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Características maternas e infantis correlacionadas à frequência do consumo de alimentos ultraprocessados por crianças de 6 a 24 meses

Resumo

Objetivos:

verificar a correlação do consumo de alimentos ultraprocessados de mães e filhos menores de dois anos de idade e as principais características relacionadas a este consumo.

Métodos:

estudo transversal conduzido nos serviços públicos de saúde. Aplicaram-se três recordatórios de 24 horas para avaliar o consumo alimentar. Os alimentos ultraprocessados foram agrupados em: bebidas açucaradas; carnes; molhos e cremes; lácteos; lanches; massas; e mucilagens. Calculou-se o Índice de Massa Corporal e a relação cintura/quadril da mãe, índice peso/estatura, estatura/idade, peso/idade e índice de massa corporal/idade da criança. Correlacionou-se a frequência de ultraprocessados na alimentação das crianças com: variáveis antropométricas da díade; frequência de ultraprocessados na alimentação materna. Comparou-se a média do consumo de ultraprocessados das crianças com uso de chupeta, mamadeira, aleitamento materno e condição socioeconômica. Modelos de regressão linear foram conduzidos.

Resultados:

avaliou-se 172 pares. Foi verificada semelhança no consumo de ultraprocessados de mães e filhos. A maior frequência de ultraprocessados correlacionou-se a maior idade da criança e ao maior índice de massa corporal/idade e índice peso/idade. Dos 39 alimentos ultraprocessados presentes na alimentação das mães, 22 correlacionaram com os da criança.

Conclusão:

o consumo de ultraprocessados pelas crianças se assemelha ao das mães e correlacionase com maiores valores dos índices peso/idade e índice de massa corporal/idade.

Palavras-chave:
Alimentos ultraprocessados; Estado nutricional; Crianças; Mães

Abstract

Objectives:

to verify the correlation between the consumption of ultra-processed food among mothers and children under two years of age and the main characteristics related to this consumption.

Methods:

cross-sectional study conducted in public health services. Three 24-hour recalls were applied to assess food intake. The ultra-processed food was grouped into: sugary drinks; meat; sauces and creams; dairy products; snacks; pastas; and mucilage. Themother’s body mass index and waist/hip ratio, and the child’s weight/height, height/age, weight/age and body mass index/age were calculated. The children’s ultra-process frequency as correlated with: anthropometric dyadic variables; ultra-process frequency on breastfeeding. The children’s average ultra-process intake was compared to pacifier, bottle, breastfeeding and socioeconomic status. Linear regression models were conducted.

Results:

172 pairs were evaluated. Similarity was found in the mothers and children’s consumption of ultra-processed products. The higher frequency of ultra-processed products was correlated with older child and the higher body mass/age index and weight/age index. Of the 39 ultra-processed food present in the mothers’ diet, 22 were correlated to child’s

Conclusion:

the consumption of ultra-processed food by children is similar to their mothers and correlates with higher z-score values of weight/age and body mass/age index.

Key words:
Ultra-processed food; Nutritional status; Children; Mothers

Introdução

A alimentação infantil, ao longo dos dois primeiros anos de vida, caracteriza-se por mudanças progressivas em função do desenvolvimento da criança. Aos seis meses é recomendada a introdução de outros alimentos além do leite materno e, a partir do primeiro ano de vida a alimentação já progrediu quanto à consistência dos alimentos e apresenta caraterísticas semelhantes à alimentação da família.11 Ministry of Health (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de 2 anos [Internet]. Brasília (DF): Ministry of Health; 2019; [access in 2020 Jan 03]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_da_crianca_2019.pdf
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Neste período, as experiências alimentares da criança, além de impactarem na saúde22 Karnopp EVN, Vaz JS, Schafer AA, Muniz LC, Souza RDLV, Santos I, et al. Food consumption of children younger than 6 years according to the degree of food processing. J Pediatr (Rio J). 2017 Jan/Feb; 93 (1): 70-78., também influenciarão o desenvolvimento do seu hábito alimentar.33 Jaime PC, Prado RR, Malta DC. Influência familiar no consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos. Rev Saúde Pública. 2017; 51 (Suppl 1): 13S.,44 Cantalice ASC, Santos NCCB, Silva DCM, Collet N, Reichert APS, Medeiros CCM. Estado nutricional materno e o excesso de peso em crianças e adolescents. Rev Bras Nutr Clin. 2015; 30 (1): 39-44.

Na infância, dado o crescimento e desenvolvimento, não é indicado o consumo de alimentos ricos em açúcar e sódio, enlatados, frituras, refrigerantes, salgadinhos e guloseimas, visto serem considerados alimentos não saudáveis e competirem com os alimentos nutritivos. Entretanto, temse verificado a presença desses alimentos na alimentação de menores de dois anos.11 Ministry of Health (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de 2 anos [Internet]. Brasília (DF): Ministry of Health; 2019; [access in 2020 Jan 03]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_da_crianca_2019.pdf
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O relatório do Fundo das Nações Unidas das Crianças (UNICEF) sobre a Situação Mundial da Infância aponta que a alimentação infantil reflete a “transição nutricional” global, devido a substituição dos alimentos in natura por alimentos com elevado nível de processamento.55 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). The State of the World’s Children 2019. Children, food and nutrition: growing well in a changing world [Internet]. New York: UNICEF; 2019; [access in 2020 Jan 03]. Available from: https://www.unicef.org/brazil/media/5581/file/SOWC2019_relatorio_completo_em_ingles.pdf
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De acordo com o relatório da UNICEF, 44% das crianças de 6 a 23 meses no mundo não recebem frutas ou hortaliças na alimentação e apenas 29% apresentam um consumo diversificado de grupos alimentares.55 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). The State of the World’s Children 2019. Children, food and nutrition: growing well in a changing world [Internet]. New York: UNICEF; 2019; [access in 2020 Jan 03]. Available from: https://www.unicef.org/brazil/media/5581/file/SOWC2019_relatorio_completo_em_ingles.pdf
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Ou seja, desde os primeiros anos de vida, as crianças estão consumindo pouca variedade de alimentos saudáveis e sendo expostas a alimentos ultraprocessados.11 Ministry of Health (BR). Secretaria de Atenção Primária à Saúde. Departamento de Promoção da Saúde. Guia alimentar para crianças menores de 2 anos [Internet]. Brasília (DF): Ministry of Health; 2019; [access in 2020 Jan 03]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_da_crianca_2019.pdf
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Muitas vezes elas são desmamadas antes dos seis meses de vida e recebem precocemente alimentos ultraprocessados.66 Giesta JM, Zoche E, Correa RS, Bosa VL. Fatores associados à introdução precoce de alimentos ultraprocessados na alimentação de crianças menores de dois anos. Ciênc Saúde Colet. 2019 Jul; 24 (7): 2387-97.,77 Bielemann RM, Santos LP, Costa CS, Matijasevich A. Early feeding practices and consumption of ultraprocessed foods at 6 y of age: Findings from the 2004 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study. Nutrition. 2018 Mar; 47: 27-32. Estudo com crianças de quatro a 24 meses de idade verificou que 56.5% recebiam algum tipo de alimento ultraprocessado antes dos seis meses.55 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). The State of the World’s Children 2019. Children, food and nutrition: growing well in a changing world [Internet]. New York: UNICEF; 2019; [access in 2020 Jan 03]. Available from: https://www.unicef.org/brazil/media/5581/file/SOWC2019_relatorio_completo_em_ingles.pdf
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O público infantil e os adolescentes são mais vulneráveis ao consumo destes produtos devido ao seu sabor intenso, praticidade e baixo custo.88 Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011 Jan; 14 (1): 5-13.

A má qualidade da alimentação infantil tem contribuído para o aumento do risco de desnutrição e fome oculta.55 Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). The State of the World’s Children 2019. Children, food and nutrition: growing well in a changing world [Internet]. New York: UNICEF; 2019; [access in 2020 Jan 03]. Available from: https://www.unicef.org/brazil/media/5581/file/SOWC2019_relatorio_completo_em_ingles.pdf
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Vários fatores relacionam-se às práticas alimentares, dentre eles a condição socioeconômica, demográfica e o comportamento parental,33 Jaime PC, Prado RR, Malta DC. Influência familiar no consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos. Rev Saúde Pública. 2017; 51 (Suppl 1): 13S. com destaque para a figura materna, já que na maioria das vezes são elas as responsáveis pela seleção e oferta de alimentos nesta faixa etária. Além destes fatores, chama-se atenção, ainda, para o uso de chupeta e mamadeira, visto que tais comportamentos prejudicam o aleitamento materno.77 Bielemann RM, Santos LP, Costa CS, Matijasevich A. Early feeding practices and consumption of ultraprocessed foods at 6 y of age: Findings from the 2004 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study. Nutrition. 2018 Mar; 47: 27-32.,99 Relvas GRB, Buccini GDS, Venancio SI. Ultra-processed food consumption among infants in primary health care in a city of the metropolitan region of Sao Paulo, Brazil. J Pediatr (Rio J). 2019 Sep/Oct; 95 (5): 584-92.

Diante do exposto, buscou-se verificar a correlação do consumo de alimentos ultraprocessados de mães e de filhos menores de dois anos de idade e as principais características relacionadas a este consumo.

Métodos

Estudo transversal, realizado nos anos de 2016 e 2017, com mães e seus filhos menores de dois anos de idade atendidos na rede pública de saúde do município de Viçosa (MG). O município possui 18 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e uma Policlínica. A coleta foi realizada na Policlínica, em dias de vacinação, e em cinco UBS, pois as demais não desenvolviam atividades de puericultura e/ou não aceitaram participar da pesquisa. Foram recrutadas todas as mães com filhos menores de 24 meses de idade que frequentaram os locais da coleta. O critério de inclusão adotado foi ser mãe de criança com até dois anos de idade. Foram excluídas do estudo as mães grávidas e aquelas que apresentavam intolerância ao glúten e à lactose, uma vez que tais condições implicam alterações na alimentação. Os dados foram coletados por três pesquisadores previamente treinados.

A amostragem foi por conveniência e totalizou 203 pares, sendo 15 excluídos pois não responderam todos os recordatórios alimentares e 17 devido à existência de alergia alimentar pelas mães e/ou crianças. Diante disso, foram avaliados 171 pares. Para o cálculo do poder amostral utilizou-se o software OpenEpi online e considerou-se a exposição das crianças aos alimentos UPP, a prevalência de excesso de peso segundo o IMC/idade (IMC/I) e um nível de significância de 5%.

Para obtenção dos dados foram utilizados questionários contendo as seguintes variáveis: condições socioeconômicas (classificada pelo critério da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP de 2016); demográficas (idade e sexo); comportamentais (uso de chupeta e mamadeira pelas crianças, uso de tabaco e álcool pelas mães); saúde (presença de doenças crônicas e depressão pós parto); ganho de peso gestacional; peso e comprimento ao nascer. Esses dados foram autorelatados pelos responsáveis e/ou obtidos do cartão de saúde da criança.

Avaliou-se, ainda, o estado nutricional da díade. Nas mães, foram aferidos o peso, a altura e o perímetro da cintura e do quadril. O peso foi aferido em quilograma, por meio de uma balança eletrônica da marca Kratos®, com capacidade máxima de 150 quilos (kg). A estatura foi aferida em centímetros com auxílio de um estadiômetro Altura Exata®. O perímetro da cintura foi aferido no ponto médio entre a margem inferior da última costela e a crista ilíaca. Calculou-se o Índice de Massa Corporal (IMC), dividindo o peso pela altura ao quadrado, e a relação cintura-quadril (RCQ), dividindo o perímetro da cintura pelo perímetro do quadril. Tanto o IMC quanto a RCQ foram classificados segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS).1010 World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic: report of a WHO consultation [Internet]. Geneva: WHO; 2000; [access in 2020 Jan 03]. Available from: https://apps.who.int/iris/handle/10665/42330
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Nas crianças, foram aferidos o peso e o comprimento. Para aferir o peso, utilizouse uma balança pediátrica, com capacidade máxima de 16kg. Naquelas crianças com peso superior a esta capacidade, utilizou-se a mesma balança usada nas mães. O comprimento das crianças foi aferido em centímetros por meio de um antropômetro infantil. O estado nutricional foi avaliado no programa WHO Anthro 2011 versão 3.2.2, utilizando como padrão de referência as recomendações da OMS.1111 World Health Organization (WHO). The WHO Multicentre Growth l Reference Study (MGRS). Child growth standard. Geneva: WHO; 2010. Foram avaliados os índices peso/idade (P/I), peso/estatura (P/E), estatura/idade (E/I) e IMC/idade (IMC/I), em escore-Z, de acordo com as curvas propostas pela OMS.

A prática alimentar da díade foi avaliada por meio do Recordatório 24 horas (R24h). As mães responderam a três R24h referentes à sua alimentação e a da criança, em dias não consecutivos, sendo um referente ao final de semana ou feriado. O primeiro R24h foi aplicado no local da coleta, após a aplicação do questionário e aferição das medidas antropométricas. Para obtenção dos demais R24h, realizaram-se visitas domiciliares. No final da coleta de cada R24h era investigada a presença de alimentos processados e ultraprocessados, e caso fosse constatada sua presença, questionava-se a marca e o tipo do produto para posterior análise dos ingredientes presentes nos rótulos. Verificou-se a prática do aleitamento materno,1212 World Health Organization (WHO). Indicators for assessing infant and young child feeding practices. Part I: definition. Geneva: WHO; 2008. identificando no R24h a oferta de outros alimentos ou fórmulas junto com o leite materno. Os alimentos presentes nos R24h foram classificados de acordo com o nível de processamento em: in natura ou minimamente processados, processados e ultraprocessados (UPP). Para esta classificação considerou-se a proposta do Monteiro et al.1313 Monteiro CA, Cannon G, Levy RB, Moubarac JC, Jaime P, Martins AP, et al. NOVA. A estrela brilha. Classificação dos alimentos. Saúde Pública. World Nutrition. 2016 Jan/Mar; 7: 28-40. e quando havia dúvida sobre sua classificação consulta-se a lista de ingredientes presente no rótulo dos produtos para classificá-lo corretamente. As fórmulas infantis, apesar de serem consideradas UPP não foram contabilizadas neste estudo, visto serem indicadas como substitutos do leite materno.

Os alimentos UPP foram identificados nos recordatórios coletados. Inicialmente foi identificada a presença de alimentos UPP em cada dia. Posteriormente realizou-se a média do consumo de UPP presente nos três inquéritos alimentares. Para as análises foi realizado o somatório da frequência de cada alimento pertencente aos grupos avaliados, conforme classificação abaixo:

  • - Bebidas açucaradas (refrigerante, suco em pó, suco e água de coco industrializada);

  • - Carnes ultraprocessadas (calabresa, salsicha, lombo, hambúrguer, mortadela, salame, presunto, nugget, linguiça);

  • - Molhos e cremes (margarina, maionese, molho de tomate, creme de leite);

  • - Lácteos (iogurte de fruta/leite fermentado, requeijão);

  • - Lanches (biscoitos recheados, polvilho, maisena/ cream cracker, chips, mistura para bolos, gelatina, picolé, sorvete/milk-shake, chocolate, balas/doces, barra de cereal);

  • - Massas (macarrão instantâneo, pão de fôrma, empada, pizza);

  • - Mucilagens (achocolatado, mucilon®, sustagem®, farinha láctea®).

Para a análise estatística utilizou-se o software Stata versão 13.0. Verificou-se a normalidade das variáveis pelo teste Shapiro Whilk e coeficiente de assimetria. Para avaliar a correlação da frequência de alimentos UPP na alimentação das crianças com: a frequência de UPP na alimentação da mãe, as variáveis antropométricas, e sociodemográficas da díade foi utilizado o teste de correlação de Pearson. Foi utilizado o teste t de Student para comparar a frequência de UPP na alimentação das crianças com: presença de marido/ companheiro; uso de mamadeira; uso de chupeta; presença de aleitamento materno; residência urbana (sim/não); e condição socioeconômica (A, B ou C, D e E).

A análise bivariada foi realizada a partir do modelo de regressão linear simples considerando a frequência de UPP na alimentação das crianças como desfecho. Regressão múltipla foi conduzida a partir das variáveis explicativas antropométricas, comportamentais, obstétricas, aleitamento materno, socioeconômicas e demográficas da díade e referentes aos UPP presentes na alimentação das mães. Potenciais confundidores foram identificados com base nos dados e na literatura. Construiu-se, no programa DAGitty, um gráfico acíclico direcionado (DAG) para auxiliar a seleção das covariáveis incluídas nas análises. Essa abordagem permite identificar um conjunto mínimo de covariáveis suficientes para controlar a situação de confusão. As variáveis identificadas como confundidoras foram: classificação econômica da ABEP, aleitamento materno, idade da mãe, depressão e uso de álcool e tabaco pelas mães; uso de mamadeira pelas crianças. Avaliou-se a qualidade do ajuste do modelo pela análise dos resíduos, bem como pela análise de multicolinearidade entre as variáveis incluídas no modelo. O nível de significância adotado foi de 5%.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Viçosa (UFV), sob o número de registro 1.833.627.

Resultados

Foram avaliados 171 pares, amostra esta que obteve um poder estatístico de 96,6%. A média de idade das crianças foi de 12 (±8,2) meses e das mães 27 (±6,7) anos. Aproximadamente metade das crianças era do sexo masculino (53,8%) e a maioria (59,1%) das mães tinha ensino médio ou superior completo. Na Tabela 1 encontra-se a descrição da amostra e nela verificamos que a faixa etária infantil mais prevalente (49,2%) foi a de 1 a 2 anos e que mais da metade (51,5%) das crianças avaliadas faziam uso de mamadeira. Em relação ao estado nutricional, 91,8% das crianças estavam com peso adequado para a idade e 64,3% com índice de massa corporal adequado para a idade. Quanto ao estado nutricional das mães, 59,1% estavam eutróficas. Aproximadamente metade das mães (49,7%) apresentaram perímetro da cintura com valores indicativos de risco aumentado para doenças cardiometabólicas (Tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas, nutricionais e comportamentais das crianças e de suas mães. Viçosa, MG. 2016-2017 (N=171).

Na Figura 1a verifica-se que 73,1% das crianças consomem alimentos UPP e dentre aquelas menores de seis meses este percentual foi de 32,8%. O percentual de crianças com presença de pelo menos um UPP na alimentação aumentou com a idade, e se aproximou do perfil materno nas faixas de 6 a 12 meses (83,3%) e nas maiores de 12 meses (97,6%). Os alimentos UPP estavam presentes na alimentação das crianças menores de 6 meses, sendo representados por: iogurte de fruta e bebida láctea fermentada (15,5%), mucilagem (13,8%), biscoito de maisena, cream cracker e cookies (12,1%), biscoito de polvilho (10,3%), molho de tomate (6,9%), misturas para bolos (1,7%), balas e doces (1,7%), composto lácteo (1,7%), creme de leite (1,7%) e refrigerante (1,7%).

Figura 1
Frequência de mães e crianças que apresentaram pelo menos um alimento ultraprocessado na alimentação, conforme faixa etária (a) e grupos avaliados (b). Viçosa, MG, 2016-2017 (n=171).

Conforme Figura 1b, a alimentação das crianças continha alimentos pertencentes a todos os grupos presentes na alimentação materna, revelando consumo diversificado destes alimentos e um perfil alimentar semelhante ao materno. Em todas as faixas etárias houve presença de pelo menos um alimento UPP de cada grupo avaliado, exceto para crianças menores de 6 meses, onde não houve presença de massas e carnes ultraprocessadas. Dentre os alimentos UPP presentes na alimentação das crianças, o grupo dos lácteos e das mucilagens foi o mais frequente para aquelas menores de seis meses (15,5% em ambos os grupos) e os lanches foram os mais frequentes para as crianças das faixas etárias de 6 a 12 meses (72,4%) e maiores de 12 meses (94,1%).

Dos 39 alimentos UPP verificados na alimentação materna, 22 apresentaram correlação positiva com os alimentos presentes na alimentação das crianças (Tabela 2). Foram verificadas concordâncias positivas e significativas entre a frequência total de UPP na alimentação das crianças e idade da criança, peso/ idade da criança e IMC/idade da criança (Tabela 3).

Tabela 2
Coeficiente de correlação entre a frequência de alimentos ultraprocessados na alimentação da díade, Viçosa, MG, 2016-2017 (n=171).
Tabela 3
Correlação da frequência de ultraprocessados na alimentação das crianças e variáveis antropométricas da díade, Viçosa, MG, 2016- 2017 (n=171).

A frequência total de UPP presentes na alimentação das crianças não diferiu quanto à presença de marido/companheiro, tipo de residência urbana (sim/não), uso de chupeta e classificação socioeconômica (A e B ou C, D e E). No entanto, houve aumento da frequência de UPP na alimentação das crianças que recebiam preparações por meio de mamadeira (p=0,033) e que não estavam em aleitamento materno (p<0,001)

Na análise bivariada, verificou-se que a frequência de UPP na alimentação das crianças se associou positivamente ao peso, comprimento, P/I, IMC/I e idade das crianças, de modo que a maior frequência de UPP foi acompanhada de maiores valores dos referidos parâmetros e índices. Além disso, verificou-se associação do consumo de UPP com a presença de bebidas açucaradas na alimentação materna, consumo de álcool, aleitamento materno e uso de mamadeira. Na análise de regressão bruta, verificou-se associação da frequência de UPP na alimentação das crianças apenas com a idade da criança e consumo de bebidas açucaradas pelas mães. Após ajustes pelas variáveis de confusão, identificadas pelo DAG, ambas as associações se mantiveram (Tabela 4).

Tabela 4
Coeficientes de regressão linear (bruto e ajustado), respectivos intervalos de confiança e valor-p para a associação entre a frequência de ultraprocessados na alimentação das crianças de acordo com as variáveis finais presentes no modelo, Viçosa, MG, 2016-2017 (n=171).

Discussão

Até onde sabemos, este é um dos primeiros estudos que avalia a relação da presença de alimentos ultraprocessados na alimentação de mães e seus filhos nos primeiros anos de vida. Nele, identificamos semelhança no consumo de alimentos UPP na alimentação da díade mãe-filho, com grande diversidade de alimentos UPP na alimentação da díade. Além disso, o estudo verificou que o público infantil consome esse tipo de alimento até mesmo nos primeiros seis meses, e que o consumo destes alimentos está associado a um aumento nos valores dos índices P/I e IMC/I.

Segundo Martins et al.1414 Martins AP, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública. 2013 Aug; 47 (4): 656-65. houve um aumento significativo da presença de alimentos industrializados na alimentação da população brasileira, especialmente os ultraprocessados. Estudos realizados em outros países também verificaram esta tendência no consumo alimento.1515 Moubarac JC, Batal M, Martins APB, Claro RM, Levy RB, Cannon G, et al. Time trends in the consumption of processed and ultra-processed food and drink products between 1938 and 2011 in Canada. Can J Diet Pract Res. 2014; 75 (1): 15-21.,1616 Mendonça RD, Pimenta AM, Gea A, Fuente-Arrillaga C, Martinez-Gonzalez MA, Lopes ACS, et al. Ultraprocessed food consumption and risk of overweight and obesity: the University of Navarra follow-up (SUN) cohort study 1, 2. Am J Clin Nutr. 2016 Nov; 104 (5): 1433-40. A presença de alimentos UPP implica na redução do consumo de alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários,22 Karnopp EVN, Vaz JS, Schafer AA, Muniz LC, Souza RDLV, Santos I, et al. Food consumption of children younger than 6 years according to the degree of food processing. J Pediatr (Rio J). 2017 Jan/Feb; 93 (1): 70-78.,1414 Martins AP, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública. 2013 Aug; 47 (4): 656-65. os quais devem constituir a base da alimentação. Assim, no contexto da alimentação saudável e no âmbito da saúde pública, o consumo domiciliar crescente de produtos industrialmente processados tornou-se uma preocupação,88 Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011 Jan; 14 (1): 5-13.,1414 Martins AP, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública. 2013 Aug; 47 (4): 656-65. já que representa risco para doenças carenciais e crônicas não transmissíveis.1717 Fardet A. Characterization of the degree of food processing in relation with its health potential and effects. Adv Foods Nutr Res. 2018; 85: 79-129. No presente estudo, a condição encontrada revela que a mãe não somente inclui alimentos UPP em sua alimentação, mas também o introduz na alimentação de seu filho.

A frequência de alimentos UPP na alimentação das crianças que estavam em aleitamento materno foi menor quando comparada às demais crianças. Relvas et al.,99 Relvas GRB, Buccini GDS, Venancio SI. Ultra-processed food consumption among infants in primary health care in a city of the metropolitan region of Sao Paulo, Brazil. J Pediatr (Rio J). 2019 Sep/Oct; 95 (5): 584-92. identificaram que lactentes que não foram amamentados apresentaram uma maior frequência de alimentos ultraprocessados em sua alimentação comparado aos que foram amamentados. Tal resultado enfatiza a importância da prática do aleitamento materno exclusivo, principalmente pelo fato dos efeitos danosos da oferta precoce de alimentos à criança1818 Ministry of Health (BR). Departamento de Atenção Básica. Cadernos de Atenção Básica, nº 23. Saúde da criança: aleitamento materno e alimentação complementar. 2ª ed. Brasília (DF): Ministry of Health; 2015. se somarem aos riscos do consumo de alimentos UPP. Além disso, o consumo de alimentos UPP no início da vida pode predispor as crianças ao desenvolvimento de padrões alimentares não saudáveis, podendo ainda resultar no desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis na infância ou na vida adulta.1717 Fardet A. Characterization of the degree of food processing in relation with its health potential and effects. Adv Foods Nutr Res. 2018; 85: 79-129.,1919 Tagliettir RL, Lazarotto K, Pinto SLB, Teo CRPA. Práticas alimentares nos dois primeiros anos de vida: presença de vulnerabilidade em saúde. Sci Med. 2014; 24 (1): 39-45.

Ao analisar os grupos de alimentos UPP, verificou-se que as massas não foram consumidas pelas crianças menores de seis meses. Entretanto, Longo-Silva et al.2020 Longo-Silva G, Toloni MHDA, Menezes RCED, Asakura L, Oliveira MAA, Taddei JADAC. Ultra-processed foods: consumption among children at day-care centers and their classification according to traffic light labelling system. Rev Nutr. 2015 Oct; 28 (5): 543-53. verificaram que 21,5% das mães ofereceram macarrão instantâneo para seus filhos antes dos seis meses de idade e, no segundo estudo 23% das crianças menores de 4 meses também consumiam este alimento. Além do macarrão, Spinelli et al.2121 Spinelli MGN, Souza SB, Souza JMP. Consumo, por crianças menores de um ano de idade, de alimentos industrializados considerados supérfluos. Pediatr Mod. 2001; 37 (12): 666-72. verificaram consumo de pães de hot dog em 37,9% das crianças menores de um ano.

O consumo de biscoito de polvilho, maizena, cookies e biscoito cream cracker, e balas e doces se destacou na alimentação das crianças menores de seis meses. Longo- Silva et al.2020 Longo-Silva G, Toloni MHDA, Menezes RCED, Asakura L, Oliveira MAA, Taddei JADAC. Ultra-processed foods: consumption among children at day-care centers and their classification according to traffic light labelling system. Rev Nutr. 2015 Oct; 28 (5): 543-53. também verificaram consumo de alimentos como biscoito recheado, chocolate e sorvete. Freiberg et al.2222 Freiberg CK, Phillippi ST, Leal GVS, Martinez MF, Silva MEW. Avaliação do consumo alimentar de crianças menores de dois anos institucionalizadas em creches no município de São Paulo. Rev Assoc Bras Nutr. 2012; 4 (1): 17-21. encontraram 50% das crianças entre quatro e seis meses consumindo espessantes junto ao leite na mamadeira. Tal resultado vai ao encontro do presente estudo, já que a frequência de UPP na alimentação das crianças menores de seis meses foi maior entre aquelas que usavam mamadeira. Acredita-se que esta relação ocorra pelo fato das crianças serem desmamadas antes do recomendado e expostas precocemente a este tipo de alimento.99 Relvas GRB, Buccini GDS, Venancio SI. Ultra-processed food consumption among infants in primary health care in a city of the metropolitan region of Sao Paulo, Brazil. J Pediatr (Rio J). 2019 Sep/Oct; 95 (5): 584-92.

Estudo conduzido com crianças menores de 24 meses verificou que cerca de 31% das crianças consumiam suco artificial e 30% já consumiam açúcar e achocolatado.2323 Lopes WC, Marques FKS, Oliveira CF, Rodrigues JA, Silveira MF, Caldeira AP, et al. Alimentação de crianças nos primeiros dois anos de vida. Rev Paul Pediatr. 2018 Apr/Jun; 36 (2): 164-70. Considerando que a criança já nasce com predileção para o sabor adocicado, a oferta de alimentos açucarados pode habituá-la ao alto consumo de açucares, com consequências para sua saúde atual e futura.2424 World Health Organization (WHO). Diet, nutrition and the prevention of chronic diseases. Report of a joint WHO/FAO expert consultation. Geneva: WHO; 2015.

A frequência de alimentos UPP aumentou com o avançar da idade da criança, semelhante ao verificado em dois estudos.22 Karnopp EVN, Vaz JS, Schafer AA, Muniz LC, Souza RDLV, Santos I, et al. Food consumption of children younger than 6 years according to the degree of food processing. J Pediatr (Rio J). 2017 Jan/Feb; 93 (1): 70-78.,2525 Sparrenberger K, Friedrich RR, Schiffner MD, Schuch I, Wagner MB. Ultra-processed food consumption in children from a Basic Health Unit. J Pediatr (Rio J). 2015 Nov/Dec; 91 (6): 535-42. A partir dos seis meses verificou-se maior semelhança entre a díade no que se refere à presença de alimentos UPP na alimentação. Isso pode ser explicado pelo fato da alimentação complementar favorecer a aproximação das crianças aos hábitos alimentares da família,33 Jaime PC, Prado RR, Malta DC. Influência familiar no consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos. Rev Saúde Pública. 2017; 51 (Suppl 1): 13S.,44 Cantalice ASC, Santos NCCB, Silva DCM, Collet N, Reichert APS, Medeiros CCM. Estado nutricional materno e o excesso de peso em crianças e adolescents. Rev Bras Nutr Clin. 2015; 30 (1): 39-44. o que atualmente significa maior possibilidade de consumir alimentos UPP.1414 Martins AP, Levy RB, Claro RM, Moubarac JC, Monteiro CA. Increased contribution of ultra-processed food products in the Brazilian diet (1987-2009). Rev Saúde Pública. 2013 Aug; 47 (4): 656-65.,1515 Moubarac JC, Batal M, Martins APB, Claro RM, Levy RB, Cannon G, et al. Time trends in the consumption of processed and ultra-processed food and drink products between 1938 and 2011 in Canada. Can J Diet Pract Res. 2014; 75 (1): 15-21.

Constatou-se relação do hábito alimentar materno sobre o perfil alimentar da criança ao verificar associação positiva entre 22 alimentos UPP presentes na alimentação da mãe e do filho. Outros estudos também constataram a influência familiar no consumo alimentar das crianças, como Araújo2626 Araújo GS. Práticas parentais alimentares e sua relação com o consumo de alimentos na infância [dissertation]. Brasília (DF): Universidade de Brasília (UnB); 2015. ao verificar que o consumo materno é um fator preditor para o consumo de alimentos saudáveis na infância e Jaime et al.,33 Jaime PC, Prado RR, Malta DC. Influência familiar no consumo de bebidas açucaradas em crianças menores de dois anos. Rev Saúde Pública. 2017; 51 (Suppl 1): 13S. que encontraram associação entre o consumo das crianças e dos adultos da casa.

A maior frequência de UPP na alimentação das crianças foi acompanhada de maiores valores de peso, comprimento e índices P/I e IMC/I. Considerando que houve relação entre frequência de UPP e idade da criança, isso justifica a associação da mesma com o comprimento, já que nesta fase da vida o crescimento ocorre com o avançar da idade. Estudo conduzido com crianças de 4 a 7 anos verificou associação positiva entre o padrão alimentar “Não saudável” (suco artificial e refrigerante, frituras, lanches e embutidos, doces, e biscoitos recheados) com indicadores de adiposidade total (IMC e gordura corporal total) e central (RCE e gordura central).2727 Vieira-Ribeiro SA, Andreoli CS, Fonseca PCA, Hermsdorff HHM, Pereira PF, Ribeiro AQ, et al. Dietary patterns and body adiposity in children in Brazil: a cross-sectional study. Public Health Nutr. 2019 Jan; 166: 140-7.

Associações positivas entre consumo de alimentos UPP e gordura corporal durante a infância e adolescência2727 Vieira-Ribeiro SA, Andreoli CS, Fonseca PCA, Hermsdorff HHM, Pereira PF, Ribeiro AQ, et al. Dietary patterns and body adiposity in children in Brazil: a cross-sectional study. Public Health Nutr. 2019 Jan; 166: 140-7.,2828 Costa SC, Del-Ponte B, Assunção MCF, Santos IS. Consumption of ultra-processed foods and body fat during childhood and adolescence: a systematic review. Public Health Nutr. 2018 Jan; 21 (1): 148-59. e a obesidade em adultos e adolescentes1616 Mendonça RD, Pimenta AM, Gea A, Fuente-Arrillaga C, Martinez-Gonzalez MA, Lopes ACS, et al. Ultraprocessed food consumption and risk of overweight and obesity: the University of Navarra follow-up (SUN) cohort study 1, 2. Am J Clin Nutr. 2016 Nov; 104 (5): 1433-40.,2929 Louzada MLC, Baraldi LG, Steele EM, Martins APB, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultraprocessed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med. 2015 Dec; 81: 9-15. tem sido verificada. Canella et al.3030 Canella DS, Levy RB, Martins APB, Claro RM, Moubarac JC, Baraldi LG, et al. Ultra-processed food products and obesity in Brazilian households (2008- 2009). PLoS One. 2014 Mar; 9 (3): e92752. verificaram associação do sobrepeso com a maior disponibilidade destes alimentos em domicílios brasileiros. Essa condição se deve às características nutricionais inadequadas destes alimentos, as quais contribuem para o excesso do consumo de energia, gordura total e saturada.2020 Longo-Silva G, Toloni MHDA, Menezes RCED, Asakura L, Oliveira MAA, Taddei JADAC. Ultra-processed foods: consumption among children at day-care centers and their classification according to traffic light labelling system. Rev Nutr. 2015 Oct; 28 (5): 543-53.,2929 Louzada MLC, Baraldi LG, Steele EM, Martins APB, Canella DS, Moubarac JC, et al. Consumption of ultraprocessed foods and obesity in Brazilian adolescents and adults. Prev Med. 2015 Dec; 81: 9-15. Outras características também contribuem, como por exemplo, o fato de serem hiperpalatáveis e de fácil transporte,88 Monteiro CA, Levy RB, Claro RM, Castro IR, Cannon G. Increasing consumption of ultra-processed foods and likely impact on human health: evidence from Brazil. Public Health Nutr. 2011 Jan; 14 (1): 5-13. o que incentiva a mãe a inclui-los na alimentação das crianças e, às vezes, de forma precoce e ascendente, o que contribui para o ganho de peso.

No presente estudo, não foi verificada associação entre a frequência de alimentos UPP na alimentação das crianças com a renda e local de residência. Isso pode ser decorrente ao fato de que toda a população, independente da sua classe socioeconômica, apresenta alimentos UPP em sua alimentação. Martins et al.77 Bielemann RM, Santos LP, Costa CS, Matijasevich A. Early feeding practices and consumption of ultraprocessed foods at 6 y of age: Findings from the 2004 Pelotas (Brazil) Birth Cohort Study. Nutrition. 2018 Mar; 47: 27-32. corrobora essa afirmação, visto que encontraram um aumento do consumo de produtos UPP em todos os estratos econômicos.

Dentre as limitações do estudo destacam-se aquelas referente ao inquérito alimentar utilizado, como por exemplo, o viés da memória durante o relato do consumo referente ao dia anterior. Também, um estudo que considere a contribuição calórica destes alimentos poderá ampliar o conhecimento sobre sua influência no estado nutricional da díade. Entretanto, este é aparentemente o primeiro estudo que avalia a relação da presença de alimentos ultraprocessados na alimentação de mães e seus filhos nos dois primeiros anos de vida e que correlaciona a presença dos mesmos com o estado nutricional.

Conclui-se que a presença de alimentos ultraprocessados na alimentação das crianças se assemelha ao de suas mães, de modo que mães que incluíram alimentos UPP em sua alimentação também os introduziram na alimentação do filho, mesmo antes dos seis meses de vida. O consumo de UPP parece apresentar repercussão na condição nutricional da criança, haja vista sua correlação com maiores valores de escore z dos índices antropométricos PI e IMCI. Diante dos achados, ressalta-se a premência de ações de esclarecimento e promoção da conscientização de pais e familiares sobre os riscos da introdução de alimentos ultraprocessados na alimentação da criança menor de dois anos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    08 Jan 2020
  • Revisado
    21 Set 2021
  • Aceito
    15 Mar 2022
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