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A TRADUÇÃO DE BOUMKŒUR, DE RACHID DJAÏDANI, PARA O PORTUGUÊS DO BRASIL: UM PANORAMA DOS PRINCIPAIS DESAFIOS

TRANSLATING BOUMKŒUR, BY RACHID DJAÏDANI, INTO BRAZILIAN PORTUGUESE: AN OVERVIEW OF THE MAIN CHALLANGES

Resumo

Este artigo se baseia em uma pesquisa intitulada Boumkœur, de Rachid Djaïdani: estudo e tradução para o português do Brasil (2017), realizada no quadro do Bacharelado em Francês da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) com o objetivo de empreender uma tradução e análise do romance em questão. De forma resumida, apresento aqui uma visão parcial de três propostas de tradução para trechos que, por conterem, respectivamente, marcadores culturais, expressões de um socioleto popular e amostras de textos poéticos, representam desafios à tradução para o português do Brasil. Esse projeto tradutório optou por uma prática de “ética da diferença” (VENUTI, 2002) que busca conciliar os conceitos de “estrangeirização” e “domesticação” (VENUTI, 2008).

Palavras-chave:
Boumkœur; Rachid Djaïdani; Literatura francesa de cité; Tradução literária; “Ética da diferença”

Abstract

This article is based on a research project entitled “Boumkœur, de Rachid Djaïdani: estudo e tradução para o português do Brasil” (2017) [“Analyzing and translating Boumkœur, by Rachid Djaïdani, into Brazilian Portuguese”]. For this project, conducted during a degree in Modern Languages at the Federal University of Juiz de Fora (UFJF), I tried to offer an analysis and a translation of Djaïdani’s novel. The scope of this article is however considerably more limited insofar as I present a partial overview of the translation of three excerpts from Boumkœur, which are representative of issues concerning the translation of cultural marks, specific social dialects and poetic texts. In this analytical and translational work I opted for the practice of an “ethics of difference” (VENUTI, 2002) that aims at reconciling the concepts of “foreignization” and “domestication” (VENUTI, 2008).

Keywords:
Boumkœur; Rachid Djaïdani; French Literature; Literary translation; “Ethics of difference”

1. Introdução

Este artigo tem o objetivo de propor soluções de tradução para alguns trechos do romance Boumkœur (DJAÏDANI, 1999DJAÏDANI, R. Boumkœur. Paris: Seuil, 1999.) que põem em jogo questões relacionadas à transposição interlingual - do francês para o português do Brasil (PB) - de variedades sociolinguísticas, marcadores culturais e poemas. As propostas aqui apresentadas foram guiadas pela seguinte pergunta: como imprimir na tradução uma prática que reafirme a “ética da diferença” de Venuti (2002VENUTI, L. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Tradução Laureano Pelegrin et al. São Paulo: EDUSC, 2002.)? Esse conceito se estabelece como um contraponto a tendências tradutórias etnocêntricas que mais endossam preconceitos e estereótipos do que contribuem para a construção de uma relação de alteridade entre culturas de partida e culturas de chegada. A princípio, um dos modos mais importantes de assegurar a presença da alteridade na literatura traduzida consistiria na adoção de uma postura estrangeirizadora, que se opõe, em teoria, à prática domesticadora (VENUTI, 2008VENUTI, L. The Translator’s Invisibilty: A History of Translation. 2. ed. New York: Routledge, 2008.). Buscando relativizar a concepção dicotômica atribuída ao par estrangeirização/domesticação, tentei incorporar essas duas posturas na tradução, mostrando em que medida ambas podem se provar conciliáveis.

A importância de Boumkœur na literatura francesa reside no fato de o romance ter se consolidado como o primeiro livro de autoria periférica a ser publicado na França (CELLO, 2017CELLO, S. Traverser les banlieues littéraires : entre sensationnalisme et banalité quotidienne. Itinéraires, Paris, n. 3, p. 1-12, 2017.). O texto de Rachid Djaïdani reivindica não apenas um veículo de expressão para sujeitos periféricos, mas, desde seu lançamento, tem contribuído para que outros autores publiquem suas obras. No que concerne aos Estudos da Tradução, a análise de Boumkœur é digna de atenção, uma vez que permite estabelecer relações entre culturas distintas e mutuamente desconhecidas. Muito se sabe sobre a literatura francesa no Brasil, mas pouco se conhece sobre a literatura não canônica produzida desde territórios marginalizados.

O método de análise aqui discutido, precedido por um levantamento de alguns dos principais desafios tradutórios identificados no romance, consiste em aliar a teoria referente a aspectos tradutórios essenciais, pertinentes à obra em questão, a possibilidades de aplicação prática no contexto da tradução para o português do Brasil (PB). As escolhas tradutórias apresentadas são, portanto, embasadas por análises e reflexões teóricas que, não obstante, não deixam de incorporar perspectivas pessoais sobre o tratamento de determinados temas. Ao longo do texto, proponho possíveis soluções para questões tão complexas quanto o uso de verlan, a adaptação de provérbios e a tradução poética. Como resultado final, apresento um trabalho experimental que, certamente, não se quer definitivo.

2.Boumkœur e suas (possíveis) traduções

A representação da cidade, e mais especificamente da banlieue1 1 Termo francês usado para designar regiões suburbanas. , na literatura francesa não é uma novidade do século XXI. Mudanças de costumes e o novo cenário constituído por processos de urbanização e industrialização vêm sendo representados nessa literatura desde, pelo menos, o século XIX. O que se constitui como novidade é, isto sim, a mudança de perspectiva na representação de personagens marginais: quando autores oriundos de meios ou condições marginais passam a integrar o “polissistema literário” (EVEN-ZOHAR, 1990EVEN-ZOHAR, I. The position of translated literature within the literary polysystem. In: EVEN-ZOHAR, I. Papers in Historical Poetics. Tel Aviv: Porter Institute for Poetics & Semiotics, 1990, p. 192-197.), sua produção ocupa, de imediato, uma posição igualmente marginal em relação ao sistema central, formador do chamado cânone literário. As relações de poder entre os diferentes componentes de um polissistema pressupõem, contudo, um convívio interativo e dinâmico. É essa interação, precisamente, que garante a modificação mútua dos sistemas em contato.

Quando lançado em 1999, Boumkœur se consagrou como um sucesso de crítica e público, apresentando aos leitores a história de Yaz, um jovem de vinte e um anos, morador de uma cité2 2 Nesse contexto, o termo cité faz referência às HLM, ou Habitations à loyer modéré [Moradias de baixo custo], espécies de conjunto habitacional. , que no início da história enfrenta um impasse social: abandonado pelo ensino público e desempregado há pelo menos cinco anos, sua falta de perspectiva aumenta ainda mais as tensões entre ele e sua família, que é igualmente atingida pelos problemas estruturais presentes no cotidiano da banlieue. Esperando se livrar dessas dificuldades, Yaz decide escrever um livro sobre a realidade de seu conjunto habitacional, aproveitando-se da demanda midiática e sensacionalista por histórias da periferia, que, via de regra, são contadas a partir de um ponto de vista externo. Nessa empreitada, o protagonista, narrador da história, recorre a seu amigo Grézi, “olhos e ouvidos dos prédios”, a fim de narrar anedotas sobre as vidas dos moradores.

São muitos os temas e procedimentos literários que podem ser levantados a partir da leitura de Boumkœur. De um modo geral, o romance costuma ser analisado pelo viés da representação do sujeito e do espaço periférico ou pelo viés linguístico, que visa a abordar a presença de traços característicos da variedade sociolinguística reproduzida na história. Na verdade, a obra tem sido frequentemente usada para descrever o FCC, ou Français Contemporain des Cités [Francês contemporâneo das cités]. A instrumentalização do romance, no entanto, talvez seja contraproducente, na medida em que obscurece a interação entre as dimensões ética e estética assumidas por Djaïdani. Em Boumkœur, não é possível pensar o estudo do FCC sem que necessariamente se considerem as implicações e intenções por trás desse uso linguístico. O autor não se serve da variedade periférica francesa como mero “efeito de real” (BARTHES, 2004BARTHES, Roland. O efeito de real. In: BARTHES, Roland. O rumor da língua. Tradução Mário Laranjeira. São Paulo: Martins Fontes, 2004.). Ao contrário, a adoção de determinada variedade e postura linguística, como ressaltada por François (2008FRANÇOIS, C. Des littératures de l’immigration à l’écriture de la banlieue : Pratiques textuelles et enseignement. Synergies Sud-Est européen, n. 1, [S.L], p. 149-157, 2008.), altera a própria relação entre significante e objeto representado.

Embora nenhuma das obras de Djaïdani tenha sido traduzida para o português, encontrei diversos trabalhos acadêmicos estrangeiros que se debruçam sobre temas suscitados por seus três romances. Dentre os enfoques mais comuns, destacam-se a descrição e análise dos procedimentos linguísticos empregados pelo autor em Boumkœur. Em minhas pesquisas, deparei-me com cinco artigos3 3 Bastian (2009) apresenta uma análise de elementos lexicais presentes em Boumkœur, a fim de descrever o que se convencionou chamar Français Contemporain des Cités (FCC). Analogamente, Soukalová (2008) e Holcmanová (2009) apresentam possibilidades de tradução para o tcheco com o objetivo de, respectivamente, pôr em prática os princípios de Vinay e Darbelnet, e refletir sobre as dificuldades impostas pelo estilo de Djaïdani. Os únicos dois trabalhos que, tratando de aspectos tradutológicos, oferecem uma alternativa à instrumentalização de Boumkœur foram escritos por Podhorná-Polická et al. (2010) e Vitali (2012). O primeiro, embora encare o romance como um pretexto para o ensino de tradução, dedica uma seção especial aos aspectos interculturais envolvidos na tradução. O segundo, talvez o mais interessante, discute de forma mais aprofundada aspectos sociais e literários envolvidos no romance. que, de algum modo, se servem do romance para refletir sobre questões linguísticas ligadas à tradução. Não obstante as diferenças de perspectiva a que se filiam os trabalhos pesquisados, é possível identificar, ao menos, um ponto comum entre todos eles: a adoção de uma postura tradutória domesticadora (VENUTI, 2008VENUTI, L. The Translator’s Invisibilty: A History of Translation. 2. ed. New York: Routledge, 2008.).

A proposta de tradução aqui apresentada leva em conta discussões anteriores sobre o desafio linguístico/estilístico representado pelo texto de Djaïdani, ao mesmo tempo em que se coloca como uma reflexão independente, visando não apenas à descrição de procedimentos literários empregados pelo autor, mas, acima de tudo, às implicações do uso de tais procedimentos na interpretação da obra e, consequentemente, no processo de tradução, que, por si só, constitui-se como uma leitura interpretativa. Em última análise, tento responder à pergunta “como ser si mesmo sem fechar-se ao outro; e como consentir na existência do outro, na existência de todos os outros, sem renunciar a si mesmo” (GLISSANT, 2001GLISSANT, E. Introdução a uma poética da diversidade. Tradução Enilce do Carmo Albergaria Rocha. Juiz de Fora: UFJF, 2001., p. 46). As propostas de tradução que seguem foram, portanto, elaboradas com o objetivo de dar a conhecer uma realidade cultural que, além de diferente da brasileira, é mais ou menos ocultada pelo senso comum.

3. Desafios da tradução

Procurando compreender em que medida alguns aspectos linguísticos e formais da obra dialogam com o conteúdo e as temáticas suscitadas pela narrativa, foi possível constatar a que ponto a marcação cultural do ambiente da periferia é importante para a apresentação de seus moradores. Desse modo, aspectos como a reprodução de variedades sociolinguísticas e as transgressões sintática, lexical e discursiva contidas no livro devem ser levados em conta no momento da tradução, a fim de permitir que os leitores do texto de chegada possam produzir sentido a partir das principais questões postas em jogo no romance.

3.1 Marcadores culturais

Uma vez que, como afirma Aubert (2006AUBERT, F. H. Indagações acerca dos marcadores culturais na tradução. Revista de Estudos Orientais, São Paulo, n. 5, p. 23-36, abr. 2006.), “toda língua é um fato cultural” (p. 24), sua variedade de planos - gramatical, discursivo e referencial -, constitui-se por marcas culturais que assumem formas linguísticas ou extralinguísticas: ditados populares, regionalismos, intertextos, menções a instituições e organismos específicos a uma cultura são algumas das informações culturalmente marcadas que representam desafios ao processo de tradução. É comum que um mesmo marcador cultural, em diferentes contextos, assuma classificações diversas, devendo, portanto, ser tomado em seu devido contexto de ocorrência. Ao fim e ao cabo, só são considerados marcadores culturais os termos ou expressões que comportam em si uma diferenciação que se sobressai em contraste com outros tipos de discurso.

Essa diferença se constitui, segundo Aubert, a partir da observação do falante e, no caso da análise tradutória, na comparação entre texto de partida e texto de chegada. Relações de poder desiguais, por exemplo, podem informar relações de diferença assimétricas. A própria pergunta “o que é diferente do quê?” já subentende um processo de outrificação, no qual o leitor pertencente a uma cultura hegemônica tende a perceber como diferente (como “outro”) o texto originário de uma cultura submetida a essa hegemonia. No caso de Boumkœur, por exemplo, os marcadores culturais não são evidentes apenas ao leitor não-francófono, mas também - e neste ponto se estabelece uma hierarquia entre centro e periferia - ao leitor francês que é exterior à banlieue, seja pelo socioleto empregado, seja pelo idioleto do narrador.

Ao longo da obra, Yaz, protagonista e narrador, se serve de fraseologismos e provérbios compartilhados por falantes francófonos. Esses usos são, contudo, subvertidos, a fim de provocar estranhamento nos leitores. No caso de um leitor não-francófono, por exemplo, a diferenciação se processa em duas vias: em um primeiro momento, manifesta-se na marcação cultural - fraseologismos e provérbios franceses podem diferir no português - e, em um segundo momento, na manipulação estilística: por mais que recorra a dicionários, glossários ou corpora de francês, buscando o sentido de determinada lexia apresentada no livro, o leitor pode ter dificuldade em encontrar a resposta certa, dadas as transgressões formais e semânticas operadas pelo autor. No quadro a seguir, destaco um exemplo de fraseologismo alterado em francês, cotejando-o com minha escolha tradutória.

Quadro 1
Exemplo de Fraseologismo alterado em francês

Em francês, a expressão “chialer comme une madeleine”, criada pelo autor, é uma modificação da colocação mais comum, “pleurer comme une madeleine”. Antes de lidar com a tradução da expressão transgressora/transgredida, busquei soluções para a tradução da forma convencional: em português, a expressão “[chorar como]4 4 “Chorar como” foi colocado entre colchetes, pois a colocação “Madalena arrependida” não se combina apenas com esse verbo, em uma estrutura de comparação. Em consulta ao Corpus do Português, encontrei quatro ocorrências de “Madalena arrependida” na forma escrita, e sessenta e três na expressão oral. Dentre as quatro ocorrências escritas, nenhuma se manifesta na forma “[chorar como] Madalena arrependida”, ainda que uma apresente essa colocação como um elemento de comparação: “(qual Madalena arrependida) esquivou-se” (disponível em: <https://www.corpusdoportugues.org/hist-gen/>. Acesso em: 09 set. 2017). Dentre os sessenta e três usos orais, treze (quase 20% do total) aparecem na forma “[chorar como] Madalena arrependida” (disponível em: <https://www.corpusdoportugues.org/web-dial/>. Acesso em: 09 set. 2017). Madelena”, acrescida do adjetivo “arrependida”, é equivalente5 5 Recorro à expressão “equivalente” em um sentido similar ao que é atribuído por Marianne Lederer (2015) em La Traduction aujourd’hui: le modèle interprétatif. Para a pesquisadora francesa, a equivalência se processa muito mais no nível da tradução textual, na qual são consideradas questões relativas ao “semantismo do discurso [associado ao] saber geral e contextual do tradutor” (p. 10, tradução minha). À noção de equivalência proposta por Lederer se opõe o conceito de “correspondência”, que, este sim, compreende a tradução palavra por palavra ou a tradução “dicionarizada”. a “pleurer comme une madeleine”. Uma vez que o verbo “chorar” não é fixo na expressão - que admite a combinação com outros verbos -, foi possível substituí-lo por “choramingar”, a fim de ressaltar o tom patético da cena e estabelecer uma relação com “chialer”, definido no Nouveau Petit Robert de la Langue Française (2007) como “pleurer; se plaindre sans cesse”.

A modificação da expressão em português foi feita, portanto, não no nível do verbo, mas no nível do adjetivo. Pareceu-me que o estranhamento seria tanto maior quanto mais cristalizado ou convencional o termo alterado. Por isso, modifiquei a expressão “Madalena arrependida”, optando pelo adjetivo “aperreada” em função de sua sonoridade e sentido. Consegui, assim, evocar pela aliteração e assonância um dos termos chave da colocação, uma vez que os sons representados pela segunda e terceira sílabas de “aperreada” são quase uma inversão dos sons da segunda e terceira sílabas de “arrependida”.

Em Boumkœur, a transgressão fraseológica parece estar diretamente ligada à transgressão narrativa: a escrita de sujeitos marginalizados, que se encarregam de apresentar suas próprias realidades em seus textos, põe em foco grupos aos quais foi durante muito tempo negada a inserção em meios de produção letrada. Essa mudança espelha, em certa medida, a alteração de fraseologismos e ditados populares, cuja forma cristalizada é reconfigurada pelo autor. Nesse sentido, meu processo de tradução buscou retraçar as formas convencionais das lexias e dos provérbios traduzidos, a fim de adaptá-las ao português e, só então, subvertê-las na língua de chegada.

Em seu livro A tradução e a letra, Berman (2007 [1985]BERMAN, A. A tradução e a letra: ou o albergue do longínquo. Tradução MarieHélène Catherine Torres et al. Rio de Janeiro: 7 Letras/PGET, 2007.) questiona o procedimento de adaptação de ditados ou chavões adotado por muitos tradutores. Segundo o teórico francês, a busca por equivalências em diferentes culturas acarreta a perda do sabor e da modulação estrangeira que devem estar presentes na tradução. Com efeito, expressões linguísticas de natureza proverbial são frequentemente reveladoras da visão de mundo de determinado ambiente sociolinguístico. Todavia, considerando o propósito do uso de frases feitas no romance de Djaïdani, não convém esquecer que o estranhamento sentido pelo leitor só se torna possível na medida em que este reconhece a forma convencional subjacente à transgressão. No caso aqui exposto, o efeito de estranhamento só seria alcançável se o leitor do PB também fosse capaz de identificar a convenção e, ainda assim, tropeçar na mudança de forma e sentido. Nesse caso, a “ética da diferença”, defendida por Venuti (2002VENUTI, L. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Tradução Laureano Pelegrin et al. São Paulo: EDUSC, 2002.) e presumivelmente exercida pela postura estrangeirizadora da tradução, não seria atingida pela “manutenção da letra”, como o quer Berman, mas antes pela compreensão da função desempenhada no livro pelo procedimento transgressor.

3.2 Aspectos sociolinguísticos

É preciso lembrar que qualquer tipo de tradução - inter ou intralingual - envolve a transposição de uma variedade de partida para uma variedade de chegada. Isso significa que mesmo textos pertencentes a uma variedade padrão passam por processos de “desmontagem/remontagem” (TARALLO, 1991TARALLO, F. Aspectos Sociolinguísticos da Tradução. In: COULTHARD, M.; CALDAS-COULTHARD, C. R. (Org.). Tradução: teoria e prática. Florianópolis : Editora da UFSC, 1991, p. 33-46.) em outras variedades. No processo de tradução interlingual, por exemplo, é comum que se busque uma variedade equivalente - e não correspondente - em outra língua: um texto escrito na norma culta da língua de partida será traduzido para a norma culta da língua de chegada. Ao tradutor cabe a tarefa de mediar diferentes culturas, percebendo o que está em jogo não apenas no nível linguístico, mas também no nível discursivo e estilístico (CUNHA LACERDA, 2010CUNHA LACERDA, P. F. A. Tradução e Sociolinguística Variacionista: a língua pode traduzir a sociedade? Revista Tradução e Comunicação, Valinhos, v. 20, p. 127-142, 2010.).

Um texto inventivo, com transgressões sintáticas, lexicais, morfológicas, será presumivelmente traduzido de forma inventiva. O problema da tradução de variedades, contudo, parece se colocar de maneira mais evidente quando entram em jogo socioletos ou dialetos muito característicos de determinado grupo ou região, presentes, por exemplo, em textos regionalistas ou culturalmente marcados. Nesse ponto surge uma dupla preocupação: como se comprometer com os aspectos contextuais e co-textuais da tradução (TARALLO, 1991TARALLO, F. Aspectos Sociolinguísticos da Tradução. In: COULTHARD, M.; CALDAS-COULTHARD, C. R. (Org.). Tradução: teoria e prática. Florianópolis : Editora da UFSC, 1991, p. 33-46.), ao mesmo tempo em que se mantém o texto acessível a leitores estrangeiros? Em outras palavras, como traduzir aspectos gramaticais do texto de partida, que não encontram correspondentes em outras variedades, mantendo-se consciente das implicações discursivas desse mesmo texto?

É preciso que o/a tradutor/a esteja atento/a não apenas ao conteúdo, mas à forma de sua tradução. Diante desse fato, apresento, a seguir, uma solução para a tradução de um dos maiores desafios sociolinguísticos com que me deparei durante a tradução de Boumkœur: o uso de verlan, identificado por Jean-Pierre Goudaillier (2001GOUDAILLIER, J.-P. Comment tu tchatches !. 3. ed. Paris: Maisonneuve & Larose, 2001.) como um procedimento formal de alteração lexical que consiste na realocação das sílabas de uma palavra, procedimento este que acaba por alterar articulações vocálicas e modificar consoantes. Como fenômeno “crypto-ludique” - função atribuída por Goudaillier ao falar periférico de modo geral -, o verlan existe na língua francesa desde a Idade Média e, ao longo do tempo, foi usado com o objetivo de codificar e dissimular a linguagem: no século XVI, poetas libertinos usavam verlan para contornar a censura; durante a Segunda Guerra, franceses se serviam de verlan para confundir soldados alemães (AHMED, 2005AHMED, R. A. H. Le français des cités d’après le roman contemporain “Boumkœur”, de Rachid Djaïdani. 2005. 182 f. Tese. (Doutorado em Língua Francesa). Universidade de Aïn-Chams, Cairo, 2005., p. 121).

Foi a partir da década de 1970, como indica Rania Ahmed em sua tese de doutorado, que o verlan passou ao domínio dos jovens de cité, que se apropriaram desse procedimento linguístico como meio não apenas de expressar seus “dire des maux” (GOUDAILLIER, 2001GOUDAILLIER, J.-P. Comment tu tchatches !. 3. ed. Paris: Maisonneuve & Larose, 2001.), mas também para marcar uma identidade cultural que, junto a outros elementos linguísticos e discursivos, fazem parte do FCC, ou Français Contemporain des Cités. O verlan se constitui, portanto, como um modo de expressão que oculta e, consequentemente, despe de interdição termos carregados de tabu. Enquanto transgressão da língua francesa, ele se apresenta para os jovens moradores da periferia como uma estratégia de resistência e contestação.

3.2.1 Usos de verlan em Boumkœur

No livro de Djaïdani, o verlan funciona em diferentes contextos e pode ser analisado a partir de duas principais vias: a primeira, presente desde o início do livro, compreende as ocorrências lexicalizadas de verlan, que não se limitam mais aos usos da periferia e que, na verdade, aparecem no livro mais para marcar o baixo monitoramento da modalidade oral do que para legitimar uma identidade cultural de fala. Em geral, os usos lexicalizados são apresentados em ocorrências de fala isoladas e naturalizadas. Um exemplo disso é a seguinte oração: “[...] il part vivre chez des meufs” (DJAÏDANI, 1999DJAÏDANI, R. Boumkœur. Paris: Seuil, 1999., p. 12, grifos meus). Nesse trecho, o termo “meuf”, verlan de “femme”, já faz parte de um imaginário comum a jovens periféricos e não-periféricos, podendo ser empregado com o sentido de “fille”, “copine”, “fiancée” etc.

A segunda via se apresenta de forma irônica e crítica, a fim de confirmar a suposta “guetorização” a que está sujeita, na opinião do personagem, a cultura de cité. Esse uso vem acompanhado do que o personagem intitula “decodificação” ou “não decodificação”, que consistem em processos de tradução intralingual em que, respectivamente, (I) é introduzida, em francês padrão, a paráfrase do que foi dito em verlan e (II) é reescrito em verlan o que foi dito em francês padrão. Nesses casos, períodos inteiros são escritos e postos em evidência por meio do seguinte procedimento: “- Grézi, ouvre, c’est Yaz... Zi va, virou la teport c’est Yaz que j’te dis, fais pas le baltringue. Phrase décodée: Grézi ouvre, c’est moi Yaz, je suis de retour, fais pas l’imbécile, ouvre” (p. 58, grifos do autor). Uma revelação importante no trecho transcrito é o fato de nem todos os elementos do período estarem sujeitos à verlanização, o que vai ao encontro do que afirma Goudaillier: “Nem todas as palavras se prestam à verlanização [...], mesmo nas cités em que há forte tendência à verlanização lexical” (2001, p. 24, tradução minha). Com o objetivo de destacar algumas das posturas tradutórias adotadas para cada uma das ocorrências acima, evidencio apenas o segundo tipo de uso, que se provou mais desafiador à tradução.

3.2.2 Tradução de verlan em Boumkœur

A tradução aqui apresentada refletiu sobre diversas possibilidades de desmontagem/remontagem linguística. Desde o início, dois aspectos pareceram mais evidentes: o primeiro diz respeito à manutenção do realismo da escrita - o verlan é um procedimento natural e autêntico na língua francesa, o que implica uma tradução que o transponha de modo igualmente natural e autêntico para a língua de chegada6 6 Considerei brevemente a possibilidade de criação de um “verlan” brasileiro. Para isso, busquei entender o processo de criação verlanesca descrito em Goudaillier (2001) e Ahmed (2005), bem como os procedimentos morfológicos observados no vesre, manifestação socioletal argentina similar ao verlan francês. Considerando que nem todas as palavras podem estar sujeitas à realocação silábica, e tendo em mente as diferenças sintáticas entre português e francês, optei por tornar as palavras o mais transparentes possível, alterando, todavia, sua constituição silábica. Minhas referências de formação do vesre se basearam, sobretudo, no artigo “Lunfardo, vesre e outras modalidades do linguajar argentino”, de Maria Consuelo de Azevedo (1984), em que são detalhadas doze estratégias de formação de vesre. A artificialidade e inautenticidade decorrentes de um procedimento de invenção me levaram a preterir a possibilidade de inversão silábica em benefício da aglutinação das palavras. ; o segundo se relaciona à adoção de uma postura de tradução que permita a manutenção da autenticidade, sem, contudo, domesticar demasiadamente o texto e afiliá-lo a uma região brasileira específica. Ao longo da tradução, pareceu importante não fazer equivaler o falar da periferia parisiense ao falar de periferias paulistanas, cariocas, mineiras etc., uma vez que: (a) essas periferias não são monolíticas e comportam falares das mais diferentes naturezas; (b) as experiências periféricas brasileira e francesa são extremamente díspares, e confundi-las pode ser arriscado; (c) a apropriação de uma variedade periférica que o/a tradutor/a não domina pode soar caricatural e ilegítima, já que o próprio uso da gíria na escrita de autores periféricos brasileiros e/ou franceses cumpre, em parte, uma função identitária subversiva.

Levando em conta todos os fatores elencados acima, optei por uma tradução que recorre a um repertório de gírias mais geral, passível de ser transformado - e, de alguma forma, “codificado”, visando à posterior “decodificação” - por um recurso formal inspirado em uma tradução já feita para o inglês. Na versão anglófona, Roger CélestinCÉLESTIN, R. Boumkœur: excerpt. Contemporary French and Francophone Studies, Connecticut, v. 8, n. 2, p. 193-198, ago. 2007., o tradutor, apresenta um trecho da obra francesa que inclui uma das passagens transcritas acima:

- Grézi! Open the door, it’s Yaz... You-gonna-make-a-crackin-that-fence-or-what-don’t-be-a-dickhead. Translation: Grézi, pretty please open the door, it’s me, Yaz, I’m back, don’t be an idiot, open up. (2007, p. 195, grifo do autor)

A leitura do texto em inglês mostra que o tradutor se serviu de gírias típicas de uma variedade informal, ao mesmo tempo em que buscou transmitir aspectos fonéticos capazes de evocar a opacidade da fala: nesse caso, o enunciado não é mais incompreensível devido à inversão silábica das palavras, que impede a associação entre letra e sentido, mas à articulação das próprias palavras, que, faladas de forma rápida e truncada - como sugerem os traços separando cada unidade lexical -, tornam-se incompreensíveis ao ouvinte.

A tradução de Célestin não reflete, contudo, o que está em jogo na escrita de Djaïdani: a (in)compreensão do leitor que não pertence ao universo apresentado no livro. Na tradução abaixo, pareceu mais adequado modificar o procedimento de Célestin, a fim de exigir um maior esforço no processo de leitura dos trechos verlanisados. Por aglutinação, foram juntadas todas as palavras dos enunciados em verlan, a fim de formar um grande bloco de leitura que torna necessária a realização da “decoficação” proposta por Yaz:

Quadro 2

Assim como os demais trabalhos que sugerem opções de tradução para trechos pré-selecionados das obras de Djaïdani, essa tradução também quis manter o realismo e o ar de transcrição documental associado às ocorrências do texto em francês, já que Yaz não escreve para os demais moradores da cité, nem sequer presume que será lido por eles. Seu trabalho se direciona aos leitores externos, e é precisamente por essa razão que se faz necessário preservar o clima de opacidade associado ao texto.

3.3 A tradução de poemas

Tomando emprestado o conceito de “informação estética”, estabelecido por Max Bense, Haroldo de CamposCAMPOS, H. de. Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora. Belo Horizonte, UFMG, 2011. informa aos leitores de Da tradução como criação e como crítica (2011) que um texto literário não pode ser separado de sua forma de enunciação - donde a intraduzibilidade do texto poético. Mas, se, por um lado, a tradução se revela impossível, por outro, admite-se um potencial inventivo que permite ao tradutor produzir arte a partir de um processo de recriação, ao qual se associa a noção de isomorfismo, que liga os textos de partida e de chegada, a fim de “[cristalizá-los] dentro de um mesmo sistema” (2011, p. 16). Assim, servindo-se de procedimentos que visam à reinvenção da materialidade do texto original, o tradutor não se prende ao conteúdo, mas antes ao “modo de significar” (p. 24), princípio essencial do conceito de “transcriação” proposto por Campos, que define duas etapas do processo de tradução criativa: a primeira, de desconstrução do texto de partida, e a segunda, de reconstrução na língua de chegada.

Na tradução discutida neste artigo, preocupei-me em empreender uma espécie de transcriação da forma, sem, contudo, perder de vista o sentido, que, no caso de obras mais comprometidas com questões sociais e políticas, é essencial ao próprio estudo do romance. Por esse motivo, não pareceu adequado ater-me unicamente a aspectos formais. Ao contrário, tornou-se necessário que a forma fosse ancorada pela função e pelo sentido do texto poético, uma vez que os poemas contidos na obra dialogam, obviamente, com a totalidade do romance e reforçam temas problematizados por Djaïdani. No poema abaixo, por exemplo, há uma série de rimas, assonâncias e aliterações que complementam temas recorrentes no livro. Decidi, portanto, submeter e adaptar a forma ao sentido, com vistas à criação de um texto que, na medida do possível, tentou reproduzir particularidades sonoras do original, mantendo, acima de tudo, a rede imagética construída pelo autor:

Quadro 3

De modo geral, os poemas contidos em Boumkœur, por seu ritmo, forma e conteúdo, em muito se aproximam do estilo do slam, que, segundo Dubois (2012DUBOIS, C. Travailler l’écrit grâce au slam: une expérience didactique au sein d’un Pôle d’Insertion. 2012. 130 f. Dissertação. (Mestrado em Francês Língua Estrangeira). Universidade de Grenoble, Grenoble, 2012.), compõe uma tradição poética oral e se associa diretamente ao movimento hip-hop. Como uma arte coletiva que parte da necessidade de expressão do enunciador e acaba por tratar das condições e dos problemas compartilhados por um público maior, a proximidade com o slam parece reiterar preocupações expressas acima. Como uma arte performática ligada a movimentos de spoken word, o slam conta com o ritmo e a sonoridade do texto para compor um quadro poético. Ao mesmo tempo, ao se constituir como tentativa de democratizar a poesia, permitindo que qualquer pessoa apresente suas criações em bares, o slam revela um comprometimento social que deve ser levado em conta no processo de tradução pela preservação do sentido.

4. Considerações finais

Uma tradução baseada no que Venuti (2002VENUTI, L. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Tradução Laureano Pelegrin et al. São Paulo: EDUSC, 2002.) chama de “ética da diferença” se contrapõe à ideia de tradução etnocêntrica, que elimina as diferenças da cultura de partida em nome de uma suposta fluidez na cultura de chegada. Ao propor o princípio da “ética da diferença” e os conceitos de “estrangeirização” e “domesticação”, Venuti parte de um contexto muito específico: a tradução de textos estrangeiros em países de cultura hegemônica, dentre os quais o mais emblemático é o país de onde fala o próprio teórico, os Estados Unidos.

As propostas de Venuti precisam ser levadas em conta em um trabalho como o proposto neste artigo. Afinal, em relação à França, o Brasil não se coloca como uma cultura dominante - ao contrário, como bem aponta Silviano Santiago (2009SANTIAGO, S. Presença da língua e da literatura francesa no Brasil: para uma história dos afetos culturais franco-brasileiros. Letras, Santa Maria, v. 19, n. 2, p. 11-25, jul.-dez. 2009.), a cultura letrada brasileira esteve, durante muito tempo, submetida aos saberes franceses. Mas o fato de o Brasil se mostrar mais aberto à tradução 7 7 Se tomada como referência a teoria dos polissistemas proposta por Even-Zohar (1990), é possível constatar que o polissistema literário brasileiro, principalmente no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, quando ainda se mostrava incipiente, tendia a ser mais aberto à recepção de textos traduzidos. consequentemente o dispensa da chamada “ética da diferença”? Mais importante ainda: essa ética só pode ser alcançada através da estrangeirização do texto de partida? Como a estrangeirização pode ser trabalhada na tradução? Quanto à última pergunta, espero ter mostrado que a estrangeirização pode se fazer presente em diferentes níveis no texto de chegada. É possível, por exemplo, trazer o leitor para mais perto da obra, como sugere Schleiermacher (2007SCHLEIERMACHER, F. Sobre os diferentes métodos de traduzir. Tradução Celso Braida. Princípios, Natal, v. 14, n. 21, p. 233-265, jan.-jun. 2007.), a partir da manutenção de elementos linguísticos e extralinguísticos.

Ainda que as relações de poder entre diferentes culturas interfiram nos tipos de texto traduzidos e nas abordagens de tradução adotadas, cabe à tradutora ou ao tradutor tornar inteligíveis culturas e línguas distintas, sem, contudo, eliminar suas diferenças. Um livro como Boumkœur reconfigura social e politicamente o que se entende por literatura e nação francesa. Desse modo, proponho que a “ética da diferença” seja exercida não apenas pela abertura do texto de chegada para “diferenças linguísticas e culturais” (VENUTI, 2002VENUTI, L. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Tradução Laureano Pelegrin et al. São Paulo: EDUSC, 2002.), mas também pela compreensão da mecânica textual: como o texto se desenvolve; em que medida sua forma se articula com seu conteúdo; quais os objetivos e qual o projeto por trás dessa mecânica? É preciso que nos perguntemos, em suma, como a tradução pode chamar atenção do público de chegada para as principais questões em jogo no texto, uma vez que estas mesmas questões também revelam importantes aspectos culturais no texto de partida.

Referências

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  • VENUTI, L. Escândalos da Tradução: por uma ética da diferença. Tradução Laureano Pelegrin et al São Paulo: EDUSC, 2002.
  • VITALI, I. Une traduction “puissance trois”: Rachid Djaïdani et la langue des cités. Traduire, Paris, n. 226, p. 108-119, jan. 2012.
  • 1
    Termo francês usado para designar regiões suburbanas.
  • 2
    Nesse contexto, o termo cité faz referência às HLM, ou Habitations à loyer modéré [Moradias de baixo custo], espécies de conjunto habitacional.
  • 3
    Bastian (2009BASTIAN, S. Langue(s) des cités: maux du dire - maux du traduire?, Adolescence, Paris, n. 70, p. 859-871, 2009.) apresenta uma análise de elementos lexicais presentes em Boumkœur, a fim de descrever o que se convencionou chamar Français Contemporain des Cités (FCC). Analogamente, Soukalová (2008SOUKALOVÁ, B. Faiza Guène: Du rêve pour les oufs: Traduction et analyse des traits d’argot commun des jeunes. 2008. 60 f. Trabalho de conclusão de curso. (Graduação em Letras). Universidade de Masaryk, Brno, 2008.) e Holcmanová (2009HOLCMANOVÁ, Z. Traduction de Boumkœur de Rachid Djaïdani: influence du milieu sur la richesse du langage familier. 2009. 68 f. Trabalho de conclusão de curso. (Graduação em Letras). Universidade de Masaryk, Brno, 2009.) apresentam possibilidades de tradução para o tcheco com o objetivo de, respectivamente, pôr em prática os princípios de Vinay e Darbelnet, e refletir sobre as dificuldades impostas pelo estilo de Djaïdani. Os únicos dois trabalhos que, tratando de aspectos tradutológicos, oferecem uma alternativa à instrumentalização de Boumkœur foram escritos por Podhorná-Polická et al. (2010PODHORNÁ-POLICKÁ, A. et al. Traduire l’argot des jeunes des cités : résultats d’une compétition interuniversitaire pour la traduction de Boumkœur de Rachid Djaïdani. In: Praktika-Actes-Proceedings. Thessaloniki: University Studio Press, 2010, p. 448-461.) e Vitali (2012VITALI, I. Une traduction “puissance trois”: Rachid Djaïdani et la langue des cités. Traduire, Paris, n. 226, p. 108-119, jan. 2012.). O primeiro, embora encare o romance como um pretexto para o ensino de tradução, dedica uma seção especial aos aspectos interculturais envolvidos na tradução. O segundo, talvez o mais interessante, discute de forma mais aprofundada aspectos sociais e literários envolvidos no romance.
  • 4
    “Chorar como” foi colocado entre colchetes, pois a colocação “Madalena arrependida” não se combina apenas com esse verbo, em uma estrutura de comparação. Em consulta ao Corpus do Português, encontrei quatro ocorrências de “Madalena arrependida” na forma escrita, e sessenta e três na expressão oral. Dentre as quatro ocorrências escritas, nenhuma se manifesta na forma “[chorar como] Madalena arrependida”, ainda que uma apresente essa colocação como um elemento de comparação: “(qual Madalena arrependida) esquivou-se” (disponível em: <https://www.corpusdoportugues.org/hist-gen/>. Acesso em: 09 set. 2017). Dentre os sessenta e três usos orais, treze (quase 20% do total) aparecem na forma “[chorar como] Madalena arrependida” (disponível em: <https://www.corpusdoportugues.org/web-dial/>. Acesso em: 09 set. 2017).
  • 5
    Recorro à expressão “equivalente” em um sentido similar ao que é atribuído por Marianne Lederer (2015LEDERER, M. Interpréter pour traduire. In: LEDERER, M. La traduction aujourd’hui :le modele interprétatif. Paris: Lettres Modernes Minard, 2015, p. 9-38.) em La Traduction aujourd’hui: le modèle interprétatif. Para a pesquisadora francesa, a equivalência se processa muito mais no nível da tradução textual, na qual são consideradas questões relativas ao “semantismo do discurso [associado ao] saber geral e contextual do tradutor” (p. 10, tradução minha). À noção de equivalência proposta por Lederer se opõe o conceito de “correspondência”, que, este sim, compreende a tradução palavra por palavra ou a tradução “dicionarizada”.
  • 6
    Considerei brevemente a possibilidade de criação de um “verlan” brasileiro. Para isso, busquei entender o processo de criação verlanesca descrito em Goudaillier (2001)GOUDAILLIER, J.-P. Comment tu tchatches !. 3. ed. Paris: Maisonneuve & Larose, 2001. e Ahmed (2005)AHMED, R. A. H. Le français des cités d’après le roman contemporain “Boumkœur”, de Rachid Djaïdani. 2005. 182 f. Tese. (Doutorado em Língua Francesa). Universidade de Aïn-Chams, Cairo, 2005., bem como os procedimentos morfológicos observados no vesre, manifestação socioletal argentina similar ao verlan francês. Considerando que nem todas as palavras podem estar sujeitas à realocação silábica, e tendo em mente as diferenças sintáticas entre português e francês, optei por tornar as palavras o mais transparentes possível, alterando, todavia, sua constituição silábica. Minhas referências de formação do vesre se basearam, sobretudo, no artigo “Lunfardo, vesre e outras modalidades do linguajar argentino”, de Maria Consuelo de Azevedo (1984AZEVEDO, M. C. de. Lunfardo, vesre e outras modalidades do linguajar argentino. Revista de Letras, Fortaleza, v. 7, p. 145-154, jan.-dez. 1984.), em que são detalhadas doze estratégias de formação de vesre. A artificialidade e inautenticidade decorrentes de um procedimento de invenção me levaram a preterir a possibilidade de inversão silábica em benefício da aglutinação das palavras.
  • 7
    Se tomada como referência a teoria dos polissistemas proposta por Even-Zohar (1990EVEN-ZOHAR, I. The position of translated literature within the literary polysystem. In: EVEN-ZOHAR, I. Papers in Historical Poetics. Tel Aviv: Porter Institute for Poetics & Semiotics, 1990, p. 192-197.), é possível constatar que o polissistema literário brasileiro, principalmente no século XIX e nas primeiras décadas do século XX, quando ainda se mostrava incipiente, tendia a ser mais aberto à recepção de textos traduzidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2018
  • Aceito
    16 Jul 2018
  • Publicado
    Set 2018
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