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Uma imaginação anticolonial: a epistemologia do abolicionismo penal em torno dos sentidos da violência

An anti-colonial imagination: the epistemology of penal abolitionism around the meanings of violence

Resumo

Este trabalho tem como objetivo explorar a epistemologia do abolicionismo penal como um campo fértil para pensar os sentidos da violência, especialmente, no tocante ao contexto e permanências das violências coloniais. Assim, partindo de uma linguagem-percurso para imaginar novas sociabilidades que não se pautem em uma única saída para as situações-problema.

Palavras-chave:
Abolicionismo penal; Violência; Colonialismo

Abstract

This article aims to explore the epistemology of penal abolitionism as a fertile field for thinking about the meanings of violence, especially with regard to the context and permanence of colonial violence. Thus, starting from a language-route to imagine new sociability that is not based on a single solution to the problematic situations.

Keywords:
Abolicionism; Violence; Colonialism

Introdução

A violência é uma categoria-senha para leitura do mundo, mas também para leitura de fissuras possíveis desse mesmo mundo. Pensar o abolicionismo penal, suas perspectivas e estratégias nos localiza e endereça a partir da margem, da borda, da beira.1 1 O debate presente neste artigo foi travado a partir de reflexões nas reuniões e produções científicas do Grupo Cabano de Criminologia, criado em 2015, o qual tem como premissas de atuação: a) a reverberação das raízes movidas por um espírito de subversão, protesto e contestação da ordem, o que entendemos como inegociável para a construção de um saber criminológico comprometido com uma prática libertária; e b) destacar a perspectiva da “margem da margem” a partir do nosso chão, marcando geopoliticamente a construção do saber criminológico na região amazônica e no norte, em relação à centralidade e status quo dado ao sul e sudeste. A epistemologia desta teoria consiste em um fértil campo de pesquisa, especialmente no tocante aos seus estudos sobre o que se entende por sociabilidade autoritária.

Essa chave nos permite pensar como a questão da autoridade e da hierarquia permeia as formas de enfrentamento e de imaginação de novos mundos possíveis. Isto se dá em razão desta categoria atravessar diretamente a problemática ligada aos discursos e sentidos da violência. Ademais, para que o abolicionismo penal proponha a abolição da pena, do poder punitivo e da lógica de castigo, é necessário que ele trave uma discussão ainda mais fundamental: a linguagem do sistema penal.

Assim sendo, o artigo se propõe a questionar: quais as potencialidades e os limites da epistemologia do abolicionismo penal na compreensão sobre esses sentidos da violência na linguagem do sistema penal?

Nesse sentido, o busca-se, em primeiro lugar, tratar sobre como se dá essa sociabilidade centralizada na autoridade2 2 AUGUSTO, Acácio. Abolicionismo penal como ação direta. Verve, 21, 2012. p. 154-171. , onde as relações sociais se dão a partir de uma educação baseada na ideia de castigo, os discursos em torno do que seria ou não violência se tornam um forte campo de disputa ideológica. Nesse limiar, reside a potência de imaginarmos as estratégias para além das conformidades de um reformismo ou minimalismo, pois nessa margem é onde mais se recrudesce, é onde mais se empilha corpos, e onde se acentua os efeitos da tônica estatal de vidas matáveis. Isto posto, destacamos o problema da linguagem do sistema penal para situar essa disputa ideológica sobre os sentidos da violência.

Posteriormente, analisamos como a violência colonial se coloca como um contexto importante para situar os debates do abolicionismo penal no Brasil, tanto quanto à urgente necessidade de estremecer as categorias e discursos forjados no contexto moderno/colonial, em que as concepções de Estado, Direito Penal, Criminologia e Poder Punitivo precisam ser problematizadas enquanto saberes e práticas implicados ou explicitamente comprometidos com a lógica de dominação colonial, quanto para encararmos o assunto da violência enquanto significado que possa ser mobilizado ideologicamente, ou seja, com o fim de acobertar ou justificar a atuação violenta e brutalizada dos aparelhos de repressão criminal.

1. O problema da linguagem no abolicionismo penal: sobre a violência naturalizada do sistema penal

A ruptura com a ideia de universalização da pena é uma das bases da epistemologia do abolicionismo penal, pois é a partir dela que se sedimenta uma vida livre de punições. Esse movimento busca revirar as naturalizações construídas em volta da punição, do castigo, incluindo aquelas instauradas pelos processos de criminalização.

Essa criação de novos modelos de solução das situações-problema se deve a um esforço imaginativo na criação de percursos experimentais3 3 PASSETTI, Edson. Ensaio sobre um abolicionismo penal. Verve. v. 9. 2006. p. 83-114. , rompendo com modelos fechados nesse processo de resolução pautado na universalização da pena. É por esta razão que se propôs analisar como os significados em torno do que é categorizado como “violento” são mobilizados ideologicamente pelo sistema de repressão criminal, questionando como a epistemologia do abolicionismo penal compreende essa discussão.

Para isto, é preciso apresentar como o sistema penal se constrói também a partir de uma linguagem própria, responsável por naturalizar essas categorias que rodeiam o funcionamento do poder punitivo, além de negar as relações de dominação que são promovidas pelos aparelhos de repressão criminal, principalmente em contextos de dominação colonial.

A partir de escritos de autores como Edson Passetti, Acácio Augusto, Louk Hulsman e Salete Oliveira se desenvolve como a linguagem assume essa importância para o cumprimento das finalidades reais do poder punitivo, de forma que o abolicionismo penal buscaria romper e construir uma nova forma de linguagem para tratar das situações problemáticas.

Nesse contexto, apresenta-se como a “violência” é mobilizada na linguagem que atravessa o funcionamento do sistema penal, com o objetivo de naturalizar processos de discriminação e negar o sofrimento de populações subalternizadas, especialmente a população não-branca4 4 Considerando que o artigo parte da realidade amazônica na qual são mobilizadas categorias como afroamazonidas, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, além de outras populações tradicionais, esta nomenclatura foi empregada para abarcar a pluralidade do nosso contexto. .

1.1 A ruptura do abolicionismo penal com a linguagem-fronteira do sistema penal: práticas emancipatórias contra uma sociabilidade autoritária

O conceito de “campos de concentração à céu aberto”5 5 PASSETTI, Edson. op.cit., loc. cit. trabalhado por Edson Passetti nos desvela que a prisão não se constitui somente em um lugar, ou numa instituição pública. É a partir dele que podemos ver como as tecnologias de controle se constroem não mais em regimes fechados ou apartados de um mundo exterior, já que se caracterizam por uma espécie de administração de território.

Aquele autor parte da definição de sociedade de controle de Gilles Deleuze6 6 DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução: Peter Pál Perbart. São Paulo: Editora 34, 2013. para explicar como o controle passa a ser “a céu aberto”, ou seja, punindo-se mais, pois a prisão deixa de ser esse lugar preferencial, amplificando-se as possibilidades de justiças punitivas estatais, sem que haja, de fato, aprisionamentos.

Novas modalidades de encarceramento vêm, assim, se legitimando, somando às tecnologias disciplinares. À despeito da formulação de críticas mais ou menos radicais, como a superlotação, tratamento degradante e desumano, não ressocialização dos encarcerados etc., chega a ser um aparente paradoxo que a prisão não só resista, mas se expanda para novos setores da sociabilidade 7 7 AUGUSTO, Acácio. Para além da prisão-prédio: as periferias como campos de concentração a céu aberto. In: ABRAMOVAY, Pedro Vieira; BATISTA, Vera Malaguti. (org.) Depois do Grande Encarceramento. Rio de Janeiro: Revan, 2010. .

É instaurado um processo de flexibilização das práticas da prisão, em que, às técnicas disciplinares, foram somadas novas formas de punição e controle para além dos muros dos prédios, o que tornou, e ainda torna, possível a constituição de periferias como campos de concentração à céu aberto.

É importante frisar que a continuidade da prisão para além dos seus muros é possível através de uma naturalização procedida por saberes e discursos em torno de uma linguagem própria do sistema penal, a qual sedimenta uma busca pela verdade através da punição. Verificamos que a lógica do castigo se sustenta enquanto práticas edificadas e naturalizadas, utilizando-se de fronteiras de saberes arbitrários, voltados à existência de uma autoridade e hierarquia8 8 OLIVEIRA, Salete. Linguagem-Fronteira e linguagem-percurso. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso Livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan. 2004. . Entretanto, em que pese essa linguagem da punição seja mobilizada nos discursos oficiais do sistema de justiça criminal, ele não se trata de um sistema destinado a punir propriamente.

O sistema penal se utiliza dessa linguagem com a finalidade de esconder os reais processos em curso, produzindo um consenso a partir de uma apresentação ilusória. A punição é uma “forma de interação humana em diversas práticas sociais: na família, na escola, no trabalho, no esporte”, o que é diferente das finalidades reais do poder punitivo9 9 HULSMAN, Louk. Alternativas à justiça criminal. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso Livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan. 2004. p. 35. . Essa linguagem produz e reproduz uma sociabilidade autoritária, que atravessa as relações sociais a partir de uma pedagogia do castigo e assujeita através da obediência às hierarquias em um contexto legitimador de mentiras necessárias10 10 PASSETTI, Edson. A atualidade do abolicionismo penal. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan. 2004. .

Assim, o abolicionismo penal, enquanto um movimento que finaliza romper com a essa sociabilidade, é um percurso construído com a participação tanto de intelectuais das universidades quanto dos envolvidos na situação-problema, em que aqueles não assumem mais uma posição de superioridade na formulação dessas novas respostas11 11 Ibid. . Na medida em que, para a abolição do direito penal, é necessária uma abdicação da universalidade da lei e da uniformidade dos modelos, a construção de uma linguagem distinta é um elemento essencial para a construção dessas novas práticas.

O lema de defesa da sociedade é, na real incidência do sistema penal, defesa dos interesses dos dominantes, de forma que as suas políticas são estruturalmente seletivas. A grande maioria da população encarcerada é negra e empobrecida, de forma que verificamos como o poder punitivo vulnerabiliza, estigmatiza e criminaliza populações específicas, havendo um estereótipo penal para tanto.

Isso significa que a linguagem oficial, ou seja, a do discurso público, esconde a realidade das situações-problema(crimes), assim como dos próprios processos de criminalização. É por esta razão que refletir sobre as alternativas à justiça criminal é necessariamente buscar compreender os valores que dão sustentação à linguagem do sistema penal.

Como nos alerta Angela Davis12 12 DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? Tradução: Marina Vargas, 2. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2018 , na maior parte do mundo, é visto como natural que uma pessoa condenada pela prática de algum crime seja levada à prisão, como se fosse um aspecto inevitável e evidente de nossa vida social.

A partir de rupturas com esse consenso em torno da punição do direito penal, o abolicionismo penal se insere enquanto uma teoria que revira a naturalização do castigo, orbitando fora dessa linguagem punitiva, além de criticar a universalização da aplicação da pena. De acordo com Passetti13 13 PASSETTI, Edson. Op.cit. 2006. , o abolicionismo propõe modelos e percursos experimentais para lidar com uma expansão da educação livre do castigo, lidando, portanto, com cada infrator em liberdade.

Questionar-se sobre os valores e a linguagem do sistema de justiça criminal é partir de uma ruptura com a cultura do castigo, rompendo com o discurso de moral superior da aplicação da pena. Logo, a epistemologia do abolicionismo penal não se restringe à supressão do direito penal14 14 Ibid. , tendo em vista que busca enfrentar as práticas e os costumes que partem de uma sociabilidade fundada na autoridade e na hierarquia, e é nessa sociabilidade que surge uma noção baseada na naturalização da punição.

O abolicionismo penal se coloca enquanto ruína das linguagens-fronteira, inventando outras formas de lidar com as situações problemáticas, construindo não uma linguagem fechada em uma racionalidade voltada a naturalizar a aplicação da punição. Por isso verificando outras formulações possíveis em uma linguagem-percurso15 15 OLIVEIRA, Salete. Op.cit. .

Para desvelar a violência do castigo e do poder punitivo, precisamos nos questionar sobre esses elementos dentro da linguagem-fronteira do sistema penal. Ao mesmo tempo em que temos uma sociabilidade que constantemente nega e silencia o sofrimento de populações marginalizadas e povos colonizados, a exemplo do que ocorre com a população não-branca, a violência do sistema penal é tida como uma consequência natural de um processo civilizatório que se funda no racismo ancorado na dominação colonial.

É a partir desse estudo sobre os significados, discursos, que entendemos que o processo de ruptura da epistemologia do abolicionismo penal tem que pautar a criação dessa nova linguagem. Privar-se de compreender e tomar parte desse exercício imaginativo na criação desses novos modelos é não enfrentar um elemento essencial nessas relações de dominação reproduzidas pelo sistema penal.

1.2 A importância da linguagem sobre os significados da violência para o abolicionismo penal

O processo de naturalização em torno do funcionamento racialmente seletivo do sistema penal é um elemento central na negação do sofrimento negro em nossa sociabilidade autoritária. Isto posto, verificar essas permanências históricas quanto às relações de dominação colonial através do poder punitivo é o que nos permite analisar como a criação de uma linguagem é importante nesse processo de negação de direitos.

Os sentidos e moralismos empregados às violências raciais cometidas contra a população negra estão em constante disputa ideológica, o que é marcado pela permanência da violência colonial em nosso processo de formação social. Como nos alerta Juliana Borges16 16 BORGES, Juliana. O que é encarceramento em massa? Belo Horizonte: Letramento, 2018. , a seletividade racista e estrutural do sistema penal brasileiro é ainda um tema pouco debatido, em razão do mito da democracia racial brasileira, além das teorias e dos discursos universalistas de classe. Estamos diante de uma negação do racismo, ou seja, com o verniz de uma garantia de universalidade e da igualdade das leis, gerando a imagem de que se trataria de discriminação restrita ao âmbito privado17 17 SCHWARTZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: Cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2012. .

As discussões, em geral, se limitam à relação com fatores sociais, deixando de lado as contínuas violências sofridas pela população negra brasileira, o que se reflete de sobremaneira na atividade policial. Esse fenômeno é consequência da naturalização do sofrimento negro, no qual se constrói um imaginário de que o reconhecimento político-institucional de violências praticadas é inacessível a esse segmento social.18 18 FLAUZINA, Ana Luiza; FREIRAS, Felipe da Silva. Do paradoxal privilégio de ser vítima: terror de Estado e a negação do sofrimento negro no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 135. Ano 25. P. 49-71. São Paulo: Ed. RT, set. 2017.

Tal contexto materializa políticas criminais que resultam tanto em massacres quanto no encarceramento em massa advindos do funcionamento brutalizado do sistema penal. Criou-se uma imagem de negros e negras como associados à reprodução da violência; logo, o status de vítima lhes é negado: “emulando uma estrutura paradoxal que segue operando numa dinâmica em que se tem a violência como prerrogativa do racismo e a vitimização como privilégio da branquitude”19 19 Ibid. p. 59. .

O processo de racionalização do poder punitivo e do direito penal no Brasil consistiu nessa criação de espaços de reprodução de racismo, sedimentando a criminalização e o extermínio da população negra. Assim, é possível verificar que o direito e a justiça criminal não são um mero aparato que apresentam características racistas, visto que são em si estruturados para cumprirem essa função de discriminação racial, perpetuando as estratégias de apartamento sedimentadas no contexto colonial.

Vimos no subtópico anterior como os processos de criminalização se sustentam em torno de significados conferidos às finalidades do sistema penal, considerando que o poder punitivo se sedimenta em naturalizações no tocante ao castigo, punição e processos de criminalização, de forma que temos uma linguagem própria com esse objetivo.

Assim, para romper com essa lógica de silenciamento e negação da violência praticada pelo sistema penal contra determinados segmentos sociais, é essencial partirmos daquilo que nos ensina Slavoj Zizek20 20 ZIZEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais. São Paulo: Boitempo, 2014. no tocante à necessidade de se destacar a violência fundamental do Estado, ou seja, aquela que garante o seu funcionamento. Para isso, deve-se criticar as distorções ideológicas que são mobilizadas para naturalizar certas formas de violência em detrimento de outras, as quais são tidas como naturais na linguagem que é construída pelo sistema penal.

É nessa mobilização ideológica que o poder punitivo garante que determinados conceitos, como justiça penal, sejam edificados enquanto práticas naturalizadas em nossa sociabilidade, o que só esconde as relações raciais discriminatórias e violentas do sistema penal, principalmente em territórios colonizados.

Na incidência do poder punitivo pelas instituições de repressão criminal, é clara a narrativa de que a punição vem para pacificar uma situação problemática violenta, recobrando o sentido de justiça, o que reforça uma perspectiva maniqueísta. Contudo, para compreender o funcionamento estrutural do poder punitivo, é necessário, antes de tudo, “resistir ao fascínio da violência subjetiva, da violência exercida por agentes sociais, indivíduos disciplinados e multidões fanáticas”.21 21 Ibid.,p. 25.

Um importante aspecto dessas violências é a linguagem universalizante do sistema penal, já que é ela que confere naturalidade e consenso no tocante à legitimidade da autoridade estatal em instaurar processos de criminalização, negando que haja tratamentos e violências institucionais diferenciados conforme o alvo dessas políticas criminais.

Assim, vemos como as disputas ideológicas em torno dos discursos sobre violência incidem de forma a naturalizar essas estruturas desiguais e discriminatórias. A respeito disso, Frantz Fanon22 22 FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. nos ensinou como o discurso da não-violência foi utilizado enquanto esforço da burguesia de negar a violência do sistema colonial, objetivando apaziguar as insurgências revolucionárias, o que, inclusive, justificava a incidência do controle punitivo contra os povos colonizados.

A burguesia colonial é, portanto, quem introduz essa noção: a não-violência. De acordo com Fanon, essa categoria é repassada às elites intelectuais e econômicas colonizadas de que elas teriam os mesmos interesses que a burguesia colonialista, levando-se a concluir que seria urgente um acordo entre elas para se chegar à “salvação comum”. Logo, vemos como esse significado específico sobre violência é utilizado como estratégia de dominação, de controle, objetivando a desarticulação política de movimentos de insurreição.

Em “Condenados da terra”, no prefácio escrito por Jean-Paul Sartre23 23 SARTRE, Jean-Paul. Prefácio. In: FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968. , é destacada como a violência enquanto resistência anticolonial representa a recomposição do próprio homem, segundo Frantz Fanon, em um resgate de sua humanidade em meio à violência anticolonial desumanizadora:

[...] essa violência irreprimível, ele o demonstra cabalmente, não é uma tempestade absurda nem a ressurreição de instintos selvagens e nem mesmo um efeito do ressentimento: é o próprio homem que se recompõe. Sabíamos, creio eu, e esquecemos essa verdade: nenhuma suavidade apagará as marcas da violência; só a violência é que pode destruí-las.

Assim sendo, vemos como os sentidos, discursos e significados conferidos à violência estão atravessados pelas estratégias políticas de dominação e resistência em curso, de forma que os abolicionistas penais não podem se esquivar desse debate, que se funda também em estudos sobre essas permanências de saques e violências coloniais.

Portanto, para atravessarmos essa discussão sobre “violência” e “não-violência”, enquanto discursos que influem no funcionamento do poder punitivo, é importante nos questionarmos a respeito do que é interessante que seja visto como violento pelo sistema penal. Logo, vemos como a construção de uma nova linguagem se insere enquanto elemento central nesse processo de naturalização e silenciamento dos subalternizados.

2. Pensar as categorias de Estado, direito penal e poder punitivo a partir da colonização

Para nós do campo criminológico que pretendemos com a construção dessa nova linguagem abrir fissuras nas estruturas de poder/saber para alargar as margens do abolicionismo penal, pensar a partir da “hipótese colonial”24 24 DUARTE, Evandro Piza; QUEIROZ, Marcos V. Lustosa; COSTA, Pedro Argolo. A Hipótese Colonial, um diálogo com Michel Foucault: a modernidade e o Atlântico Negro no centro do debate sobre racismo e sistema penal. Universitas JUS. v. 27, n. 2, 2016, p. 05. é imprescindível. Esse pressuposto nos obriga a problematizar concepções, discursos, práticas e instituições da modernidade que foram construídas e implicadas com o processo de colonização. Isso nos leva não só a apreender as estratégias de dominação do colonialismo, com seu papel decisivo na (re)produção do racismo estrutural, mas também da relação entre os sistemas penais e os povos colonizados.

É a partir dessa chave de leitura que Evandro Duarte, Marcos Queiroz e Pedro Costa25 25 Idem. , nas sendas de autores como Fanon e W. E. B. Du Bois, nos instigam a perceber que o colonialismo, enquanto dominação política e econômica sobre um território habitado por raças e povos de culturas diferentes, está implicado com “[...] a construção da criminologia como uma ciência social a serviço do imperialismo e com repercussões profundas nas realidades pós coloniais”. Para eles, a omissão da pesquisa criminológica contemporânea, ainda que auto-intitulada crítica, “faz parte das permanências e continuidades do modelo colonial na produção do conhecimento.”26 26 Idem.

Isso reflete não só nos desdobramentos mortíferos da atuação do sistema penal em nossa margem periférica, já que os saberes hegemônicos atuam racionalizando e legitimando suas práticas, como também atua como barreira epistêmica contra os saberes insurgentes que visam romper com a linguagem e a forma de gestão de conflitos, os quais se amparam numa sociabilidade autoritária em que impera as ideias de castigo e punição.

Para superação dessas barreiras, é imprescindível saber quais os alicerces e os discursos das estruturas que sustentam o que visamos romper e combater. As concepções de Estado, Direito Penal, Criminologia e Poder Punitivo precisam ser problematizadas enquanto saberes e práticas implicados ou explicitamente comprometidos com a dominação colonial.

Nesse sentido, é urgente pensar essas instituições, saberes e práticas visando alargar as margens do imaginário criminológico, mas também trazer à tona que os abolicionismos penais pensados a partir do nosso contexto periférico só podem emergir com a ruptura promovida pelo saber decolonial. Ou seja, um estremecer dos alicerces que sustentam o colonialismo por meio dos sistemas penais contemporâneos.

Se pensarmos o processo de colonização como uma acumulação de corpos em um território, aos moldes de uma “gigantesca instituição de sequestro”27 27 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Trad. Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 77-78. , veremos que a lógica colonial e seu projeto de dominação se assentou na objetificação e desterritorialização de seres humanos. O “despedaçamento cognitivo e identitário”28 28 SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Editora Mórula, 1ª ed, Rio de Janeiro, 2018, p. 11. , como parte desse processo de objetificação provocado pela escravidão, é acompanhado de um deslocamento não só geográfico desses corpos, mas também em direção a um não-lugar em termos de humanidade. É nesse sentido que o colonialismo vai se edificar em detrimento ou como negação daquilo que ele objetifica e considera como o outro: negros e indígenas.

Para levar a cabo esse processo, a agenda colonial, segundo Luiz Antônio Simas e Luiz Rufino29 29 SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Editora Mórula, 1ª ed, Rio de Janeiro, 2018, p. 11. , vai trabalhar na descredibilização das inúmeras formas de existência e de saber, produzindo, assim, a morte física desses corpos, através do extermínio, e a morte simbólica através do que eles irão chamar de “desvio existencial”, que contribui para a aniquilação de outros modos de ser, viver e sentir a vida.

O olhar apurado de Vera Malaguti30 30 Idem. , ao tratar do positivismo criminológico31 31 Ver: BATISTA, Vera Malaguti. Positivismo como cultura. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v8n2a52016.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2017. , vai perceber que este se alimentou dessas estratégias de objetificação e hierarquização de corpos, bases do poder punitivo inquisitorial, servindo mais a frente como um “saber funcional à conquista europeia, substituindo argumentos teológicos por científicos na legitimação da dominação do mundo colonial”. Esses dois processos serão alicerces do direito penal e do desenvolvimento das estruturas do Estado moderno no ocidente.

Em nossa margem periférica essas estratégias de dominação irão produzir deslizamentos para a figura do colonizado, já enquadrado como selvagem, animalesco, como ser que habita zonas do não-ser. Mais tarde, no século XIX, esse discurso irá se intensificar com a densa patologização dos povos africanos e indígenas e a “comprovação” científica de sua inferioridade, sua degenerescência e os perigos que representam.32 32 RODRIGUES, Raimundo Nina. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Salvador, Livraria Progresso, 1957.

Aquele poder punitivo que se estruturou em torno da caça às bruxas vai agora ganhar novos argumentos legitimantes tanto pelo discurso jurídico-penal quanto pelo discurso médico. A selvageria e a degenerescência do povo são acompanhadas do discurso da pena como salvação. É aqui que podemos ver o fundamental papel do poder punitivo na continuidade das estratégias de colonização, já que a pena ou “as medidas de segurança que derivam desse olhar darão conta [...] de assegurar controle penal além do crime, mantendo (ou tentando manter) as hierarquizações sociais do colonialismo e do escravismo.”33 33 BATISTA, Vera Malaguti. Positivismo como cultura. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v8n2a52016.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2017.

2.1 A atualização das estratégias de dominação colonial pelo poder punitivo

Marcos Queiroz e Jonhatan Guimarães34 34 QUEIROZ, Vinicius Lustosa; GUIMARÃES, Jonhatan R. F. Frantz Fanon e criminologia crítica: pensar o estado, o direito e a punição desde a colonialidade. Revista brasileira de ciências criminais, ISSN 1415-5400, Nº. 135, 2017. , ao proporem o desafio de colocar frente a frente a “punição no direito moderno” e o “paredão colonial”, fazendo uma espécie de “giro decolonial”35 35 BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras. Ciênc. Polít., Brasília , n. 11, p. 89-117, Aug. 2013 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522013000200004&lng=en&nrm=iso>. access on 27 Nov. 2020. , nos abrem importantes chaves de leitura para problematizar as narrativas hegemônicas sobre o surgimento e a função da punição na modernidade. Isso nos instiga a questionar de que “Estado” estamos falando, que “Direito Penal” é esse e que “Punição” é essa. Visando alargar o imaginário abolicionista, o que nos interessa nesses questionamentos é que, a partir da crítica anticolonial de Frantz Fanon, eles apontam “os limites e possibilidades da construção de narrativas críticas minimamente responsáveis ou, ao menos, condizentes com os impactos da produção da raça e do racismo pela aparelhagem bélica mobilizada pelo sistema penal.”36 36 QUEIROZ, Vinicius Lustosa; GUIMARÃES, Jonhatan R. F. Frantz Fanon e criminologia crítica: pensar o estado, o direito e a punição desde a colonialidade. Revista brasileira de ciências criminais, ISSN 1415-5400, Nº. 135, 2017. Isso porque o discurso ou a produção da raça tem uma ligação intrínseca com as práticas e formas de punição levado a cabo pelos sistemas penais contemporâneos.

É nesse sentido que Carlos Henrique de Siqueira37 37 SIQUEIRA, Carlos Henrique R. de. A alegoria patriarcal: escravidão, raça e nação nos Estados Unidos e no Brasil. Tese de Doutorado. Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília. 2007. afirma que a ideia e a prática da raça, através e no sentido que conhecemos como racismo, dependeu da segregação espacial perpetrada pelos sistemas punitivos. Para ele, “as sociedades ocidentais, nas quais o problema do racismo é persistente, constituíram e reconstituíram a identidade negativa das raças pela punição.”

As práticas punitivas na margem brasileira terão um papel crucial na reafirmação da ordem e hierarquia social/racial, delimitando os espaços e os lugares (ou “o lugar do não ser”, como nos diz Fanon38 38 FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. ) que cada um deve ocupar na estrutura social, reafirmando principalmente o abismo que separa os brancos e os indivíduos de cor. Por isso, Zaffaroni afirma que é impossível falar do exercício de poder punitivo pelos nossos sistemas penais sem atentar para uma rede de poder planetário, que coloca nossas sociedades vinculadas a relações de poder decorrentes do colonialismo que perduram até hoje.39 39 ZAFFARONI, Eugenio. Descolonización y poder punitivo. Texto de la Lectio Doctoralis em ocasión de recibir el grado de Doutor honoris causa por la Universidad Real, Mayor y Pontificia de San Javier de Chuquisaca, em Sucre, Bolívia. 2012.

Dentro desse contexto, a punição tem um papel fundamental/central não só na intensa verticalização das sociedades para condicionar-lhe seu caráter colonizador e racial, como também é imprescindível para transformar o território conquistado em um imenso campo de concentração, como já abordado na seção anterior.40 40 Idem. Para dar conta dessa transformação do território em campo, o poder punitivo, desde a chegada dos colonizadores, precisou ser exercido através de uma formidável ocupação policial do território colonizado que perdurou entre nós até a decadência dos impérios ibéricos no século XIX. É a partir daí que vamos ser submetidos às novas demandas por ordem do capitalismo neocolonial.

O poder punitivo se retroalimenta da lógica colonial não só porque as bases ideológicas de sustentação das práticas de violência irão se sustentar nesses pressupostos de inferioridade, mas também porque o poder punitivo será o seu elemento estruturador. A prisão, então, irá funcionar com a preponderância da tortura e da morte no lugar do disciplinamento.

Para Zaffaroni41 41 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Trad. Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 77-78. , não seria razoável pensar que a prisão desempenharia as mesmas funções do centro, uma vez que em nossa margem ela deveria “tratar” de uma maioria “selvagem”, e, portanto, deveria se adequar às funções exercidas pela própria “instituição colonial”. O extermínio torna-se prática fundamental do exercício dos sistemas penais para dar continuidade às estruturas e relações de poder da colonização.

É nessa perspectiva, a qual coloca a colonialidade como constitutiva da modernidade, que podemos perceber como o aparelho penal do ocidente e os saberes/práticas que o sustentam (direito penal, punição, prisão e etc.) nada têm de contraditório com as formas como irá se estruturar o controle social no contexto do empreendimento colonial. Como podemos ver, a gestão e administração dos corpos nas colônias estão diretamente implicados com as estruturas do Estado Moderno, ou seja, “[...] o colonialismo é o passo inicial necessário de aprendizagem na montagem do aparelho estatal e penal na modernidade.”42 42 QUEIROZ, Vinicius Lustosa; GUIMARÃES, Jonhatan R. F. Frantz Fanon e criminologia crítica: pensar o estado, o direito e a punição desde a colonialidade. Revista brasileira de ciências criminais, ISSN 1415-5400, Nº. 135, 2017.

Se a formação do que conhecemos como estado moderno é decorrente das vicissitudes coloniais, Marcos Queiroz e Jonhatan Guimarães43 43 QUEIROZ, Vinicius Lustosa; GUIMARÃES, Jonhatan R. F. Frantz Fanon e criminologia crítica: pensar o estado, o direito e a punição desde a colonialidade. Revista brasileira de ciências criminais, ISSN 1415-5400, Nº. 135, 2017. nos provocam a descortinar o silêncio que as narrativas hegemônicas no campo jurídico produziram em torno do seu surgimento, questionando o seu caráter universal e apontando que sua estrutura e o direito que o justifica surgem como práticas coloniais. Nas fissuras abertas por essa perspectiva, a violência genocida perpetrada pelos sistemas punitivos, que vão do apagamento simbólico e epistemológico à aplicação em larga escala da tortura física e da morte, não pode ser encarada como anomalia no funcionamento da máquina estatal, que supostamente teria como escopo a legalidade, “mas como a própria permanência da colonialidade enquanto elemento constitutivo do sistema penal”.

A crítica criminológica pretende abrir imaginações abolicionistas para além das categorias e estruturas da colonialidade. Para isso, precisa ser retomada com a compreensão da estruturalidade da violência do sistema penal baseada na “epidermização do mundo”. A permanência da lógica colonial através da operacionalidade do poder punitivo, mas também tendo esse poder como seu elemento estruturador, é uma premissa fundamental para aprofundamos radicalmente nossa crítica abolicionista à lógica da punição e sua linguagem.

Isso começa pela sacudida nas concepções de Estado e direito penal que lhe dão suporte, caso contrário, estaríamos ignorando que as concepções da modernidade estão comprometidas com a violência estrutural do sistema penal e, por consequência, “[...] eternizando ad infinitum nossa autocolonização.”44 44 BATISTA, Vera Malaguti. Positivismo como cultura. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v8n2a52016.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2017.

É aqui fundamental pensar então que o contraponto à violência estatal ilegítima ou sem justificação, ou seja, aquelas “penas perdidas” que já conhecemos em nossa margem periférica com o intenso processo de criminalização, como é o caso da militarização do cotidiano, do superencarceramento, do eficienticismo penal e da guerra às drogas, não pode estar simplesmente ancorado nas saídas dadas pela defesa de direitos humanos e de um Estado democrático de direito, principalmente quando estas mesmas perspectivas estão entrelaçadas e se sustentam exatamente na violência aterrorizante do genocídio em marcha levado a cabo pelos sistemas penais contemporâneos na periferia do capitalismo. Nesse sentido, é preciso dar um giro abolicionista-decolonial para deslocar a narrativa que contrapõe os horrores da violência colonial ao restabelecimento do monopólio da violência pelo Estado, ou dos direitos fundamentais, para uma leitura que, criticamente, não vê outra possibilidade de se contrapor a nossa sociabilidade autoritária senão abolindo a prisão e o sistema penal.

2.2 A problematização da violência (anti)colonial

Esse giro abolicionista-decolonial nos obriga a perceber que, se a violência genocida do sistema penal na contemporaneidade é estrutural e atua dando continuidade e mantendo as estratégias de dominação colonial, tendo o estado moderno e as práticas e concepções jurídicas como racionalizadoras dessa violência, tornando-a legítima e aceitável no cotidiano através de uma série de disfarces como a guerra contra o crime ou contra as drogas, por exemplo, é preciso não só o aprofundamento da mencionada radicalidade da crítica abolicionista ao poder punitivo e às categorias e saberes que o sustentam, mas também a problematização e resgate de táticas de resistência a essa dominação que historicamente foram apagadas ou estigmatizadas como irracionais, bárbaras e violentas a partir de concepções da modernidade, como o discurso jurídico, que estão diretamente comprometidas com a violência colonial.

É nas trincheiras do pensar-prático de “Condenados da Terra” de Frantz Fanon45 45 FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, 1968. que podemos vislumbrar um abolicionismo combativo, como ação direta comprometida com a luta contra as estruturas do sistema penal e automaticamente contra o arranjo de poder colonial. Os muros físicos e simbólicos que impedem os processos comunicativos horizontais - a punição e sua implicação com a raça e seus dispositivos de verticalização, que delimitam um lugar desumanizante e do não-ser para os corpos colonizados - só podem ser superados com lutas violentas que, antes de mais nada, restabeleçam a própria condição de sujeitos ativos no processo comunicacional para os povos subalternizados.

Se com Fanon aprendemos que a situação colonial se assentou no marco da violência, “[...] e sua coabitação - ou melhor, a exploração do colonizado pelo colono - foi levada a cabo com grande reforço de baionetas e canhões”46 46 FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, 1968, p.26. , e que o colonizado desde o nascimento percebe que o mundo estreito das fronteiras coloniais “não pode ser reformulado senão pela violência absoluta”47 47 Ibidem, p. 27. , é preciso retirarmos “[..] a teorização e o uso da violência campo da moral abstrata para formulá-la no âmbito da crítica ao colonialismo, da estratégia e da práxis de libertação”.48 48 QUEIROZ, Vinicius Lustosa. Fanon e a violência revolucionária. Disponível em: https://jacobin.com.br/2020/07/fanon-e-a-violencia-revolucionaria. Acesso em: 9 outubro de 2020. Isso porque, diferente do mundo das “sociedades de tipo capitalista”, o poder é exercido e se utiliza de uma “linguagem de pura violência”49 49 FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, 1968, p. 28. e historicamente os agentes e órgãos do sistema penal, como intermediários dela, levam “[...] a violência à casa e ao cérebro do colonizado”50 50 Idem. . Essa violência, a qual persiste até hoje na manutenção dos arranjos coloniais, deve ser reivindicada e assumida pelos povos subalternizados (ou criminalizados), já que “a discussão do mundo colonial pelo colonizado não é um confronto racional de pontos de vista” que possa se dar a partir das categorias tidas como universais de estado e direito. Nas palavras de Fanon, “o colonialismo não é uma máquina de pensar, não é um corpo, dotado de razão. É a violência em estado bruto e só pode inclinar-se diante de uma violência maior”.51 51 Ibidem, p. 46.

A imobilidade imposta aos povos colonizados só pode ser contornada com a superação do “mundo compartimentado” ou do “mundo de estátuas” edificados pela colonização52 52 Ibidem, p. 38 e 39. . É com Fanon que podemos aprender que as ações de destruição das estátuas dos generais que efetuaram a “conquista” ou de engenheiros que construíram pontes e barragens - e porque não das prisões e territórios construídos para dar seguimento a esses mundos -, desqualificadas cinicamente como ações de bárbaros, podem fazer parte do descobrimento do real e da sua transformação em práxis, no exercício da violência que abre caminhos ao projeto de libertação.53 53 FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, 1968, p. 44.

Para Fanon54 54 Ibidem, p. 46 e 47. , o discurso da “não-violência” é uma tentativa de equacionar o problema colonial e manter seus arranjos, e para nós que estamos tentando destruir os alicerces, por meio do qual a dominação da colonização persiste no cotidiano das sociedades colonizadas, é urgente chamar atenção para as práticas de violência legitimadas de forma sutil. Essas práticas são racionalizadas por meio dos discursos e instituições que sustentam o estado na modernidade, abrindo passagem para lutas abolicionistas que lancem mão da violência como tática imprescindível na ruptura de espaços verticalizados.

A partir dessa inversão de sinais, a violência pode se apresentar como ruptura a um dos alicerces do sistema de justiça criminal, atuando no sentido de restaurar e reconhecer os envolvidos com vozes e sujeitos protagonistas na resolução de suas “situações problema”.

É nessa perspectiva que essa violência anticolonial serve para questionar a cegueira daqueles que se agarram em proposições pacifistas, reduzidas à defesa de direitos fundamentais ou da legalidade que pressupõe a manutenção da ordem hegemônica. Ou, ainda, os garantistas da chamada “segurança pública” com direitos, aqueles que se apresentam como guardiões da ordem e colaboracionistas legítimos do extermínio perpetrado pelas políticas criminais contemporâneas.

É por isso que “Fanon, portanto, nos ajuda a expandir nossa imaginação política e a dar outro estatuto filosófico e político à violência, mais condizente com a tradição dos oprimidos”55 55 QUEIROZ, Vinicius Lustosa. Fanon e a violência revolucionária. Disponível em: https://jacobin.com.br/2020/07/fanon-e-a-violencia-revolucionaria. Acesso em: 9 outubro de 2020. . Mas dentro desse contexto de alargamento de margens, é preciso se livrar das categorias do “ser branco e ocidental”, no sentido de ter somente como horizonte suas teorizações universalistas, principalmente a de “direitos humanos”, a qual é mobilizada como contraponto às violências do sistema penal.

3. Falência do modelo punitivo e o imaginário abolicionista

O irromper de novos modelos de resolução de conflito passam por questões políticas e o poder criativo se entrelaça com o poder destrutivo56 56 BENJAMIN, W. Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie. Trad. Celeste H. M. Ribeiro de Souza. São Paulo:Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1986. p.187 . Há um moralismo que atravanca debates e táticas de ação em um mundo neoliberal de empreendedores de si mesmo, apostando no individualismo e enfraquecendo a potência de malha coletiva.

Quando se menciona moralismo nos referimos a ideia de que toda violência, agressividade ou força significariam um mal em si. A principal chave para pensar esse moralismo é imaginar que isso desloca o ato de seus considerados contextos. O outro aspecto que relaciona a moralização da violência é o apagamento da formação do Estado, a mistificação de conquistas e disputas sociais como algo dado.

Assim, Matos57 57 MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Filosofia Radical e Utopia: inapropriabilidade, an-arquia, a-nomia. Rio de Janeiro: Via Verita, 2014. fala que há uma incapacidade de fazer distinções sistemáticas entre os usos da violência. Sendo assim, esse sistema liberal-capitalista vai “deixando de perceber o óbvio: que ele próprio, em si e por si, é violência de classe; que para controlar a violência extralegal é preciso lançar mão de outro tipo de violência”. Esse outro tipo de violência que se centraliza no Estado e é exacerbado no poder político-jurídico58 58 MATOS, op. cit. p.171 .

A formação do Estado tem essa violência constitutiva, ao passo que o esquecimento dessas forças revolucionárias e violentas que o formaram59 59 MATOS, op. cit. p.172 , seja o congresso, o Estado ou uma lei, se faz notável. Lembra-se da assinatura da caneta, mas há um esforço para que se pense que as greves em nada influenciaram no rumo de conquistas trabalhistas, por exemplo.

Somando o desprezo pelos contextos e forças que tensionam um ato violento, além do apagamento dessa relação com a disputa política, se desenha o cenário no qual a criminalização e o grande encarceramento operam na hipersimplificação entre bem e mal, entre os que merecem viver ou morrer, entre os que podem falar e elaborar pautas e os que se ouvem menos que ruídos.

Quando Mathiesen fala da prisão como sistema profundamente sem sentido diante de seus próprios termos, é o pontapé que se repete em um olhar desnaturalizante da categoria de crime, e da seletividade penal. A fragilidade desse funcionamento da prisão, em especial no Brasil, hoje, traduz contradições, crueldades e absurdos e deveria conduzir a recusa disso.

Mathiesen nos ensina que o conhecimento acerca do absurdo do sistema prisional é secreto, mas a negação dessa realidade segregadora, racista e colonial, no nosso contexto, faz parte de uma encenação que inverte o que é regra e o que é exceção. Assim, o genocídio, os abusos policiais, e essa carga de violência disposta pelo Estado entra ironicamente em uma nomenclatura de “caso isolado”, enquanto este se repete cotidianamente. A informação fria e seca sobre o contexto criminal é insuficiente60 60 MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível? Verve (PUCSP), v. 4, p. 80-111, 2003. , visto que ela demanda “um nível emocional mais profundo”61 61 MATHIESEN, op. cit. p.95-96 .

Há toda uma mobilização em colocar a vítima como centro do que se desdobrará diante da situação-problema, e isso costuma ser retomado e proposto de maneiras diversas pelo abolicionismo penal. Mas propor seria suficiente sob uma sociabilidade autoritária que valora a morte de maneira muito diferente? Propor que vamos sempre criar novos caminhos, novos modelos para solucionar as situações problemáticas não parece dar conta sozinha de criar uma prática abolicionista, de operar o desejo de outra forma possível de se organizar, e lidar com conflitos que não esse que arrasta correntes. Isso porque pensar o abolicionismo em nosso chão tem desdobramentos outros. Então abrange coisas além dos muros de uma prisão (ou da derrubada desses muros).

A falência desse modelo punitivo e também da sociabilidade autoritária que consagra o castigo como algo quase mágico, se torna até de uma certa ironia quando diz respeito ao medo de táticas organizadas para enfrentá-la. É preciso pensar os horizontes que desenhem uma pluralidade de táticas. Pensar sobre o abolicionismo e sua prática, que não é uma única, não se distingue de um modo de vida e de uma construção de mundo. A ação direta é algo que se comunica com a história e raízes de revoltas populares, mas também com a organização de bairros, e assim também com a ideia de um mundo sem prisões. Sendo assim, tanto o molotov quanto a horta comunitária são igualmente ação direta, pois recaem na definição anarquista de uma amplitude de recusa ao intermédio ou representação.

O desenvolvimento disso passa por enfrentar, como situação-problema, um evento que seria naturalizado como crime. Essa mudança de perspectiva, de olhar, passa pela linguagem. É necessário equacionar os eventos a partir dos diretamente envolvidos. A linguagem, em que pese não exaure o processo de ruptura, é instrumento essencial de um desprender-se para uma outra construção. Por isso, Acácio Augusto pontua que “uma política abolicionista é uma atitude pessoal, que ocorre no presente, como convite aberto a outros interessados em potencializar liberdades, sem esperar pela redenção futura ou por uma situação política favorável” (2012, p.159).

Por essa atitude reiterada começa a ser desenhado um abolicionismo combativo, que se organiza a tensionar também descriminalizações como pautas políticas, apontando sempre o horizonte outro, não tendo reforma como fim. Isso porque esse pensar-prático não fica suscetível à uma pauta esvaziada de não-violência e nem submetido a imobilização política.

Por isso, quando Augusto (2012AUGUSTO, Acácio. Abolicionismo penal como ação direta. Verve, 21, 2012. p. 154-171.) fala da atualidade do abolicionismo de Hulsman e direciona para ação direta, diz respeito também a um deslocamento que nos é importante sobre ir “além da estática posição do resistente, da crítica acadêmica ou da atuação pela denúncia”. Isso se relaciona com uma ética e estética libertária, como fala Passetti.

O impacto dessa construção implica diretamente na ideia de um imaginário, pensando que “Imaginário poderá ser entendido como um conjunto de imagens mais ou menos próximas umas das outras ou, pelo menos, que podem entre elas constituir uma história ou uma ficção paralela ao mundo real”62 62 TAVARES, Gonçalo M. Atlas do corpo e da imaginação. Lisboa: Editorial Caminho, 2013. p. 379 . A composição desse imaginário abolicionista, diante de uma ética e estética libertária toma contornos em cada experiência, e pensar prático sobre o qual nos debruçamos.

Esse pensar-prático costuma esbarrar no problema da utopia, que estranhamente tem tomado sentidos sobre algo infantilizado ou irrealizável. É uma reação recorrente diante de propostas que remetem às causas e não somente aos efeitos, ou seja, até a raiz do fenômeno. Foucault63 63 FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. Posfácio de Daniel Defert. São Paulo: Edições n-1, 2013 considerava utopias como algo mais preciso no mapa, algo pelo qual se desenha um horizonte, um objetivo, uma aspiração.

O tal problema da utopia aparece na análise de Mathiesen64 64 MATHIESEN, op. cit. p.82. e de Augusto65 65 AUGUSTO, Acácio. Abolicionismo penal como ação direta. Verve, 21, 2012. p.157-158 . Mathiesen devolve a ideia do impossível olhando para vitórias abolicionistas do passado e registrando:

[...]Em um trecho provocativo sobre as vitórias abolicionistas do passado, o criminologista alemão Sebastian Scheerer lembra-nos que “nunca houve uma transformação social significante na história que não tenha sido considerada irreal, estúpida ou utópica pela grande maioria dos especialistas, mesmo antes do impensável se tornar realidade"66 66 SCHEERER, Sebastian Apud MATHIESEN.“Towards abolitionism” in Contemporary Crisis, 1986, p. 7.

Isso é algo também argumentado por Zizek67 67 ZIZEK, Slavoj. Primeiro como tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011. (2015), sobre o deslocamento da ideia de impossível. Por isso, pega-se o fio do raciocínio dele para acender algumas questões: "a própria ideia de transformação social radical parece um sonho impossível; contudo, a palavra “impossível” deveria nos fazer parar para pensar"68 68 ZIZEK, op.cit., p.12 . Neste trecho, Zizek traça uma relação com a pós-política de uma redução das decisões políticas a questões puramente econômica, é também um molde da ideologia dominante que "pretende nos fazer aceitar a impossibilidade da mudança radical, da abolição do capitalismo, da democracia não restrita ao jogo parlamentar". Essa articulação tem a direção de tornar impossível, tornar impraticável, tornar invisível, aquilo que realmente altera a ordem social existente69 69 "Esse real é impossível no sentido de que é o impossível da ordem social existente, ou seja, seu antagonismo constitutivo - que, entretanto, de modo algum implica que não se possa tratar diretamente com esse real/impossível e transformá-lo radicalmente num ato “maluco”, que muda as coordenadas “transcendentais” básicas de um campo social." ZIZEK, op. cit. , p.13 . Isso dialoga com esse questionamento sobre a abolição do sistema penal. Tanto que a pergunta feita aos abolicionistas, exemplificada por Augusto70 70 AUGUSTO, op. cit. , sobre "Mas colocar o quê no lugar?" é a argumentação subsequente, depois de pensar ser impossível.

Nesse aspecto, há direções para caminhar com isso. Uma é reelaborar a ideia de substituição (quando se pergunta o que colocar no lugar do sistema penal), que é mais conectada com a reforma do que com abolição. Outra é abrir o convite a tomar parte de criações como justiça restaurativa, associações de bairro, ou até sobre educação no núcleo familiar que dialogue com a extinção da lógica do castigo. Em meio a tudo isso se reforça pensar as condições da abolição como um todo também, e sair de um imaginário descrito por Mathiesen, no qual "sabemos muito mais sobre as condições que sustentam os sistemas do que sobre aquelas que favorecem sua mudança radical"71 71 MATHIESEN, op. cit., p.84 .

As imagens recorrentes de "humanizar" um sistema que empilha corpos, aprofunda a brutalidade, e não reduz índices criminais em seus próprios termos, ainda são as que comandam ou congelam a imaginação. Então como pensar a abertura para um outro imaginário na epistemologia abolicionista?

Ao retornar a Foucault72 72 FOUCAULT, op. cit. vemos que ele fala de utopia, como um horizonte palpável, em contraste a pensar sobre o lugar sem lugar: a heterotopia. É nessa definição que se considera o Navio, esse “pedaço de espaço flutuante, lugar sem lugar, com vida própria, fechado em si, livre em certo sentido, mas fatalmente ligado ao infinito do mar”73 73 FOUCAULT, op. cit., p.30 . Essa expressão que Foucault faz de pensar o barco de como a maior reserva de imaginação lembra o poema de Ana Cristina César dizendo que “é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço74 74 CESAR, Ana Cristina. A teus pés. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.p.61 ”. O abolicionismo como navio se aproxima de Ana Cristina, mais do que de Foucault. O navio do abolicionismo existe no espaço, ou seja, está em um lugar sem lugar. Portanto, essa heterotopia vaga nesse tempo, mas só enquanto não se ancorar na matéria, nas experiências antipunitivistas. Esse espaço primeiro com mais dificuldade de ancorar é a imaginação, porque é preciso abrir essa porta a qual arrancaram a maçaneta.

4. Considerações finais

Assumir a urgência de uma práxis abolicionista não se confunde com propor uma docilidade perante os abusos e reiterações de um sistema de justiça criminal que opera sobre o absurdo. Contudo, para essa contribuição, é preciso olhar a violência nos termos abordados por Frantz Fanon como algo essencial à práxis. Não só no sentido de violência revolucionária, mas como algo presente enquanto motor transformador, enquanto possibilidade, de forma que não seja visto como errado ou desprovido de razão, como é comum no discurso liberal.

Analisamos como a epistemologia do abolicionismo penal sugere um contínuo percurso experimental, ou seja, hábil a abarcar discussões que possam romper com velhas fantasias sobre a violência, pois são elas que alicerçam a construção do conceito de “crime” como algo natural. Ademais, não são só as violências revolucionárias que são objeto desses misticismos e ilusões, as próprias violências estruturais/institucionais decorrentes da lógica colonial são colocadas em um lugar de consequências “naturais” de um processo civilizatório que a todo custo nega o sofrimento de populações marginalizadas.

Neste sentido, os abolicionistas penais precisam estar munidos de saberes que dêem conta de permanências históricas e contextos sociais para pensar as produções e reproduções das relações de dominação colonial pelo sistema punitivo. O poder punitivo incide a partir dessas mobilizações ideológicas em torno da violência, seja para justificar a incidência brutalizada dos aparelhos de repressão criminal, seja para negar o sofrimento de determinados segmentos sociais.

Portanto, sendo feitas essas ressalvas necessárias, em que se insere a epistemologia do abolicionismo penal a um contexto de relações de dominação, vemos como a transformação do real se coloca como consequência das movimentações de revolta, o que nos apresenta novas formas de solução das situações problemáticas para além do mito da universalização da pena.

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  • 1
    O debate presente neste artigo foi travado a partir de reflexões nas reuniões e produções científicas do Grupo Cabano de Criminologia, criado em 2015, o qual tem como premissas de atuação: a) a reverberação das raízes movidas por um espírito de subversão, protesto e contestação da ordem, o que entendemos como inegociável para a construção de um saber criminológico comprometido com uma prática libertária; e b) destacar a perspectiva da “margem da margem” a partir do nosso chão, marcando geopoliticamente a construção do saber criminológico na região amazônica e no norte, em relação à centralidade e status quo dado ao sul e sudeste.
  • 2
    AUGUSTO, Acácio. Abolicionismo penal como ação direta. Verve, 21, 2012. p. 154-171.
  • 3
    PASSETTI, Edson. Ensaio sobre um abolicionismo penal. Verve. v. 9. 2006. p. 83-114.
  • 4
    Considerando que o artigo parte da realidade amazônica na qual são mobilizadas categorias como afroamazonidas, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, além de outras populações tradicionais, esta nomenclatura foi empregada para abarcar a pluralidade do nosso contexto.
  • 5
    PASSETTI, Edson. op.cit., loc. cit.
  • 6
    DELEUZE, Gilles. Conversações. Tradução: Peter Pál Perbart. São Paulo: Editora 34, 2013.
  • 7
    AUGUSTO, Acácio. Para além da prisão-prédio: as periferias como campos de concentração a céu aberto. In: ABRAMOVAY, Pedro Vieira; BATISTA, Vera Malaguti. (org.) Depois do Grande Encarceramento. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
  • 8
    OLIVEIRA, Salete. Linguagem-Fronteira e linguagem-percurso. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso Livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan. 2004.
  • 9
    HULSMAN, Louk. Alternativas à justiça criminal. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso Livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan. 2004. p. 35.
  • 10
    PASSETTI, Edson. A atualidade do abolicionismo penal. In: PASSETTI, Edson (coord.). Curso livre de abolicionismo penal. Rio de Janeiro: Revan. 2004.
  • 11
    Ibid.
  • 12
    DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? Tradução: Marina Vargas, 2. ed. Rio de Janeiro: Difel, 2018
  • 13
    PASSETTI, Edson. Op.cit. 2006.
  • 14
    Ibid.
  • 15
    OLIVEIRA, Salete. Op.cit.
  • 16
    BORGES, Juliana. O que é encarceramento em massa? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
  • 17
    SCHWARTZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: Cor e raça na sociabilidade brasileira. São Paulo: Claro Enigma, 2012.
  • 18
    FLAUZINA, Ana Luiza; FREIRAS, Felipe da Silva. Do paradoxal privilégio de ser vítima: terror de Estado e a negação do sofrimento negro no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Criminais. vol. 135. Ano 25. P. 49-71. São Paulo: Ed. RT, set. 2017.
  • 19
    Ibid. p. 59.
  • 20
    ZIZEK, Slavoj. Violência: seis reflexões laterais. São Paulo: Boitempo, 2014.
  • 21
    Ibid.,p. 25.
  • 22
    FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
  • 23
    SARTRE, Jean-Paul. Prefácio. In: FANON, Frantz. Os condenados da Terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
  • 24
    DUARTE, Evandro Piza; QUEIROZ, Marcos V. Lustosa; COSTA, Pedro Argolo. A Hipótese Colonial, um diálogo com Michel Foucault: a modernidade e o Atlântico Negro no centro do debate sobre racismo e sistema penal. Universitas JUS. v. 27, n. 2, 2016, p. 05.
  • 25
    Idem.
  • 26
    Idem.
  • 27
    ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Trad. Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 77-78.
  • 28
    SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Editora Mórula, 1ª ed, Rio de Janeiro, 2018, p. 11.
  • 29
    SIMAS, Luiz Antônio; RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Editora Mórula, 1ª ed, Rio de Janeiro, 2018, p. 11.
  • 30
    Idem.
  • 31
    Ver: BATISTA, Vera Malaguti. Positivismo como cultura. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v8n2a52016.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2017.
  • 32
    RODRIGUES, Raimundo Nina. As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil. Salvador, Livraria Progresso, 1957.
  • 33
    BATISTA, Vera Malaguti. Positivismo como cultura. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v8n2a52016.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2017.
  • 34
    QUEIROZ, Vinicius Lustosa; GUIMARÃES, Jonhatan R. F. Frantz Fanon e criminologia crítica: pensar o estado, o direito e a punição desde a colonialidade. Revista brasileira de ciências criminais, ISSN 1415-5400, Nº. 135, 2017.
  • 35
    BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Rev. Bras. Ciênc. Polít., Brasília , n. 11, p. 89-117, Aug. 2013 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-33522013000200004&lng=en&nrm=iso>. access on 27 Nov. 2020.
  • 36
    QUEIROZ, Vinicius Lustosa; GUIMARÃES, Jonhatan R. F. Frantz Fanon e criminologia crítica: pensar o estado, o direito e a punição desde a colonialidade. Revista brasileira de ciências criminais, ISSN 1415-5400, Nº. 135, 2017.
  • 37
    SIQUEIRA, Carlos Henrique R. de. A alegoria patriarcal: escravidão, raça e nação nos Estados Unidos e no Brasil. Tese de Doutorado. Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas da Universidade de Brasília. 2007.
  • 38
    FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.
  • 39
    ZAFFARONI, Eugenio. Descolonización y poder punitivo. Texto de la Lectio Doctoralis em ocasión de recibir el grado de Doutor honoris causa por la Universidad Real, Mayor y Pontificia de San Javier de Chuquisaca, em Sucre, Bolívia. 2012.
  • 40
    Idem.
  • 41
    ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema penal. Trad. Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p. 77-78.
  • 42
    QUEIROZ, Vinicius Lustosa; GUIMARÃES, Jonhatan R. F. Frantz Fanon e criminologia crítica: pensar o estado, o direito e a punição desde a colonialidade. Revista brasileira de ciências criminais, ISSN 1415-5400, Nº. 135, 2017.
  • 43
    QUEIROZ, Vinicius Lustosa; GUIMARÃES, Jonhatan R. F. Frantz Fanon e criminologia crítica: pensar o estado, o direito e a punição desde a colonialidade. Revista brasileira de ciências criminais, ISSN 1415-5400, Nº. 135, 2017.
  • 44
    BATISTA, Vera Malaguti. Positivismo como cultura. Rio de Janeiro, 2016. Disponível em: <http://www.historia.uff.br/revistapassagens/artigos/v8n2a52016.pdf>. Acesso em: 9 mar. 2017.
  • 45
    FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, 1968.
  • 46
    FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, 1968, p.26.
  • 47
    Ibidem, p. 27.
  • 48
    QUEIROZ, Vinicius Lustosa. Fanon e a violência revolucionária. Disponível em: https://jacobin.com.br/2020/07/fanon-e-a-violencia-revolucionaria. Acesso em: 9 outubro de 2020.
  • 49
    FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, 1968, p. 28.
  • 50
    Idem.
  • 51
    Ibidem, p. 46.
  • 52
    Ibidem, p. 38 e 39.
  • 53
    FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Editora: Civilização Brasileira, 1968, p. 44.
  • 54
    Ibidem, p. 46 e 47.
  • 55
    QUEIROZ, Vinicius Lustosa. Fanon e a violência revolucionária. Disponível em: https://jacobin.com.br/2020/07/fanon-e-a-violencia-revolucionaria. Acesso em: 9 outubro de 2020.
  • 56
    BENJAMIN, W. Documentos de Cultura, Documentos de Barbárie. Trad. Celeste H. M. Ribeiro de Souza. São Paulo:Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1986. p.187
  • 57
    MATOS, Andityas Soares de Moura Costa. Filosofia Radical e Utopia: inapropriabilidade, an-arquia, a-nomia. Rio de Janeiro: Via Verita, 2014.
  • 58
    MATOS, op. cit. p.171
  • 59
    MATOS, op. cit. p.172
  • 60
    MATHIESEN, Thomas. A caminho do século XXI — abolição, um sonho impossível? Verve (PUCSP), v. 4, p. 80-111, 2003.
  • 61
    MATHIESEN, op. cit. p.95-96
  • 62
    TAVARES, Gonçalo M. Atlas do corpo e da imaginação. Lisboa: Editorial Caminho, 2013. p. 379
  • 63
    FOUCAULT, Michel. O corpo utópico, as heterotopias. Posfácio de Daniel Defert. São Paulo: Edições n-1, 2013
  • 64
    MATHIESEN, op. cit. p.82.
  • 65
    AUGUSTO, Acácio. Abolicionismo penal como ação direta. Verve, 21, 2012. p.157-158
  • 66
    SCHEERER, Sebastian Apud MATHIESEN.“Towards abolitionism” in Contemporary Crisis, 1986, p. 7.
  • 67
    ZIZEK, Slavoj. Primeiro como tragédia, depois como farsa. São Paulo: Boitempo, 2011.
  • 68
    ZIZEK, op.cit., p.12
  • 69
    "Esse real é impossível no sentido de que é o impossível da ordem social existente, ou seja, seu antagonismo constitutivo - que, entretanto, de modo algum implica que não se possa tratar diretamente com esse real/impossível e transformá-lo radicalmente num ato “maluco”, que muda as coordenadas “transcendentais” básicas de um campo social." ZIZEK, op. cit. , p.13
  • 70
    AUGUSTO, op. cit.
  • 71
    MATHIESEN, op. cit., p.84
  • 72
    FOUCAULT, op. cit.
  • 73
    FOUCAULT, op. cit., p.30
  • 74
    CESAR, Ana Cristina. A teus pés. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.p.61

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    13 Jan 2021
  • Aceito
    21 Jan 2021
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