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Uso da água residuária tratada e do biossólido no algodão colorido: produção e seus componentes1 1 1 Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentada à UFCG

Use of treated wastewater and of biosolid in the colored cotton: Production and their componentes

Resumo

O propósito com este trabalho, foi estudar o efeito da irrigação com água residuária e da adubação, com biossólidos na produção do algodão colorido. O experimento envolveu tratamentos que englobaram dois tipos de água (água de abastecimento e água residuária), quatro níveis de biossólido (0, 72, 144 e 216 kg de N ha-1), duas cultivares de fibra colorida do algodoeiro herbáceo (BRS 200 Marrom e BRS Verde) e duas testemunhas com adubação química NPK. A água residuária promoveu aumentos superiores a 400% na variável produção de algodão em caroço, independente do nível de biossólido e incrementou o peso de 100 sementes em mais de 35%, independente da cultivar estudada e do nível de biossólido. O número de capulhos por planta foi bem maior quando se usou a água residuária, cerca de 108,2% para a cultivar BRS 200 Marrom e de 85,9% para a cultivar BRS Verde. A água residuária possibilitou um incremento de mais de 255% na produção de algodão em pluma, para a cultivar BRS Marrom e de 370% para a cultivar BRS Verde. De maneira geral, para as duas cultivares testadas a água residuária elevou todas as variáveis mensuradas e o biossólido foi menos efetivo que a água residuária, na produção da planta do algodoeiro.

Palavras-chave:
algodoeiro herbáceo; lodo de esgoto; reúso de água

Abstract

The objective of this work was to study the effect of irrigation with wastewater and of manuring with biosolids on the production of colored cotton. The experiment involved treatments that included two types of water (supply and wastewater), four levels of biosolids (0, 72, 144 and 216 kg N ha-1), two cultivate of colored fiber of a herbaceous cotton (BRS 200 Brown and BRS Green) and two controls with chemical NPK manuring. The wastewater promoted increases superior to 400% in cotton production, independent of the biosolid dose, as well as increased weight of 100 seeds in more than 35%, independent of the cultivars studied and of the biosolid doses. The number of boll per plant was much higher when the wastewater was used, about 108.2% for the cultivar BRS 200 Brown and of 85.9% for cultivar BRS Green. The wastewater made possible an increment of more than 255% in the cotton production without seed for the cultivar Brown BRS and of 370% for the cultivar BRS Green. Generally, for the two cultivar tested, the wastewater increased all the variables and the biosolid was less effective than the wastewater in the production of cotton plant.

Key words:
herbaceous cotton; sewage sludge; reuse of water

INTRODUÇÃO

De acordo com Sousa & Leite (2002Sousa, J. T de; Leite, V. D. Tratamento e utilização de esgotos domésticos na agricultura. Campina Grande: EDUEP, 2002, 103p.) a irrigação torna-se a prática mais segura para garantir a produção agrícola na região Nordeste, mas, para suprir a demanda de água desta região, precisa-se não só administrar racionalmente as bacias hidrográficas locais mas, também, implantar uma forma racional para tratamento dos esgotos sanitários, objetivando-se reusálos para fins de agricultura, de vez que, além de suprir a água, que é tão escassa na região serve, também, como fertirrigação orgânica, consubstanciando ações direcionadas para o desenvolvimento sustentável da região. A falta de água leva ao êxodo da população nordestina economicamente ativa e constitui uma das principais razões para que esta região seja considerada uma das mais pobres do País.

Com o tratamento dos esgotos haverá produção de sólidos nas Estações de Tratamento de Esgoto (ETE), denominados lodo de esgoto, o qual não deve ser considerado simples resíduo, suas características físico-químicas o tornam um excelente condicionador do solo, podendo auxiliar na melhoria das práticas agrícolas atualmente em uso no Brasil; nesta ótica, o lodo de esgoto passa a ser entendido como biossólido. A reciclagem do lodo na agricultura é, sem sombra de dúvida, a melhor alternativa quando este atende aos requisitos necessários com relação à concentração de metais pesados e patógenos (Andreoli, 1999Andreoli, C.V. Uso e manejo do lodo de esgoto na agricultura. Curitiba: SANEPAR, 1999. 95p.).

Segundo Beltrão (1999Beltrão, N.E. de M. Algodão brasileiro em relação ao mundo: situação e perspectiva, In: O agronegócio do algodão no Brasil, Embrapa Algodão, v.1, Brasília: Embrapa Comunicação para Transferência de Tecnologia, cap I, p.17-27,1999.) a região Nordeste passou de grande produtora e exportadora de algodão, a importar parcela significativa do produto para atender à sua demanda interna. Esta região é um dos pólos mundiais de consumo de algodão, cerca de 300.000 t de pluma ao ano, e necessita ter a produção da matéria-prima, em níveis satisfatórios, para não depender do produto importado de outras regiões, internas, nem do exterior.

Com base nas considerações acima, sobre o aumento da oferta hídrica, a proteção ao ambiente, a melhoria da qualidade de vida da população local, considerando-se ainda a disponibilidade de biossólidos e águas residuárias, bem como a necessidade de um local adequado para descartá-los, e a carência de informações sobre seu uso como fertilizante agrícola e, ainda, sobre as cultivares de fibras coloridas, desenvolveuse o presente trabalho com o objetivo de estudar o efeito da irrigação com água residuária tratada e da adubação com diferentes níveis de biossólidos na produção do algodoeiro herbáceo de fibra colorida.

MATERIAL E MÉTODOS

O experimento foi conduzido nas instalações do Programa de Pesquisa em Saneamento Básico (PROSAB), conveniado ao Departamento de Engenharia Civil da Universidade Federal de Campina Grande, PB, durante o período de agosto de 2001 a janeiro de 2002, em condições controladas. A cultura estudada foi o algodoeiro herbáceo de fibra colorida, cultivares BRS 200 Marrom e BRS Verde, fornecidas pela Embrapa Algodão.

No estudo, utilizaram-se vasos plásticos com dimensões de 55 cm de altura e 40 cm de diâmetro, perfurados na parte inferior para permitir a drenagem. Os recipientes foram preenchidos com um substrato composto de solo francoarenoso mais a adição de lodo de esgoto em proporções determinadas de forma a se obter o tratamento desejado, com base em peso.

Os tratamentos foram constituídos de quatro níveis de biossólidos, denominados B0, B1, B2, B3, correspondendo à necessidade nutricional da cultura, em relação ao nitrogênio, fornecidos através do biossólido (0, 72, 144 e 216 kg de N ha-1), dois níveis do fator água (água do sistema de abastecimento local e água residúaria tratada), denominados A1 e A2, e duas cultivares do algodoeiro herbáceo de fibra colorida (BRS 200 Marrom e BRS Verde), além de duas testemunhas com adubação química NPK (Q1) e água de abastecimento para cada cultivar, adotando-se o delineamento experimental em blocos ao acaso em esquema fatorial 4x2x2+2, com quatro repetições, totalizando 72 plantas. A quantidade de fertilizante (N, P2O5 e K2O) aplicado no tratamento químico, sob a forma de sulfato de amônia (90 kg de N ha-1), superfosfato triplo (80 kg de N ha-1) e cloreto de potássio (60 kg de N ha-1), baseou-se na recomendação de adubação da Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária (IPA) para o algodão herbáceo irrigado. Aplicou-se o fertilizante em duas etapas, sendo metade no plantio e a outra metade 45 dias após o plantio.

A produção do algodão foi avaliada através das seguintes variáveis: número de capulhos por planta (ncpp); peso do algodão em caroço (palgcar); peso da pluma (Ppluma) e peso de um capulho (Pumcap). Os efeitos dos fatores níveis de biossólidos, água de irrigação e cultivar sobre o crescimento e desenvolvimento inicial do algodão, foram avaliados em esquema fatorial, por meio de análise da variância. Para o fator níveis de biossólidos fez-se análise de regressão por se tratar de um fator quantitativo, visando-se explicar, através de modelos matemáticos, o efeito do biossólido em cada variável estudada. O programa utilizado para análise estatística foi o SAS versão 8.2. Para os fatores água de irrigação e cultivar, por ser qualitativo, aplicou-se o teste de Tukey a 5% de probabilidade (Gomes, 1978Gomes, F.P. Curso de estatística experimental. 8.ed. São Paulo. Nobel, 1978. 430p.; Santos et al., 1998Santos, J.W; Moreira, J. de A.N; Beltrão, N.E.M. Avaliação do emprego dos testes de comparação de médias. Revista Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.33, n.3, p.225-230, 1998.).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1 pode-se verificar os resultados obtidos para as variáveis referentes à produção e seus componentes. Observou-se, para o fator tipo de água, significância estatística para todas as variáveis a nível de 1% de probabilidade pelo teste F, enquanto para o fator quantitativo, níveis de biossólidos, somente houve efeitos significativos para as variáveis número de capulhos por planta e produção de algodão em caroço, a nível de 1%, pelo mesmo teste e, para a variável produção de algodão em pluma, a nível de 5% de probabilidade. As cultivares testadas, BRS 200 Marrom e BRS Verde, diferiram entre si em quase todas as variáveis relacionadas com a produção, conforme a Tabela 1. No tocante às interações entre os fatores, verificou-se que várias delas foram significativas, Tabela 1, e as funções lineares simples entre as testemunhas (as duas cultivares sem uso do biossólido e sem água residuária na irrigação) e entre o fatorial (efeito médio) e as testemunhas, adubadas com fertilizantes químicos.

Tabela 1
Resumo das análises de variância das variáveis número de capulhos por planta (ncpp), peso do algodão em caroço (palgcar), peso da pluma (ppluma) e peso de um capulho (pumcap), em função dos fatores níveis de biossólidos, tipo de água e cultivar. Campina Grande, PB, 2003

A Tabela 2 apresenta os dados médios obtidos para a variável número de capulhos por planta, interação significativa entre as cultivares e as níveis de biossólidos, e as médias referentes aos contrastes estudados. Observa-se que a cultivar BRS 200 Marrom, que é perene, derivada do algodão arbóreo, mocó, apresentou maior número de frutos abertos nos três níveis de biossólidos utilizadas, que a BRS Verde, denotando melhor resposta a este fator de produção, fonte de nutrientes, em especial de nitrogênio e fósforo, não diferindo entre si no nível zero de biossólido. Quanto ao comportamento das cultivares entre níveis de biossólidos, verifica-se na mesma tabela, que foi semelhante, aumentando o número de capulhos até o nível equivalente a 144 kg de N ha-1 para a cultivar BRS 200 Marrom e a 216 kg de N ha-1 para a cultivar BRS Verde. No total, efeito médio do fatorial, que retrata os efeitos somados dos níveis de biossólidos e dos dois tipos de água usados, o adubo químico foi melhor que o orgânico, como se pode constatar observando-se o contraste fatorial versus testemunhas, na Tabela 2. Quanto às cultivares e ao adubo químico, a BRS 200 Marrom apresentou um número de frutos abertos maior que a BRS Verde, em virtude de apresentar maior número de pontos de frutificação e por apresentar, também, maior porte, com estrutura vegetativa mais densa, por ter porte arbóreo. Ainda considerando a variável número de capulhos por planta, interação significativa entre os fatores tipos de água versus cultivares, verificou-se, Tabela 3, que a água residuária promoveu acréscimo de mais de 100% na variável em tela, para a cultivar BRS 200 Marrom, e um pouco menos para a BRS Verde, e que, com a água residuária, a cultivar produtora de fibra marrom respondeu melhor que a de fibra verde.

Tabela 2
Valores médios dos fatores níveis de biossólidos e cultivares, referentes ao desdobramento de sua interação significativa para as variáveis número de capulhos por planta e peso do algodão em caroço, Campina Grande, PB, 2003
Tabela 3
Valores médios dos fatores tipos de água e cultivares, referente ao desdobramento de sua interação significativa para a variável número de capulhos por planta e peso da pluma(g). Campina Grande, PB, 2003

No tocante à variável produção de algodão em caroço, interação significativa entre os fatores cultivares versus níveis de biossólidos, pode-se observar, na Tabela 2, que a cultivar de fibra verde foi mais produtiva que a de fibra marrom, nos níveis 0 e 216 kg de N ha-1, e que a primeira reagiu melhor ao biossólido que a segunda, apesar de ter um número de frutos menor, porém bem maiores (mais pesados). Verifica-se que a média do fatorial foi bem maior que a média das testemunhas e estas não diferiram entre si, quando receberam fertilização química, como pode ser visto na referida tabela, o contraste foi significativo. Considerando, ainda, esta variável, verifica-se na Tabela 4, interação significativa entre os fatores tipos de água versus níveis de biossólidos, que os efeitos da água residuária foram muito grandes, elevando a produção em todas as níveis de biossólidos. No nível zero de biossólido, a irrigação feita com a água reciclada incrementou a produção de algodão em caroço em mais de 1100%, o que é realmente muito significativo. Embora não com uma diferença tão pronunciada, resultados semelhantes foram obtidos por Ferreira (2003Ferreira, O.E. Efeitos da aplicação de água residuária doméstica tratada e adubação nitrogenada na cultura do algodão herbáceo e no meio edáfico. Campina Grande: UFCG, 2003. 78p. Dissertação Mestrado), trabalhando em condições de campo com a cultivar BRS 189 8H, produtora de fibra branca. Com a irrigação com água de abastecimento, o biossólido elevou a produção de algodão em caroço, a partir do nível equivalente a 144 kg de N ha-1.

Tabela 4
Valores médios dos fatores doses de biossólidos e tipos de águas, referente ao desdobramento de sua interação significativa para as variáveis peso do algodão em caroço (g/ planta) e peso de um capulho(g). Campina Grande, PB. 2003

Considerando-se a variável produção de algodão em pluma, principal produto do algodoeiro, interação significativa entre os fatores tipos de água de irrigação versus cultivares verificouse, Tabela 3 que ambas as cultivares responderam bem ao uso da água residuária como fonte de irrigação e nutrientes, com incrementos de 255,46% e de 370,6%, respectivamente, para as cultivares BRS 200 Marrom e BRS Verde, e que esta última cultivar respondeu melhor quando se usou a água residuária na irrigação, possivelmente por se tratar de um genótipo herbáceo, com maior coeficiente de emissividade (índice de colheita) que os tipos perenes, caso da cultivar de fibra marrom utilizada no presente estudo. A média do fatorial (níveis de biossólidos e tipos de água) foi bem maior que a adubação química, como evidenciado pelo contraste colocado na Tabela 3, aumento superior a 50%. Entre os tratamentos químicos (testemunhas), não se verificaram diferenças significativas entre as duas cultivares testadas, conforme a Tabela.

Para a variável peso de um capulho, outro importante componente da produção, verificou-se que a interação entre os tipos de água versus níveis de biossólidos, foi significativa, Tabela 1, e a cultivar de fibra de cor verde respondeu mais à adubação química, como revelado pelo contraste significativo. A água residuária elevou, em muito, o peso do capulho, especialmente nas duas primeiras níveis do biossólido testadas, Tabela 4.

CONCLUSÕES

Considerando-se a produção de algodão em caroço, principal variável estudada, verificaram-se efeitos isolados e conjuntos, dos fatores níveis de biossólidos e tipo de água, sendo que o tipo de água promoveu aumentos superiores a 400% nesta variável, independente do nível de biossólido; o número de capulhos por planta, principal componente da produção, foi bem maior quando se usou a água residuária, cerca de 108% na cultivar BRS 200 Marrom e de 86% na cultivar BRS Verde, considerando-se o efeito médio da água de abastecimento; a água residuária possibilitou um incremento de mais de 255% na produção de algodão em pluma, na cultivar BRS Marrom, e de 370% na cultivar BRS Verde, que respondeu melhor a este fator, com relação ao efeito médio da água de abastecimento.

LITERATURA CITADA

  • Andreoli, C.V. Uso e manejo do lodo de esgoto na agricultura. Curitiba: SANEPAR, 1999. 95p.
  • Beltrão, N.E. de M. Algodão brasileiro em relação ao mundo: situação e perspectiva, In: O agronegócio do algodão no Brasil, Embrapa Algodão, v.1, Brasília: Embrapa Comunicação para Transferência de Tecnologia, cap I, p.17-27,1999.
  • Ferreira, O.E. Efeitos da aplicação de água residuária doméstica tratada e adubação nitrogenada na cultura do algodão herbáceo e no meio edáfico. Campina Grande: UFCG, 2003. 78p. Dissertação Mestrado
  • Gomes, F.P. Curso de estatística experimental. 8.ed. São Paulo. Nobel, 1978. 430p.
  • Malavolta, E.; Haag, H.P.; Mello, F.A.F. de; Brasil Sobrinho, M.O.C. Nutrição mineral de algumas culturas tropicais. Piracicaba: Pioneira, p.193-195.1967.
  • Santos, J.W; Moreira, J. de A.N; Beltrão, N.E.M. Avaliação do emprego dos testes de comparação de médias. Revista Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v.33, n.3, p.225-230, 1998.
  • Sousa, J. T de; Leite, V. D. Tratamento e utilização de esgotos domésticos na agricultura. Campina Grande: EDUEP, 2002, 103p.
  • 1
    1 Parte da dissertação de mestrado do primeiro autor, apresentada à UFCG

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2021
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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