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Retirada percutânea de corpo estranho intracardíaco com técnica original

Resumos

Relatamos o caso de um paciente com cateter vascular de longa permanência embolizado para o ventrículo direito. Este caso ganha peculiaridade por estarem as duas extremidades do cateter indisponíveis para serem laçadas, dificultando a sua captura pelas técnicas convencionais. Descrevemos um novo método para resgatar o corpo estranho através de sua porção central, utilizando apenas um cateter com dois sistemas independentes de "laço" e de "gancho".

Catéteres implantáveis; corpos estranhos; retirada percutânea


We report on the case of a patient with a long term vascular catheter embolized into the right ventricle. This case had unique characteristics since both ends of the catheter were inaccessible for snare, which made it difficult to capture them using conventional techniques. We describe a new method to retrieve the foreign body through its mid-point portion, using a single catheter with two independent snare and hook systems.

Catheters, indwelling; foreign bodies; percutaneous retrieval


RELATO DE CASO

Retirada percutânea de corpo estranho intracardíaco com técnica original

Estêvão Carvalho de Campos Martins; Guilherme Brenande Alves Faria

Hospital da Força Aérea do Galeão - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

Correspondência Correspondência: Estêvão Carvalho de Campos Martins Rua Major Rolinda da Silva, 87 22611-260 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: estevaomartins@uol.com.br

RESUMO

Relatamos o caso de um paciente com cateter vascular de longa permanência embolizado para o ventrículo direito. Este caso ganha peculiaridade por estarem as duas extremidades do cateter indisponíveis para serem laçadas, dificultando a sua captura pelas técnicas convencionais. Descrevemos um novo método para resgatar o corpo estranho através de sua porção central, utilizando apenas um cateter com dois sistemas independentes de "laço" e de "gancho".

Palavras-chave: Catéteres implantáveis, corpos estranhos, retirada percutânea.

Introdução

A utilização da via endovascular com fins diagnósticos e terapêuticos na prática clínica é freqüente e varia desde os acessos venosos utilizados para infusões de drogas até os acessos arteriais para o implante de endopróteses. Decorre entretanto desta utilização, algumas complicações tais como embolização do material utilizado para o interior do leito vascular e das câmaras cardíacas. É necessário o reconhecimento precoce destas complicações assim como a retirada do material embolizado para que não haja aumento da morbidade no tratamento destes pacientes.

Relato do caso

Paciente do sexo masculino, 72 anos, com história de neoplasia de cólon ressecado em agosto de 2005 foi submetido a implante de cateter vascular de longa permanência para início de quimioterapia adjuvante. Durante infusão de quimioterápico (quinto ciclo) o paciente queixou-se de ardência próximo ao conector do cateter com concomitante hiperemia local. Raio-X de tórax evidenciou embolização do cateter com ambas as extremidades apoiadas na musculatura ventricular direita, e seu corpo protruso para o átrio direito (formato em C). O paciente encontrava-se estável sem queixas ou arritmias. Optamos então pela retirada percutânea do corpo estranho.

Procedimento

Realizamos punção da veia femoral direita sob anestesia local e introdução de bainha valvulada 8F pela técnica de Seldinger. Confirmada a posição do cateter através da angiografia (fig.1). Confeccionamos então um único cateter com dois sistemas, um de alça e outro de gancho, independentes entre si quanto ao seu manuseio (fig. 2-A). Empregamos para isto cateter pigtail 6F, um guia 0,21" e um fio guia 0,014" x 300 cm.

O fio guia 0,014" foi dobrado em sua porção central e cada ponta introduzida pelo pigtail através dos orifícios localizados próximos a sua extremidade distal (fig 2-II), e exteriorizados por sua porção proximal (fig2–III), formando assim o sistema de alça. Esta alça foi angulada (fig. 2–I) para que, ao ser tracionada, envolvesse toda a porção da "cabeça" do pigtail (fig. 1–E). Utilizamos também um guia 0,21" com o objetivo de controlar a extremidade distal do pigtail fazendo com que, ao introduzir este guia o cateter adquirisse forma "reta", e ao retirar o mesmo, retornasse a forma circunfêrencial formando, portanto, o sistema de "gancho".

Ao introduzir o sistema (fio guia 0,014" totalmente tracionado e guia 0,21" retificando o cateter) conseguimos colocar em posição a alça do pigtail ao nível da curvatura do corpo estranho. Abrimos então o sistema de alça, introduzindo cuidadosamente o guia 0,014" (fig.2B). Retiramos entamente o guia 0,21" para que a extremidade distal do cateter pigtail laçasse o corpo estranho, aprisionando-o no interior de sua circunferência (fig. 2C). Movimentamos então as duas extremidades do fio guia 0,014" para que sua alça fosse se fechando progressivamente a ponto de capturar o corpo estranho, esmagando-o contra o cateter (fig. 2D-F); puxamos o corpo estranho até a ponta do introdutor 8F, quando então retiramos todo o conjunto (introdutor, cateter diagnóstico e corpo estranho) de uma só vez (fig 1). Aplicada compressão local por 10 minutos com boa hemostasia.

Discussão

A utilização de cateteres vasculares é comum na prática clínica. Sua utilização, assim como outras modalidades de técnicas endovasculares, têm nos levado ao reconhecimento e tratamento de diversas complicações inerentes á estes métodos, entre elas a presença de corpo estranho no sistema vascular. A primeira descrição de embolização de um fragmento de cateter foi em 19541. Apesar de haver relatos de permanência do corpo estranho por até 17 anos sem maiores complicações, a remoção imediata de qualquer material embolizado é necessária devido à ocorrência de complicações bem conhecidas tais como sepse, endocardite, perfuração miocárdica, arritmias dentre outras2,3. Fisher e Ferreyro relataram incidência de morte ou complicações sérias em até 71% daqueles pacientes nos quais não houve a retirada do material4. Em contrapartida complicações decorrentes da retirada de corpos estranhos são raras, com taxa de sucesso descrita como de até 100%5.

A retirada percutânea de corpos estranhos do sistema vascular vem sendo realizada desde 1964 quando Thomas removeu, pela primeira vez, um fio guia utilizando um broncoscópio6. Atualmente a técnica do laço é a mais utilizada para a retirada de corpos estranhos que tenham uma de suas extremidades acessível para ser laçada7,8. A técnica do gancho (hook) é utilizada para fragmentos sem extremidades livres. Esta técnica necessita de dissecção venosa, tendo poucos casos descritos na literatura2,9 . Cateteres de Fogarty e pigtail também são utilizados nesses procedimentos9,10. Os métodos combinados são reservados principalmente para fragmentos fixos ou distais, sendo para tal necessário dois acessos venosos9.

Um dos fatores de insucesso da retirada percutânea de corpos estranhos é a presença de fragmentos fixos sem extremidade livre5. Neste caso abordado, as duas extremidades estavam "inacessíveis" para serem laçadas, nos levando a improvisar um tipo de cateter que trabalhasse com um sistema duplo, de alça e de gancho, aliando desta forma a facilidade de abraçar e manipular a parte central do corpo estranho com o gancho, à firmeza e segurança de tracionar o mesmo com o laço.

Um ponto que necessita atenção é o do cuidado no momento da retirada do material laçado do sistema vascular, pois o mesmo poderá ter um novelo com calibre correspondente até a três vezes o do cateter pigtail mais duas vezes o calibre do corpo estranho (fig. 1F). No caso apresentado utilizamos uma bainha 8F que não gerou resistência significativa à tração de todo o material em bloco, entretanto devemos ressaltar que o intervencionista deverá analisar quanto à necessidade prévia de escolher por um introdutor mais calibroso (9-12F) ou mesmo a opção de realizar uma pequena incisão cirúrgica para exteriorização deste material. Esta lembrança é válida principalmente para aqueles materiais há mais tempo no organismo (com maior possibilidade de degeneração e fratura) assim como para corpos estranhos que sejam mais rígidos.

Esta é uma técnica descrita pela primeira vez e que pode ser útil como alternativa no manuseio de situações mais complexas de retirada de corpos estranhos, que resultam numa taxa maior de insucesso pela abordagem percutânea.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Artigo recebido em 19/06/06; revisado recebido em 14/07/06; aceito em 14/07/06.



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  • 10. Uflacker R, Lima S, Melichar AC. Intravascular foreign bodies: percutaneous retrieval. Radiology. 1986; 160(3): 731-5.
  • Correspondência:

    Estêvão Carvalho de Campos Martins
    Rua Major Rolinda da Silva, 87
    22611-260 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Jul 2006
    • Revisado
      14 Jul 2006
    • Recebido
      19 Jun 2006
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