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O Treinamento físico por natação atenua o remodelamento miocárdico e congestão pulmonar em ratas wistar com insuficiência cardíaca secundária a infarto do miocárdio

Resumos

OBJETIVO: Avaliar os efeitos da natação sobre teor de água pulmonar de ratas com insuficiência cardíaca (IC) após infarto do miocárdio (IM). MÉTODOS: Após oclusão coronária, animais com 20%<IM<40% do ventrículo esquerdo (VE) foram considerados IM moderados e os > 40% do VE grandes. Os animais treinados (TR) nadaram durante 60 min/dia, 5 dias/semana, durante 8 semanas. Foram determinados os pesos úmidos do pulmão direito, lobo direito do fígado, átrios, VE e ventrículo direito (VD) e os pesos secos do fígado e pulmão. Utilizou-se ANOVA e teste de Tukey para as análises estatísticas. RESULTADOS: Verificou-se aumento da relação massa dos átrios/peso corpóreo nos animais sedentários com IM moderados (IMmod-SED: n=8) e grandes (IMgr-SED: n=10) em relação às ratas controles sedentárias (C-SED: n=14) e treinadas (C-TR: n=16). Aumento da relação VD/peso corpóreo e VE/peso corpóreo nos animais IMgr-SED em relação aos controles. A relação coração/peso corpóreo foi maior nos IMgr-SED do que nos demais. Os animais infartados treinados exibiram atenuação da hipertrofia. O teor de água pulmonar maior (p<0,05) nas ratas IMgr-SED (x±epm: 81±0,4%) do que nas C-SED (79±0,4%) indicou congestão pulmonar não verificada nas infartadas treinadas (IMmod-TR: 80±0,6%; IMgr-TR: 79±0,7%). CONCLUSÃO: Os aumentos da massa cardíaca e teor de água pulmonar em animais IMgr-SED foram atenuados em animais submetidos a treinamento físico por natação, sugerindo que a realização de exercício físico pode atenuar os indicadores de IC e contribuir para remodelamento cardíaco favorável.

Ratos; infarto do miocárdio; natação; teor de água do pulmão; hipertrofia miocárdica


OBJECTIVE: To evaluate the effects of swimming on pulmonary water content in animals with heart failure (HF) after myocardial infarction (MI). METHODS: After coronary occlusion, MI size 20%<MI<40% of the left ventricle (LV) were considered moderate and those > 40% of the LV large. The animals swam for 60 min/day, 5 days/week for 8 weeks. The wet weight of lung, liver, atriums, LV and right ventricle (RV) as well as the dry weight of the liver and lung were determined. ANOVA and Tukey test were used for statistical analysis. RESULTS: An increase in the atrium/body weight ratio was noted in the sedentary animals with moderate (MImod-SED: n=8) and large (MIlg-SED: n=10) infarctions in comparison to the sedentary control (C-SED: n=14) and trained (C-TR: n=16) rats. An increase in the RV/body weight and LV/body weight ratios was noted in the MIlg-SED. The heart/body weight ratio was higher in MIlg-SED when compared to the other groups. The infarcted trained animals presented diminished hypertrophy. The pulmonary water content was higher in MIlg-SED animals (81±0.4%) than in C-SED animals (79±0.4%). No differences were found for the other comparisons (C-TR: 79±0.4%; MImod-SED: 80±0.3%; MImod-TR: 80±0.6%; MIlg-TR: 79±0.7%). CONCLUSION: The increase of cardiac mass and pulmonary water content presented by MIlg-SED was diminished in the trained animals. The results suggest that the practice of physical exercise can diminish HF and contribute to favorable cardiac remodeling.

Rats; myocardial infarction; swimming pulmonary water content; myocardial hypertrophy


ARTIGO ORIGINAL

O Treinamento físico por natação atenua o remodelamento miocárdico e congestão pulmonar em ratas wistar com insuficiência cardíaca secundária a infarto do miocárdio

Leslie Andrews Portes; Paulo José Ferreira Tucci

Universidade Federal de São Paulo e Centro Universitário Adventista de São Paulo - São Paulo, SP

Correspondência Correspondência: Paulo José Ferreira Tucci Rua Estado de Israel, 181/94 04022-000 — São Paulo, SP E-mail: ptucci@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar os efeitos da natação sobre teor de água pulmonar de ratas com insuficiência cardíaca (IC) após infarto do miocárdio (IM).

MÉTODOS: Após oclusão coronária, animais com 20%<IM<40% do ventrículo esquerdo (VE) foram considerados IM moderados e os > 40% do VE grandes. Os animais treinados (TR) nadaram durante 60 min/dia, 5 dias/semana, durante 8 semanas. Foram determinados os pesos úmidos do pulmão direito, lobo direito do fígado, átrios, VE e ventrículo direito (VD) e os pesos secos do fígado e pulmão. Utilizou-se ANOVA e teste de Tukey para as análises estatísticas.

RESULTADOS: Verificou-se aumento da relação massa dos átrios/peso corpóreo nos animais sedentários com IM moderados (IMmod-SED: n=8) e grandes (IMgr-SED: n=10) em relação às ratas controles sedentárias (C-SED: n=14) e treinadas (C-TR: n=16). Aumento da relação VD/peso corpóreo e VE/peso corpóreo nos animais IMgr-SED em relação aos controles. A relação coração/peso corpóreo foi maior nos IMgr-SED do que nos demais. Os animais infartados treinados exibiram atenuação da hipertrofia. O teor de água pulmonar maior (p<0,05) nas ratas IMgr-SED (x±epm: 81±0,4%) do que nas C-SED (79±0,4%) indicou congestão pulmonar não verificada nas infartadas treinadas (IMmod-TR: 80±0,6%; IMgr-TR: 79±0,7%).

CONCLUSÃO: Os aumentos da massa cardíaca e teor de água pulmonar em animais IMgr-SED foram atenuados em animais submetidos a treinamento físico por natação, sugerindo que a realização de exercício físico pode atenuar os indicadores de IC e contribuir para remodelamento cardíaco favorável.

Palavras-chave: Ratos, infarto do miocárdio, natação, teor de água do pulmão, hipertrofia miocárdica.

A redução da capacidade para realizar exercícios em pacientes com insuficiência cardíaca congestiva (ICC) está diretamente relacionada com as alterações pulmonares decorrentes da congestão pulmonar: redução da capacidade vital e dos fluxos de ar e prejuízo das trocas gasosas1-4. Em geral, a congestão pulmonar que ocorre nos cardiopatas depende de elevação da pressão venosa pulmonar como resultado de aumento da pressão de enchimento do ventrículo esquerdo (VE), conseqüente à disfunção crônica do VE. Em ratos que desenvolvem ICC após infarto do miocárdio (IM), tal como em humanos, o aumento da pressão de enchimento do VE é secundário à disfunção sistólica e diastólica desta câmara5-8.

Classicamente, a prescrição de repouso é tradicional no elenco de medidas recomendadas aos pacientes com ICC9. A influência do exercício físico sobre o remodelamento miocárdico é motivo freqüente de investigações5,10-14. Porém, poucos estudos investigaram os efeitos do treinamento físico sobre a congestão pulmonar da ICC que se instala após IM. Bech e cols.15 observaram melhora da capacidade de exercício físico e redução da congestão pulmonar em ratos infartados tratados com captopril e coenzima Q10, mas não avaliaram a influência isolada do exercício físico. Libonati16 verificou que o exercício físico em esteira melhorou a função diastólica de corações isolados pós-IM e considerou que essa influência pode possibilitar a prevenção da congestão pulmonar. Contudo, esse autor não avaliou o conteúdo hídrico dos pulmões.

O presente estudo avaliou os efeitos do treinamento físico por natação sobre o teor de água pulmonar de animais com ICC pós-IM. Foi analisado o teor de água dos pulmões de animais com infartos moderados e grandes acompanhados durante período prolongado de exercício físico por natação.

MÉTODOS

Animais estudados - Foram utilizadas ratas jovens da linhagem Wistar-EPM (Nomenclatura atual do "International Index of Laboratory Animals", 6th Ed., 1993. Lion Litho Ltd.: Carshalton, Surrey (U.K.)) com dez semanas de vida, pesando entre 170 e 190 gramas, livres de doença, mantidas em caixas com água e ração Nuvital ad libitum, em ambiente com temperatura controlada em torno de 22ºC, 54% de umidade e ciclo claro/escuro de doze horas. Os animais foram distribuídos por seis grupos experimentais: controle sedentário (C-SED, n = 14), controle treinado (C-TR, n = 16), infarto moderado sedentário (IMmod-SED, n = 8), infarto grande sedentário (IMgr-SED, n = 10), infarto moderado treinado (IMmod-TR, n = 9) e infarto grande treinado (IMgr-TR, n = 8). Os animais controles foram submetidos a todos os procedimentos cirúrgicos, exceto que a coronária não foi ocluída. Os animais sedentários permaneceram sem se exercitar durante todo o protocolo de estudo.

Produção do infarto do miocárdio - O método de produção do IM baseou-se no trabalho de Johns & Olson17 com pequenas adaptações. Os animais eram anestesiados pela administração intraperitoneal de cetamina (50 mg/kg) e xilazina (10 mg/kg). Seguindo-se à intubação orotraqueal, o animal era submetido a ventilação mecânica com ventilador Harvard, modelo 683 (freqüência: 90 m/min, volume corrente: 2,0 ml). Após tricotomia, era realizada toracotomia no hemitórax esquerdo, no espaço intercostal do ictus cordis e o coração era rapidamente exteriorizado. O ramo interventricular anterior da artéria coronária esquerda era identificado e ocluído entre as bordas do apêndice auricular esquerdo e o tronco da artéria pulmonar com fio Prolene 6-0. Promovia-se hiperinsuflação pulmonar e a parede torácica era fechada por sutura em bolsa previamente realizada.

O tamanho do infarto foi definido por planimetria. Após o sacrifício dos animais o coração foi dissecado e foram pesados os átrios, o ventrículo direito (VD) e o ventrículo esquerdo (VE). A musculatura do ventrículo esquerdo foi isolada e uma incisão na parede posterior permitiu analisá-la em um plano. Para tanto, a massa muscular foi estirada e interposta entre duas lâminas planas de vidro transparente, próprias para estudos histológicos. A transiluminação, por meio de foco luminoso colocado atrás do conjunto de lâminas, permitiu diferenciar claramente as regiões da cicatriz fibrosa do IM e da musculatura remanescente. Sobre a lâmina foram traçadas as silhuetas da cicatriz fibrosa do IM e da massa ventricular total, que incluiu a cicatriz fibrosa. Com auxílio de software SigmaScan Pro 5.0 (Systat Software Inc., Richmond, California, USA), as áreas da cicatriz fibrosa (CF) do IM e da massa ventricular total (MVT) foram determinadas. A dimensão do IM expressa em porcentagem foi determinada aplicando-se a fórmula:

% IM = CF / MVT x 100

Após determinação do tamanho do IM, foram considerados pequenos os IM cuja área de cicatriz fosse inferior a 20% da área do ventrículo esquerdo; moderados os que fossem superiores a 20% e inferiores a 40%; e grandes os IM cuja área fosse igual ou maior do que 40% da área total do VE.

Protocolo de treinamento físico - O exercício físico foi iniciado na terceira semana após o IM, por ser o período reconhecido como necessário para que a cicatrização do IM se complete18,19. O protocolo de exercício colocado em prática utilizou a natação e incluiu duas fases: a de adaptação e a de treinamento. A fase de adaptação ocorreu durante os seis primeiros dias de treinamento. No primeiro dia os animais exercitaram-se em piscina durante dez minutos, e a cada dia o período de exercício foi prolongado em dez minutos, até que as ratas nadassem sessenta minutos. A fase de treinamento consistiu de oito semanas, cinco vezes por semana, durante sessenta minutos ao dia. Todos os animais foram capazes de nadar durante os sessenta minutos. A piscina de treinamento consistiu de caixa d’água de fibra de vidro com a temperatura da água mantida entre 32 e 35ºC. Cada grupo de natação foi composto por não mais do que oito ratas por metro quadrado de superfície da piscina e ratas infartadas e não-infartadas não foram incluídas no mesmo grupo de treinamento.

Variáveis analisadas - Foram determinados o peso corporal antes e após aplicação do protocolo, as massas cardíacas e o teor de água dos pulmões e do fígado. O conteúdo hídrico dos órgãos foi obtido a partir dos seus pesos úmidos e secos. Após obtenção do peso úmido, esses tecidos foram colocados em estufa e mantidos durante 72 horas à temperatura de 80ºC. Obtidos os pesos secos do pulmão e do fígado, o teor de água (%H2O) de cada órgão foi definido pela equação:

%H2O = (peso úmido — peso seco) / peso úmido x 100

Análise estatística - Os resultados são apresentados como médias ± erros-padrão da média. Utilizou-se a análise de variância uma via para a comparação dos dados entre os seis grupos de animais. Quando foram encontradas diferenças estatisticamente significantes (p < 0,05), aplicou-se o teste post hoc de Tukey para se identificar entre que grupos ocorriam essas diferenças. Toda a análise foi realizada por meio do programa estatístico SPSS 12.0 (Systat Software Inc., Richmond, California, USA).

RESULTADOS

Animais - Trinta ratas sofreram a cirurgia falsa e nenhuma delas faleceu (quatorze controles sedentárias e dezesseis controles treinadas). Dos 85 animais operados para a produção do IM, onze (10%) faleceram durante ou nas primeiras 48 horas após a cirurgia. Trinta e quatro animais foram descartados por apresentarem infarto de tamanho inferior a 20%. Das quarenta ratas restantes, 21 foram incluídas no grupo infartado sedentário e dezenove no grupo infartado treinado. Três animais infartados sedentários e dois infartados treinados faleceram durante o período de treinamento. As três ratas sedentárias que faleceram tinham tamanhos de infarto entre 46% a 57%. As duas ratas em treinamento tinham tamanhos de infarto que abrangiam 58% do VE.

Peso corporal - A ANOVA não identificou diferenças significantes entre os pesos iniciais das ratas dos seis grupos. Ao final das doze semanas do protocolo, os animais C-TR (245 ± 4 gramas) e IMgr-TR (244 ± 7 gramas) foram significantemente mais pesados (p < 0,05) que os animais C-SED (224 ± 8 gramas), IMmod-SED (224 ± 8 gramas) e IMgr-SED (223 ± 7 gramas). Os valores de IMmod-TR (239 ± 9 gramas) não diferiram dos demais grupos.

Tamanho do infarto - Após a determinação do tamanho do IM por meio da planimetria, verificou-se que o tamanho do IM foi de 31 ± 2% nos animais IMmod-SED, de 31 ± 1% nos IMmod-TR, de 47 ± 2% nos IMgr-SED e de 49 ± 4% nos IMgr-TR. Somente as diferenças entre infartos moderados e grandes foram estatisticamente significantes (p < 0,05). Não houve diferenças significantes entre os tamanhos dos infartos quando as comparações confrontaram IMmod-SED x IMmod-TR e IMgr-SED x IMgr-TR.

Massa cardíaca - Os dados de peso das estruturas cardíacas referidas em relação ao peso corporal são apresentados na tabela 1 e na figura 1.


Os dados relativos às massas miocárdicas oferecem informações esclarecedoras sobre as repercussões funcionais da oclusão coronariana e sobre os efeitos do exercício físico. Ficam nítidas a tendência a aumento da massa miocárdica nos animais infartados e a atenuação do crescimento cardíaco em ratas que foram submetidas a treinamento. Esse comportamento é, sobretudo, destacado nos portadores de grandes infartos. Exemplo claro é a razão peso cardíaco/peso corpóreo, que foi significantemente maior nos animais IMgr-SED do que nos demais grupos (p < 0,05). Esse aumento foi prevenido pelo exercício físico. As modificações experimentadas pela musculatura atrial e ventricular direita chamam a atenção para as repercussões fisiopatológicas subjacentes ao infarto do miocárdio. O acréscimo de massa miocárdica identificado, de forma expressiva, no grupo IMgr-SED e não manifestado no grupo IMgr-Tr, aponta para a presença de hipertensão pulmonar nos animais sedentários, prevenida ou atenuada nas ratas que se exercitaram.

Conteúdo hídrico pulmonar e hepático - Os resultados relativos ao conteúdo hídrico do pulmão e do fígado estão resumidos na figura 2.


Encontrou-se maior teor de água no pulmão dos animais IMgr-SED (81 ± 0,4%) do que nos C-SED (79 ± 0,4%). Nas demais comparações não foram identificadas diferenças significantes (C-TR: 79 ± 0,4%; IMmod-SED: 80 ± 0,3%; IMmod-TR: 80 ± 0,6%; IMgr-TR: 79 ± 0,7%). Em síntese, animais sedentários com grandes infartos exibiram acúmulo de água — edema — nos pulmões, enquanto os animais que se submeteram a treinamento físico não tiveram o teor de água aumentado no pulmão.

DISCUSSÃO

A conduta cardiológica tradicional estabelece como benéfico, ou mesmo necessário, recomendar repouso físico para portadores de disfunção do ventrículo esquerdo9. A procedência dessa proposta é intuitiva: reduzir as demandas sistêmicas que possam sobrecarregar o coração. Conflita com esse conceito a realização de exercício físico regular como medida que possa favorecer o coração. Os resultados verificados neste estudo indicam que a não-observância da conduta tradicional não só não prejudica, mas, ainda, abranda o remodelamento miocárdico e sua conseqüência fisiopatológica mais destacada: a insuficiência cardíaca.

Em nossos resultados, dois indicadores se destacam como convincentes do benefício promovido pelo exercício físico nos animais infartados: o teor de água do pulmão e a massa miocárdica dos átrios e do ventrículo direito.

O teor de água tecidual é uma variável extremamente constante em órgãos normais. Os nossos resultados, referentes aos animais sedentários não-infartados, configuram a mínima variabilidade do teor de água do pulmão na situação de normalidade: 78,8 ± 0,4%. É consistente admitir o aumento do teor de água do pulmão, verificado em animais sedentários portadores de grandes infartos, como indicativo de congestão pulmonar1,20-23. Contrariamente ao que ocorreu com as ratas do grupo IMgr-SED, os animais treinados — mesmo aqueles com grandes infartos — não tiveram aumento do conteúdo hídrico nos pulmões, sugerindo o benefício funcional possibilitado por protocolos de exercício físico adequadamente programados. Da mesma forma, os indicadores de massa miocárdica dos átrios e do ventrículo direito constituem-se em referenciais que documentam a ação benéfica do exercício. As alterações de massa dessas estruturas sinalizam para a importância da disfunção do ventrículo esquerdo e conseqüente elevação da pressão diastólica do VE, do átrio esquerdo, da circulação pulmonar e das câmaras direitas.

Foi possível verificar apenas duas referências na literatura15,16 que consideraram as interações entre infarto do miocárdio em ratos, teor de água dos pulmões e exercício físico. Ambos consideraram que o exercício físico pode ser benéfico na prevenção ou atenuação da congestão pulmonar; contudo, nenhum deles avaliou esse parâmetro.

A interpretação menos atenta dos resultados que indicaram redução do remodelamento miocárdico e da congestão pulmonar pode conduzir ao entendimento equivocado de que é improcedente recomendar cautela na prática de exercício físico para os cardiopatas. A compreensão adequada desses dados inclui a percepção de que a sobrecarga cardíaca, e todos os seus inconvenientes e riscos momentâneos, não deixa de existir durante o período de realização do exercício, dada a sobrecarga cardiocirculatória que ocorre. Os benefícios gerados pela prática regular, repetida e adequadamente intensificada do exercício físico resultam das interferências neuro-humorais que são despertadas durante a atividade física e que se sustentam durante parte, ou todo o período, dos intervalos das sessões de treinamento.

Há dados consistentes indicando que da prática regular de exercício físico decorrem modificações favoráveis para o sistema circulatório relacionadas com a atividade simpática24-28 e parassimpática29, com o sistema renina-angiotensina24,27,30, com a redução da pós-carga31, com a função endotelial32,33, com as concentrações plasmáticas de aldosterona30,34, endotelina35-38, arginina-vasopressina30,34 e ANP34. Adicionalmente, interferências do exercício físico sobre o coração promovem aprimoramento da função mecânica miocárdica por ação, entre outras, sobre os canais de cálcio do sarcolema39, o conteúdo de cálcio do retículo sarcoplasmático12, a bomba de cálcio do retículo sarcoplasmático13,40, a fosfolambam14, a proteína trocadora sódio-cálcio13,40 e a responsividade dos miofilamentos ao cálcio41.

Estudos anteriores42 documentaram dados neuro-humorais indicativos de agravamento temporário do estado congestivo durante a realização do exercício físico. As modificações neuro-humorais relatadas guardaram relação com a intensidade do exercício. Adicionalmente, em pacientes com insuficiência cardíaca, Braith e cols.30,34 relataram redução da hiper-reatividade neuroendócrina verificada em repouso, após dezesseis semanas de exercício aeróbico. Essas informações destacam a importância de dois aspectos relacionados à interação exercício físico/coração: a intensidade da carga de exercício físico e a importância da sua prática regular.

Em resumo, os aumentos da massa cardíaca e do teor de água pulmonar verificados em animais sedentários com grandes infartos foram atenuados em animais submetidos a treinamento físico por natação. Esses dados sugerem que os protocolos de exercício físico regular, no período pós-infarto do miocárdio, podem atenuar os indicadores de insuficiência cardíaca e contribuir para remodelamento cardíaco favorável.

Agradecimentos

Este estudo foi financiado pela Fapesp (Processo 99/04533-4), pelo CNPq (Processo 300.692/80-3 NV), pela Unifesp e pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Também somos gratos ao Prof. Dr. Antônio Carlos Cicogna, pelo ensino dos métodos com músculo papilar, e a Ednei L. Antônio, pelo suporte técnico.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 03/08/05

Aceito em 08/12/05

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  • Correspondência:

    Paulo José Ferreira Tucci
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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Jul 2006

    Histórico

    • Aceito
      08 Dez 2005
    • Recebido
      03 Ago 2005
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