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Fibrinogênio sérico pré-operatório como preditor de infarto do miocárdio na cirurgia de revascularização miocárdica

Resumos

OBJETIVO: Determinar o valor preditivo do nível sérico de fibrinogênio pré-operatório para a ocorrência de infarto do miocárdio (IM) no período perioperatório de cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), bem como para outros desfechos de impacto, como acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI), tromboembolismo pulmonar (TEP) e morte, isoladamente e de maneira composta. MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectivo com análise do banco de dados de cirurgia cardíaca do Hospital São Lucas da PUC-RS, com 1.471 pacientes consecutivos que realizaram CRM com circulação extracorpórea entre janeiro de 1998 e dezembro de 2002. RESULTADOS: IM perioperatório ocorreu em 14% dos pacientes da amostra. Não foi observada associação entre o fibrinogênio pré-operatório e IM perioperatório (410,60 ± 148,83 mg/dl para o grupo em estudo x 401,57 ±135,23 mg/dl para o grupo controle - p = 0,381 - RC = 1,000 - IC95%: 0,998-1,002 - p = 0,652), o desfecho combinado de IM, AVEI, TEP e morte (411,40 ± 153,52 mg/dl para o grupo com o desfecho x 400,31 ± 131,98 mg/dl para o grupo sem o desfecho - p = 0,232) e nem com cada um destes isoladamente. CONCLUSÃO: Nesta amostra, o nível sérico de fibrinogênio pré-operatório não apresentou associação com a ocorrência de IM perioperatório nas CRM, nem mesmo com outros desfechos de impacto, incluindo AVEI, TEP e morte, isoladamente ou em conjunto.

Fibrinogênio; infarto do miocárdio; cirurgia de revascularização miocárdica


OBJECTIVE: Determine the predictive level of preoperative serum fibrinogen level for the occurrence of MI in perioperative surgical myocardial revascularization (SMR), as well as for other impacting outcomes, such as stroke, pulmonary thromboembolism (PTE), and death, separately or in combination. METHODS: A retrospective cohort study based on the heart surgery database analysis from São Lucas Hospital, at Rio Grande do Sul Catholic University with 1,471 consecutive patients submitted to extracorporeal SMR between January, 1998 and December, 2002. RESULTS: Perioperative MI occurred in 14% of sample patients. No association was shown between preoperative fibrinogen and perioperative MI (410.60 ± 148.83 mg/dl for the study group x 401.57 ± 135.23 mg/dl for control group - p = 0.381 - RC = 1.000 - CI95%: 0.998-1.002 - p = 0.652), combined outcome for MI, stroke, PTE, and death (411.40 ± 153.52 mg/dL for the group reporting outcome x 400.31 ± 131.98 mg/dL for the group with no outcome - p = 0.232) and neither separately. CONCLUSION: In that sample, preoperative serum fibrinogen level did not show any association with the occurrence of perioperative MI in SMR, neither with other impacting outcomes, stroke, PTE, and mortality, whether separately or as composite endpoints.

Fibrinogen; myocardial infarction; surgical myocardial revascularization


ARTIGOS ORIGINAIS

Fibrinogênio sérico pré-operatório como preditor de infarto do miocárdio na cirurgia de revascularização miocárdica

Cristiano Pederneiras Jaeger; Renato Abdala Karam Kalil; João Carlos Vieira da Costa Guaragna; Luciana Jaeger Machado Carrion; Luiz Carlos Bodanese; João Batista Petracco

Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul/Fundação Universitária de Cardiologia e Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - Porto Alegre, RS

Correspondência Correspondência: Cristiano Pederneiras Jaeger Rua Germano Petersen Júnior, 533/301 90549-140 – Porto Alegre, RS E-mail: cristianojaeger@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Determinar o valor preditivo do nível sérico de fibrinogênio pré-operatório para a ocorrência de infarto do miocárdio (IM) no período perioperatório de cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), bem como para outros desfechos de impacto, como acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI), tromboembolismo pulmonar (TEP) e morte, isoladamente e de maneira composta.

MÉTODOS: Estudo de coorte retrospectivo com análise do banco de dados de cirurgia cardíaca do Hospital São Lucas da PUC-RS, com 1.471 pacientes consecutivos que realizaram CRM com circulação extracorpórea entre janeiro de 1998 e dezembro de 2002.

RESULTADOS: IM perioperatório ocorreu em 14% dos pacientes da amostra. Não foi observada associação entre o fibrinogênio pré-operatório e IM perioperatório (410,60 ± 148,83 mg/dl para o grupo em estudo x 401,57 ±135,23 mg/dl para o grupo controle – p = 0,381 – RC = 1,000 – IC95%: 0,998-1,002 – p = 0,652), o desfecho combinado de IM, AVEI, TEP e morte (411,40 ± 153,52 mg/dl para o grupo com o desfecho x 400,31 ± 131,98 mg/dl para o grupo sem o desfecho – p = 0,232) e nem com cada um destes isoladamente.

CONCLUSÃO: Nesta amostra, o nível sérico de fibrinogênio pré-operatório não apresentou associação com a ocorrência de IM perioperatório nas CRM, nem mesmo com outros desfechos de impacto, incluindo AVEI, TEP e morte, isoladamente ou em conjunto.

Palavras-chave: Fibrinogênio, infarto do miocárdio, cirurgia de revascularização miocárdica.

As complicações trombóticas nas cirurgias de revascularização miocárdica (CRM) apresentam-se como as principais causas de mortalidade nessa população. Entre elas tromboembolismo pulmonar (TEP), acidente vascular encefálico isquêmico (AVEI) e infarto do miocárdio (IM). A baixa incidência de TEP, descrita na literatura como 0,5%, parece estar subestimada, em virtude das dificuldades de diagnóstico dessa afecção, que exige alto índice de suspeição1,2. O AVEI ocorre em 0,4% a 6% dos pacientes que realizam CRM, e, desses, até 28% evoluem para óbito, demonstrando o impacto de sua ocorrência3. Dentre essas graves complicações, o IM perioperatório é a mais comumente encontrada, com uma incidência que varia de 5% a 15%, conforme dados da literatura3,4. As conseqüências do IM podem transitar desde pequenas elevações enzimáticas sem relevância clínica até quadros de baixo débito cardíaco ou taquiarritmias malignas, seguidos de óbito ou com redução de sobrevida em longo prazo3, o que explica os esforços realizados na tentativa de evitar tal complicação.

Sendo o fibrinogênio uma proteína inflamatória de fase aguda, responsável por funções ímpares na cascata de coagulação, sua associação com fenômenos trombóticos e inflamatórios já foi extensamente estudada5-29. Dentre elas, a associação com o IM é, sem dúvida, a mais amplamente avaliada5-25,30. O fibrinogênio atua através da ligação ao receptor plaquetário glicoprotéico IIb IIIa, exposto na superfície da plaqueta quando esta se encontra ativada. Dessa forma, ele proporciona a agregação entre duas ou mais células e a formação do trombo plaquetário. Além disso, o fibrinogênio também possui um papel fundamental no estágio final da cascata de coagulação, quando da elaboração da rede de fibrina, formando monômeros de fibrina ao ser clivado pela trombina (outro importante ativador plaquetário), formada a partir da ativação do fator X, que, por sua vez, se origina da ativação do fator tecidual.

No contexto de cirurgia cardíaca, no entanto, encontramos na literatura apenas um estudo, publicado por Rifón e cols.31, no qual o nível sérico de fibrinogênio foi avaliado, numa coorte prospectiva, no pré-operatório de CRM de dezenove pacientes que apresentaram oclusão angiográfica de enxerto venoso dentro de um mês de pós-operatório, e comparado com 63 controles com enxertos pérvios. Após análise multivariada, não foi verificada diferença estatisticamente significativa (350 ± 70 mg/dl x 380 ± 90 mg/dl – p = NS) entre os grupos. Estudos com número amostral mais expressivo e avaliando desfechos clínicos não foram encontrados na literatura, após extensa revisão, incluindo as publicações dos últimos trinta anos.

Apesar, portanto, de existirem diversos estudos observacionais e relatos de associação do fibrinogênio com doença cardiovascular aterotrombótica, não há na literatura estudos relacionando o fibrinogênio com IM no período perioperatório da CRM. Tal informação apresenta-se com grande importância, na medida em que, se identificado e manejado adequadamente esse risco no pré-operatório, pode vir a ser possível a redução dessa grave complicação no contexto cirúrgico.

Este estudo tem por objetivo principal determinar se o nível sérico de fibrinogênio dosado no período pré-operatório possui valor preditor para a ocorrência de IM no período perioperatório de CRM. Como objetivo secundário, procuramos avaliar a associação do fibrinogênio sérico pré-operatório com a ocorrência de AVEI, TEP e mortalidade, de maneira isolada ou associados ao IM, como desfecho composto no período perioperatório de CRM.

MÉTODOS

Delineamento - Estudo de coorte retrospectivo, com coleta prospectiva dos dados para a organização do banco de dados.

População - Pacientes submetidos a CRM isolada no Hospital São Lucas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (HSL-PUC-RS).

Amostra - Dos 2.102 pacientes consecutivos que realizaram cirurgia cardíaca no HSL-PUC-RS, no período compreendido entre janeiro de 1998 e dezembro de 2002, 1.580 realizaram CRM, e desses, 1.472 foram submetidos a CRM isolada. Finalmente, 1.471 dispunham da dosagem de fibrinogênio no pré-operatório entre um e quatorze dias antes do procedimento cirúrgico e foram incluídos no estudo. A amostra era bem representativa para uma coorte de pacientes submetidos a CRM, com uma média de idade de 60,8 ± 10,1 anos e a presença de 15,6% de mulheres. Diabete melito estava presente em 27,5% da amostra; hipertensão arterial em 67,9%; lesão de tronco de coronária esquerda (TCE) em 20,9%; e, em média, cada paciente recebeu 2,96 ± 0,96 enxertos vasculares. A média da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) no pré-operatório foi de 47,5 ± 12,1%; 2,5% dos pacientes já haviam realizado CRM previamente; 1,4% necessitaram de cirurgia de urgência; 0,6% realizaram endarterectomia coronariana durante a cirurgia; e, por fim, um alto índice (40,6%) de pacientes com angina instável (AI) no pré-operatório compunha a amostra (tab. 1).

Definição de variáveis - Os critérios utilizados para a definição de IM no período perioperatório da CRM foram aqueles amplamente descritos na literatura3,4: 1) nova e persistente onda Q no eletrocardiograma (ECG) em 48 horas de pós-operatório, associada a nível sérico máximo de CK-MB > 30 U/l; 2) novo e persistente bloqueio de ramo esquerdo, associado a nível sérico máximo de CK-MB > 30 U/l; 3) nível sérico de CK-MB > 80 U/l, isoladamente. As coletas enzimáticas foram realizadas em 0, 4, 8, 16, 24, 36 e 48 horas de pós-operatório; os ECGs foram realizados em 0, 24 e 48 horas de pós-operatório. AVEI perioperatório foi definido como a ocorrência de novo déficit neurológico associado à alteração isquêmica em exame de imagem cerebral (tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética) em território cerebral topograficamente compatível com o quadro neurológico, até a alta hospitalar. TEP foi definido como a ocorrência de dispnéia, dor torácica ou choque sem outra etiologia, associado a exame de imagem pulmonar (angiotomografia computadorizada de tórax, cintilografia pulmonar de ventilação e perfusão ou arteriografia pulmonar) com alta probabilidade ou confirmatório de TEP, até a alta hospitalar. A ocorrência de óbito foi avaliada durante o período da internação índex. O desfecho combinado foi computado como a primeira ocorrência de qualquer um dos desfechos avaliados (IM, AVEI, TEP e mortalidade).

Planejamento - Foi realizada análise do banco de dados da Unidade de Pós-Operatório de Cirurgia Cardíaca (UPOCC) do HSL-PUC-RS, com verificação dos valores pré-operatórios de fibrinogênio, das variáveis controladas e dos desfechos clínicos de IM, AVEI, TEP e morte. Foi feita a revisão dos prontuários eletrônicos do laboratório de análises clínicas do HSL-PUC-RS, com o objetivo de resgatar os valores de fibrinogênio de cada paciente, eventualmente não disponíveis no banco de dados.

Análise laboratorial - Amostras sangüíneas para a dosagem do nível sérico do fibrinogênio foram coletadas de todos os pacientes incluídos no estudo entre um e quatorze dias antes do procedimento cirúrgico, através do método de Clauss, por leitura de turbidimetria, utilizando-se o equipamento Coag-A-Mate MTX® e o reagente Fibriquik®, composto de reagente de trombina (100 U NIH/ml), referência de calibração do fibrinogênio (solução tampão, plasma humano e estabilizadores) e solução tampão Veronal de Owren (0,28M de barbital de sódio).

Controle de variáveis - Foram controladas as seguintes variáveis, descritas na literatura como fatores predisponentes para a ocorrência do desfecho (IM perioperatório), ou seja, possíveis fatores de confusão: idade, sexo, FEVE, lesão de TCE, AI, endarterectomia coronariana, cirurgia de urgência, re-operação, número de enxertos e tempo de circulação extracorpórea (CEC). O tempo de pinçamento aórtico não foi incluído na análise, por se tratar de uma variável com o mesmo padrão de comportamento do tempo de CEC (r = 0,82). O número de enxertos substituiu, no modelo analítico, a ocorrência de lesão trivascular, por se tratar de uma variável contínua e apresentar o mesmo padrão de comportamento daquela.

Análise estatística - O cálculo do tamanho da amostra foi realizado baseado nos resultados de um estudo piloto32 em que a incidência de IM perioperatório foi de 23% e 13% nos grupos em estudo e controle, respectivamente, e a razão de chances (RC) para a associação do fibrinogênio com o desfecho em questão foi de 1,89. Considerando significativo um valor de p < 0,05, e com um poder de 80% para estimar uma diferença de 10% entre os grupos, chegou-se, através do programa Epi-info, a um número de 1.350 pacientes necessários para que o resultado da análise pudesse confirmar ou negar, com significância estatística, a hipótese do estudo.

A análise estatística foi realizada por intermédio do programa SPSS 11.0, com análise descritiva dos dados gerais, coeficiente de correlação de Pearson para a exclusão de variáveis de mesmo padrão de comportamento do modelo analítico, análise univariada pelo teste de qui-quadrado para as variáveis categóricas e pelo teste t de Student para as variáveis contínuas e análise multivariada por regressão logística para as variáveis que apresentaram um valor de p < 0,2 na análise univariada. Os resultados finais foram apresentados em razão de chances (RC) com intervalos de confiança (IC) de 95% e foi estabelecida significância estatística em p < 0,05 para a análise multivariada.

Considerações éticas - Sendo esta uma pesquisa em prontuários médicos de pacientes não facilmente encontrados, sem endereço informado ou já falecidos, e, portanto, impossível de serem localizados para assinatura do Termo de Consentimento Livre Informado, este não foi apresentado. Além disso, o banco de dados em cirurgia cardíaca da UPOCC do HSL-PUC-RS tem a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa desse hospital. O estudo foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do HSL-PUC-RS e do Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC).

RESULTADOS

Dos 1.471 pacientes incluídos no estudo, 206 (14%) apresentaram IM perioperatório, 2,79% AVEI, 2,92% TEP, e 7,41% evoluíram com óbito. O desfecho combinado ocorreu em 22,7% da amostra (tab. 2). Na análise univariada, algumas diferenças estatisticamente significativas foram encontradas entre os grupos com e sem IM perioperatório, como já era esperado. No grupo 1 (com IM) a média do número de enxertos foi maior (3,21 ± 0,96 x 2,92 ± 0,95 – p < 0,001), assim como a presença de lesão de TCE (29,1% x 19,6% – p = 0,002), AI pré-operatória (50,5% x 39,0% – p = 0,002) e o tempo de CEC (95,7 ± 32,8 minutos x 81,7 ± 28,8 minutos – p < 0,001). Não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos com e sem IM perioperatório quanto às características de sexo, idade, FEVE, cirurgia de urgência, reoperação e endarterectomia coronariana conjunta (tab. 3).

A média do fibrinogênio pré-operatório não apresentou diferença estatisticamente significativa, quando comparados os dois grupos, com e sem IM perioperatório (410,60 ± 148,83 mg/dl x 401,57 ± 135,23 mg/dl – p = 0,39) (tab. 3). Mesmo após categorização da amostra em percentis, com relação à dosagem do fibrinogênio sérico, a comparação tanto do primeiro quartil quanto do primeiro decil, em ordem decrescente, com o restante da amostra não demonstrou diferença significativa (tab. 4).

A despeito de mostrar-se negativa, à análise univariada, a associação do fibrinogênio no pré-operatório com o IM perioperatório, foi realizada análise multivariada por regressão logística, uma vez que os dois grupos diferiam em muitas características. Além do fibrinogênio, as outras variáveis incluídas na equação foram sexo, idade, presença de lesão de TCE, ocorrência de AI pré-operatória, endarterectomia coronariana, reoperação, número de enxertos vasculares e tempo de CEC. Após a análise de regressão logística, seis variáveis foram identificadas como preditoras independentes para a ocorrência de IM perioperatório na CRM: sexo feminino, lesão de TCE, AI pré-operatória, re-operação, tempo de CEC e número de enxertos. A associação entre o nível sérico de fibrinogênio pré-operatório e a ocorrência de IM perioperatório persistiu nula após o ajuste para os possíveis fatores de confusão incluídos no modelo de regressão (RC = 1,000 – IC95%: 0,998-1,002 – p = 0,652) (tab. 5).

Com relação a outros desfechos de interesse, o fibrinogênio pré-operatório também não demonstrou associação com AVE perioperatório (440,63 ± 157,71 mg/dl x 401,75 ± 136,47 mg/dl – p = 0,074), TEP perioperatório (426,05 ± 165,99 mg/dl x 402,13 ± 136,24 mg/dl – p = 0,260), mortalidade intra-hospitalar (408,72 ± 162,68 mg/dl x 402,36 ± 135,01 mg/dl – p = 0,642) e desfecho composto de IM, AVEI, TEP e mortalidade (411,40 ± 153,52 mg/dl x 400,31 ± 131,98 mg/dl – p = 0,232) (tab.6).

DISCUSSÃO

Já fora descrita a associação independente do fibrinogênio com IM e MS em pacientes com AI; sua relação direta com DAC avaliada por angiografia e IM em indivíduos saudáveis e naqueles com IM prévio, e nesse último grupo também foi identificada associação com mortalidade geral; sua importância prognóstica nos desfechos de necessidade de revascularização miocárdica, IM fatal e não-fatal e morte cardiovascular em pacientes com angina estável, bem como inúmeras outras associações. No entanto, com tanta evidência em favor do fibrinogênio sérico elevado como preditor de eventos clínicos trombóticos, por que motivo essa associação mostrou-se negativa no presente estudo, que se contextualiza no cenário da CRM? Embora se acreditasse inicialmente que o IM perioperatório fosse resultado da oclusão dos enxertos vasculares, estudos de necrópsia demonstraram que a maior parte desses estava pérvio nos pacientes que evoluíram com óbito em razão de IM perioperatórios, como aquele realizado por Bulkley & Hutchins33 [seqüência da RB errada], que analisou 54 autópsias de pacientes que realizaram CRM e evoluíram com óbito em menos de um mês de pós-operatório. Quarenta e duas bandas de necrose transmural regional foram identificadas em 22 pacientes (38% da amostra), sendo 34 dessas áreas situadas em territórios de distribuição de enxertos vasculares e 30 (88%) delas apresentavam enxertos patentes. Essa observação apóia a idéia de que outros fatores fisiopatogênicos estejam envolvidos na etiologia do IM perioperatório. Dentre eles, um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio miocárdico no período perioperatório parece ser o principal fator responsável pela maioria dos IM diagnosticados no pós-operatório de CRM, o que justifica a nulidade da associação neste estudo.

A amostra representativa de uma população de pacientes submetidos a CRM, trazendo dados semelhantes aos encontrados no registro do banco de dados de CRM da Sociedade Americana de Cirurgiões Torácicos para os pacientes operados no ano de 2000, oferece fidedignidade ao método consecutivo de seleção de pacientes. Na amostra americana, a média de idade era de 65 anos, a taxa de mulheres de 19%, a incidência de lesão de TCE era de 23%, e de REDO de 7%, sendo a FEVE média no pré-operatório de 49%34. O grande número de pacientes incluídos no estudo, planejado conforme cálculo pré-estudo do tamanho da amostra, reitera a confiança expressa nos resultados.

Alguns problemas metodológicos, contudo, devem ser considerados como potenciais limitações do estudo. A fidedignidade dos dados pode ser prejudicada nos estudos realizados de maneira retrospectiva; no entanto, uma vez que a coleta dos dados para a formação do banco de dados tenha sido prospectiva, a chance de termos incorrido nesse erro fica minimizada.

Além disso, como já comprovado em estudos anteriores, o nível sérico do fibrinogênio possui ritmos circadianos, circaseptanos e circanuais35-40; portanto, algum viés de aferição pode ter ocorrido, conforme o horário do dia, o dia da semana ou até mesmo a estação do ano em que foram realizadas as coletas.

A combinação de elevação da CK-MB sérica e presença de nova onda Q no ECG foram os critérios utilizados para a definição do diagnóstico de IM perioperatório, amplamente aceitos na literatura mundial3,4. No entanto, é sabido que a sensibilidade e especificidade dessa combinação de métodos não é o padrão de referência. A dificuldade logística prática de deslocar todos os pacientes da unidade de terapia intensiva, nos primeiros dias de pós-operatório de uma cirurgia cardíaca – eventualmente em estados de gravidade, com drenos pleurais e mediastinais e, muitas vezes, outros dispositivos, como o cateter de monitorização de pressão arterial pulmonar, cateter de pressão arterial média sistêmica, marcapasso e balão intra-aórtico –, e conduzí-los para o laboratório de medicina nuclear para a realização de cintilografia miocárdica com pirofosfato de tecnécio, tornou essa conduta impraticável. Em relação ao uso da troponina, apesar de recentemente estudada, com algumas publicações no contexto da CRM41-43, ainda não há um consenso na literatura que defina o seu ponto de corte para a ocorrência de IM perioperatório.

Nessa amostra, a média do nível basal pré-operatório de fibrinogênio (403 mg/dl) era significativamente mais elevada que os valores médios disponíveis na literatura para amostras aleatórias, cujos valores de referência variam de 150 a 400 mg/dl34,44. Em um estudo que avaliou a ativação do sistema de coagulação relacionado à CRM, a média do nível sérico pré-operatório de fibrinogênio foi de 359 mg/dl, valor esse mais próximo do limite superior de referência, mas ainda muito aquém do avaliado em nossa amostra45. Possivelmente a ocorrência na amostra de 40,6% de AI, um evento clínico sabidamente trombótico e comprovadamente associado à elevação do fibrinogênio sérico, tenha sido responsável por esse alto valor basal14,20,45,46.

Em conclusão, o nível sérico de fibrinogênio dosado no pré-operatório não demonstrou associação com a ocorrência de infarto do miocárdio no período perioperatório de cirurgia de revascularização miocárdica. Acidente vascular encefálico isquêmico, tromboembolismo pulmonar perioperatórios, mortalidade intra-hospitalar, bem como a composição dos quatro desfechos em estudo também não demonstraram associação com o fibrinogênio pré-operatório. As variáveis avaliadas neste estudo, que se apresentaram como preditoras independentes de infarto do miocárdio perioperatório, foram sexo feminino, lesão de tronco de coronária esquerda, angina instável pré-operatória, reoperação, tempo prolongado de circulação extracorpórea e maior número de enxertos.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e pelo comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Cardiologia/Fundação Universitária de Cardiologia.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflitos de interesses pertinentes.

Recebido em 04/01/05

Aceito em 08/06/05

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  • Correspondência:

    Cristiano Pederneiras Jaeger
    Rua Germano Petersen Júnior, 533/301
    90549-140 – Porto Alegre, RS
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      08 Jun 2005
    • Recebido
      04 Jan 2005
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