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Ablação da Fibrilação Atrial na Atualidade: Alerta para Prevenção e Tratamento das Lesões Esofágicas

Palavras-chave
Fibrilação Atrial; Ablação por Cateter; Arritmias Cardíacas; Antiarrítmicos; Anticoagulantes

A fibrilação atrial (FA) é reconhecidamente a arritmia cardíaca mais frequente na prática clínica e responsável pelo maior número de internações hospitalares. Na população geral, sua prevalência é menor de 0,1% em indivíduos com menos de 50 anos, mas aumenta exponencialmente com o envelhecimento, atingindo cerca de 8% dos idosos com mais de 80 anos. Portanto, com o aumento da expectativa de vida da população, um número crescente de pacientes está ou ficará exposto aos riscos da FA nos próximos anos.11 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al; ACC/AHA Task Force Members. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the management of patients with atrial fibrillation: executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2014;130(23):2071-104. Erratum in: Circulation. 2014;130(23):e270-1.,22 Ferreira C, Providência R, Ferreira MJ, Gonçalves LM. Atrial fibrillation and non-cardiovascular diseases: a systematic review. Arq Bras Cardiol. 2015;105(5):519-26.

A introdução recente de novos anticoagulantes trouxe um avanço considerável na prevenção da embolia cerebral, a complicação mais grave da FA.33 Heidbuchel H, Verhamme P, Alings M, Antz M, Hacke W, Oldgren J, et al. EHRA practical guide on the use of new oral anticoagulants in patients with non-valvular atrial fibrillation: executive summary. Eur Heart J. 2013;34(27):2094-106.,44 Scanavacca M, Darrieux F. Factors in deciding between novel and traditional oral anticoagulants to prevent embolism in atrial fibrillation patients Arq Bras Cardiol. 2016;106(1):1-3. Entretanto, o desenvolvimento de fármacos antiarrítmicos mais eficazes não apresentou progresso no mesmo período. Assim, um grande número de pacientes ainda convive com as limitações inerentes à FA, devido ao comprometimento da qualidade de vida por sintomas como palpitações, diminuição da capacidade funcional ou manifestações de insuficiência cardíaca, acrescidos de problemas psicológicos inerentes a essas condições.55 Almeida ED, Guimarães RB, Stephan LS, Medeiros AK, Foltz K, Santanna RT, et al. Clinical differences between subtypes of atrial fibrillation and flutter: cross-sectional registry of 407 patients. Arq Bras Cardiol. 2015;105(1):3-10.,66 Mendes F de S, Atié J, Garcia MI, Gripp Ede A, Sousa AS, Feijó LA, et al. Atrial fibrillation in decompensated heart failure: associated factors and in-hospital outcome. Arq Bras Cardiol. 2014;103(4):315-22.

Neste contexto, a ablação por cateter surgiu como o tratamento mais efetivo para controle do ritmo em pacientes com FA, sendo utilizada em número crescente de pacientes em todo o mundo ao longo da última década.11 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al; ACC/AHA Task Force Members. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the management of patients with atrial fibrillation: executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2014;130(23):2071-104. Erratum in: Circulation. 2014;130(23):e270-1. A grande maioria dos trabalhos confirmaram a necessidade da obtenção do isolamento elétrico das veias pulmonares (VPs) para sucesso do procedimento, uma vez que o mecanismo eletrofisiológico deflagrador desta arritmia localiza-se predominantemente no interior dessas veias.77 Haissaguerre M, Jais P, Shah DC, Takahashi A, Hocini M, Quiniou G, et al. Spontaneous initiation of atrial fibrillation by ectopic beats originating in the pulmonary veins. N Engl J Med. 1998;339(10):659-66.

A técnica inicialmente idealizada para ablação da FA visava identificar as fibras musculares no interior das VPs com um cateter circular multipolar, seguida de suas desconexões do átrio esquerdo (AE) em pontos específicos, com aplicações de radiofrequência (RF) na porção interna do óstio das respectivas veias.88 Scanavacca MI, Sosa E. [Catheter ablation of atrial fibrillation: techniques and results]. Arq Bras Cardiol. 2005;85(4):295-301. Embora o procedimento fosse tecnicamente muito objetivo em relação à demonstração do isolamento das VPs, estudos subsequentes identificaram risco significativo de estenose venosa e alta taxa de recorrência ao longo do seguimento clínico, por reconexões e, supostamente, pela persistência de focos deflagradores localizados fora da área de isolamento, nos antros das VPs.88 Scanavacca MI, Sosa E. [Catheter ablation of atrial fibrillation: techniques and results]. Arq Bras Cardiol. 2005;85(4):295-301.

Estas observações motivaram a mudança da estratégia para a técnica atual, que visa o isolamento (extraostial amplo) dos antros das VPs.11 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al; ACC/AHA Task Force Members. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the management of patients with atrial fibrillation: executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2014;130(23):2071-104. Erratum in: Circulation. 2014;130(23):e270-1.,88 Scanavacca MI, Sosa E. [Catheter ablation of atrial fibrillation: techniques and results]. Arq Bras Cardiol. 2005;85(4):295-301. Para isso, foram desenvolvidos e progressivamente aprimorados sistemas de mapeamento que permitem a construção virtual precisa da anatomia do AE e de sua respectiva drenagem venosa em três dimensões e sua visualização em tempo real. Além disso, foram introduzidos sistemas mais efetivos para liberar a RF e obter lesões atriais transmurais (cateteres com ponta de 8 mm, posteriormente com 3,5 mm e irrigada e, atualmente, com sensor de contato). Estudos comparativos mostraram claro progresso na taxa de sucesso no seguimento clínico e redução importante do risco de estenose das VPs.11 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al; ACC/AHA Task Force Members. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the management of patients with atrial fibrillation: executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2014;130(23):2071-104. Erratum in: Circulation. 2014;130(23):e270-1.,99 Proietti R, Santangeli P, Di Biase L, Joza J, Bernier ML, Wang Y, et al. Comparative effectiveness of wide antral versus ostial pulmonary vein isolation: a systematic review and meta-analysis. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2014;7(1):39-45. Entretanto, essas mudanças técnicas criaram condições para uma nova complicação que, embora rara, é altamente letal: a fístula átrio-esofágica (FAE).1010 Nair GM, Nery PB, Redpath PJ, Lam BK, Birnie DH. Atrioesophageal fistula in the era of atrial fibrillation ablation: a review. Can J Cardiol. 2014;30(4):388-95.

A parede posterior do AE mantém íntima relação anatômica com a parede anterior do esôfago.1111 Quintana DS, Cabrera JA, Climent V, Farré J, Mendonça MC, Ho SY. Anatomic relations between esophagus and left atrium and relevance for catheter ablation of atrial fibrillation. Circulation. 2005;112(10):1400-5. Consequentemente, o deslocamento das linhas de ablação dos óstios das VPs para a parede posterior do AE aproxima as linhas de isolamento em direção ao esôfago, cuja parede pode sofrer lesão térmica por contiguidade. Essa lesão, por sua vez, pode evoluir para uma lesão transmural e erosão de mucosa, que eventualmente progride para úlcera (por refluxo ácido gastroesofágico) e, mais raramente, fistulização para o AE.1212 Knopp H, Halm U, Lamberts R, Knigge I, Zachäus M, Sommer P, et al. Incidental and ablation-induced findings during upper gastrointestinal endoscopy in patients after ablation of atrial fibrillation: a retrospective study in 425 patients. Heart Rhythm. 2014;11(4):574-8.

Os sintomas iniciais da FAE surgem classicamente entre 2 a 4 semanas após a ablação (há raros casos tardios entre 5 e 6 semanas).1010 Nair GM, Nery PB, Redpath PJ, Lam BK, Birnie DH. Atrioesophageal fistula in the era of atrial fibrillation ablation: a review. Can J Cardiol. 2014;30(4):388-95. São aparentemente inocentes, como desconforto retroesternal leve, febre e leucocitose, e sem uma causa aparente. Se o processo não for diagnosticado e interrompido, evolui rapidamente para hematêmese e manifestações de septicemia por embolia séptica sistêmica e cerebral. Nesta fase, a recuperação completa, mesmo após cirurgia reparadora da fístula, é rara; aproximadamente 80% dos pacientes não sobrevivem ou persistem com sequelas neurológicas graves.1010 Nair GM, Nery PB, Redpath PJ, Lam BK, Birnie DH. Atrioesophageal fistula in the era of atrial fibrillation ablation: a review. Can J Cardiol. 2014;30(4):388-95.

Portanto, é fundamental que os clínicos que acompanham os pacientes no período posterior à ablação da FA tenham conhecimento destes fatos e tomem decisões rápidas para esclarecimento do diagnóstico e início do tratamento.

A FAE como consequência da ablação por cateter da FA foi descrita pela primeira vez em 2004, logo após as referidas mudanças da técnica.1313 Scanavacca MI, D'Avila A, Parga J, Sosa E. Left atrial-esophageal fistula following radiofrequency catheter ablation of atrial fibrillation. J Cardiov Electrophysiol. 2004;15(8):960-2.,1414 Pappone C, Oral H, Santinelli V, Vicedomini G, Lang CC, Manguso F, et al. Atrio-esophageal fistula as a complication of percutaneous transcatheter ablation of atrial fibrillation. Circulation. 2004;109(22):2724-6. Sua ocorrência foi inicialmente interpretada como um problema transitório que poderia ser prevenido pelo reconhecimento das relações anatômicas do esôfago com o AE e VPs durante o procedimento e pela redução da energia de RF durante a ablação da parede posterior do AE em proximidade com o esôfago. No entanto, passados mais de 10 anos, a ocorrência da FAE ainda persiste como uma das mais preocupantes complicações da ablação da FA pela sua imprevisibilidade e gravidade.

Na atualidade, a FAE após ablação de FA tem sido descrita em torno de 0,1% dos procedimentos, mesmo quando realizados em centros experientes, sem uma convincente demonstração de que uma estratégia específica possa evitá-la com certeza.11 January CT, Wann LS, Alpert JS, Calkins H, Cigarroa JE, Cleveland JC Jr, et al; ACC/AHA Task Force Members. 2014 AHA/ACC/HRS Guideline for the management of patients with atrial fibrillation: executive summary: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Practice Guidelines and the Heart Rhythm Society. Circulation. 2014;130(23):2071-104. Erratum in: Circulation. 2014;130(23):e270-1.,1010 Nair GM, Nery PB, Redpath PJ, Lam BK, Birnie DH. Atrioesophageal fistula in the era of atrial fibrillation ablation: a review. Can J Cardiol. 2014;30(4):388-95. Estudo recente, reunindo a experiência de oito centros brasileiros com 8.500 procedimentos realizados identificou 10 casos de FAE (0,116%), todos ocorridos após a introdução da técnica de ablação circunferencial das VPs. Os dois primeiros casos ocorreram em 2004 e 2005 quando o risco da complicação de FAE ainda não era conhecido, com uma incidência em torno de 1%; os outros oito casos ocorreram entre 2008 e 2015 com incidência de 0,1%, após introdução das várias medidas preventivas, como monitorização da posição do esôfago, redução da potência da aplicação de RF na parede posterior do AE, monitorização da temperatura esofágica durante a ablação, uso de mapeamento eletroanatômico para dirigir as aplicações, ecocardiografia intracardíaca e monitorização da pressão do cateter de ablação.1515 Vasconcelos JT, Atié J, Souza OF. Atrial-esophageal fistula following percutaneous radiofrequency ablation for atrial fibrillation treatment: the Brazilian experience. Heart Rhythm. 2016 (in press).

O aumento do número de casos no último período provavelmente está relacionado com o aumento do número de procedimentos realizados em nosso país. Mas vale salientar que o aprimoramento dos dispositivos para tornar a ablação mais efetiva e reduzir as reconexões das VPs (motivo mais frequente de recorrência após a ablação) também pode elevar a taxa de lesões esofágicas se medidas mais efetivas para proteger o esôfago não forem tomadas.

Em nosso meio, o método mais utilizado para evitar as lesões térmicas do esôfago é a monitorização da temperatura esofágica com ajustes da potência durante a aplicação de RF na parede posterior do AE.1616 Redfearn DP, Trim GM, Skanes AC, Petrellis B, Krahn AD, Yee R, et al. Esophageal temperature monitoring during radiofrequency ablation of atrial fibrillation. J Cardiovasc Electrophysiol. 2005;16(6):589-93. Habitualmente, a potência da aplicação de RF é de 30 a 40 W com os cateteres com ponta irrigada, durante a realização das linhas anteriores. Quando as aplicações são dirigidas para as linhas posteriores e em proximidade com o esôfago (identificado pelo termômetro radiopaco ao raio X), reduz-se a potência para 20 W e o tempo de aplicação (20 seg), evitando-se alta pressão de contato (10 g). A elevação da temperatura esofágica determina, em geral, a pronta interrupção da aplicação. Entretanto, há controvérsia entre diferentes serviços sobre o limite da temperatura para determinar a interrupção da aplicação, variando da elevação de 1ºC da temperatura inicial (nossa conduta) ou quando atinge o limite de 38,5ºC ou 41ºC.1717 Singh SM, dÁvila A, Doshi SK, Brugge WR, Bedford RA, Mela T, et al. Esophageal injury and temperature monitoring during atrial fibrillation ablation. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2008;1(3):162-8. Erratum In: Circ Arrhythm Electrophysiol. 2012;5(1):e30.,1818 Halm U, Gaspar T, Zachaus M, Sack S, Arya A, Piorkowski C, et al. Thermal esophageal lesions after radiofrequency catheter ablation of left atrial arrhythmias. Am J Gastroenterol. 2010;105(3):551-6. Dependendo da condição, a potência é reduzida para 15 ou 10 W e a aplicação é repetida após a redução da temperatura. Estas baixas potências por um lado dificultam a realização de lesões transmurais contíguas em tecido um pouco mais espesso e nem sempre evitam os aumentos de temperatura esofágica; por outro, frequentemente diminuem a taxa de sucesso do procedimento. A taxa de erosão do esôfago varia entre 5% a 40% quando a endoscopia digestiva é realizada sistematicamente nos primeiros dias após a ablação e depende das técnicas e limites para interrupção da aplicação utilizados durante o procedimento.1010 Nair GM, Nery PB, Redpath PJ, Lam BK, Birnie DH. Atrioesophageal fistula in the era of atrial fibrillation ablation: a review. Can J Cardiol. 2014;30(4):388-95.,1212 Knopp H, Halm U, Lamberts R, Knigge I, Zachäus M, Sommer P, et al. Incidental and ablation-induced findings during upper gastrointestinal endoscopy in patients after ablation of atrial fibrillation: a retrospective study in 425 patients. Heart Rhythm. 2014;11(4):574-8.,1616 Redfearn DP, Trim GM, Skanes AC, Petrellis B, Krahn AD, Yee R, et al. Esophageal temperature monitoring during radiofrequency ablation of atrial fibrillation. J Cardiovasc Electrophysiol. 2005;16(6):589-93.

17 Singh SM, dÁvila A, Doshi SK, Brugge WR, Bedford RA, Mela T, et al. Esophageal injury and temperature monitoring during atrial fibrillation ablation. Circ Arrhythm Electrophysiol. 2008;1(3):162-8. Erratum In: Circ Arrhythm Electrophysiol. 2012;5(1):e30.
-1818 Halm U, Gaspar T, Zachaus M, Sack S, Arya A, Piorkowski C, et al. Thermal esophageal lesions after radiofrequency catheter ablation of left atrial arrhythmias. Am J Gastroenterol. 2010;105(3):551-6.

A aplicação da monitorização da temperatura esofágica apresenta algumas limitações.1919 Scanavacca M, Pisani C. Monitoring risk for oesophageal thermal injury during radiofrequency catheter ablation for atrial fibrillation: Does the characteristic of the temperature probe matter? Europace. 2015;17(6):835-7. O termômetro mais utilizado dispõe de apenas um eletrodo distal em um cateter linear não flexível que é mobilizado no sentido inferior e superior do esôfago para ser posicionado o mais próximo possível do local de ablação na parede posterior do AE. Para isso, é necessário que um profissional dedicado mobilize o termômetro a cada movimento do cateter de ablação. Outra limitação importante é que a falta de elevação crítica da temperatura no esôfago não significa necessariamente que o esôfago esteja afastado, pois pelas suas características anatômicas, pode estar comprimido (e não tubular) e o termômetro ocupar apenas uma parte de sua luz (que será bem monitorizada), deixando de mensurar a temperatura real da borda contralateral.

Para sanar essas duas limitações, foi desenvolvido um outro termômetro esofágico com múltiplos eletrodos distribuídos ao longo do cateter em um formato sinusoidal para ocupar a superfície achatada do esôfago.2020 Tschabrunn CM, Silvestein J, Berzin T, Ellis E, Buxton AE, Josephson ME, et al. Comparison between single and multi-sensor esophageal probes during atrial fibrillation ablation: thermodynamic characteristics. Europace. 2015;17(6):891-7. A utilização clínica deste segundo sistema tem mostrado maior sensibilidade e rapidez na detecção da elevação da temperatura esofágica, mas não há estudos randomizados comparando a eficácia dos dois sistemas ou a capacidade deste dispositivo em manter o esôfago distendido, aproximando-o do AE.1919 Scanavacca M, Pisani C. Monitoring risk for oesophageal thermal injury during radiofrequency catheter ablation for atrial fibrillation: Does the characteristic of the temperature probe matter? Europace. 2015;17(6):835-7.,2020 Tschabrunn CM, Silvestein J, Berzin T, Ellis E, Buxton AE, Josephson ME, et al. Comparison between single and multi-sensor esophageal probes during atrial fibrillation ablation: thermodynamic characteristics. Europace. 2015;17(6):891-7.

Outro problema também ainda não resolvido é como conseguir produzir lesões efetivas e com segurança em áreas do AE em clara proximidade com o esôfago. Uma vez que o esôfago está livre na cavidade torácica, a proposta mais recente, promissora e em avaliação, é a mobilização do esôfago por um sistema mecânico dedicado para este fim. Uma vez documentada a relação do esôfago com a área de ablação no AE, o deslocador afastaria o esôfago da área em risco, permitindo aplicações mais efetivas com segurança.2121 Koruth JS, Reddy VY, Miller MS, Patel KK, Coffey JO, Fischer A, et al. Mechanical esophageal displacement during catheter ablation of atrial fibrillation. J Cardiovasc Electrophysiol. 2012;23(2):147-54.

Não há diretrizes definidas sobre o manuseio do paciente com lesões esofágicas após a ablação da FA, assim como não há estudos clínicos comprovando a eficácia e segurança dos procedimentos que têm sido utilizados. Em nosso serviço, utilizamos a monitorização esofágica regularmente, com um dos sistemas citados e, atualmente, temos realizado endoscopia digestiva alta 24-72 horas após a ablação em todos os pacientes, independente da elevação da temperatura esofágica. O nosso objetivo é identificar a incidência real de lesões esofágicas e estabelecer as situações nas quais a realização da endoscopia é absolutamente necessária.

Fármacos bloqueadores de prótons (omeprazol ou pantoprazol) têm sido recomendados em dose alta (40 mg duas vezes ao dia) após a ablação por 30 dias, para reduzir o refluxo ácido para o esôfago, independente dos achados de monitorização da temperatura esofágica durante o procedimento. Nos pacientes com lesões esofagianas (eritema, erosão e hematoma) adicionamos sucralfato 2,0 g nos intervalos das refeições e orientamos dieta leve e pastosa. Pacientes com evidência de algum grau de gastroparesia na endoscopia ou com manifestação clínica também recebem bromoprida (10 mg três a quatro vezes ao dia) por 30 dias. Com estas medidas, as lesões agudas desaparecem, em grande maioria, na avaliação endoscópica realizada após 7 a 10 dias. Entretanto, há casos nos quais a lesão progride e adquire aspecto de úlcera ativa. A situação se torna mais preocupante se o paciente apresentar febre. Nesta condição, o paciente deve ser internado e permanecer em jejum alimentar, com monitoramento do leucograma e marcadores bioquímicos de resposta inflamatória (proteína C reativa e procalcitonina). A tomografia (TC) de tórax com contraste oral para investigar possível formação de fístula deve ser realizada. A esofagoscopia deve ser evitada nessa situação, pelo risco de embolização gasosa no caso de fístula presente.

Os sinais clássicos encontrados na TC são a presença de imagens gasosas ou infiltração de contraste no mediastino ou pericárdio. Os pacientes sem evidência de infecção e TC normal são mantidos internados sob monitorização, com manutenção do tratamento clínico da úlcera. Nos casos com resposta infecciosa mas sem fistulização definida, deve-se iniciar jejum prolongado com hidratação e alimentação parenteral, administrar atropina para reduzir a secreção salivar e antibioticoterapia de amplo espectro. Uma equipe de gastrocirurgia deve ser convocada para acompanhamento, pois uma intervenção de emergência pode ser necessária.2222 Singh SM, d'Avila A, Singh SK, Stelzer P, Saad EB, Skanes A, et al. Clinical outcomes after repair of left atrial esophageal fistula occurring after atrial fibrillation ablation procedures. Heart Rhythm. 2013;10(11):1591-7.

A TC ou ressonância magnética (RNM) é repetida 1 semana após para avaliação da evolução. Em caso de evidência clínica de fistulização (embolia sistêmica ou cerebral, ou hematêmese) o paciente deve ser operado imediatamente. Quando o procedimento é realizado poucas horas após a manifestação inicial, há perspectiva de boa recuperação clínica; caso contrário, as taxas de mortalidade ou sequela definitiva são elevadas.2222 Singh SM, d'Avila A, Singh SK, Stelzer P, Saad EB, Skanes A, et al. Clinical outcomes after repair of left atrial esophageal fistula occurring after atrial fibrillation ablation procedures. Heart Rhythm. 2013;10(11):1591-7.

Novas tecnologias para isolamento das VPs têm sido incorporadas no uso clínico. Dentre essas, a crioablação por balão foi a mais estudada. Na experiência inicial com balões de primeira geração (23 mm), não havia relatos de FAE, pois as lesões eram mais ostiais. Já nos de segunda geração, principalmente com balão de 28 mm, com o resfriamento mais potente envolvendo toda a face anterior do balão, há relatos de ocorrência de FAE2323 Lin HW, Cogert GA, Cameron CS, Cheng VY, Sandler DA. Atrioesophageal fistula during cryoballoon ablation for atrial fibrillation. J Cardiovasc Electrophysiol. 2014;25(2):208-13. e alguns grupos já iniciaram a monitoração da temperatura esofágica durante seu uso. Do outro lado, estão os sistemas com uso de RF aplicada simultaneamente por vários eletrodos montados em um cateter com ponta circular, posicionado ao redor dos óstios das VPs. Esses sistemas permitem que o operador aplique RF em todos os eletrodos simultaneamente, com objetivo de encurtar o tempo de procedimento. A FAE já foi relatada com a utilização dos sistemas que utilizam eletrodos irrigados (nMARQ).2424 Mahida S, Hooks DA, Nentwich K, Ng GA, Grimaldi M, Shin DI, et al. nMARK ablation for atrial fibrillation: results form a multicenter study. J Cardiovasc Electrophysiol. 2015;26(7):724-9. Ainda não há relatos de FAE com uso do outro sistema (PVAC) recentemente introduzido no Brasil, no qual os eletrodos não são irrigados e as aplicações são intermitentes; entretanto, endoscopias realizadas após a ablação revelaram lesões esofagianas em até 40% dos pacientes.2525 Zellerhoff S, Lenze F, Ullerich H, Bittner A, Wasmer K, Köbe J, et al. Esophageal and mediastinal lesions following multielectrode duty-cycled radiofrequency pulmonary vein isolation: simple equals safe?. Pacing Clin Electrophysiol. 2016;39(4):316-20.

Em um editorial que escrevemos em 2005 para o Journal of Cardiovascular Electrophysiology (JCE) a propósito de uma das medidas de prevenção da FAE após publicação dos três casos iniciais na literatura, alertamos: "Toda vez que uma nova intervenção, técnica ou tecnologia é proposta, uma nova complicação ou efeito adverso deverá ocorrer ... É apenas uma questão de tempo! Nesta situação, nossos esforços devem estar concentrados em como identificá-la, minimizá-la e evitá-la!".2626 Sosa E, Scanavacca M. Left atrial-esophageal fistula complicating catheter ablation of atrial fibrillation. J Cardiovasc Electrophysiol. 2005;16(3):249-50. Nossa percepção é de que esta mensagem mantém-se atual e que os médicos envolvidos no tratamento de pacientes com FA devam estar informados e alertas, pois as FAE ainda persistem, apesar da intensa evolução tecnológica ocorrida na ablação de FA neste período.

Em conclusão, um maior refinamento da tecnologia continua sendo necessário não só para tornar a ablação da FA por cateter mais efetiva, mas também mais segura. Os eletrofisiologistas devem estar atentos aos aspectos técnicos que podem evitar as lesões esofágicas e os clínicos que acompanham os pacientes devem estar alertas para identificar precocemente as possíveis lesões que devem ser tratadas o quanto antes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Maio 2016
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