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Exposição ao tabagismo e atitudes: comparação entre inquéritos realizados na população adulta do município de São Paulo em 1987 e 2002

Resumos

FUNDAMENTO: O monitoramento periódico do tabagismo na população é de interesse para a saúde pública. OBJETIVOS: Comparar a prevalência do tabagismo e atitudes em relação ao tabagismo em uma amostra de residentes do município de São Paulo, em 1987 e em 2002. MÉTODOS: Foram realizados dois inquéritos domiciliários por amostragem probabilística em residentes do município de São Paulo, em 1987 e em 2002, respectivamente com 1.471 e 2.103 entrevistados na faixa etária de 15 a 59 anos. RESULTADOS: A prevalência de tabagismo ajustada para idade caiu de 41,8% (em 1987) para 25,5% (em 2002) no sexo masculino e, respectivamente, de 30,6% para 19,8% no sexo feminino. Houve redução do tabagismo em todos os níveis de escolaridade, diminuição da média diária de cigarros no sexo masculino (mas elevação no feminino), crescimento pela procura de cigarros com baixo teor, aumento dos que deixaram de fumar havia mais de 10 anos, crescimento dos que tentaram seriamente parar de fumar, aumento dos que cogitavam em parar totalmente e aumento do reconhecimento de que "fumar faz mal para a saúde". CONCLUSÃO: Houve mudança favorável na situação do tabagismo na cidade de São Paulo de 1987 para 2002.

Tabagismo; prevalência; adulto; amostragem


BACKGROUND: Periodic monitoring of tobacco smoking in the population is of public health interest. OBJECTIVES: To compare the prevalence of smoking habits and attitudes toward tobacco smoking from a sample of residents of the City of Sao Paulo, in 1987 and 2002. METHODS: Two random sampling household surveys were carried out among residents of the City of Sao Paulo, in 1987 and 2002, respectively with 1,471 and 2,103 participants aged 15-59 years RESULTS: Age-adjusted prevalence of tobacco smoking dropped from 41.8% (in 1987) to 25.5% (in 2002) among males and, respectively, from 30.6% to 19.8% among females, and such reduction was observed in all education levels. There was a decrease in the mean number of cigarettes smoked a day among men (but an increase among women), There was a growth in the preference for low tar cigarettes, an increase in those who quit smoking in the last 10 years, a growth among those who seriously tried to quit smoking, and an increase in those who believe in that "smoking is dangerous for your health". CONCLUSION: There was a favorable change in the situation of smoking habits in the City of Sao Paulo from 1987 to 2002.

Smoking; prevalence; adult; sampling studies


ARTIGO ORIGINAL

Exposição ao tabagismo e atitudes: comparação entre inquéritos realizados na população adulta do município de São Paulo em 1987 e 2002

Luiz Francisco Marcopito; Ana Paula Coutinho; Dalva Maria de Oliveira Valencich; Marco Antonio de Moraes; Rodolfo Brumini; Sandra Aparecida Ribeiro

Universidade Federal de São Paulo, Secretaria do Estado de Saúde – São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Sandra Aparecida Ribeiro Av. João Castaldi, 217/ 131 04517-050, São Paulo, SP - Brasil E-mail: sandrarib@uol.com.br

RESUMO

FUNDAMENTO: O monitoramento periódico do tabagismo na população é de interesse para a saúde pública.

OBJETIVOS: Comparar a prevalência do tabagismo e atitudes em relação ao tabagismo em uma amostra de residentes do município de São Paulo, em 1987 e em 2002.

MÉTODOS: Foram realizados dois inquéritos domiciliários por amostragem probabilística em residentes do município de São Paulo, em 1987 e em 2002, respectivamente com 1.471 e 2.103 entrevistados na faixa etária de 15 a 59 anos.

RESULTADOS: A prevalência de tabagismo ajustada para idade caiu de 41,8% (em 1987) para 25,5% (em 2002) no sexo masculino e, respectivamente, de 30,6% para 19,8% no sexo feminino. Houve redução do tabagismo em todos os níveis de escolaridade, diminuição da média diária de cigarros no sexo masculino (mas elevação no feminino), crescimento pela procura de cigarros com baixo teor, aumento dos que deixaram de fumar havia mais de 10 anos, crescimento dos que tentaram seriamente parar de fumar, aumento dos que cogitavam em parar totalmente e aumento do reconhecimento de que "fumar faz mal para a saúde".

CONCLUSÃO: Houve mudança favorável na situação do tabagismo na cidade de São Paulo de 1987 para 2002.

Palavras-chave: Tabagismo, prevalência, adulto, amostragem.

Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o tabagismo o maior agente isolado e evitável de morbidade e mortalidade no mundo. Prevê-se que, para meados deste século, a pandemia tabágica será a maior causa de morte, vitimando mais que tuberculose, aids, acidentes de trânsito, homicídios, suicídios, drogas ilegais e alcoolismo, somados1.

O tabagismo é classificado como um dos principais fatores de risco para doença coronariana, hipertensão arterial sistêmica, acidente vascular encefálico, bronquite, enfisema e câncer, que constituem importantes causas de morte nos países desenvolvidos e nas grandes cidades brasileiras1-2.

Estima-se que, no Brasil, ocorram cerca de 200 mil mortes anuais por doenças tabaco-relacionadas3. Além disso, tem-se verificado que a remoção da exposição ao fumo implica a redução da mortalidade e/ou da prevalência, bem como no aparecimento mais tardio das doenças relacionadas4-5. Estudos sobre a prevalência do tabagismo realizados em diferentes momentos mostraram que o número de fumantes com idade acima de 15 anos variou muito de acordo com a área geográfica6-8.

Estudos transversais repetidos, de base populacional, são uma maneira de monitorar a difusão do tabagismo. Em 1987, o Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES) de São Paulo (SP) realizou inquérito domiciliário em amostra de 1.471 pessoas com 15 a 59 anos de idade residentes na cidade de São Paulo9. Em 2002, o Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE) da SES de SP realizou outro inquérito em 2.103 residentes de mesma idade e região de residência10. Ambos os bancos de dados foram disponibilizados pela SES-SP, tornando possível a comparação direta sobre a prevalência de tabagismo naqueles dois pontos do tempo.

Métodos

Os dois inquéritos foram estudos transversais de base populacional sobre fatores de risco para doenças crônicas não transmissíveis em pessoas com idade entre 15 e 59 anos, realizados em cooperação com a SES-SP, um em 1987 e outro em 2001-29-10. O método empregado foi quase o mesmo em ambos, e consistiu de entrevistas domiciliárias em pessoas selecionadas por sorteio. O estudo de 2002 foi realizado em 12 dos 96 distritos administrativos do município de São Paulo, selecionados de forma intencional – de maneira a cobrir área geográfica semelhante àquela do inquérito de 1987 (quando a divisão administrativa do município era outra). As etapas do processo de amostragem foram estas: 1) os setores censitários dos distritos selecionados, fornecidos pelo IBGE, foram ordenados de acordo com a renda média; 2) os setores censitários dentro de cada distrito foram sorteados, de forma sistemática, com probabilidade proporcional ao número de domicílios fornecido pelo Censo; 3) dentro de cada setor censitário foram selecionados domicílios proporcionalmente ao número de domicílios do setor; e 4) finalmente, dentro de cada domicílio foi sorteado um indivíduo entre 15 e 59 anos (unidade amostral) por meio de um sistema balanceado proposto por Marques & Berquó11. No que se refere ao controle de qualidade, foram realizadas checagens rotineiras por telefone quanto à integridade das entrevistas e a maioria (71,1%) dessas foi realizada nos finais de semana, o que permitiu a boa adesão do sexo masculino. As porcentagens de recusas foram 10% e 16% nos inquéritos de 1987 e 2002, respectivamente.

Dados sobre as variáveis sexo, idade, raça/cor e escolaridade foram coletados em ambos os inquéritos, permitindo comparações entre 1987 e 2002.

No que se refere ao tabagismo, os questionários de 1987 e 2002 continham as seguintes perguntas com a mesma redação, que também puderam ser comparadas:

– "Você fuma todos os dias, às vezes, ou não fuma mais?", com estas opções de resposta: a) diariamente (pelo menos uma vez por dia); b) às vezes; c) não fuma mais; d) não se aplica – sendo esta última reservada para os que declararam não ter fumado por seis meses ou mais em qualquer época da vida. No questionário de 1987, para essa questão, também havia a opção (e): não sabe / não quer responder. Foram considerados fumantes (tabagistas) os que indicaram a opção (a), independentemente da quantidade diária consumida; os que indicaram a opção (b) foram considerados fumantes esporádicos; e os que indicaram a opção (c) foram considerados ex-fumantes.

– "Em que mês e ano você deixou de fumar?", aplicada a ex-fumantes, transformada em anos.

– "Fuma cigarros com filtro ou sem filtro?", aplicada a fumantes, que admitia as respostas a) com filtro, b) sem filtro, c) ambos (e também "não sabe / não quer responder" no questionário de 1987).

– "Costuma fumar cigarros fracos, isto é, de baixo teor?", aplicada a fumantes, com as opções a) sim, b) não (e também "não sabe / não quer responder" no questionário de 1987).

– "Quantos cigarros (ou outros) você fuma por dia?", cuja resposta foi avaliada apenas entre os fumantes.

– "Você já tentou seriamente parar de fumar?", também avaliada apenas entre os fumantes. "Por quanto tempo ficou sem fumar a última vez que parou?", aplicada a fumantes e transformada em meses.

– "Daqui a cinco anos você acha que seu modo de fumar terá mudado?", também avaliada apenas entre os fumantes. As opções comuns de resposta em ambos os questionários eram: a) sim, e b) não. No questionário de 1987 também havia a opção (c): não sabe / não quer responder.

– "Como?", aplicada apenas aos que responderam "sim" na questão anterior. Estas eram as opções de resposta: a) Certamente terá parado de fumar; b) Talvez terá parado de fumar; c) Terá diminuído o número de cigarros; d) Terá mudado de cigarros sem filtro para com filtro; e) Terá mudado para cigarros mais fracos ou de baixo teor de alcatrão e nicotina; f) Outro.

– "Acha que fumar faz mal para sua saúde?", que comportava estas respostas em ambos os questionários: a) Concorda inteiramente; b) Concorda em parte; c) Discorda em parte; d) Discorda inteiramente. No questionário de 1987 também havia a opção (e): não sabe / não quer responder.

As respostas à questão "Que tipo de problema(s) o hábito de fumar pode causar para sua saúde?", presente em ambos os questionários, só pôde ser tabulada para o inquérito de 2002. Essa pergunta continha três opções abertas para respostas, que foram codificadas pela Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10). A variável renda per capita só pôde ser determinada a partir do questionário de 2002. A pergunta sobre idade de início do tabagismo só constava do questionário de 2002.

Apenas no questionário de 2002 havia a pergunta "Quanto tempo após acordar você acende o primeiro cigarro?", aplicada a fumantes, que comportava as seguintes respostas: a) Na primeira meia hora depois de acordar; e b) Mais que meia hora depois de acordar. Essas respostas, junto com o número de cigarros por dia, foram utilizadas na análise do grau de dependência da nicotina pelo teste de tolerância de Fagerström12-13 adaptado. A pontuação foi feita da seguinte maneira: indivíduos que acendiam o primeiro cigarro do dia na primeira meia hora receberam dois pontos; os que acendiam o primeiro cigarro após a primeira meia hora, um ponto; os que fumavam até 10 cigarros por dia não receberam pontuação, os que fumavam de 11 a 20 cigarros por dia, um ponto; os que fumavam de 21 a 30 cigarros por dia, dois pontos; e os que fumavam mais de 30 cigarros por dia, três pontos. A soma da pontuação classificou os indivíduos em: pouco dependentes do cigarro (1 e 2 pontos), moderadamente dependentes (3 pontos) e muito dependentes (4 e 5 pontos).

Para fins de comparações externas, a idade foi agrupada em quatro categorias de dez anos, exceto a mais jovem (15 a 29 anos). As estimativas pontuais de prevalências foram apresentadas em porcentagens, por faixa etária em cada sexo, com os respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%). Esses IC 95% foram todos calculados usando probabilidades exatas fornecidas pela distribuição binomial, porque a aproximação à distribuição normal não se aplicava em alguns casos. Em cada sexo, as prevalências totais brutas foram corrigidas para o efeito da amostra utilizando as composições etárias reais, de acordo com a técnica descrita por Cochran14 para populações finitas. Essa correção forneceu as estimativas populacionais das prevalências totais em cada sexo.

Em algumas comparações estatísticas, os IC 95% foram usados em vez de valores de p. Em outras, foram utilizados os testes estatísticos do Qui-quadrado ou exato de Fisher (para proporções independentes), de Kruskall-Wallis e de Mann-Whitney (respectivamente, equivalentes não-paramétricos para amostras independentes da análise de variância a um critério e do teste t de Student) quando não se pôde assumir a normalidade; nessas comparações, considerou-se que p<0,05 indicava baixa probabilidade de a diferença observada ter ocorrido por acaso, mesmo quando foram conduzidos múltiplos testes estatísticos15. A entrada dos dados foi feita em duplicata. Utilizaram-se os programas eletrônicos SPSS 10.0, Stata 7.0 e Excel 97.

O estudo de 2002 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo. Os participantes que necessitavam de assistência médica foram encaminhados à unidade básica de saúde mais próxima e os fumantes que desejavam auxílio específico para deixar de fumar foram encaminhados aos centros de referência de tratamento de tabagismo existentes no município de São Paulo.

Resultados

A tabela 1 mostra a prevalência do tabagismo entre todos os entrevistados, por faixa etária e sexo e a prevalência estimada para a população real, nos inquéritos de 1987 e 2002. Comparando-se as prevalências encontradas em 1987 e 2002, nota-se, nas duas faixas etárias mais jovens de ambos os sexos, significante redução da prevalência de tabagismo. Nas faixas etárias mais idosas houve modificações que não atingiram significância estatística: queda nos homens e aumento nas mulheres. Essas modificações nas porcentagens de tabagistas podem ser mais bem observadas nas prevalências totais ajustadas por idade.

No que se refere à cor da pele (tab. 2), a porcentagem bruta de fumantes foi semelhante em brancos, pardos e negros em cada um dos dois inquéritos, tendo ocorrido diminuição significante (p<0,001) em brancos e pardos de 1987 para 2002. A redução entre negros não atingiu significância estatística (p=0,280), nem as diferenças observadas entre amarelos (tanto dentro de cada inquérito, como de um inquérito para outro).

Dos 1.471 entrevistados em 1987, 795 (54,0%) eram não-fumantes, 130 (8,8%) eram ex-fumantes e 35 (2,4%) eram fumantes esporádicos, contra 1.247 (59,3%), 320 (15,2%) e 40 (1,9%), respectivamente, dos 2.103 entrevistados em 2002. Esses resultados apontam para crescimento significante de não-fumantes (p=0,002) e de ex-fumantes (p<0,001) de 1987 para 2002 no total de entrevistados.

Com relação à escolaridade, os resultados foram os seguintes (tab. 3): entre as pessoas com a menor escolaridade não houve modificação significativa, de 1987 para 2002, na porcentagem de não-fumantes (57,6 e 53,0%, respectivamente; p=0,321), mas a porcentagem de ex-fumantes aumentou significantemente (p=0,005), de 11,0 para 20,2%. A relativamente baixa prevalência de fumantes (29,3%) no grupo com menor escolaridade em 1987 não se deveu a maior concentração de pessoas jovens do sexo feminino nessa categoria. Entre as pessoas com escolaridade intermediária, a porcentagem de não-fumantes cresceu de 53,8% para 59,4% (p=0,005) e, a de ex-fumantes, de 7,2% para 14,1% (p<0,001). Entre as pessoas com a maior escolaridade, a porcentagem de não-fumantes cresceu de 49,3% para 62,0%, em 1987 e 2002, respectivamente (p=0,007), sem modificação apreciável na porcentagem de ex-fumantes (16,2% e 16,9%, p=0,854).

Entre os fumantes de 1987, a média de consumo de cigarros por dia nos homens foi de 19,7 e de 13,4 nas mulheres (p<0,001). Entre os fumantes de 2002 essas médias foram, respectivamente, 17,5 e 15,0 (p=0,002). A diminuição na média masculina (p=0,037) e o aumento na média feminina (p=0,029) foram significantes. Tanto em 1987 como em 2002 houve predomínio do consumo de cigarros com filtro (98,4% e 97,8%, respectivamente), mas a procura por cigarros de baixo teor cresceu de 41,7% em 1987 para 61,5% em 2002 (p<0,001).

Em 1987, dos 130 ex-fumantes, todos (100,0%) haviam deixado de fumar há menos de 10 anos, a maior parte (67,7%) há menos de cinco anos. Em 2002, dos 320 ex-fumantes, 64,1% haviam deixado de fumar há menos de 10 anos (44,4% há menos de cinco anos, 19,7% entre cinco e 10 anos), e 35,9% há mais de 10 anos.

Entre os fumantes de 1987, 57,5% já haviam seriamente tentado parar de fumar, contra 61,7% em 2002 (p=0,179). Nas duas pesquisas o tempo mediano sem fumar foi de 1,0 mês.

Quando os fumantes foram questionados se modificariam seu modo de fumar nos próximos cinco anos, 53,4% responderam positivamente em 1987 (38,5% pensariam em parar totalmente, 12,9% em diminuir o consumo de cigarros, e 2,0% deram outras respostas). Em 2002, 71,2% responderam positivamente (57,7% parariam totalmente, 11,9% diminuiriam o consumo, e 1,6% deram outras respostas).

O reconhecimento de que "fumar faz mal à saúde" foi elevado nos dois inquéritos (tab. 4), e cresceu de 1987 para 2002 – quando a porcentagem total dos que concordam com essa assertiva elevou-se de 95,3% para 99,4% (p<0,001). A alteração mais expressiva ocorreu entre fumantes, em que a porcentagem dos que "concordam inteiramente" aumentou de 78,7% para 95,0% (p<0,001), e a dos que discordam diminuiu de 8,6% para 1,2% (p<0,001). Fato semelhante ocorreu entre não-fumantes, em que essas porcentagens variaram de 91,7% para 98,7% (p<0,001) e de 1,1% para 0,3% (p=0,015), respectivamente.

Quanto aos resultados disponíveis apenas para o inquérito de 2002, a média de idade de início do tabagismo foi de 16,3 anos (16,4 no sexo masculino e 16,2 no feminino), e 88,3% dos entrevistados referiram início do tabagismo antes dos 20 anos. A mediana de renda mensal per capita foi menor (p=0,008) entre fumantes (R$ 284), quando comparada a ex-fumantes (R$ 310) e a não-fumantes (R$ 333). Pelo teste de Fagerström simplificado foram classificados como pouco dependentes 57,1% dos fumantes, moderadamente dependentes 30,6%, e muito dependentes 12,3%. Não houve diferença estatística entre o grau de dependência e sexo.

Quando todos os 2.103 indivíduos entrevistados em 2002 foram estimulados a citar livremente quais os problemas de saúde que relacionavam com o tabagismo, apenas 17 (0,8%) não citaram nenhum, 981 (46,6%) mencionaram um problema, 681 (32,4%) citaram dois, e 424 (20,2%), três. Obteve-se o total de 3.614 citações, as mais freqüentes classificáveis em cinco capítulos da CID-10, como se mostra na tabela 5, por categorias de tabagistas: II- neoplasias (41,9%), X- doenças do aparelho respiratório (28,3%), XVIII- maldefinidas (12,6%), IX- doenças do aparelho circulatório (9,2%), V- transtornos mentais e comportamentais (3,8%) e outros (4,1%). Em ordem decrescente, as neoplasias mais citadas foram: câncer não-especificado, câncer de pulmão, câncer de orofaringe, câncer de boca e câncer de outras localizações. As doenças do aparelho respiratório mais citadas foram: afecções devidas a inalação, outros transtornos respiratórios, insuficiência respiratória, enfisema e bronquite. As maldefinidas foram: mal-estar e fadiga, tosse, anormalidades da respiração, dor de garganta e no peito, outros sintomas e sinais gerais, causas desconhecidas e não especificadas de morbidade e doenças do aparelho digestivo. As doenças do aparelho circulatório foram: hipertensão arterial, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, doenças cardíacas maldefinidas e demais doenças do aparelho circulatório. Dentre os transtornos mentais e comportamentais os mais citados foram: disfunção sexual e outros transtornos mentais.

Discussão

Desde que o tabagismo foi introduzido na sociedade moderna, a proporção de homens fumantes tem sido mais elevada do que a de mulheres. Nas últimas décadas, tem-se observado, no sexo masculino, declínio da prevalência, principalmente em países desenvolvidos, mas também em alguns países em desenvolvimento, como no Brasil16. Já no sexo feminino, a taxa de queda da prevalência tem variado entre diversos países16-17.

Neste estudo, a estimativa da prevalência de tabagismo em 2002 foi menor do que aquela de 1987, tanto em homens (25,4% e 41,8%) como em mulheres (19,9% e 30,4%). A redução relativa de 1987 para 2002 foi de 39% no sexo masculino e de 35% no feminino, por forte influência da redução nas faixas etárias mais jovens.

Comparando-se com dados da literatura sobre a prevalência de tabagismo no município de São Paulo, relatou-se em 1971, para a faixa etária de 15 a 74 anos, prevalência de 54,8% em homens e de 20,9% em mulheres18. Em 2002-2003, o Inquérito Domiciliar sobre Comportamentos de Risco e Morbidade Referida de Doenças e Agravos não Transmissíveis8, estudando indivíduos com mais de 15 anos de idade, mostrou prevalência de 23,1% em homens e 17,5% em mulheres, em amostra de 1.210 indivíduos, confirmando a tendência de redução das prevalências em ambos os sexos, também mais acentuada no sexo masculino, em relação ao feminino.

Essa queda histórica nas prevalências do tabagismo parece estar fortemente influenciada pelas campanhas nacionais contra o tabagismo, assim como diminuição da renda e desemprego10. O Brasil criou, na última década, diversas leis restringindo a propaganda e o consumo de cigarros em locais públicos, além de aumentar o nível de advertência sobre os malefícios do fumo. Porém, a menor queda da prevalência de tabagismo no sexo feminino pode estar apontando para a preocupante dificuldade de cessação do tabagismo nesse grupo, em parte fruto da ampla publicidade da indústria tabágica, que tenta também estimular a iniciação ao tabagismo, especificamente voltada para as mulheres. No presente estudo verificou-se que ocorreu, no sexo feminino, aumento da média de consumo de 13,4 para 15,0 cigarros por dia, de 1987 para 2002.

No que se refere à redução das prevalências do tabagismo por cor da pele, observou-se que houve queda em todos os grupos, embora essa redução não tenha atingido significância estatística entre negros e amarelos – provavelmente pelo pequeno número de entrevistados nesses dois grupos. Não foi possível verificar por este estudo se a relação entre cor com maior prevalência de tabagismo ocorreu em razão da classe social mais baixa do entrevistado.

Quanto ao tabagismo por nível de escolaridade, verificou-se redução na prevalência de fumantes em todos os três níveis, de 1987 para 2002. No que se refere aos resultados de 1987, a baixa prevalência de fumantes no grupo com menor escolaridade pode ter ocorrido por variação amostral, já que não é explicada por diferenças de sexo e idade nessa categoria em relação às outras, nem segue os padrões observados em várias partes do mundo19. É, portanto, razoável supor que em 1987 a prevalência de tabagismo na população de baixa escolaridade tenha sido maior do que os 29,3% registrados naquele inquérito.

Além de menor escolaridade, também entre os fumantes a renda per capita declarada foi menor (resultados disponíveis apenas para o inquérito de 2002), do que a dos ex-fumantes e não-fumantes. A tendência de o tabagismo concentrar-se em classes sociais menos favorecidas é observada no Brasil e em vários países17-19. Dentre os fatores sociais destaca-se o menor acesso a informação, educação e assistência à saúde. Esses fatores são potencializados por estímulos de mercado que facilitam o consumo e o acesso aos produtos de tabaco, especialmente o cigarro. De fato, muitas famílias pobres comprometem importante parcela do seu orçamento com a compra de tabaco20, agravando o seu estado de pobreza e de saúde, uma vez que o tabagismo é mais um fator de risco que vai se somar a outras condições mórbidas presentes nas populações menos abastadas.

O início do tabagismo antes dos 20 anos, referido por 88,3% dos fumantes em 2002, mostra que se começa fumar precocemente. Recentemente verificou-se mais profundamente a importância da idade de início do tabagismo, no desenvolvimento de maior grau de dependência à nicotina. Dos que se iniciam no tabagismo em torno dos 14 anos de idade, cerca de 90% estarão dependentes aos 19 anos. Tem-se comprovado que os que começam a fumar entre 14 e 16 anos desenvolvem maior dependência de nicotina, em comparação com aqueles que fumaram o primeiro cigarro depois dos 20 anos de idade21-22. A iniciação precoce é importante fator de prognóstico para o adoecimento e deve ser combatida, pois maior será o risco de mortes prematuras na meia-idade ou na idade madura23.

Como indicadores de elevada dependência nicotínica, vários trabalhos mostraram a importância de se fumar na primeira meia hora depois de acordar e consumir mais de 20 cigarros por dia12-13. No presente trabalho foram classificados como muito dependentes 12,3% dos fumantes e 30,6% como moderadamente dependentes, indicando aos serviços de saúde os indivíduos que possivelmente terão desconforto (síndrome de abstinência) ao deixar de fumar e talvez necessitarão de intervenções mais complexas, incluindo uso de medicamentos, fazendo crer que apresentarão maior dificuldade em manter a abstinência em longo prazo.

A atitude dos fumantes da cidade de São Paulo vem mudando, a julgar pela comparação dos resultados de 1987 e 2002. Houve redução da quantidade média de consumo diário de cigarros no sexo masculino (mas elevação no feminino), crescimento pela procura de cigarros com baixo teor, aumento dos que deixaram de fumar há mais de 10 anos, crescimento das porcentagens daqueles que tentaram seriamente parar de fumar, aumento de indivíduos que estão pensando em parar totalmente de fumar nos próximos cinco anos e aumento do reconhecimento de que "fumar faz mal para a saúde", tanto entre os fumantes como entre os não-fumantes. Como comentário crítico, em relação à tentativa de "seriamente parar de fumar", o atributo de "seriedade" pode ter conotação diferente de pessoa para pessoa, o que leva a uma mais reservada avaliação dos resultados, ainda que a pergunta tenha sido aplicada com a mesma redação em 1987 e em 2002.

O conhecimento sobre os malefícios à saúde causados pelo cigarro tem se modificado drasticamente com o passar dos anos. Na década de 1950, menos de 50% dos adultos americanos acreditavam que o fumo causasse câncer de pulmão. Na década de 1990, essa porcentagem aumentou para 92%. Outros estudos mostraram que a maioria da população (fumantes e não-fumantes) é a favor de leis que restringem o tabagismo nos locais públicos e no ambiente de trabalho24.

No presente estudo, quando perguntados sobre os problemas de saúde que o consumo do tabaco pode trazer, tanto fumantes como ex-fumantes tenderam a citar espontaneamente mais afecções maldefinidas em relação aos não-fumantes, e os não-fumantes, mais neoplasias em relação aos fumantes e ex-fumantes.

A literatura mostra que, dentre os fumantes, mais de 70% afirmam que gostariam de parar de fumar25. Mesmo assim, as informações a respeito dos malefícios do fumo à saúde devem ser trabalhadas em campanhas, nos currículos escolares e em políticas de saúde pública. Grande número de fumantes, apesar da intenção em abandonar o fumo e conhecer os problemas de saúde causados pelo tabagismo, não consegue fazê-lo, o que pode se justificar, em parte, por serem dependentes da nicotina. Estratégias de prevenção e tratamento do tabagismo precisam ser incentivadas visando adolescentes, mulheres e pessoas com baixa renda. Dessa forma, estudos regulares de prevalência do tabagismo servirão para redirecionar campanhas de prevenção e avaliar estratégias custo-efetivas para controle do tabagismo e tratamento dos fumantes.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi financiado pela FAPESP

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação desse estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 12/03/07; revisado recebido em 12/03/07; aceito em 11/04/07.

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  • Correspondência:

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      Nov 2007

    Histórico

    • Aceito
      11 Abr 2007
    • Revisado
      12 Mar 2007
    • Recebido
      12 Mar 2007
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