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O Imenso Desafio de Buscar a Melhor Evidência

Palavras-chave
Arritmias Cardíacas; Infecções por Coronavírus; Anticoagulantes; Fibrilação Atrial

Para gerar a melhor evidência científica, é crucial seguir métodos rigorosos de pesquisa, utilizar amostras representativas, aplicar análises estatísticas apropriadas e garantir a revisão por pares em publicações científicas respeitáveis. A transparência e replicabilidade também são fundamentais.11 Khanna R, Aparasu RR. Research Design and Methods. In: Aparasu RR, Bentley JP. eds. Principles of Research Design and Drug Literature Evaluation, 2nd. Philadelphia: McGraw-Hill Education; 2020. ISBN:978-1-260-4478-9 Revisões sistemáticas e meta-análises têm como objetivo sumarizar um conjunto de evidências disponíveis para uma determinada questão e fornecer uma resposta de alta qualidade.22 Labarca G, Letelier LM. Is the Systematic Review and Meta-Analysis the Gold Standard for Scientific Evidence? Arch Bronconeumol. 2022;58(10):679-80. doi:10.1016/j.arbres.2021.08.007
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Situações novas acrescem variáveis não analisadas anteriormente, e a pandemia de COVID-19 trouxe grandes questões. A urgência em encontrar tratamentos eficazes e desenvolver vacinas incentivou uma mobilização global da comunidade científica. Foram fatores que contribuíram: a emergência sanitária global, a mobilização internacional, fontes de financiamento prioritários, maior disponibilidade de redes de dados e alta tecnologia, que estimularam uma verdadeira corrida em busca de respostas. Essa convergência de fatores resultou em uma explosão de publicações, buscando melhor entender a fisiopatologia, opções de tratamento, medidas de prevenção e impactos socioeconômicos. Como seria de esperar, com a pressa, boa parte das publicações era de má qualidade, sendo que algumas geraram desinformação com graves consequências, pois muitas destas tiveram grande repercussão na mídia.33 Raynaud M, Zhang H, Louis K, Goutaudier V, Wang J, Dubourg Q, et al. COVID-19-related medical research: a meta-research and critical appraisal. BMC Med Res Methodol. 2021;21(1):1. doi: 10.1186/s12874-020-01190-w
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No curso da pandemia inúmeras diretrizes foram geradas e alteradas.44 Xie J, Wang Z, Liang J, Lin H, Yang Z, Wang Y, et al. Critical Review of the Scientific Evidence and Recommendations in COVID-19 Management Guidelines. Open Forum Infect Dis. 2021;8(8):ofab376. doi: 10.1093/ofid/ofab376
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Houve discrepâncias notáveis entre as diferentes orientações em relação às recomendações sobre a gestão da COVID-19 no Brasil.55 De Moraes, Rodrigo Francalossi (2022): Ciência e pseudociência durante a pandemia de Covid-19: O papel dos "intermediários do conhecimento" nas políticas dos governos estaduais no Brasil, Texto para Discussão, No. 2743, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília, https://doi.org/10.38116/td2743
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O uso regular de anticoagulante oral (ACO) em pacientes com fibrilação atrial (FA), conforme seu perfil de risco, tem comprovado impacto na redução do acidente vascular cerebral tromboembólico e mortalidade, sendo indicação consagrada nas diretrizes com alto grau de evidência.66 Writing Committee Members, Joglar JA, Chung MK, Armbruster AL, Benjamin EJ, Chyou JY, et al. 2023 ACC/AHA/ACCP/HRS Guideline for the Diagnosis and Management of Atrial Fibrillation: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2024;83(1):109-279. doi:10.1016/j.jacc.2023.08.017
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O artigo de Landsteiner et al.,77 Landsteiner I, Pinheiro JA, Felix N, Gewehr DM, Cardoso R. Anticoagulação Crônica em Pacientes com Fibrilação Atrial e COVID-19: Uma Revisão Sistemática e Metanálise. Arq Bras Cardiol. 2024; 121(3):e20230470. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20230470.
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neste número dos ABC Cardiol, busca responder qual é a melhor conduta frente a um paciente portador de FA, em uso regular de ACO, e que é acometido de COVID-19. Os autores produzem uma cuidadosa meta-análise visando buscar a resposta quanto ao risco versus benefício do uso do ACO neste contexto clínico.

Metanálises de qualidade, em que se pode incluir estudos prospectivos randomizados, constituem o padrão ouro para a melhor evidência. No entanto, deve-se levar em conta os grandes desafios a serem superados para produzir uma meta-análise de qualidade com a seleção dos estudos a serem incluídos, identificar vieses potenciais, heterogeneidade, qualidade dos estudos, dados incompletos, viés de relato (publicações só com dados favoráveis), e a capacidade de generalização.88 DerSimonian R, Laird N. Meta-analysis in clinical trials revisited. Contemp Clin Trials. 2015;45(Pt A):139-45. doi: 10.1016/j.cct.2015.09.002.
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Os autores77 Landsteiner I, Pinheiro JA, Felix N, Gewehr DM, Cardoso R. Anticoagulação Crônica em Pacientes com Fibrilação Atrial e COVID-19: Uma Revisão Sistemática e Metanálise. Arq Bras Cardiol. 2024; 121(3):e20230470. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20230470.
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fizeram busca sistemática no PubMed, Embase e Cochrane Library por estudos elegíveis desde o início da pandemia até dezembro de 2022, incluindo aqueles que compararam desfechos de COVID-19 em pacientes com e sem anticoagulação oral crônica prévia para FA. O trabalho de seleção, empregou protocolo rigoroso buscando publicações com maior qualidade e menor chance de vieses, fundamental tratando-se de estudos observacionais. A descrição da "Análise Estatística" presente no artigo,77 Landsteiner I, Pinheiro JA, Felix N, Gewehr DM, Cardoso R. Anticoagulação Crônica em Pacientes com Fibrilação Atrial e COVID-19: Uma Revisão Sistemática e Metanálise. Arq Bras Cardiol. 2024; 121(3):e20230470. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20230470.
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dá a noção de quão complexo é o processo, com inúmeras ferramentas sendo utilizadas para buscar reduzir as potenciais limitações e assim, a melhor evidência. Inicialmente foram selecionados 596 estudos, com 493 excluídos, 26 revisados e, só considerados 10 para análise. Apesar do robusto número de casos incluídos, a heterogeneidade sempre foi elemento a considerar.

Para avaliar o risco de vieses no material selecionado, os autores usaram a ferramenta ROBINS-I (Risk of Bias in Non-randomized Studies of Interventions). Suas limitações incluem dependência da qualidade dos relatos, desafios na categorização de viés e a necessidade de julgamento subjetivo por parte dos avaliadores. Além disso, a ROBINS-I pode não abordar completamente todas as fontes de viés potencial em certos contextos. Esse é um dos aspectos ressaltado no próprio artigo nas limitações do estudo.99 Sterne JA, Hernán MA, Reeves BC, Savovic J, Berkman ND, Viswanathan M, et al. (2016). ROBINS-I: a tool for assessing risk of bias in non-randomised studies of interventions. BMJ. 2016;355:i4919. doi: 10.1136/bmj.i4919.
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,1010 Higgins JP, Sterne JA, Savovic J, Page MJ, Hróbjartsson A, Boutron I, et al. A revised tool for assessing risk of bias in randomized trials. Cochrane Database Syst Rev. 2016;10(Suppl 1):29-31.

Com todo isso, os autores na discussão, reconhecem não haver total segurança dos resultados, principalmente pelo desconhecimento das condições e quais foram os impedimentos para tratamento hospitalar, o que só valoriza o trabalho agora publicado.

A conclusão está de acordo com a plausibilidade científica mais forte: a anticoagulação reduz o risco nos pacientes com FA.

Como sempre, a melhor decisão será aquela tomada caso a caso, onde riscos versus benefícios serão avaliados e compartilhados com o paciente, de acordo com as evidências disponíveis.

  • Minieditorial referente ao artigo: Anticoagulação Crônica em Pacientes com Fibrilação Atrial e COVID-19: Uma Revisão Sistemática e Metanálise

Referências

  • 1
    Khanna R, Aparasu RR. Research Design and Methods. In: Aparasu RR, Bentley JP. eds. Principles of Research Design and Drug Literature Evaluation, 2nd. Philadelphia: McGraw-Hill Education; 2020. ISBN:978-1-260-4478-9
  • 2
    Labarca G, Letelier LM. Is the Systematic Review and Meta-Analysis the Gold Standard for Scientific Evidence? Arch Bronconeumol. 2022;58(10):679-80. doi:10.1016/j.arbres.2021.08.007
    » https://doi.org/10.1016/j.arbres.2021.08.007
  • 3
    Raynaud M, Zhang H, Louis K, Goutaudier V, Wang J, Dubourg Q, et al. COVID-19-related medical research: a meta-research and critical appraisal. BMC Med Res Methodol. 2021;21(1):1. doi: 10.1186/s12874-020-01190-w
    » https://doi.org/10.1186/s12874-020-01190-w
  • 4
    Xie J, Wang Z, Liang J, Lin H, Yang Z, Wang Y, et al. Critical Review of the Scientific Evidence and Recommendations in COVID-19 Management Guidelines. Open Forum Infect Dis. 2021;8(8):ofab376. doi: 10.1093/ofid/ofab376
    » https://doi.org/10.1093/ofid/ofab376
  • 5
    De Moraes, Rodrigo Francalossi (2022): Ciência e pseudociência durante a pandemia de Covid-19: O papel dos "intermediários do conhecimento" nas políticas dos governos estaduais no Brasil, Texto para Discussão, No. 2743, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília, https://doi.org/10.38116/td2743
    » https://doi.org/10.38116/td2743
  • 6
    Writing Committee Members, Joglar JA, Chung MK, Armbruster AL, Benjamin EJ, Chyou JY, et al. 2023 ACC/AHA/ACCP/HRS Guideline for the Diagnosis and Management of Atrial Fibrillation: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Joint Committee on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2024;83(1):109-279. doi:10.1016/j.jacc.2023.08.017
    » https://doi.org/10.1016/j.jacc.2023.08.017
  • 7
    Landsteiner I, Pinheiro JA, Felix N, Gewehr DM, Cardoso R. Anticoagulação Crônica em Pacientes com Fibrilação Atrial e COVID-19: Uma Revisão Sistemática e Metanálise. Arq Bras Cardiol. 2024; 121(3):e20230470. DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20230470
    » https://doi.org/10.36660/abc.20230470
  • 8
    DerSimonian R, Laird N. Meta-analysis in clinical trials revisited. Contemp Clin Trials. 2015;45(Pt A):139-45. doi: 10.1016/j.cct.2015.09.002.
    » https://doi.org/10.1016/j.cct.2015.09.002
  • 9
    Sterne JA, Hernán MA, Reeves BC, Savovic J, Berkman ND, Viswanathan M, et al. (2016). ROBINS-I: a tool for assessing risk of bias in non-randomised studies of interventions. BMJ. 2016;355:i4919. doi: 10.1136/bmj.i4919.
    » https://doi.org/10.1136/bmj.i4919
  • 10
    Higgins JP, Sterne JA, Savovic J, Page MJ, Hróbjartsson A, Boutron I, et al. A revised tool for assessing risk of bias in randomized trials. Cochrane Database Syst Rev. 2016;10(Suppl 1):29-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2024
  • Revisado
    20 Mar 2024
  • Aceito
    20 Mar 2024
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