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A propósito do surgimento da filosofia no Brasil: uma perspectiva pós-colonial

On the emergence of philosophy in Brazil: a postcolonial viewpoint

Sobre el surgimento de la filosofía en Brasil: una perspectiva poscolonial

Resumo

Neste artigo procura questionar-se a solidez da ideia segundo a qual a filosofia da segunda escolástica no Brasil segue e imita a sua congénere em Portugal, designadamente as suas duas primeiras autoridades, Pedro da Fonseca e o Curso Jesuíta Conimbricense. Contrariando este paradigma, ao longo destas páginas deixam-se algumas indicações para pesquisas futuras.

Palavras-chave
Filosofia brasileira; Segunda escolástica; Escolas jesuítas de Coimbra e de Évora.

Abstract

The present contribution aims at challenging the generalized idea according to which second scholasticism in Brazil follows and imitates its counterpart in Portugal, and namely its two first authorities, Pedro da Fonseca, and the Coimbra Jesuit Course. To contradict this research paradigm, the author provides some methodological suggestions still to be pursued.

Keywords:
Brazilian philosophy; Second scholasticism; Coimbra and Évora Jesuit Schools.

Resumen

En este artículo se cuestiona la solidez de la idea de que la filosofía de la segunda escolástica en Brasil sigue y imita a su contraparte en Portugal, específicamente a sus dos primeras autoridades, Pedro da Fonseca y el Curso Jesuita Conimbricense. Contrariando este paradigma, a lo largo de estas páginas se proporcionan algunas indicaciones para futuras investigaciones.

Palabras clave:
Filosofía brasileña; segunda escolástica; escuelas jesuitas de Coimbra y Évora.

Introdução

Agradeço o convite para participar nesta 1ª Jornada Sul-Norte sobre o pensamento filosófico brasileiro1 1 O texto reproduz a apresentação oral do autor nas Jornadas, amavelmente transcrito pela mestre Águida Assunção e Sá, a trabalhar sob a orientação do professor Lúcio Álvaro Marques. A ambos, o meu mais sincero agradecimento. Manteve-se algum tom da oralidade da ocasião, mas, graças à amiga intervenção acabada de referir, tive a oportunidade de intervir estilisticamente, aqui e ali. . Vou falar precisamente de um dos temas que acabou de ser abordado na palestra imediatamente anterior à minha - a questão do surgimento da filosofia no Brasil -, embora eu pense dever fazê-lo numa perspectiva distinta.

Uma história unitária ou divergente?

Não vou debruçar-me aqui sobre o vasto período que vai de 29 de março de 1549, o dia em que chegaram ao Brasil os jesuítas, com o ex-estudante do Colégio de Jesus de Coimbra, Manuel da Nóbrega, e o século XIX, em que finalmente se ouve o radical grito do Ipiranga. Em alternativa, gostaria de me centrar, humilde e cautelosamente, num período mais restrito, apesar de tudo bastante vasto para uma análise histórico-filosófica primorosa.

Embora a publicação do precioso livro A Lógica da Necessidade, o ensino de Rodrigo Homem no Colégio do Maranhão me forneça um importante “terminus ad quem”, a amplitude temporal a que me vejo obrigado deve-se exclusivamente ao estado do conhecimento sobre o tema, ou pelo menos do meu escasso conhecimento (MARQUES, 2018MARQUES, L. Á. A Lógica da Necessidade: o ensino de Rodrigo Homem no Colégio do Maranhão (1720-1725). Porto Alegre: Editora Fi, 2018.). Os elementos que aquela obra nos deu, ou as pesquisas provenientes do programa designado “Scholastica Colonialis”, que louvo, não podem ser ignoradas. A pesquisa avança, e isso é um fator que muito nos enriquecerá no futuro, de ambos os lados do Atlântico. Falar de “surgimento” é, no entanto, presunçoso, haja em vista de novo o estado do conhecimento, mas a orientação dada em 1556 para a construção na Bahia de um colégio como o de Santo Antão pode ser tomada aqui em todo o seu simbolismo. Santo Antão em Lisboa era um colégio com características distintas do Colégio de Jesus de Coimbra, em particular pelo relevo ali dado ao ensino das matemáticas e ciências. Ambos, todavia, no tocante à filosofia, seguiam idênticas diretrizes. Quanto ao Colégio de Jesus em Coimbra, ele sofria, para o bem e para o mal, das vicissitudes da sua proximidade com a Universidade. As diretrizes a que aludi, valha a verdade, não eram portuguesas, mas europeias - “globais” mesmo, como o desejava a Ratio Studiorum. Elas foram, por isso, seguidas por Gonçalo Leite, ao que sei o primeiro professor a lecionar Artes no Brasil em 1572. E nada nos pode fazer desconfiar que os seus primeiros alunos graduados na Bahia em 1575 - dez noviços da Companhia e quatro estudantes externos - se sentissem menos competentes do que os seus companheiros, estudando a mais de seis mil e seiscentos quilómetros de distância, na cidade de Coimbra. É certo, em todo o caso, que a ambição intelectual ou os superiores desígnios da Companhia de Jesus acabam por explicar a razão pela qual cada vez mais estudantes provenientes do território brasileiro demandarão Portugal, na altura, e mormente as suas duas escolas superiores, em Coimbra e em Évora. É o que nos dizem os números. De apenas treze, no século XVI, os registros apontam para quase três centenas de estudantes oriundos do Brasil no século XVII e a centúria seguinte contará para cima de quatrocentos estudantes (BOSCHI, 1991BOSCHI, C. C. A Universidade de Coimbra e a formação intelectual das elites mineiras coloniais. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 7, pp. 100-111, 1991., p. 100-111, para o caso de Minas Gerais, mas com bibliografia adicional). Apenas uma curiosidade: neste momento em que vos falo são mais de dois mil os estudantes brasileiros que frequentam esta minha Universidade da qual se divisa o presunçoso rio Mondego.

Todavia, quando Gonçalo Leite ensina na Bahia, nem a Ratio, nem os famosos Conimbricenses - na verdade, um habitualmente designado Cursus Conimbricenses - podiam ter qualquer repercussão. Nesses anos do século XVI, o Colégio de Coimbra tinha pouco mais de quinze anos de experiência docente no âmbito das Artes; um dos seus antigos professores, o notável Pedro da Fonseca, estava em Roma a trabalhar no comentário à Metafísica de Aristóteles; e a discussão em torno da conceção de um curso de filosofia com expressão identitária e global encontrava-se ainda envolta em dificuldades.

Leite teve, portanto, de recorrer a manuscritos, eventualmente aos seus, quiçá do seu tempo de estudante, todos eles seguramente levados pelas caravelas que rompiam distâncias inimagináveis.

Sabemos que, na falta de livros, os jesuítas providenciavam outros tipos de textos (pessoais ou alheios) para as suas aulas. Foi isso que fez José de Anchieta no início das atividades do Colégio de São Paulo de Piratininga, quando se viu obrigado a escrever os apontamentos necessários para as suas turmas e a distribuí-los aos alunos. Mas essa era também a situação portuguesa, exatamente assim, tal como o comprova Pedro da Fonseca. Como este último, trabalharão, no Brasil, Luís da Grã, Inácio de Tolosa e o 'infame' John Vincent Yate, quer quanto à produção de materiais inéditos, quer também quanto à compra e importação de livros publicados, nomeadamente mais livros estrangeiros do que portugueses, tal como nos casos de, por exemplo, Yate e Tolosa.

O cenário mudará radicalmente no século XVII. Este será o século da disseminação dos colégios no território sul-americano. Em 1658, a Câmara da Bahia pede ao Rei que “lhes conceda o privilégio de ali fazerem Universidade como a de Évora” e, por meio do seu procurador, em 6 de julho de 1669, o Estado do Brasil encaminha à Mesa de Consciência e Ordem de Lisboa um requerimento onde pede os mesmos privilégios da Universidade de Coimbra, não, evidentemente, os do Colégio de Jesus. No ano seguinte, Coimbra responderá negativamente ao pedido, e a minha experiência diz-me que, ainda no século XXI, a Universidade de Coimbra votaria contra qualquer alienação da sua autoridade académica no espaço do meu próprio país! Como concluiu prosaicamente Fernando Taveira da Fonseca, o real motivo residia no facto de que a constituição de uma Universidade no Brasil poria em risco a autoridade de Coimbra (FONSECA, 1997FONSECA, F. T. O saber universitário e os universitários no Ultramar. In: História da Universidade em Portugal. Coimbra-Lisboa: Universidade de Coimbra, Fundação Calouste Gulbenkian, vol. I, tomo II, 1997., p. 1017-1040; FONSECA, 1999FONSECA, F. T. Scientiae thesaurus mirabilis: estudantes de origem brasileira na Universidade de Coimbra (1601-1850). Revista Portuguesa de História v. 33, pp. 527-559, 1999., p. 527-559). Isto explicaria, aliás, a tese de José Murilo de Carvalho. Em A construção da ordem - teatro de sombra, este eminente estudioso identifica a unidade do território brasileiro como dependente da existência de uma intelectualidade formada em Coimbra, evitando, assim, que o Brasil se fragmentasse, como ocorreu sob o domínio de Madrid nas restantes Américas (CARVALHO, 2008CARVALHO, J. M. de. A construção da ordem. A elite política imperial - teatro de sombras. A política imperial. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.).

Mas esta diferença ou especificidade luso-brasileira não conheceu apenas uma expressão política unitária. Permitam que volte a assinalar aqui aquilo que o conferencista anterior a mim designou por “efeito de contexto” ou “inscrições locais”. Nos primeiros tempos da instalação dos jesuítas vejo uma primeira inscrição local, o primeiro efeito de contexto: o ensino das línguas. Porque a tradição da Companhia de Jesus se baseava no ensino da língua grega e hebraica, como complemento do latim. No Brasil, aquelas duas foram imediatamente substituídas pelo tupi-guarani, por exemplo.

Lembro, a este respeito, um exemplo cinematográfico. No filme de Manoel de Oliveira, Palavra e Utopia (2000), o cineasta representa o jovem noviço António Vieira a pronunciar “Eporapitiomé”, que é, na língua tupi, como todos sabem, o 6º Mandamento ( לא תהרוג, em transliteração: lo tirëtsåch:s, e segundo os LXX: οὐ φονɛύσɛις). Tal mandamento virá a ser, igualmente, e de maneira ainda mais significativa no nosso tempo, o imperativo ético na filosofia de Levinas; o grito de angústia da Polónia moderna, no filme de Krzysztof Kieslowski; ou uma viagem pela história europeia do século XX, no livro de Júlia Navarro.

Um segundo caso de inscrição local acontece em Principia Mathematica de Newton, quando ele se refere ao trabalho do jesuíta tcheco que está a operar no Brasil, Valentin Stansel, em 5 de março de 1668. Nessa obra monumental, o próprio Isaac Newton tem dificuldades em reconhecer tal inscrição e contextualiza todo o trabalho de Stansel no quadro da tradição aristotélica, sem reparar, por exemplo, haver efeitos contextuais na pesquisa de Stansel que só podem ser brasileiros. Bastaria pensarmos em dois títulos que manifestam a ruptura, posto que, na sua novidade, pouco têm que ver com a dimensão cultural portuguesa: Coelis Brasiliensis Oeconomia e Mercurius Brasilium. Enfim, Newton não pareceu ser sensível a qualquer inscrição, ao referir-se àquelas descobertas, circunscrevendo-as apenas à dimensão colonial portuguesa.

O conflito de interpretações: uma questão de perspectiva?

Nietzsche ensinou-nos que tudo é uma questão de perspectiva. Também o deve ser, forçosamente, a história da modernidade filosófica. Lembraria, a título de exemplar e profícua provocação, a leitura histórica de John Deely, há pouco retomada por Helène Leblanc, sobretudo no tocante ao contributo do jesuíta Sebastião do Couto, a quem aliás voltarei. Segundo Deely, a filosofia latina moderna culmina não com Descartes, mas com o português João Poinsot (DEELY, 2020DEELY, J. Medieval Philosophy Redefined as the Latin Age. The Development of Cenoscopic Science, AD354 to 1644 (From the Birth of Augustine to the Death of Poinsot). St. Augustines Press, 2020.; LEBLANC, 2021LEBLANC, H. Théories Sémiotiques à l’Âge Classique. “Translatio Signorum”. Paris: Librairie Philosophique J. Vrin, 2021.). Seja pelo lado da ciência galilaica, seja pelo da filosofia cartesiana, estamos sempre a narrar uma perspectiva historiográfica nunca isenta.

E estas perspectivas, naturalmente, repercutem-se na historiografia que é feita também no Brasil. Dou apenas alguns exemplos, tanto mais que a maioria dos meus ouvintes conhece esta situação sobremaneira e melhor do que eu. Penso em Lima Vaz, por um lado, e em Luiz Cunha e Lúcio Marques, por outro. Em cada um, um distinto olhar, ora desconsiderando o contributo da filosofia durante o período colonial, ora perscrutando o estudo da história do ensino colonial, atestando a existência de um ensino filosófico de nível superior no mesmo período.

Tais perspectivas dissemelhantes não podem ser exceção, mas também nem podem ser retiradas do contexto politicamente colonial, “lato sensu” entendido. Nem todos podemos ser um Matias Aires, no século XVIII, ou um Paulo Freire, um Mário Ferreira dos Santos ou uma Marilena Chauí, no século XX, mas considerar que um ensino é “moderno” ou “antigo” pelo simples facto de caírem sob a sua alçada, Descartes, por exemplo, ou Aristóteles, respectivamente, é um pobre argumento. Mesmo no tocante à situação europeia, tal consideração é uma falácia. À exceção da Holanda, as Universidades nacionais recusavam-se a ensinar Descartes e, mesmo na pátria do comércio livre, a Holanda, precisamente, um filósofo como Espinosa é extraditado da sua comunidade com este curiosíssimo labéu: “... com todas as maldições que estão escritas na lei, maldito seja de noite, maldito seja em seu deitar e maldito seja em seu levantar...” (CARVALHO, 1960CARVALHO, J. de. Introdução. In: BENTO DE ESPINOSA. Ética Demonstrada à Maneira dos Geómetras, vol. I. Coimbra: Atlântida, 1960., p. xxx2 2 Na grafia portuguesa da época: “Advertindo, que ninguém lhe pode falar bocalmente, nem por escrito, nem dar-lhe nenhum favor, nem debaixo do tecto estar com elle, nem junto de quatro covados, nem leer papel algum feito ou escrito por ele.” ). E, quanto a Descartes, pense-se, por exemplo, o que escreveu recentemente Victor Navarro Brotóns (1997BROTÓNS, V. N. B. Descartes y la introducción en Espana de la ciencia moderna. In: La filosofia de Descartes y la fundacion del pensamiento moderno. Salamanca: Sociedad Castellano-Leonesa de Filosofía, 1997., p. 235-236), para a Espanha, Noël Golvers, para Portugal, isto para já não falar de Carlos Fiolhais, para o caso de Newton, estes dois últimos testemunhos facilmente consultáveis na enciclopédia em-linha que dirijo (CARVALHO, 2021CARVALHO, M. S. de. Enciclopédia Conimbricenses. Disponível em: http://www.conimbricenses.org/. Acesso em: 5 out. 2022.
http://www.conimbricenses.org/...
).

Os diagnósticos de Lima Vaz continuarão, porém, sempre a fazer sentido e a interpelar-nos, sobretudo se não respeitarmos o aviso de Serafim Leite, oportunamente frisado por Lúcio Marques (2018MARQUES, L. Á. A Lógica da Necessidade: o ensino de Rodrigo Homem no Colégio do Maranhão (1720-1725). Porto Alegre: Editora Fi, 2018., p. 272): “a história da cultura escolar colonial ainda não está feita em bases científicas, o que vem a significar que ainda não se estudou nas suas fontes, dentro do ambiente e dos livros que foram veículos dela”.

Todos concordarão que, a ser levado a sério o aviso feito pelo historiador jesuíta português que nasceu na mesma cidade em que eu vivi a minha infância e juventude, tudo poderá mudar. Apraz-me, por isso, evidenciar recentes trabalhos e novas metodologias, como a presente iniciativa lançada por Lúcio Marques, os programas “Scholastica Colonialis” ou “Brasilhis Database”, ou, e passando a alguns nomes eventualmente menos lembrados, referir os trabalhos e/ou metodologias de Bruno Martins Boto Leite, Jean Santiago Lourenço, Caio C. Boschi, Marina Massimi, Charlotte de Castelnau L’Estoile, Carlos Alberto de Moura Ribeiro Zeron, Jacob Schmutz, etc.

Estudo de caso: Maranhão, Coimbra ou Évora?

A melhor forma de aclararmos as perspetivas que se digladiam passa, então, pelo estudo de casos concretos e pela atenção aos pormenores. Evidentemente, A lógica da necessidade oferece-nos um manancial de textos que nos permitem de imediato trabalhar. Assim, e à guisa de reconhecido agradecimento pelo convite que me foi dirigido para estar presente nesta ocasião, situar-me-ei nos ricos dados que uma tal monografia nos fornece e direi algo mais exclusivamente em torno dos mesmos. Central, nesta obra, é o género filosófico-literário das “teses” (ou ainda “conclusiones”, “assertiones”, “disputationes”, “decertationes”, “observationes”, “resolutiones”, “dissertationes”, “positiones”, etc.). Uma vez mais, tratava-se de uma prática comum aos dois territórios, ao europeu e ao americano, e, inclusive no caso português, ela antecedeu prática idêntica na Alemanha. Como mera curiosidade e entre parêntesis, deixem-me dar-vos uma notícia que talvez vos alegre, quiçá surpreenda, porque diz respeito ao território brasileiro, esta grande pátria. Ainda no dia 17 de julho de 2021, um estudante brasileiro da Faculdade de Direito de Lisboa cumpriu exatamente o velho ritual de apresentar as suas “teses” à Virgem da Lapa, impressas exatamente à maneira das teses ou conclusões quinhentistas e seicentistas que passarei a privilegiar.

Já em 1586 João Correia escrevia ao padre geral Acquaviva chamando a atenção para a importância da existência de uma tipografia em Coimbra para publicar “teses”, entre outros géneros. Precedido pelas Conclusiones Philosophicae Ex Libris Naturalibus de António de Vasconcelos, em Évora (1576), Gaspar Vaz já tinha publicado trinta e uma conclusões sobre todos os tipos de filosofia aristotélica. Repito: tratava-se de uma prática escolar absolutamente comum, e uma não menor curiosidade ou novidade, é que o costume de apresentar as teses à Virgem do Santuário da Lapa, tal como vos disse acima, vigente ainda no século XXI, surgira em 1572 por iniciativa de estudantes brasileiros que viviam em Portugal. Este costume foi depois seguido pelos estudantes de Salamanca, no tocante à Lapa.

Existe uma ideia comum e repetida que atribui à filosofia feita e ensinada no Brasil pelos jesuítas uma dependência, mais ou menos servil, do chamado Curso Jesuíta Conimbricense (o referido Cursus Conimbricensis) e de Pedro da Fonseca. Juntamente com a de Francisco de Toledo, a autoridade de Fonseca na lógica era altamente provável. A ideia teria, por isso, pernas para andar, pelo menos em teoria. Luiz Alberto Cerqueira reconhece aquelas duas autoridades ainda na argumentação em prol da análise que faz dos textos de Pe. António Vieira (CERQUEIRA, 2019CERQUEIRA, L. A. Aristotelismo no Brasil: A ideia de liberdade como princípio da ação moral. Revista Apoena - Periódicos dos Discentes de Filosofia da UFPA Belém, v. 1, n.1, pp. 8-15, 2019., p. 11). Há, de facto, flagrantes afinidades entre estes e os textos de Rodrigo Homem, que é o grande protagonista que nos foi dado a conhecer por Lúcio Marques.

Vejamos tudo isto em maior escala, a única que, como nos ensinam os geógrafos, nos dá acesso a mais pormenores. Começarei pelos detalhes comuns. Em 1723, a Acutioris Luminis Aquilae, de Rodrigo Homem, mantém o hábito de agregar Metafísica e Categorias: os pontos II a V testemunham a importância dos temas da substância, modalidade, subsistência e relações; três dos principais tópicos da Telae Philosophicae, também de Homem - natureza e necessidade da dialética (“Filum I”), universais (“Filum II”) e sinais (“Filum III”) - mostram uma flagrante afinidade com os textos de Fonseca e de Couto, as duas maiores autoridades em lógica em Coimbra. Mais em concreto: com as Institutiones Dialecticae I 1 (de necessitate, nominibus et natura huius artis), I 3 (de subjecto dialecticae) de Fonseca. Depois, apesar de alguma variação terminológica, a definição de lógica por Homem segue verbatim a de Couto (collectio multarum de uma re comprehensionum ad finem aliquem utilem vitae).

Eis, portanto, excelentes argumentos a favor da ideia de que tudo é uma afinidade, de que ouvimos um eco e que, portanto, Lima Vaz tem toda a razão no que sustenta. Deixem-me ainda adunar mais argumentos interessantes: por exemplo, o “filum I” abrevia 6 questões de Couto, In dialecticam: Proemium (q. 1, a. 3, q. 4, a. 2 e q. 5, a.3) e o III abrevia Fonseca (cc. 8 e 9) e Couto, sobretudo no tocante à divisão geral dos signos (De signo in communi, et ejus divisione); ao alcance dos signos naturais (De signo naturali, et de rebus, quae possunt ejus rationem) e a várias das suas divisões (De signo formali in actu primo, et in actu secundo, ac signo instrumentali/de signo arbitrario, et de potentiis, quae possunt uti signis). Neste âmbito, a definição de signo é, porventura, o caso de afinidade ainda mais flagrante. Quando Rodrigo Homem regista a sua definição de signo - id, quod potentiae cognoscenti aliquid repraesentat (p. 213-4) - quer dizer, “aquilo que representa alguma coisa à faculdade do conhecimento” - , ele praticamente repete palavra por palavra a definição de Couto. E ao haver escrito “quaelibet entitas est signum instrumentale”, Homem sintetiza e identifica o que há de nuclear na teoria de Couto. Rodrigo Homem resume exemplarmente a maior contribuição de Sebastião do Couto para a semiótica. Enfim, parece que continuamos a assistir no Brasil efetivamente ao eco do que se passa em Portugal.

Porém, ousemos alterar a perspetiva. Comparemos, por exemplo, aquilo que escreve Rodrigo Homem no Brasil com aquilo que estavam a escrever em Portugal professores que nunca saíram de lá. Cito três casos: Manuel Álvares (1681-1746), José Álvares (1680-1748) e Francisco Ferreira (1685-1757). Vou-me ater, sobretudo, ao caso de Manuel Álvares, que é o mais importante. Ele escreve um Cursus Philosophicus sive Scientiarum Echo, igualmente dividido nas três partes que se reconhecem no texto ou na tese Telae Philosophicae de Rodrigo Homem (Maranhão, 1721). Mais e melhor, aparentemente. Num outro texto, de 1723, Álvares publica teses, tal como Rodrigo Homem. Teses sobre a natureza da alma (Conclusiones ... universae philosophiae), sobre a possibilidade (Conclusiones Metaphysicas e Philosophicum Mare), sobre a natureza possível das criaturas (Physicum et Animasticum Certamen), sobre o conhecimento intelectivo criatural (Conclusiones Philosophicas) ou as provas da existência de Deus (Naturales philosophiae quaestiones).

Impõe-se perguntar: estamos perante uma partilha de estruturas e de temas? Estamos, antes, perante uma servil dependência? Evidentemente que numa perspetiva colonial, poder-se-ia dizer que se trata de uma dependência e cair no erro de paralaxe a que Newton sucumbiu. Mas, atendo-nos à situação coeva em Portugal, o facto é que se impõe reconhecer que não há aqui dependência nenhuma. Há apenas uma partilha de estruturas.

Uma partilha de sentido e de estrutura aliás não única e necessária. Por exemplo, não muito antes, em 1707, também em Évora, António Simões (1671-1723) ensinava o De Anima recorrendo ainda ao velho método do comentário, mas seguindo um ângulo que pouco tinha a ver com o comentário quinhentista de Manuel de Góis. Sublinhe-se, ainda, que o estilo de Simões nada tem a ver com o de Homem. E, assim, somos obrigados a fazer imediatamente uma outra pergunta: será isto uma divergência, desta vez de Portugal em relação ao Brasil, e um caso significativo do atraso de Portugal em relação à situação brasileira, ou uma preciosa indicação de que os professores gozavam, apesar de tudo (e mormente apesar da Ratio), de alguma liberdade?

Se aumentarmos a escala, o que encontramos? Vou terminar com algumas alusões relativas a diferenças e a discordâncias entre o que se passava no território português e no brasileiro. Por exemplo, o texto de Rodrigo Homem omite as divisões de Sebastião do Couto sobre a l: “real, “prática”, etc (q. 2, aa. 1-3). Há divisões no texto de Homem, v.g., sobre o ato atual, que são inexistentes no Proemium de Couto. Refiro apenas a célebre afirmação de que o ato atual é aquele pelo qual o intelecto conhece no modo de uma argumentação: actualis est actus, quo intelectos cognoscit, verbi gratia quomodo sit argumentandum. É claro que podiam dizer-me que estou a comparar o que é incomparável, que não se pode comparar o gênero literário filosófico das teses com o gênero de um texto como o Curso Jesuíta Conimbricense que é incomensuravelmente maior e, portanto, um género literário absolutamente distinto. Evidentemente que este argumento é precioso, é muito importante, mas permitam-me continuar a insistir nas divergências. E, designadamente, naquelas que derivam de Homem, e são efetivamente omissas em Sebastião do Couto, que é, como todos sabem, aquele que terá redigido o volume da Dialética do Curso Conimbricense. Quando o texto brasileiro aborda a diferença entre lógica teorética (docens) e prática (utens), o ângulo de perspetiva de Rodrigo Homem não coincide com o de Sebastião do Couto: (i) sit docens in omni materiatam propiam quam aliena; (ii) sit utens secundum se totam, id est, non solum in propria materia necessaria, sed etiam in probabile?; (iii) sit etiam utens in materia aliarium scientiarum. E o mesmo sucede a respeito dos objetos da lógica: material, formal e do objeto de atribuição.

Se passarmos da definição da lógica para o campo dos universais, as divergências prosseguem. Ao comentar a Isagoge e as Categorias, Sebastião do Couto equacionara a relação Aquino/Escoto enquanto Rodrigo Homem regista significativas particularidades. Repito: dado que estas se não encontram em Sebastião do Couto, algo de errado se passa quando se acentua a dependência do trabalho no Brasil relativamente a Pedro da Fonseca ou ao Curso Jesuíta Conimbricense. Registo, por exemplo, a adesão ao nominalismo (Nominalium ingenio praestantissimorum, & doctrina, vestigis adhaeremus); a rejeição do realismo (...rejicimus decantatam illam Realium sententiam); a rejeição do chamado integralismo (qui vocantur integrales); a doutrina da distinção formal e objetiva nos graus metafísicos (ergo solum admittitur inter gradus metaphysicos distinctio formalis, sive ex parte actus...) e até uma alegada divergência quanto à doutrina comum sobre a abstração (a communi via in hoc deflectimus) que acentua a rejeição de qualquer presença sensível nesse processo. Isto, insisto, não era matéria ensinada por Sebastião do Couto no conhecido Curso Jesuíta Conimbricense.

Passemos agora a um outro território, o da semiótica. Como há pouco eu lembrei, John Deely mostrou como o contributo de Couto foi relevante para a história da semiótica. Eis, todavia, algumas questões que Couto levanta e que Homem ignora: a natureza e as condições do signo em geral (q. 1), as divisões dos signos (q. 2), as diferenças entre fonemas e grafemas (q. 3), a presença de conceitos falsos ou verdadeiros e meramente falsos (q. 5), ou mesmo a manutenção dos conceitos, apesar da mudança de língua (q. 4), dimensão esta muito curiosa, porque no Brasil a língua de atenção não era nem o hebraico, nem o grego, nem tão-pouco o mandarim, como acontecia com os missionários que partiram para a China, mas sim, e por exemplo, o tupi-guarani, como comecei por lembrar.

Os dois géneros literários filosóficos, as teses, por um lado, de Rodrigo Homem, e o curso de Sebastião do Couto, por outro, são muito distintos. Nesta distinção da literatura ou de género literário filosófico, estará certamente a razão para a existência de algumas destas diferenças. Mas não pode ser justificação para todas elas, e designadamente, para as diferenças entre “teses”. Homem assenta na distinção entre a coisa significada (res) e a faculdade da significação (poentia cognoscentis). Por seu turno, Couto espraia-se pelos signos comemorativos, demonstrativos, prognósticos, próprios, impróprios, práticos, especulativos, naturais e convencionais.

Tal como podia ser confirmado por textos portugueses como os de Bento Viegas (1710), as teses publicadas ou defendidas no Maranhão seguem a divisão comum no século: lógica, física e metafísica. Todavia, esta distinção nem sequer era apanágio da Companhia de Jesus. Encontramo-la em muitos outros textos, como por exemplo, entre os franciscanos. O Cursus Philosophicus in tres partes Logicam Phisicam atque Metaphisicam, do franciscano José da Conceição, publicado em 1715, é contemporâneo das teses do Maranhão. Frei José da Conceição segue exatamente esta estrutura, que não pode ser, por conseguinte, uma especificidade da Companhia de Jesus. Tratava-se, antes, de uma estrutura que era comum às escolas europeias e que estava a ser revista, então. Na verdade, outras estruturas estavam sendo pensadas, suscitadas por uma ampla discussão em torno de um novo curso, isto é, de um curso que captasse os novos tempos.

Isto mesmo se percebe pela divisão do jesuíta Francisco Mendes em 1714. Ele segue um modelo mais ou menos estoico e epicurista, porque, ao invés da divisão lógica, física e metafísica, fala de filosofia racional, filosofia natural e filosofia moral, antecipando assim a reforma dos Estatutos da Universidade de Coimbra (1772). Estes últimos, alteraram a designação comum das disciplinas aristotélicas em função dos seus livros, resultando no abandono definitivo da terminologia aristotélica que era seguida, ainda, no velho no curso de Coimbra. Uma nova estrutura resultaria de uma reflexão metafilosófica sobre como deve ser ensinada a filosofia, reflexão esta de grande importância no seu tempo. No 1º ano, estuda-se a filosofia racional, assim subdividida: lógica e metafísica, sendo a lógica ainda mais subdividida em ideias, juízo, discurso e método, e a metafísica em ontologia, pneumatologia, psicologia e teologia natural. No 2º e 3º anos, estuda-se filosofia natural ou ciências (física, cosmografia e biologia). No 4º ano, filosofia moral ou ética. Não mais se ouvirá falar, pois, de “Tópicos”, “Analíticos” ou “Física” e isto confirma uma verdadeira ruptura como o velho Curso Jesuíta Conimbricense.

As rupturas foram progressivas e laboratoriais. Há um manuscrito de Manuel Duarte (1661-1712) na nossa biblioteca que divide a filosofia em quatro partes. Um outro manuscrito segue outro quaternário. É o caso do Scutum philosophicum, de Luiz Baptista S.J. (1680-1740), ou do Cursus de Luis Mendes (1673-1717) que se divide em lógica, física, metafísica e animástica.

A discussão seria, então, alargada e pormenorizada. Atentemos na situação muito curiosa de dois autores contemporâneos: Manuel Mendes (1716-1782) e Sebastião de Abreu (1713-1792). Veja-se como, de facto, ao mesmo tempo, há duas posições diferentes sobre o estudo da lógica. No caso de Manuel Mendes, o que se propõe é a análise dos universais em geral, depois dos universais em particular, os signos e, finalmente, os tópicos, enquanto o seu contemporâneo Sebastião de Abreu explora uma estrutura completamente diferente sobre as ideias, o juízo, o discurso e o método.

Quadro 1
A lógica em 2 estruturas coevas

Dividida em “philosophia rationalis”, “philosophia naturalis” e “philosophia transnaturalis”, a estrutura triádica da Melioris Philosophiae, de Rodrigo Homem, coincide com o perfil de quase toda a Segunda Escolástica da Nova Espanha e Peru. A parte de leão era, como não podia deixar de ser, ocupada pela lógica, algo comum à situação lusitana, desde o século XVI nas escolas jesuítas e que Sebastião do Couto elevou à condição de manual com pretensões globais. Contudo, nas bibliotecas brasileiras abundam exemplares não da obra de Couto, mas da Nova Logica Conimbricensis (Lisboa, 1711, 1734), de Gregório Barreto. Ela representava um esforço para estancar os suplementos (aditamenta) aos textos de Couto, isto é, para fazer o ponto relativo a uma profunda discussão sobre o modo de ensinar, tratar e examinar a lógica. Poderiam também lembrar-se os títulos de Pedro Freire, Adjectiones ad Logicam Conimbricensem, 1625; de Gaspar Pinto, Aditamenta in Logicam Conimbricensem, 1628, ou de António de Barros, Compendium Logicae Conimbricensis, 1636. Mas, de fato, é a obra de Barreto que se encontra nas bibliotecas brasileiras.

Decorre do que disse, penso, uma sugestão, para não dizer um imperativo de pesquisa: o abandono da estratégia de comparação que tem sido privilegiada até agora. Esqueçamos Pedro da Fonseca, esqueçamos o Cursus Conimbricensis, e, se queremos, de facto, examinar qual é a particularidade da Escolástica brasileira (não obstante a excessiva generalidade desta designação), olhemos para um outro espaço, em outra direção, o espaço das bibliotecas e o da presença dos textos europeus e dos textos autóctones.

Um novo olhar poderá dirigir-se para outras direções, perscrutando mesmo outros textos como os de Baltazar do Amaral / Luís Dias Franco (Doctrina Philosophica, Lisboa, 1618, em três tratados subdivididos em questões e capítulos); de Agostinho Lourenço (Cursus Philosophicus tripartitus/De Triplici Ente Cursus philosophicus in Tres Tomus Divisus: De Ente Logico, De Ente Physico, De Ente Metaphysico, Liége, 1688); de Baltazar Teles (Summa universae philosophiae, Lisboa 1641-42, em quatro partes); sobretudo de Francisco Soares Lusitano (Cursus philosophicus in quatur Tomos distributos, Coimbra, 1651) e de António Cordeiro (Cursus philosophicus Coninbricensis (...) in tres partes distributos, Primam Logicam ... Secunda Physicam cum corpoream tum spiritualem ... Tertia ... Metaphysicam (Lisboa, 1680-1714/orig. 1680). Na obra do professor Lúcio Marques, encontra-se já uma atenção a António Cordeiro. Mas, porque não, abrir-se a pesquisa a todos os demais?

Conclusões e desafios: uma pesquisa ainda por fazer

Termino a minha contribuição para esta interessante iniciativa apresentando ou sugerindo oito pistas de trabalho para acabar de vez com o alegado “vazio” da investigação. A expressão “vazio” não é minha, comparece no título de uma contribuição a um precioso volume coletivo, que, apesar de tudo, merece ser conhecido, porque nos diz respeito (WILDE; TORRE-LONDOÑO; OBERMEIER, 2021WILDE, G.; TORRE-LONDOÑO, F.; OBERMEIER, F. Jesuits in Portuguese-Speaking America: A Historiographic Vacuum in Post-Restoration Period. In: Jesuit Historiography Online. Disponível em: https://referenceworks.brillonline.com/entries/jesuit-historiography-online/*-COM_212245 Acesso em: 25 nov. 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.1163/2468-7723_jho_COM_212245
https://referenceworks.brillonline.com/e...
). Como é possível acabar de vez com esse alegado vazio? Primeiro: abandonemos o jesuitocentrismo. Não esqueçamos que os franciscanos, os capuchinhos, os agostinianos, etc., também fizeram um trabalho extraordinário em filosofia e teologia. Depois, passemos a narrar uma historiografia centrífuga no tempo, divergente no espaço e nos autores, plural nas divisões históricas. Privilegiemos a busca sistemática em todas as bibliotecas, atenta a manuscritos e a livros. Não subestimemos a formação biográfica intercontinental e/ou local dos autores estudados. Comparemos os textos e as doutrinas dos dois lados do Atlântico sob a perspectiva da coetaneidade ou da biografia do autor em causa. Abandonemos o preconceito epistemológico segundo o qual a filosofia não muda quando mudam os seus protagonistas. E este preconceito precisa de ser enfrentado por causa desta ideia preconcebida de que uma ordem religiosa afina sempre pelo mesmo padrão. Singularizemos períodos históricos. A minha narrativa tenderia para apontar quatro períodos históricos no Brasil. Atentemos nos particularismos possíveis dentro de espaços geográficos tão distintos (Maranhão e o restante do território, mas não só) e de ordens religiosas com identidades filosóficas grupais. Sejamos sensíveis à disseminação espaço-temporal e ao seu processo de expansão pelo território. Cultivemos, por fim, uma hermenêutica atenta a detalhes típicos da subtilidade e do barroquismo (históricos, filológicos, semânticos, lógicos, etc.), em vez de se assumir que a consonância de ideias e doutrinas indicia repetição ou falta de inovação. Não esqueçamos, como princípio hermenêutico de caridade, que, por mais identitária que fosse cada família religiosa, estamos a tratar de filósofos, isto é, de pessoas em muitos casos com a vaidade do Ecce Homo. A vaidade seria um pecado, certamente (e ninguém melhor do que o grande filósofo luso-brasileiro Matias Aires para o apostrofar, um pouco mais tarde). Mas, se pudesse ter sido ouvido, o apelo de Nietzsche (s.d.NIETZSCHE, F. Ecce Homo. Como se chega a ser o que se é. 4ª ed. Trad. José Marinho. Lisboa: Guimarães Ed, s.d., p. 19) - “Escutem-me (…). Cuidado não me confundam com outro” - ecoaria em alguns destes professores de antanho, quiçá escondendo-o ou contrabandeando o novo como repetição.

Estes textos efetivamente falam muitas vezes em nome próprio. E este nome próprio deve ser buscado eventualmente seguindo esta metodologia, ou o que desta derivar, ou, ainda, do que do puder aperfeiçoá-la. Eu não queria que vissem estas palavras senão como uma partilha muito humilde de quem vê o problema deste lado do Atlântico.

  • 1
    O texto reproduz a apresentação oral do autor nas Jornadas, amavelmente transcrito pela mestre Águida Assunção e Sá, a trabalhar sob a orientação do professor Lúcio Álvaro Marques. A ambos, o meu mais sincero agradecimento. Manteve-se algum tom da oralidade da ocasião, mas, graças à amiga intervenção acabada de referir, tive a oportunidade de intervir estilisticamente, aqui e ali.
  • 2
    Na grafia portuguesa da época: “Advertindo, que ninguém lhe pode falar bocalmente, nem por escrito, nem dar-lhe nenhum favor, nem debaixo do tecto estar com elle, nem junto de quatro covados, nem leer papel algum feito ou escrito por ele.”

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2023
  • Aceito
    29 Jul 2023
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