experimental, do tipo antes-depois, com aplicação de pré e pós-teste, a fim de examinar a efetividade de ação educativa de enfermeiros. Esta ação ocorreu na forma de oficinas sobre vigilância do desenvolvimento de crianças menores de 2 anos, para as 53 Equipes de Saúde da Família (ESF) do Distrito Sanitário III (DS-III), no município de João Pessoa - PB. Este DS possui uma população de 180.000 habitantes, com 90,5% de cobertura das famílias da área pela ESF.

As variáveis avaliadas, antes e depois da ação educativa, foram o conhecimento de enfermeiros sobre aspectos da vigilância do desenvolvimento infantil, frequência da realização da vigilância do desenvolvimento na consulta de enfermagem e informações maternas sobre as práticas dos enfermeiros na consulta aos menores de 2 anos de idade.

A amostra foi, inicialmente, constituída por todos os 53 enfermeiros que atuavam no Distrito Sanitário III, entretanto, após as oficinas, segunda etapa da pesquisa, a amostra final foi constituída por 45 enfermeiros, em virtude de três recusas e cinco desistências. Em relação à amostra materna, para cada enfermeiro foram selecionadas cinco mães, totalizando 225 mães de crianças menores de 2 anos de idade na primeira fase do estudo, e mais 225 na segunda, totalizando 450 mães cadastradas nas Unidades de Saúde da Família do referido Distrito. Os cinco pares de mães/crianças foram selecionados de maneira aleatória, após o atendimento na consulta de enfermagem, à medida que compareciam à Unidade de Saúde da Família.

A primeira etapa da coleta consistiu-se da aplicação de um pré-teste, para avaliação das práticas dos enfermeiros relacionadas à vigilância do desenvolvimento infantil. Esta avaliação foi realizada antes da participação dos enfermeiros na oficina sobre vigilância do desenvolvimento infantil, por meio de um instrumento com questões fechadas, que investigavam a realização do acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor; se o enfermeiro perguntava a opinião da mãe sobre o desenvolvimento da criança; se fazia avaliação rotineira do desenvolvimento e qual a frequência desta avaliação; se utilizava instrumento sistematizado para avaliação do desenvolvimento e se orientava a mãe sobre como estimular o desenvolvimento da criança. Para aplicação deste instrumento, foi agendado um horário conveniente ao enfermeiro na Unidade de Saúde da Família, para preenchimento do questionário, sem interrupção.

Nesta etapa, as mães também foram entrevistadas sobre as práticas de vigilância do desenvolvimento, realizadas pelo enfermeiro. As entrevistadas ocorreram na USF, nos dias agendados para consulta de enfermagem, imediatamente após o atendimento das crianças pelo enfermeiro. Esta entrevista visava verificar a atitude do profissional naquele atendimento, relacionada à vigilância do desenvolvimento infantil. O instrumento aplicado às mães questionava se o enfermeiro avaliou o desenvolvimento da criança naquela consulta e se a orientou de como estimular o desenvolvimento de seu filho no domicílio.

Na segunda etapa ocorreu a avaliação dos conhecimentos dos enfermeiros sobre o desenvolvimento infantil, no momento da intervenção. O questionário para avaliação do conhecimento dos enfermeiros sobre desenvolvimento infantil continha 13 questões, com múltipla escolha, sobre marcos no desenvolvimento das áreas motora, de linguagem, pessoal-social e cognitiva e sobre os principais fatores de risco para o atraso do desenvolvimento. Este questionário foi aplicado antes da oficina, ou seja, antes de terem contato com o conteúdo abordado no curso e recolhido logo após o preenchimento.

Em relação à intervenção, o conteúdo da oficina sobre Vigilância do Desenvolvimento Infantil foi baseado em um manual publicado pela OPAS, em 2005( 5. Figueiras AC, Souza ICN, Rios VG, Benguigui Y. Organização Panamericana de Saúde. Manual de vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. Washington, DC: OPAS; 2005. ), e incluído no conteúdo do curso de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI).

A intervenção educativa ocorreu entre novembro de 2008 e abril de 2009. Nos dois primeiros meses foram realizadas três oficinas sobre vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI, cada uma com carga horária de 16 horas, distribuídas em dois dias, com média de 15 participantes. As atividades foram teórico-práticas, por considerar que a aprendizagem da estratégia AIDPI envolve a capacidade de compreensão do aluno e utilização do que aprendeu na prática( 8. Fujimori E, Higuchi CH, Cursino EG, Veríssimo MLOR, Borges ALV, Mello DF, et al. Teaching of the Integrated Management of Childhood Illness strategy in undergraduate nursing programs. Rev Latino-Am Enferm [online]. 2013; 21(3):655-62. ).

As atividades teóricas foram desenvolvidas utilizando-se metodologias ativas, com a problematização como estratégia de ensino-aprendizagem e com o objetivo de sensibilizar e motivar os enfermeiros para vigilância do desenvolvimento infantil. O método de ensino nas oficinas teve como princípio a Teoria de Aprendizagem Significativa de Ausubel, na qual, é necessário que o conteúdo esteja relacionado com os conhecimentos prévios do indivíduo, exigindo deste uma atitude favorável, capaz de atribuir significados próprios aos conteúdos que assimila( 9. Gomes AP, Dias-Coelho UC, Cavalheiro PO, Gonçalvez CAN, Rôças G, Siqueira-Batista R. The Medical education between maps and anchors: David Ausubel meaningful learning, the quest for the Lost Ark. Rev Bras Educ Med. 2008;32(1):105-11. ).

Quatro meses após as oficinas foi aplicado o pós-teste, com os mesmos instrumentos utilizados inicialmente, portanto, os enfermeiros tiveram seus conhecimentos e práticas reavaliados, e mães com crianças menores de 2 anos também foram selecionadas de maneira aleatória e entrevistadas.

Os questionários foram revisados quanto à consistência de preenchimento e digitados em dupla entrada, para validação da digitação, utilizando-se o software Epi-Info, versão 6,04.

As análises estatísticas foram realizadas por este programa e peloStatistical Package for the Social Sciences, versão 12. Utilizou-se o teste do quiquadrado, para verificação da associação entre variáveis categóricas e o teste t para amostras pareadas, para comparação da pontuação média dos acertos relacionados aos conhecimentos dos enfermeiros sobre desenvolvimento infantil, antes e após a intervenção. Adotou-se como estatisticamente significante o valor de P ≤ 0,05.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, sob protocolo nº 0216, e pela gerência de educação na saúde do município de João Pessoa. Os enfermeiros e as mães foram informados sobre os objetivos da pesquisa e solicitados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Dos 45 enfermeiros que participaram deste estudo, todos eram do sexo feminino, com faixa etária predominante entre 41 e 50 anos (42,2%) e seguida da faixa entre 30 e 40 anos (28,9%). Em relação ao tempo após a formação, cerca da metade possuía de 10 a 21 anos, cujo tempo de atuação na ESF variou entre cinco e nove anos (75,6%), coincidindo com o período em que houve expansão das equipes de saúde da família no município de João Pessoa.

Verifica-se que, as características sociodemográficas apresentadas na Tabela 1 foram semelhantes no grupo de mães participantes antes e após a intervenção. De modo geral, observa-se que as famílias apresentavam baixa condição socioeconômica, pois cerca de 70% tinham renda familiar de até meio salário mínimo mensal per capita; no entanto, metade da amostra apresentou escolaridade de 9 a 11 anos de estudo. Em relação ao número de residentes no domicílio, em quase metade da amostra, as famílias tinham ente quatro e cinco pessoas, predominando famílias com apenas um filho. Houve diferença significativa apenas na idade das crianças estudadas, antes e após a intervenção, especialmente na faixa etária de 7 a 12 meses.

Na Tabela 2, encontram-se os itens de avaliação do conhecimento dos enfermeiros sobre o desenvolvimento infantil. As questões que apresentaram elevação na frequência de acertos, quando comparados os resultados do pré-teste com a avaliação após a intervenção, foram: a causa da criança, com dois meses, não acompanhar objetos com os olhos, questão relativa à avaliação do desenvolvimento motor; e o conhecimento geral sobre o desenvolvimento da criança. Em relação à comparação da média de acertos, antes e após a intervenção, houve aumento de 7,3 para 8,5, sendo esta diferença estatisticamente significante.

A Tabela 3 apresenta as informações prestadas pelos enfermeiros sobre suas práticas de vigilância do desenvolvimento antes e após a intervenção. Verifica-se que, cerca de 96% afirmaram realizar este tipo de consulta antes da intervenção, mantendo-se o mesmo percentual após a intervenção; entretanto, quando questionados sobre a avaliação rotineira do desenvolvimento, estes valores foram de 80% e 91%, respectivamente. Após a ação educativa houve aumento significativo na frequência dos seguintes aspectos: de 73% para 100%, sobre a prática dos enfermeiros em perguntar a opinião das mães sobre o desenvolvimento de seus filhos; de 42% para 91% quanto à utilização de instrumento sistematizado para avaliação do desenvolvimento; de 91% para 100%, referente à orientação às mães sobre como estimular o desenvolvimento da criança.

De acordo com os dados apresentados na Tabela 4, verifica-se diferença significativa das informações prestadas pelas mães sobre as práticas de vigilância do desenvolvimento realizadas pelos enfermeiros na consulta à criança, com elevação das frequências após a intervenção, referindo-se à atitude destes profissionais em perguntar a opinião da mãe sobre o desenvolvimento da criança, realizar avaliação do desenvolvimento e prestar informação à mãe de como estimular o desenvolvimento da criança.

Tabela 1
- Características sociodemográficas da família, reprodutivas maternas e biológicas das crianças antes e após a intervenção. João Pessoa, PB, Brasil, 2009
Tabela 2
- Avaliação dos conhecimentos dos enfermeiros sobre desenvolvimento infantil antes e após a intervenção. João Pessoa, PB, Brasil, 2009
Tabela 3
- Informações dos enfermeiros sobre práticas de vigilância do desenvolvimento infantil antes e após a intervenção. João Pessoa, PB, Brasil, 2009

Tabela 4
- Informações maternas sobre práticas de vigilância do desenvolvimento infantil realizadas pelos enfermeiros antes e após a intervenção. João Pessoa, PB, Brasil, 2009

Discussão

Este estudo consistiu-se de uma intervenção relacionada à ação educativa de enfermeiros sobre o desenvolvimento infantil e as práticas concernentes a sua vigilância, visando melhorar o atendimento à criança na atenção primária em saúde. Ao tomar conhecimento da ocorrência das oficinas, os enfermeiros demonstraram grande interesse em participar desta atividade, alegando insuficiência de conhecimentos sobre desenvolvimento infantil e reconhecendo sua importância para a melhoria da qualidade do atendimento à criança. Comportamento semelhante observado em um estudo realizado com 192 pediatras em Gujarat - Índia, em que 92% demonstraram interesse em receber treinamento para avaliação do desenvolvimento infantil, alegando pouco conhecimento sobre questões relacionadas ao desenvolvimento( 1010 . Desai PP, Mohite P. An exploratory study of early intervention in Gujarat State, India: pediatricians' perspectives. J Dev Behav Pediatr. 2011;32(1):69-74. ).

A atividade educativa proposta neste estudo demonstrou ser efetiva, considerando-se que, após a intervenção, houve elevação significativa de 1,2 ponto na média de acertos das questões sobre os marcos do desenvolvimento. Este resultado está consonante com um estudo realizado na Turquia, que constatou aumento na média de conhecimentos de médicos e enfermeiros, após capacitação( 1111 . Ertem IO, Pekcici EBB, Gok CG, Ozbas S, Ozcebe H, Beyazova U. Addressing early childhood development in primary health care: experience from a middle-income country. J Dev Behav Pediatr. 2009;30(4):319-26. ).

Resultados de um estudo realizado em Connecticut, Estados Unidos, apontam para a mesma direção, ao evidenciar que a intervenção promoveu mudança de práticas de profissionais, aumentando o número de crianças identificadas com problemas no desenvolvimento neuropsicomotor e referidas para serviços de estimulação precoce( 1212 . McKay K. Evaluating model programs to support dissemination. An evaluation of strengthening the developmental surveillance and referral practices of child health providers. J Dev Behav Pediatr. 2006;27(1 Suppl):S26-9. ). Também constatou-se na Jamaica que, após treinamento, os profissionais que acompanham crianças no domicílio incorporaram as atividades de promoção do desenvolvimento saudável ao serviço de atenção primária, com consequente melhora no desenvolvimento das crianças e aumento dos conhecimentos e práticas maternas no cuidado à criança( 1313 . Powell C, Baker-Henningham H, Walker S, Gernay J, Grantham-McGregor S. Feasibility of integrating early stimulation into primary care for undernourished Jamaican children: cluster randomised controlled trial. BMJ. 2004;329(7457):89. ).

Analisando-se os resultados de cada questão utilizada para avaliação do conhecimento dos enfermeiros sobre o desenvolvimento infantil, percebe-se que houve, na maioria, elevação nos percentuais de acertos após a intervenção, com exceção das questões relacionadas à idade em que a criança senta sem apoio, identificação do domínio das funções do desenvolvimento que devem ser avaliadas durante a consulta e conhecimento geral sobre habilidade motora. Não se sabe o que dificultou a retenção destes conhecimentos, tendo em vista que os enfermeiros tinham conhecimento prévio sobre o assunto. Pode ser que os enfermeiros não avaliassem estes aspectos no cotidiano, nem orientassem a mãe ou não tivessem afinidade com este conteúdo, dificultando a aprendizagem, pois, segundo a teoria de Ausubel, para que a aprendizagem seja significativa, é necessário que o indivíduo tenha conhecimento prévio sobre o assunto, vivencie e tenha vontade de aprofundá-lo( 8. Fujimori E, Higuchi CH, Cursino EG, Veríssimo MLOR, Borges ALV, Mello DF, et al. Teaching of the Integrated Management of Childhood Illness strategy in undergraduate nursing programs. Rev Latino-Am Enferm [online]. 2013; 21(3):655-62. ).

Nesta pesquisa observaram-se respostas contraditórias dos enfermeiros em relação às questões sobre práticas rotineiras de vigilância do desenvolvimento nas consultas às crianças, pois a maioria afirmou realizar esta atividade mesmo antes das oficinas. Esta informação está provavelmente superestimada, constatada quando comparada às informações maternas, que apresentaram afirmativas inferiores as dos enfermeiros, especialmente antes da ação educativa. Esta atitude pode ocorrer pelo fato dos enfermeiros, ao serem questionados sobre suas práticas, perceberem a importância da vigilância do desenvolvimento infantil para a promoção da saúde da criança e por perceberem que não estão realizando esta prática a contento e tentarem omitir as lacunas na ação profissional, ou então, sentirem-se avaliados, afirmando realização da vigilância do desenvolvimento numa frequência além da realidade.

Apesar disso, de modo geral, houve aumento da frequência da realização do acompanhamento do desenvolvimento nas consultas de puericultura, confirmado pelas respostas das mães. Um estudo brasileiro sobre práticas e conhecimentos em relação ao monitoramento e vigilância do desenvolvimento infantil, por pediatras, em diferentes regiões do Brasil, mostraram resultados preocupantes e apontam lacunas, tanto na formação do médico pediatra quanto na prática clínica, pois os profissionais têm dificuldades em reconhecer fatores de risco e detectar as alterações do desenvolvimento, garantindo intervenções oportunas( 1414 . Zeppone SC, Volpon LC, Del Ciampo LA. Monitoring of child development held in Brazil. Rev paul pediatr [online]. 2012;30(4):594-9. ).

A opinião das mães sobre o desenvolvimento da criança durante a consulta é de fundamental importância para anamnese do desenvolvimento neuropsicomotor, pois esta, quando auxiliada pelas informações dos pais, além de serem, em geral, fidedignas, auxiliam no diagnóstico de alterações. Quando bem interpretada e valorizada pelo profissional, a opinião dos pais pode levar a decisões corretas sobre a necessidade de encaminhamento de crianças com problemas no desenvolvimento para serviços de estimulação precoce( 1515 . Glascoe FP. Evidence-based approach to developmental and behavioral surveillance using parents' concerns. Child Care Health Dev. 2000;26(2):137-49. ). Portanto, as mães precisam ser consideradas parceiras do programa de prevenção de distúrbios no desenvolvimento infantil( 1. Olusanya BO. Priorities for early childhood development in low-income countries. J Dev Behav Pediatr. 2011;32(6):476-81. ), pois o fortalecimento das competências para o cuidado da criança, nesta fase da vida, trará benefícios permanentes. Além dos estímulos visuais, auditivos, olfativos, motores e de interação com adultos, um estudo(16)salienta a importância de incorporação de carinho e afeto na promoção do cuidado amoroso, que valoriza fortemente os aspectos emocionais, sociais, culturais e ambientais, para alcançar todo potencial da criança.

Os dados revelam, também, que houve aumento na utilização de um instrumento sistematizado para avaliação do desenvolvimento das crianças atendidas pelos enfermeiros participantes da pesquisa, tendo a maioria afirmado o uso desta ferramenta após a intervenção. Esta prática é fundamental na assistência à criança, porque a utilização de um instrumento sistematizado facilita a realização da vigilância do desenvolvimento infantil. É possível que o instrumento de avaliação fornecido tenha sido utilizado durante os quatro meses após as oficinas; no entanto, não se pode prever por quanto tempo será utilizado, ou se será incorporado à consulta da criança. Isto porque, mesmo em países onde a utilização de instrumento sistematizado para avaliação do desenvolvimento é incentivada e normatizada, os profissionais não o utilizam em todas as consultas.

Já é consenso entre os pesquisadores a importância da utilização de instrumento sistematizado para avaliação do desenvolvimento das crianças durante a consulta, caso contrário, crianças que estão com leve atraso deixarão de ser detectadas, devido à sutileza dos sinais. Nos Estados Unidos, a implementação do acompanhamento do desenvolvimento e a detecção precoce de problemas no desenvolvimento têm sido limitadas nos casos em que o profissional não utiliza um instrumento sistematizado e nem segue os protocolos recomendados pela Academia Americana de Pediatria( 1717 . American Academy of Pediatrics. Council on Children with Diabilities. Section on Developmental Behavioral Pediatrics. Project advisory committee. Identifying infants and young algorithm for developmental surveillance and screening. Pediatrics. 2006;118(1):405-20. ).

Considera-se como aspecto positivo do presente estudo, o fato de o mesmo ter proporcionado aumento dos conhecimentos e sensibilização dos enfermeiros para inclusão da vigilância do desenvolvimento infantil em suas práticas de puericultura, considerando que a maioria não avaliava o desenvolvimento neuropsicomotor antes da intervenção e tinha deficiência de conhecimentos nesta área. Quase a totalidade dos enfermeiros do Distrito Sanitário III foi capacitada, fortalecendo a consulta de puericultura naquela região. Outro aspecto positivo refere-se à participação das mães, que atuaram confrontando as informações prestadas pelos enfermeiros.

Por outro lado, uma limitação do estudo foi a ausência de grupo controle em outro Distrito Sanitário, no qual não seria realizada a ação educativa, mas apenas avaliação dos conhecimentos e práticas sobre vigilância do desenvolvimento infantil, em dois momentos distintos. Contudo, os achados deste estudo foram semelhantes aos que utilizaram grupo controle( 1212 . McKay K. Evaluating model programs to support dissemination. An evaluation of strengthening the developmental surveillance and referral practices of child health providers. J Dev Behav Pediatr. 2006;27(1 Suppl):S26-9. - 1313 . Powell C, Baker-Henningham H, Walker S, Gernay J, Grantham-McGregor S. Feasibility of integrating early stimulation into primary care for undernourished Jamaican children: cluster randomised controlled trial. BMJ. 2004;329(7457):89. , 1818 . Jee SH, Szilagyl M, Ovenshire C, Norton A, Conn A, Blumkin A, et al. Improved detection of developmental delays among young children in foster care. Pediatrics. 2010; 125(2):282-9. ).

Conclusões

Esta intervenção proporcionou aumento do conhecimento dos enfermeiros sobre desenvolvimento infantil e frequência de avaliações nas consultas realizadas às crianças menores de 2 anos, contribuindo para a detecção precoce de alterações no desenvolvimento. A partir dos resultados, recomenda-se a utilização de vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI, na Estratégia de Saúde da Família, tendo em vista ser um instrumento de aplicação rápida e com utilização de material de baixo custo para detecção de crianças com risco de alterações no desenvolvimento. Também evidencia-se a necessidade de utilização de tecnologias educativas, na busca de superação de fragilidades na prática dos enfermeiros, especialmente dos que trabalham na atenção primária à saúde da criança.

Agradecimentos

Às mães e enfermeiros participantes do estudo e aos funcionários do Distrito Sanitário III.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015

Histórico

  • Recebido
    03 Jul 2014
  • Aceito
    22 Mar 2015
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