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Caso 6/2016 - Homem de 29 Anos com Fechamento Espontâneo de Comunicação Interventricular na Idade Adulta

Palavras-chave:
Síndrome de Down; Comunicação Interventricular; Cardiopatias Congênitas

Dados clínicos: Em paciente com síndrome de Down e assintomático, em exame de rotina aos 10 dias de vida, foi auscultado sopro cardíaco característico de comunicação interventricular baixa na borda esternal esquerda (BEE) com irradiação para a borda esternal direita, holossistólico e suave, de + a ++ de intensidade e com bulhas cardíacas normofonéticas. Havia na ocasião impulsões discretas na BEE, fígado ligeiramente aumentado e discreta dispneia, o que obrigou o uso de diuréticos e digoxina até 18 meses de idade. Em face da repercussão discreta do defeito, foi mantido em observação clínica rotineira, quando se verificava sistematicamente a continuidade de exame físico similar. O ecocardiograma mostrava sempre o defeito perimembranoso subaórtico, que variava em tamanho de 3 a 5 mm. O eletrocardiograma (ECG) salientava normalidade, mas a radiografia de tórax mostrava discreto aumento da área cardíaca. A boa evolução clínica persistiu em vida normal, incluindo-se franca atividade física até que, na última recente reavaliação médica de rotina, verificou-se desaparecimento do sopro cardíaco. O sopro presuntivamente pode ter desaparecido no intervalo de tempo entre a penúltima avaliação, feita com 18 anos, quando ainda se auscultava o sopro cardíaco, e esta última consulta com 29 anos. Trabalha em um setor de arquivamento em firma privada com boa aceitação de seus pares.

Exame físico: bom estado geral, eupneico, acianótico, pulsos normais. Peso: 54 kg, altura: 146 cm, PAMSD: 100/70 mmHg, frequência cardíaca: 60 bpm. A aorta não era palpada na fúrcula.

No precórdio, não se palpava ictus cordis e não havia impulsões sistólicas. As bulhas cardíacas eram normofonéticas e não se auscultava sopro cardíaco. O fígado não era palpado e os pulmões eram limpos.

Exames complementares:

Eletrocardiograma: Mostrava ritmo sinusal, sem sobracargas cavitárias e sem alterações da repolarização ventricular. AP= +40º, AQRS= +60º, AT= +30º (Figura 1). O ECG realizado antes do fechamento do defeito mostrava-se também normal nas idades correspondentes.

Radiografia de tórax: Mostrava área cardíaca dentro dos limites normais (índice cardiotorácico = 0,50) em período prévio ao fechamento do defeito, com 13 anos de idade, que persistiu posteriormente (Figura 1).

Figura 1
Radiografia de tórax em PA salienta área cardíaca e trama vascular pulmonar normais e eletrocardiograma sem alterações, em período prévio ao fechamento da comunicação interventricular com 13 anos de idade.

Ecocardiograma: Revelou cavidades cardíacas com dimensões normais, função biventricular normal e sem anormalidades valvares, antes e após o fechamento espontâneo do defeito, que se mostrava na região perimembranosa e com bordas fibrosas (Figura 2).

Diagnóstico clínico: Comunicação interventricular de pequena dimensão e com repercussão discreta, que se fechou espontaneamente na idade adulta com normalização dos parâmetros clínicos.

Figura 2
Ecocardiogramas salientam a presença da comunicação interventricular subaórtica pequena com 13 anos de idade em várias projeções, subcostal em A, eixo longo em B e apical em C, e sem qualquer descontinuidade septal em eixo longo em D e em E, em avaliação recente. VD: ventrículo direito; VE: ventrículo esquerdo; AE: átrio esquerdo; Ao: aorta; CIV: comunicação interventricular

Raciocínio clínico: Os elementos clínicos evolutivos eram compatíveis com o diagnóstico de normalidade cardiovascular. O desaparecimento do sopro sistólico característico da comunicação interventricular auscultado previamente salientava o fechamento espontâneo e nítido do defeito, o que ocorreu no intervalo de tempo entre a última avaliação realizada com 18 anos de idade e a atual com 29 anos. Acresce elemento favorável o tamanho normal da área cardíaca na radiografia de tórax, o que salienta também a normalidade anatomofuncional.

Diagnóstico diferencial: Evolutivamente o mesmo quadro pode ser observado em cardiopatias congênitas com fechamento espontâneo de defeitos, como a comunicação interatrial, a persistência do canal arterial e a regressão da estenose pulmonar valvar discreta, e também em cardiopatias operadas com normalização anatomofuncional, representadas pela própria comunicação interventricular e também a interatrial, a persistência do canal arterial, a coarctação da aorta, a transposição das grandes artérias, a drenagem anômala das veias pulmonares, dentre as principais.

Conduta: Em face da normalização anatomofuncional, recomendação de vida saudável e normal com assertiva de que possa exercer qualquer tipo de atividade humana sem restrições.

Comentários: A normalidade anatomofuncional após correção dos defeitos cardíacos acima mencionados ocorre com grande frequência desde que sejam operados precocemente e não contenham defeitos residuais nem fenômenos adquiridos residuais. O mesmo pode ser observado em determinados defeitos que se fecham espontaneamente como na comunicação interatrial e interventricular, na persistência do canal arterial e na estenose valvar pulmonar discreta com involução natural. A maioria dos pacientes, especificamente com comunicação interventricular discreta, experimenta fechamento espontâneo do defeito enquanto lactentes no primeiro ano (75%), mas pode se estender até 5 anos (23%) ou mais e até a idade adulta, embora mais raramente.11 Atik E. Small ventricular septal defect: long-term expectant clinical management. Arq Bras Cardiol. 2009:92(6):396-9, 413-6, 429-32. Esse fechamento ocorre em defeitos discretos com menos de 3 a 4 mm de diâmetro e raramente em tamanhos maiores.11 Atik E. Small ventricular septal defect: long-term expectant clinical management. Arq Bras Cardiol. 2009:92(6):396-9, 413-6, 429-32.,22 Gabriel HM, Heger M, Innerhofer P, Zehetgruber M, Mundigler G, Wimmer M, et al. Long-term outcome of patients with ventricular septal defect considered not to require surgical closure during childhood. J Am Coll Cardiol. 2002;39(6):1066-71

References

  • 1
    Atik E. Small ventricular septal defect: long-term expectant clinical management. Arq Bras Cardiol. 2009:92(6):396-9, 413-6, 429-32.
  • 2
    Gabriel HM, Heger M, Innerhofer P, Zehetgruber M, Mundigler G, Wimmer M, et al. Long-term outcome of patients with ventricular septal defect considered not to require surgical closure during childhood. J Am Coll Cardiol. 2002;39(6):1066-71

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2016
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