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A influência da hipertensão arterial na qualidade de vida

Resumos

FUNDAMENTO: A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é um dos principais fatores de risco cardiovascular e de alta prevalência em quase todos os países. Estudos mostram o efeito negativo da HAS na qualidade de vida relacionada à saúde. OBJETIVO: Avaliar a Qualidade de Vida de pacientes hipertensos comparando com a população geral. MÉTODOS: Avaliados 333 indivíduos de ambos os sexos, maiores que 18 anos, divididos em Grupo Estudo, composto de 246 pacientes hipertensos sob tratamento em serviço multiprofissional e Grupo Controle, formado por 87 indivíduos normotensos da comunidade. Aplicaram-se a ambos os grupos, questionário sociodemográfico e o SF-36 de qualidade de vida. Para a análise estatística, utilizados os testes qui-quadrado, de Kolmogorov-Smirnov, de Mann Whitney U, de Kruskal-Wallis e análise multivariada. Os dados foram analisados pelo programa SPSS e valores de p < 0,05 considerados significantes. RESULTADOS: Os grupos foram homogêneos em relação à idade, ao sexo, à etnia, à escolaridade e ao estado civil. Observou-se que os indivíduos normotensos apresentaram melhor qualidade de vida relacionada à saúde quando foram comparados aos hipertensos. CONCLUSÃO: A hipertensão arterial, embora considerada entidade clínica, na maioria das vezes, silenciosa, interfere negativamente na qualidade de vida de seus portadores.

Hipertensão; pressão arterial; fatores de risco; qualidade de vida; sobrevida


BACKGROUND: Systemic Hypertension (SH) is a major cardiovascular risk factor with a high prevalence in almost all countries. Studies show the negative effect of SH on health-related quality of life. OBJECTIVE: To evaluate the quality of life of hypertensive patients when compared with the general population. METHODS: A total of 333 individuals of both genders and older than 18 years were evaluated; they were divided into the Study Group, consisting of 246 hypertensive patients undergoing treatment in a multidisciplinary service and the Control group, comprised of 87 normotensive individuals from the community. A sociodemographic questionnaire and the SF-36 for quality of life assessment were administered to both groups. The Chi-square, Kolmogorov-Smirnov test, Mann Whitney U-test, Kruskal-Wallis test and multivariate analysis were used for the statistical analysis. Data were analyzed using SPSS and p values <0.05 were considered significant. RESULTS: The groups were homogeneous for age, gender, ethnicity, educational level and marital status. It was observed that normotensive individuals showed a better health-related quality of life when compared with hypertensive patients. CONCLUSIONS: Although considered to be almost always a clinically silent disease, systemic hypertension impairs the quality of life of patients who suffer from it.

Hypertension; blood pressure; risk of factors; quality of life; survivorship (public health)


ARTIGO ORIGINAL

A influência da hipertensão arterial na qualidade de vida

Maria Virgínia de CarvalhoI; Liza Batista SiqueiraII; Ana Luiza Lima SousaI,II; Paulo César Brandão Veiga JardimI,II

IUniversidade Federal de Goiás, Goiania, GO - Brasil

IILiga de Hipertensão, Goiania, GO - Brasil

Correspondência Correspondência: Maria Virgínia de Carvalho Av. Independência, 1615 - Vila Nova CEP 74645-010, Goiânia, GO - Brasil E-mail: mvcarvalho20@hotmail.com

RESUMO

FUNDAMENTO: A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é um dos principais fatores de risco cardiovascular e de alta prevalência em quase todos os países. Estudos mostram o efeito negativo da HAS na qualidade de vida relacionada à saúde.

OBJETIVO: Avaliar a Qualidade de Vida de pacientes hipertensos comparando com a população geral.

MÉTODOS: Avaliados 333 indivíduos de ambos os sexos, maiores que 18 anos, divididos em Grupo Estudo, composto de 246 pacientes hipertensos sob tratamento em serviço multiprofissional e Grupo Controle, formado por 87 indivíduos normotensos da comunidade. Aplicaram-se a ambos os grupos, questionário sociodemográfico e o SF-36 de qualidade de vida. Para a análise estatística, utilizados os testes qui-quadrado, de Kolmogorov-Smirnov, de Mann Whitney U, de Kruskal-Wallis e análise multivariada. Os dados foram analisados pelo programa SPSS e valores de p < 0,05 considerados significantes.

RESULTADOS: Os grupos foram homogêneos em relação à idade, ao sexo, à etnia, à escolaridade e ao estado civil. Observou-se que os indivíduos normotensos apresentaram melhor qualidade de vida relacionada à saúde quando foram comparados aos hipertensos.

CONCLUSÃO: A hipertensão arterial, embora considerada entidade clínica, na maioria das vezes, silenciosa, interfere negativamente na qualidade de vida de seus portadores.

Palavras-chave: Hipertensão / terapia, pressão arterial, fatores de risco, qualidade de vida, sobrevida.

Introdução

As doenças cardiovasculares (DCV) são uma das principais causas de morbimortalidade no mundo (29,2% da mortalidade)1,2.

Na população abaixo de 60 anos, a prevalência da hipertensão arterial (HAS) varia, de acordo com a região estudada (22% a 44% no Brasil)3-8, sendo de 60% a 80% entre os idosos9,10.

É uma doença crônica multifatorial, de detecção muitas vezes tardia por sua evolução lenta e silenciosa3.

A HAS é um dos principais fatores de risco cardiovascular e pode resultar em consequências graves a alguns órgãos (coração, cérebro, rins e vasos sanguíneos), além de ser considerada um grave problema de saúde pública pela sua cronicidade, pelos altos custos com internações, pela incapacitação por invalidez e aposentadoria precoce11,12. No Brasil, Miranzi e cols.13, salientam que 17,6% das internações são em virtude da HAS e que são gastos com esse agravo 5,9% dos recursos dispendidos pelo SUS.

Os principais fatores de risco para a HAS incluem: hereditariedade, idade, raça, obesidade, estresse, vida sedentária, álcool, sexo, anticoncepcionais e alta ingestão de sódio12,14,15. Outros fatores, tanto sociais quanto físicos, também são destacados, não por serem causadores da HAS, mas por estarem frequentemente associados a ela (baixo nível educacional, colesterol elevado e diabetes mellitus)16. Assim, pela sua estreita correlação com estilo de vida, a HAS pode ser evitada, minimizada ou tratada com a adoção de hábitos saudáveis.

Apesar das dificuldades na adesão ao tratamento, os avanços no conhecimento e a evolução obtida na terapêutica têm aumentado a expectativa de vida da população17. Com a longevidade, é importante que os indivíduos mantenham a autonomia e a saúde, pois o envelhecimento aumenta o risco de doenças crônicas, sobretudo as cardiovasculares18. Além disso, com o aumento da sobrevida dos pacientes com doenças crônicas e/ou graves, a Qualidade de Vida (QV) passou a ser mais valorizada e a importância de sua avaliação foi reconhecida e incorporada aos ensaios clínicos19. As informações sobre QV dos hipertensos, em estudos nacionais, ainda é escassa, e dados comparativos com a população geral são importantes dentro desse contexto.

Este estudo avaliou a QV de hipertensos comparada à de não hipertensos, por meio de um instrumento genérico (SF-36) que avalia de forma integral a qualidade de vida relacionada à saúde (QVRS).

Métodos

Trata-se de um estudo observacional transversal exploratório, realizado com pacientes hipertensos sob tratamento e indivíduos não hipertensos da comunidade.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana e Animal da Instituição (Protocolo: 074/2009). Todos os indivíduos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A investigação foi realizada com a comparação de dois grupos: Grupo Estudo (GE), formado por pacientes com diagnóstico HAS, matriculados e assistidos em serviço multiprofissional, e Grupo Controle (GC), constituído por indivíduos normotensos da comunidade.

Para o GE incluíram-se pacientes de ambos os sexos; maiores de 18 anos; matriculados e acompanhados no serviço há pelo menos um ano; com qualquer grau de controle da pressão arterial (PA) e dose estável de medicação anti-hipertensiva há pelo menos três meses. Como critérios de exclusão, foram considerados: diabetes descompensado; sequelas de acidente vascular cerebral; insuficiência cardíaca descompensada; insuficiência renal crônica; insuficiência hepática; infarto agudo do miocárdio nos últimos seis meses; doenças reumatológicas ativas; doença pulmonar obstrutiva crônica; outras doenças crônicas incapacitantes; doenças consumptivas; tabagismo; gravidez; utilização de psicofármacos; ser atendido em processo psicoterápico; ser sujeito de pesquisa em outro projeto desenvolvido pela equipe multiprofissional.

No GC foram investigados indivíduos da comunidade que se autorreferiram como saudáveis, de ambos os sexos; maiores de 18 anos e normotensos. Foram considerados critérios de exclusão, o uso de medicação anti-hipertensiva; presença de doenças crônicas ou incapacitantes; tabagismo; gravidez; utilização de psicofármacos; estar sob atendimento em processo psicoterápico.

Foi realizado o cálculo amostral para um erro-padrão estimado de 7%, com nível de significância de 5%, poder de teste de 80% e para detectar uma diferença de 10 pontos entre os grupos, nos escores das dimensões avaliadas pelo SF-36, a partir dos valores de referência descritos por Ciconelli e cols.20. O tamanho da amostra calculada foi de 231 indivíduos para o GE e de 76 para o GC. Para possível reposição de perdas, foram acrescentados 8,5% sobre o total da amostra calculada e foram incluídos 246 pacientes para o GE e 87 indivíduos para o GC, ficando a amostra final com 333 participantes.

Na população dos 1.100 indivíduos hipertensos cadastrados e que frequentavam o serviço, foram identificados 628 pacientes elegíveis para a participação no estudo. Entre eles, foram sorteados 246 prontuários de pacientes com frequência regular. Os sorteados, após assinarem o TCLE, foram incluídos no GE, realizaram coleta de dados demográficos e clínicos no prontuário e aplicaram instrumento de avaliação da QVRS por meio de entrevista.

Para a constituição do GC, a pesquisadora foi à comunidade em locais prováveis de se encontrar possíveis participantes, em determinada faixa etária (clubes de serviços, academias, parques da cidade e Universidade Aberta da Terceira Idade). Após a verificação dos critérios de elegibilidade e assinatura do TCLE foram colhidas informações desse grupo de indivíduos, por meio da autorreferência e aplicado o instrumento para avaliação da QVRS por entrevista.

Os dados sociodemográficos foram colhidos de duas maneiras: a) sexo e idade por meio dos prontuários dos pacientes; b) etnia, escolaridade, renda familiar e estado civil mediante relatos dos indivíduos durante a entrevista. Os dados clínicos (Índice de massa corporal, classificação da hipertensão - controlada e não controlada, tipo do tratamento, número e classe de medicamentos utilizados, comorbidades, valor médio da PA) e a história (tempo da hipertensão e do tratamento) foram também colhidos nos prontuários dos pacientes. As informações obtidas no prontuário foram relativas à última consulta, a qual ocorre em intervalos médios de três meses.

Utilizou-se o SF-36 validado no Brasil por Ciconelli e cols.20 (Anexo 1 Anexo 1 ). Esse questionário compõe-se por 36 itens e divide-se em oito domínios. Para cada domínio, os itens foram codificados e transformados em escala de zero (pior QV) a 100 pontos (melhor QV), de acordo com a padronização do Manual.

O SF-36 também pode ser categorizado em dois componentes agrupados. O componente físico (Physical Component Summary - PCS), que é composto pelo agrupamento dos domínios: capacidade funcional (CF), aspectos físicos (AF), dor (D) e estado geral de saúde (EGS) e o componente mental (CM) (Mental Component Summary - MCS), que é composto pelo agrupamento dos domínios: vitalidade (V), aspectos sociais (AS), aspecto emocional (AE), e saúde mental (SM)21-25.

Análise estatística

Os dados foram registrados em planilha eletrônica do Excel (Office 2007) e analisados com aplicação do programa Statical Package of Social Sciences (SPSS 15.0).

As variáveis quantitativas foram apresentadas como média e desvio padrão ou média, mediana e desvio padrão conforme tivessem distribuição normal ou não normal. As variáveis qualitativas apresentadas em números absolutos e porcentagens. Para avaliação das associações entre os grupos, foi utilizado o teste do qui-quadrado para as variáveis qualitativas, e para as variáveis quantitativas foram aplicados os testes de Mann Whitney U para as variáveis binárias e Kruskal-Wallis para mais de dois grupos, depois do teste de Kolmogorov-Smirnov para análise da distribuição. O nível de significância foi estabelecido para um valor de p < 0,05.

A análise multivariada foi realizada construindo um modelo para cada desfecho. Os domínios dos testes de QV foram considerados os desfechos. Além dos domínios individuais (SF-36), como CF, AF, D, EGS, V, AS, AE e SM; também foram analisados alguns domínios agrupados em PCS e MCS. As variáveis sociodemográficas foram utilizadas como variáveis explicativas e consideradas quando apresentaram valores de p < 0,20 na análise univariada

Resultados

Foram estudados 246 pacientes matriculados no serviço, que compuseram o GE e 87 indivíduos da comunidade, sem diagnóstico de HAS, que constituíram o GC.

Os grupos foram homogêneos em relação a idade, sexo, escolaridade e renda (p > 0,05). A média de idade foi de 61,5 (± 12,6 Mediana 63,0) anos. A maioria era do sexo feminino (68,9%). Os brancos representaram 68,3% da amostra e em torno de 50% tinham a renda familiar na faixa de um a quatro salários mínimos. A maioria possuía o primeiro grau incompleto (61,3%) e 58,1% dos investigados informaram viver com companheiro (Tabela 1).

Análise da qualidade de vida

Análise intergrupos (grupo estudo x grupo controle)

O GC (normotensos) obteve, em todos os domínios, médias mais altas quando comparado ao GE (hipertensos). As diferenças foram significativas (p < 0,05) em todos os domínios, exceto no Aspecto Emocional, em que, apesar de escores mais elevados no GC, não houve significância estatística (p = 0,36). Verifica-se que os indivíduos normotensos apresentaram melhor QVRS quando comparado aos hipertensos (Tabela 2).

Quando se realizou a comparação entre os dois grupos divididos por sexo, observou-se que os normotensos (GC) continuaram a obter escores de QVRS mais elevados em quase todos os domínios. Para o sexo masculino, a diferença foi significativa nos domínios CF, AS, SM e no Componente Físico Agrupado (PCS), já no sexo feminino houve diferença significativa em todos os domínios, exceto no AE (Tabela 3).

Na avaliação da influência das variáveis sociodemográficas sobre os domínios agrupados do SF-36, observou-se que os normotensos (GC) obtiveram maiores escores de QVRS em todas as variáveis. No PCS a diferença alcançou significância estatística para ambos os sexos para qualquer faixa etária, escolaridade e estado civil. No MCS, a diferença foi significativa para qualquer faixa etária, renda e estado civil (Tabela 4).

Análise da qualidade de vida intragrupo

Grupo estudo (hipertensos)

Na análise da QVRS intragrupo, observou-se que os homens hipertensos tiveram pontuação média significativamente maior em todos os domínios quando comparados às mulheres hipertensas (p < 0,05) (Tabela 5).

Em relação às variáveis sociodemográficas, os hipertensos mais jovens (< 40 anos), com maior rendimento (> 4 salários) e maior escolaridade (3º grau incompleto/completo) obtiveram escores de QVRS significativamente maiores no domínio CF quando comparados aos mais idosos, com menor renda e escolaridade (p = 0,02; p < 0,05 e p = 0,05, respectivamente).

Aqueles que relataram que viviam com cônjuge, apresentaram melhores médias de QVRS nos domínios CF, AF, AS e AE (p < 0,05) quando foram comparados com os sujeitos que não os tinham.

Na análise dos domínios do SF-36 agrupados, verificou-se que os pacientes do sexo masculino e os com companheiro apresentaram melhores escores de QVRS no PCS assim como no MCS (p < 0,05). Maior escolaridade (3º grau incompleto/completo) e renda maior que quatro salários mínimos determinaram pontuação mais elevada apenas no PCS (p < 0,05). A faixa etária não determinou diferença significativa da QVRS nos componente agrupados entre os hipertensos.

Na análise multivariada, a variável sexo funcionou como variável explicativa para sete dos oito domínios com exceção do EGS. O domínio AE teve as variáveis sexo, idade e estado civil como explicativas da distribuição das médias nesse grupo. A idade foi variável explicativa nos domínios AE e SM.

Ao averiguar o efeito das variáveis sociodemográficas na QVRS, por meio da categorização do SF-36 nos dois componentes - PCS e MCS, verificou-se que, no componente físico houve influência significativa da variável sexo (p = 0,00) e da variável escolaridade (p = 0,02); no componente mental houve influência da variável sexo (p = 0,00) e da variável estado civil (p = 0,03).

Em relação às variáveis (tempo de diagnóstico e tratamento, controle da PA, quantidade de drogas anti-hipertensivas e número de tomadas/dia), verificou-se que o tempo de diagnóstico interferiu, significativamente, na QVRS no domínio AF (p = 0,00) e no PCS (p = 0,04), em que os pacientes com menor tempo de diagnóstico apresentaram melhor QVRS. O tempo de tratamento e o fato de a PA estar, ou não, controlada não interferiu significativamente na QVRS. Da mesma forma, a quantidade de drogas anti-hipertensivas usadas e o número de ingestão por dia também não influenciaram a QVRS.

Com relação ao tipo de medicamento, não foi possível verificar sua interferência na QVRS em virtude da grande variedade de associações.

Na análise multivariada das variáveis clínicas, verificou-se que elas não apresentaram influência na QVRS.

Discussão

Os resultados demonstraram que os pacientes hipertensos apresentaram pior QVRS quando comparados com os normotensos, uma vez que os escores relativos a sete dentre oito domínios do SF-36 foram menores para aqueles sujeitos quando comparados aos últimos. Na literatura, vários estudos corroboram esse resultado, demonstrando o impacto da hipertensão na QVRS10,16,25,26.

Todos os autores supracitados avaliaram a QVRS em pacientes hipertensos comparado aos normotensos, com exceção de Brito e cols.10, que avaliaram o impacto da HAS na QVRS apenas em pacientes hipertensos e constatou que, apesar desses pacientes considerarem sua doença sem gravidade e curável, a HAS interfere na QVRS.

Os autores que avaliaram a QVRS em pacientes hipertensos e compararam-na aos normotensos, concluíram que aqueles com a PA elevada apresentaram-na de forma pior. Chegaram, ainda, à conclusão de que, nesse grupo, algumas variáveis podem causar mais impacto na QVRS, como, por exemplo, presença de comorbidades16,26, PA não controlada16, danos em órgãos-alvo, frequência cardíaca elevada, excesso de peso27, sexo feminino, idade mais avançada, menor renda, menor escolaridade e ausência de companheiros25.

No presente estudo, os dados demonstraram que os hipertensos do sexo masculino, os mais jovens, aqueles com maior renda e escolaridade e que tinham companheira apresentaram melhor QVRS, o que confirma os dados obtidos por Bardage e Isacson25.

Os estudos de Arslantas e cols.16, Bardage e Isacson25, Wang e cols.26 utilizaram o SF-36 como instrumento de avaliação da QVRS, entretanto foram encontradas diferenças com relação às dimensões que sofrem influência da HAS. No presente estudo foi verificado o impacto da HAS em todos os domínios com exceção do domínio AE. Silqueira28 afirma que, apesar de se encontrarem frequentemente os sentimentos como ansiedade e depressão em hipertensos, a prática clínica mostra que tais sentimentos são mais comuns em pacientes com diagnóstico recente de HAS. Essa afirmação talvez possa justificar os resultados obtidos neste estudo (não comprometimento no domínio AE), uma vez que a média de tempo de diagnóstico dos pacientes estudados foi longa (17, 26 anos).

No estudo realizado por Bardage e Isacson25 foi encontrada diferença significativa em todos os domínios com exceção do AE e SM. Em dois estudos publicados em 200816,29, os autores encontraram pior QVRS em todos os domínios. Da mesma forma, foram descritos os resultados de Roca-Cusachs e cols.27. De maneira diferente, Wang e cols.26 encontraram diferenças na CF, Estado Geral de Saúde EGS, Vitalidade (V), AS, AE, enquanto Mena-Martin e cols.30 mostraram pior QVRS nos domínios, EGS, CF, V, SM. Já Brito e cols.10 encontraram pior QVRS apenas nos domínios EGS e Dor.

De acordo com alguns autores16,25, a falta de consistência dos estudos acerca do impacto da HAS na QVRS nos domínios do SF36 pode ser justificada pelas diferenças da população estudada (características sociodemográficas, comorbidades, gravidade da hipertensão e efeitos colaterais da medicação anti-hipertensiva).

Trevisol e cols.31 afirmaram que, apesar da variabilidade dos resultados do impacto da HAS na QVRS, os pacientes hipertensos, quando comparado aos normotensos, apresentam pior QVRS, pelo menos no componente físico. Alguns autores sustentam tal constatação25,28,32 e explicam que o maior comprometimento nos domínios físicos está relacionado com o fato de a escala SF-36 estar mais associada com doença física25.

Neste estudo, nos domínios que apresentaram diferença significante, os maiores escores em ordem decrescente foram AF, SM, EGS, AS, Dor, CF, V.

Alguns autores28,32 também encontraram menor escore (pior QVRS) no domínio V e afirmaram que tal fato pode ser explicado pela falta de disposição e ânimo e por causa da associação da HAS com sintomas de cefaleia, ansiedade, astenia e pelos efeitos das drogas anti-hipertensivas, como, por exemplo, fadiga e distúrbios do sono.

Na análise intragrupo, quando avaliada a QVRS apenas entre os hipertensos, em relação às variáveis sociodemográficas, verificou-se que a QVRS para os homens foi avaliada como melhor em todos os domínios, o que inclui o componente físico e emocional. Alguns investigadores que encontraram resultados semelhantes22,25,33, afirmam que as mulheres apresentaram pior QVRS devido aos fatores hormonais22,25 e por serem mais atentas aos estados internos25.

Segundo Youssef e cols.33, o fato de os homens apresentarem melhor QVRS em relação aos aspectos emocionais pode ser compreendido por causa das mulheres referirem-se mais frequentemente a sentimentos de insatisfação e, além disso, os homens têm maior tolerância a doenças crônicas, não sendo emocionalmente tão afetados por elas quanto as mulheres.

Em relação à faixa etária, no presente estudo foi verificado que os pacientes mais jovens (< 30 anos) apresentaram melhor QVRS no componente CF quando foram comparados aos mais idosos (> 60 anos). Alguns autores25,26 também encontraram melhor QVRS em hipertensos com menor idade comparada aos de maior idade. No processo de envelhecimento, podem surgir agravos a saúde em decorrência das alterações fisiológicas e funcionais tornando o indivíduo mais vulnerável a doenças crônicas o que pode afetar a QVRS e comprometer os aspectos físicos18,25.

Indivíduos com maior renda apresentaram escores mais altos na QVRS no domínio CF e esse dado foi corroborado em alguns estudos25,26,32. Na escala agrupada, constatouse que pacientes com maior renda apresentaram escores mais altos na QVRS no componente físico agrupado. Os rendimentos financeiros são importantes na vida diária e na QV34, pois podem interferir no estado físico e mental, uma vez que garantem acessibilidade ao tratamento e à compra de medicamentos, além de proporcionar uma vida tranquila em relação à aquisição de bens.

Grau maior de escolaridade dos participantes da pesquisa também significou maior escore na QVRS no domínio CF quando esses foram comparados aos participantes que tinham primeiro grau incompleto. Na escala agrupada do SF-36, constatou-se que pacientes com maior escolaridade apresentaram maior escore na QVRS no PCS. A escolaridade influencia no grau de compreensão das informações, o que favorece o conhecimento sobre a doença e a adesão ao tratamento35. Por esse motivo, pacientes com maior grau de escolaridade podem apresentar melhores escores na QVRS.

Com relação ao estado civil, aqueles que relataram que tinham cônjuge, apresentaram melhores médias de QVRS no domínio CF.

Em relação às variáveis clínicas, verificou-se que o tempo de diagnóstico influenciou de forma desfavorável no domínio AF e no PCS. Ao analisar a relação do tempo de tratamento da HAS na QVRS, verificou-se que não houve diferença estatisticamente significativa em nenhum dos domínios.

Neste estudo, ao comparar a QVRS dos pacientes com PA controlada com aqueles com PA não controlada, verificou-se que não houve diferença significativa, o que confirmam os dados obtidos por Melchiors36, que também não encontrou diferença na QVRS entre hipertensos controlados e não controlados. Este diverge de outro estudo16 que encontrou pior QVRS nos domínios CF, AF, EGS, V, AS e SM para os indivíduos hipertensos não controlados e, diverge ainda, de outro mais33 que encontrou dados de que o controle da PA foi um preditor para melhor QVRS.

Avaliando a interferência da quantidade das drogas antihipertensivas na QVRS, por meio do SF-36, não foi verificada diferença significativa em nenhum dos domínios.

Em síntese, neste estudo observou-se, em relação às variáveis sociodemográficas, que a faixa etária (mais jovens) e o estado civil (com companheiro) influenciaram para uma melhor QVRS no domínio CF e a maior renda e escolaridade também interferiram no domínio CF bem como no PCS. Em relação às variáveis clínicas, o tempo de diagnóstico interferiu de forma negativa na QVRS no domínio AF e no PCS. Portanto, observou-se maior impacto da hipertensão na QV nos domínios relacionados aos aspectos físicos do SF-36 e no componente físico agrupado - PCS. Segundo Bardage e Isacson25, o maior comprometimento nos domínios físicos está relacionado com o fato da escala SF-36 estar mais associada à doença física.

Conclusões

Os estudos transversais não permitem atribuir causalidade às associações encontradas, uma vez que analisam desfecho e exposição simultaneamente, podendo essa ser uma das limitações do presente estudo. Os achados, entretanto, têm relevância por proporcionar melhor conhecimento e compreensão da interferência da HA sobre a QV.

Outra limitação do estudo foi a impossibilidade de fazer uma avaliação da influência da classe de medicamentos hipotensores na qualidade de vida dos hipertensos pelo grande número de associações.

Os achados do presente estudo indicam a necessidade dos profissionais de saúde darem maior atenção à qualidade de vida dos pacientes, na busca de modificações na abordagem terapêutica de maneira geral. Isso poderá ocorrer com o encontro de alternativas médicas e sociais, que interfiram favoravelmente na QV como um todo, no estímulo cada vez maior à melhor relação médico/paciente e até com o do manuscrito: Carvalho MV; Revisão crítica do manuscrito desenvolvimento de fármacos que, além do benefício no quanto ao conteúdo intelectual: Jardim, PCBV. controle da PA, tenham ainda efeitos benéficos sobre a QVRS.

Agradecimentos

À equipe multiprofissional do serviço e aos indivíduos que participaram como sujeitos dessa pesquisa.

Contribuição dos autores

Concepção e desenho da pesquisa: Carvalho MV, Jardim, PCBV; Obtenção de dados: Carvalho MV, Siqueira LB; Análise e interpretação dos dados: Carvalho MV, Sousa ALL, Jardim, PCBV; Análise estatística: Sousa ALL, Jardim, PCBV; Redação

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo foi parcialmente financiado pela Capes.

Vinculação Acadêmica

Este artigo é parte de tese de Doutorado de Maria Virgínia de Carvalho pela Universidade Federal de Goiás.

Artigo recebido em 06/04/12; revisado em 17/07/12; aceito em 30/07/12.

Anexo 1 Anexo 1

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Anexo 1

  • Correspondência:

    Maria Virgínia de Carvalho
    Av. Independência, 1615 - Vila Nova
    CEP 74645-010, Goiânia, GO - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Abr 2012
    • Aceito
      30 Jul 2012
    • Revisado
      17 Jul 2012
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