Open-access PHMETRIA SEM CATETER E PHMETRIA ESOFÁGICA CONVENCIONAL: ESTUDO COMPARATIVO DO DESCONFORTO, LIMITAÇÕES DAS ATIVIDADES DIÁRIAS E COMPLICAÇÕES

RESUMO

Racional:   O cateter da pHmetria esofágica associa-se ao desconforto nasal e na garganta, e comportamento diferente nos pacientes. A cápsula da pHmetria sem cateter pode causar dor torácica e complicações.

Objetivo:   Comparar as pHmetrias sem cateter e a convencional, em relação ao desconforto e limitações das atividades diárias, complicações, capacidade de diagnosticar refluxo patológico, e custos.

Métodos:   Vinte e cinco pacientes com sintomas de refluxo gastroesofágico foram prospectivamente submetidos, em um período inicial simultâneo, à pHmetria esofágica com cateter durante 24 h e à pHmetria sem cateter durante 48 h. Após a retirada de cada método, pacientes responderam o questionário clínico específico.

Resultados:   Quinze pacientes (60%) relataram maior desconforto na introdução da cápsula (p=0,327). Desconforto e limitações das atividades diárias foram menores no 2º dia (p< 0,05); entretanto, continuaram sendo expressivos (32% a 44%). Dor torácica ocorreu em 13 (52%) pacientes. O ganho diagnóstico no refluxo patológico foi de 12% com o sistema sem cateter (p=0,355).

Conclusões:   1) Não há diferença significativa entre o desconforto relatado na introdução da cápsula e do cateter; 2) durante a monitorização do refluxo, o sistema sem cateter proporciona significativo menor desconforto e limitações das atividades diárias; 3) não há diferença significativa entre os dois métodos na capacidade de diagnosticar o refluxo patológico; 4) pHmetria sem cateter tem custo maior.

DESCRITORES: Refluxo gastroesofágico; Monitoramento do pH esofágico; Tecnologia sem fio

ABSTRACT

Background:   The catheter of the esophageal pH monitoring is associated with nasal and throat discomfort, and different behave in patients. The capsule of the wireless pH monitoring may cause chest pain and complications.

Aim:   To compare the wireless and conventional pH monitoring concerning the degree of discomfort and limitations in daily activities, complications, ability to diagnose pathological reflux, and costs. Methods: Twenty-five patients with symptoms of gastroesophageal reflux were prospectively submitted, in a simultaneous initial period, to 24-hour catheter esophageal pH monitoring and 48-hour wireless system. After removing each system, patients underwent a specific clinical questionnaire.

Results:   Fifteen patients (60%) pointed a higher discomfort in the introduction of the capsule (p=0.327). Discomfort and limitations in daily activities were lower on 2nd day (p<0.05); however, continued to be expressive (32% to 44%). Chest pain occurred in 13 (52%) patients. The diagnostic gain of pathological reflux was 12% with the wireless system (p=0.355).

Conclusions:   1) There is no significant difference between the discomfort mentioned in the introduction of the capsule and the catheter; 2) during reflux monitoring, the wireless system provides significant less discomfort and limitations in daily activities; 3) there is no significant difference between the two methods in the ability to diagnose pathological reflux; 4) wireless pH monitoring has higher cost.

HEADINGS: Gastroesophageal reflux; Esophageal pH monitoring; Wireless technology

INTRODUÇÃO

A pHmetria esofágica foi introduzida na prática clínica em pacientes internados na década de 7015. Catéteres flexíveis e gravadores portáteis de pH começaram a ser utilizados em pacientes ambulatoriais no início dos anos 80. A pHmetria prolongada (18 a 24 h) do esôfago distal permitiu a mensuração quantitativa do refluxo gastroesofágico e melhor compreensão da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)5,6,15.

Um grupo de consenso internacional desenvolveu a definição padrão da DRGE como “a condição que se desenvolve quando o refluxo do conteúdo gástrico causa sintomas incomodativos e/ou complicações”29. Os sintomas clássicos da DRGE são: pirose (sensação de queimação na região retroesternal) e regurgitação (percepção do conteúdo do refluxo gástrico na boca ou faringe)26.

A endoscopia digestiva alta e a pHmetria esofágica prolongada são os dois métodos diretamente relacionados ao diagnóstico da DRGE21. O primeiro identifica as formas da doença que cursam com esofagite e o segundo diagnostica o refluxo gastroesofágico (RGE) patológico21. A endoscopia propicia ainda a realização de coleta de material de biópsia para estudo anatomopatológico e tal procedimento é de fundamental importância na investigação das complicações da doença21.

A pHmetria esofágica é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico do refluxo ácido gastroesofágico. O método convencional (com cateter) tem sensibilidade variando de 79% a 96%, especificidade de 85% a 100% e acurácia de 98%8,10,14,16,19,27,30. O método sem cateter, com a cápsula, apresenta sensibilidade e especificidade similares (78,3% a 100% e 84,5% a 94,8%, respectivamente)23.

Na prática clínica, a pHmetria esofágica tem indicações específicas e caracteriza detalhes interessantes do refluxo ácido gastroesofágico: presença e intensidade do refluxo ácido, padrão do refluxo (ortostático, supino ou biposicional), e associa as queixas clínicas aos episódios de refluxo ácido21.

Contudo, o cateter convencional é associado ao desconforto nasal e de garganta e os pacientes tendem a apresentar redução na ingestão alimentar e modificação comportamental durante o período de monitorização8,20. Embora o método sem cateter tenha sido desenvolvido para evitar restrições e aprimorar a sensibilidade diagnóstica, sua cápsula pode causar dor torácica em até 65% dos casos1,4,23, 24,28,34.

Este estudo foi idealizado pela falta de publicações locais e poucas internacionais sobre o desconforto e limitações nas atividades diárias na comparação entre a pHmetria sem cateter e a pHmetria esofágica convencional3.

O objetivo do presente estudo foi comparar as técnicas de pHmetria esofágica, com e sem cateter, em relação grau de desconforto e restrições nas atividades de rotina, complicações, capacidade de diagnóstico do refluxo gastroesofágico patológico e custos.

MÉTODOS

Esse pesquisa foi aprovada pelo Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (número 1079/06).

Foram analisados, de modo prospectivo, pacientes encaminhados para o Laboratório de Investigação Funcional do Esôfago do Departamento de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, para realização de pHmetria esofágica.

Os critérios de inclusão foram: queixa clínica principal de pirose e/ou regurgitação; idade maior ou igual a 18 anos; endoscopia digestiva alta recente (nos últimos dois meses); não estar tomando inibidores da bomba de prótons durante sete dias anteriores à pHmetria; e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Os critérios de exclusão foram: divertículos esofágicos, estenoses e varizes; hérnia de hiato maior ou igual a 3 cm; esofagite erosiva graus C ou D de Los Angeles; esôfago de Barrett; e neoplasias, doenças obstrutivas ou operação prévia do trato gastrointestinal.

Todos os pacientes foram submetidos a entrevista clínica, endoscopia digestiva alta, manometria esofágica nasal e oral, pHmetria esofágica com e sem cateter (por 24 h e 48 h, respectivamente, com período inicial simultâneo) e um questionário clínico específico sobre desconforto e limitações nas atividades diárias.

As seguintes queixas de DRGE foram investigadas durante a entrevista clínica: típica (pirose e regurgitação), atípica esofágica (dor no peito e sensação de globus) e atípica extraesofágica (tosse, asma, disfonia e pigarro).

Todos os pacientes foram submetidos a endoscopia no Departamento de Endoscopia Gastrointestinal do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A presença de esofagite erosiva e hérnia de hiato foram avaliadas. A classificação de Los Angeles foi utilizada para a caracterização da esofagite; e a hérnia de hiato foi considerada como o deslizamento de parte do estômago, maior ou igual a 2 cm, acima do pinçamento diafragmático, durante a manobra de inspiração profunda.

Antes da pHmetria esofágica, a manometria esofágica convencional foi realizada para localizar o esfíncter esofágico inferior (EEI) para posicionar os sensores de pH.

pHmetria esofágica

Após avaliação da distância do EEI, em relação à narina e à arcada dentária superior, através da manometria esofágica, foram introduzidos o cateter de pHmetria esofágica convencional e, em seguida, a cápsula de pHmetria esofágica sem cateter. Cada paciente foi submetido, com início simultâneo de monitorização, à pHmetria convencional por 24 h e à pHmetria sem cateter por 48 h.

O equipamento utilizado para a pHmetria esofágica convencional era constituído por um gravador portátil de monitorização de pH (Medtronic/Synectics, EUA), soluções de calibração de pH e cateter flexível de pHmetria (Alacer, Brasil). O cateter de 2,1 mm de diâmetro continha dois sensores de antimônio (2 cm de distância entre si) para registro do pH e um eletrodo de referência externo. Os sensores do cateter foram sistematicamente calibrados antes de cada exame, com a utilização das soluções de calibração de pH 7,0 e pH 1,0. O sensor distal foi posicionado 3 cm acima da borda superior do EEI, identificado por manometria esofágica nasal, para monitorar o refluxo em nível mais distal. O sensor proximal foi posicionado 5 cm acima da borda superior do EEI para monitorar o refluxo na posição padrão internacional.

O equipamento de pHmetria sem cateter (Bravo, Medtronic/Synectics, EUA) era constituído de um gravador portátil de pH, soluções de calibração de pH, cápsula de pHmetria e dispositivo aplicador da cápsula. A cápsula de pHmetria tinha dimensões de 6,0x6,3x26,0 mm e continha um sensor de antimônio, sensível às mudanças de pH, e um eletrodo de referência interno. O sensor da cápsula foi sistematicamente calibrado, antes de cada exame, com as mesmas soluções de calibração de pH 7,0 e pH 1,0. A cápsula era inserida pela boca, com o auxílio do dispositivo aplicador da cápsula que não requer endoscopia, e posicionada no esôfago, 3 cm acima da borda superior do EEI, no mesmo nível que o sensor distal do cateter convencional. O sistema de sucção foi aplicado por meio de bomba de vácuo (510 mmHg durante 60 s) e a mucosa do esôfago era succionada para o interior do compartimento da cápsula (4 mm de diâmetro). O pino de apreensão foi liberado, transfixando a mucosa aspirada e fixando a cápsula à parede esofágica. O vácuo foi desligado e a cápsula liberada da extremidade distal do dispositivo aplicador, que foi removido. A gravação do pH foi iniciada e transmitida por ondas de rádio (telemetria) para o gravador portátil externo.

Os pacientes foram orientados a tentar manter suas atividades diárias, preencher o diário de pHmetria e retornar ao laboratório: após 24 h (1º dia) para remover o sistema convencional de pHmetria (cateter e gravador externo); e novamente após outras 24 h (2º dia) para remover o gravador externo do sistema de pHmetria sem cateter.

Vale ressaltar que os parâmetros de normalidade para a caracterização do refluxo patológico foram estabelecidos através da avaliação do refluxo a 5 cm acima do EEI e foram utilizados neste estudo apenas como valores de referência. Os parâmetros normais utilizados foram: porcentagem de tempo total de refluxo de até 4,5%, porcentagem de tempo de refluxo em posição ortostática de até 8,4% e porcentagem de tempo de refluxo em posição supina até 3,5%14.

O paciente era considerado portador de refluxo gastroesofágico patológico se qualquer uma das três porcentagens adotadas quanto ao tempo de refluxo estivessem em níveis acima do normal; ou se apresentava refluxo quantitativamente normal, porém com associação significante com os sintomas. A relação entre queixa clínica e refluxo ácido gastroesofágico era avaliada pelo Índice de Sintomas e considerada positiva quando igual ou superior a 50%33.

Questionário de desconforto e limitações nas atividades diárias

Os pacientes também foram submetidos a um questionário clínico específico após a remoção de cada tipo de pHmetria (1º e 2º dia), para comparar o grau de desconforto e limitações nas atividades diárias entre as duas pHmetrias esofágicas. O questionário sobre o grau de desconforto e limitações nas atividades diárias foi idealizado pelos autores, visto que não existe um questionário internacional validado para esta finalidade. Os parâmetros considerados serão descritos a seguir. Inicialmente, solicitou-se ao paciente responder em relação ao cateter e à cápsula: Qual incomodou mais ao ser introduzido?

Para avaliação do grau de desconforto e limitações nas atividades diárias durante o primeiro dia de monitorização (no qual o paciente estava simultaneamente com o cateter convencional e a cápsula), em comparação com o segundo dia (paciente com a cápsula, mas sem o cateter), inqueriu-se sobre a interferência nas atividades rotineiras, desconforto nasal, coriza, desconforto cervical, alteração alimentar, distúrbios do sono, preocupação com o equipamento, desconforto sem banho e constrangimento social pela aparência do equipamento. Para cada item, o solicitava-se que o paciente escolhesse um número da escala de zero a dez, de acordo com o grau de desconforto. Zero equivalente à ausência de desconforto e dez a desconforto intenso. O grau de desconforto foi agrupado em três categorias: leve (escore de 1 a 3), moderado (4 a 6) e intenso (7 a 10).

Finalmente, solicitou-se ao paciente responder sim ou não, para os seguintes itens do questionário: Você saiu de casa? Você trabalhou? Você teve dor torácica ou epigástrica? Você repetiria a pHmetria sem cateter, se necessário? e Você repetiria a pHmetria convencional, se necessário?

Análise estatística

Para a análise estatística, realizada no Laboratório de Estatística e Epidemiologia do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, foram utilizados os seguintes testes: teste de proporção bilateral, teste de Friedman e teste de proporção unilateral. O nível descritivo de p<0,05 foi considerado significante.

RESULTADOS

Vinte e cinco pacientes que atenderam aos critérios de inclusão foram incluídos no estudo e submetidos aos dois tipos de pHmetria esofágica (com e sem cateter). Vinte e um (84%) eram mulheres e a idade variou de 34 a 73 anos (média de 52,4). As queixas clínicas típicas da DRGE foram predominantes em todos os pacientes, atípicas esofágicas em 16 (64%) e atípicas extraesofágicas em 19 (76%). A endoscopia digestiva alta demonstrou esofagite erosiva em 8 (32%) pacientes e hérnia de hiato em 11 (44%).

Os pacientes apontaram alto grau de desconforto na introdução dos dois tipos de pHmetria. Quinze (60%) apontaram maior desconforto na introdução da cápsula, enquanto 10 (40%) na introdução do cateter. Embora a maioria dos casos de desconforto tenha ocorrido com a introdução da cápsula, essa diferença não atingiu níveis de significância estatística (p=0,327).

Quanto às questões formuladas no questionário clínico específico, em todos os itens analisados, houve redução significante do grau de desconforto e limitações nas atividades diárias no 2º dia em comparação ao 1º dia ​​(p<0,05, Tabela 1). Contudo, no 2º dia, um contingente expressivo de pacientes continuou apresentando interferência nas atividades rotineiras (36%), desconforto cervical (32%), alteração alimentar (44%), distúrbio do sono (32%) e preocupação com o equipamento (44 %, Tabela 1).

TABELA 1
Descrição e comparação do grau de desconforto no 1º e 2º dia

Onze (44,0%) saíram de casa no 1º dia e 17 (68,0%) no 2º dia de monitorização. Nove (36,0%) trabalharam no 1º dia e 22 (88,0%) no 2º dia. Observou-se que grande número de pacientes saiu de casa e trabalhou no 2º dia de monitoração em relação ao 1º dia (sair de casa: p=0,044; trabalhar: p<0,001). No entanto, no 2º dia, um contingente expressivo de pacientes (32%) não saiu de casa.

Treze (52%) apresentaram dor torácica ou epigástrica durante o período total de monitoração.

Quando os pacientes foram questionados se houvesse necessidade de repetição dos exames, 24 (96,0%) afirmaram que repetiriam a pHmetria convencional e 22 (88,0%) repetiriam a pHmetria sem cateter. Não houve diferença significante entre os dois tipos de pHmetria quanto à decisão do paciente em repetir o exame, em caso de necessidade (p=0,297).

O refluxo gastroesofágico patológico foi detectado pelo método convencional em 16 (64%) pacientes e pelo método sem cateter em 19 (76%). No entanto, esse aumento de 12% no ganho diagnóstico não apresenta diferença estatística (p=0,355).

Em relação às complicações, a queda precoce da cápsula ocorreu em um (4%) paciente durante a pHmetria sem cateter e não houve falha técnica relevante no grupo da pHmetria esofágica convencional com cateter. Não houve diferença significante entre os dois tipos de pHmetria em relação a falhas técnicas durante o exame (p=0,463). Nenhum paciente apresentou dor torácica intensa ou qualquer outro sintoma que exigisse a remoção endoscópica da cápsula. No 300 dia após a inserção da cápsula, o desprendimento espontâneo da cápsula da parede esofágica foi confirmado em todos os pacientes, através do estudo radiológico do tórax em perfil. Perfuração esofágica, migração ou aspiração da cápsula, e outras complicações não ocorreram em nenhum caso.

Quanto aos custos, a cápsula (uso único) custa US$ 411,53 e o cateter (reutilizado por cinco vezes) US$ 39,22; portanto, o cateter custa apenas US$ 7,84 por uso.

DISCUSSÃO

Este é o primeiro estudo brasileiro que compara a pHmetria esofágica com e sem cateter, em relação ao desconforto, limitações nas atividades diárias, complicações e custos. No entanto, o pequeno número de pacientes é uma limitação; essa restrição ocorreu devido ao custo das cápsulas.

Observou-se que 68,0% dos casos submetidos à endoscopia não apresentavam esofagite erosiva; nesse grupo, a pHmetria esofágica foi indicada para diagnóstico ou exclusão de DRGE não erosiva. Nos 32% dos casos com esofagite erosiva, a pHmetria foi indicada para caracterizar o padrão de refluxo.

As contraindicações clássicas descritas na literatura do sistema de pHmetria sem cateter são importantes limitações ao método e incluem: esofagite intensa, varizes esofágicas, diátese hemorrágica, anticoagulação, estenose ou obstrução do trato gastrointestinal e uso de marcapasso ou desfibrilador cardíaco25. Entretanto, deve-se observar que essas condições não representam contraindicações para a pHmetria convencional com o uso de cateter. A impossibilidade de fixar adequadamente a cápsula em região de esofagite, com grau intenso de processo inflamatório, impede a avaliação do refluxo através da pHmetria sem cateter em grupo importante de pacientes com DRGE. A cápsula desprende-se espontaneamente após alguns dias e é eliminada pelo trato digestivo; no entanto, a presença de estenose ou obstrução do trato gastrointestinal causaria impactação da cápsula.

Os critérios de exclusão para este estudo incluíram divertículos esofágicos devido ao risco de perfuração durante a introdução da cápsula. Deve-se salientar que a pHmetria sem cateter pode ter uso limitado em pacientes sob investigação de dor torácica não cardíaca, visto que a cápsula pode causar dor torácica, dificultando o discernimento entre a dor causada pela cápsula, refluxo ou coração. A cápsula contém um pequeno ímã; portanto, o exame de ressonância magnética não é recomendado durante 30 dias após a inserção da cápsula, devido ao risco de perfuração caso a cápsula não tiver sido completamente exteriorizada. Essas restrições também não se aplicam à pHmetria convencional com cateter.

As possíveis contraindicações ao método sem cateter devem ser cuidadosamente avaliadas antes do exame e, se forem observadas, deve ser realizada a pHmetria convencional com cateter25. Os pacientes também devem ser informados sobre os riscos da pHmetria sem cateter: desconforto, dor torácica, disfagia, odinofagia, sensação de corpo estranho, náusea, vômitos, laringoespasmo, reação vasovagal, falha na fixação da cápsula, desprendimento prematuro da cápsula, falha no desprendimento da cápsula, migração da cápsula, aspiração da cápsula, retenção da cápsula, laceração ou úlcera esofágica, sangramento, perfuração e possível procedimento endoscópico ou cirúrgico para tratar complicações.

O estudo comparativo entre as pHmetrias esofágicas sem cateter e a convencional foi realizado em nível esofágico abaixo do tradicional. Os motivos para essa escolha incluíram: as alterações na mucosa consequentes à DRGE geralmente ocorrem próximo à junção esofagogástrica; estudo de viabilidade de fixação da cápsula em região mais próxima dessa zona de transição; e, em nível mais distal, comparar o desconforto, restrições de atividade, complicações e detecção de refluxo gastroesofágico patológico entre os dois tipos de sensores de pHmetria (cápsula x cateter).

O presente estudo e o de Andrews et al.2 observaram que não houve diferença significante entre a introdução da cápsula ou do cateter. No entanto, Gillies et al.11 evidenciaram desconforto menor na introdução da cápsula (p<0,0001).

Estudando a interferência do cateter nas atividades diárias de pacientes submetidos somente à pHmetria esofágica convencional, Fass et al.8 demonstraram redução significante na duração das atividades (o paciente tende a ser mais sedentário no dia do exame), número de refeições e frequência de sintomas de refluxo durante o período de monitorização.

Comparando o desconforto e interferência nas atividades rotineiras entre os exames de pHmetria sem cateter e o convencional, durante a monitorização, Andrews et al., Gillies et al., e Wong et al.2,11,34 observaram melhor tolerabilidade da cápsula. Houve menor desconforto de modo significante (dor nasal, coriza, dor cervical, desconforto cervical e cefaleia), além de menor interferência nas atividades diárias (atividades gerais, alimentação, trabalho e sono)2,11,34. No entanto, Andrews et al.2 mostraram maior desconforto torácico durante a pHmetria sem cateter em relação à pHmetria convencional (p=0,001).

Maerten et al.18 descreveram que o principal inconveniente da pHmetria sem cateter é a indução de desconforto torácico, que pode variar de leve sensação de corpo estranho até dor torácica intensa, em consequência da fixação da cápsula na parede esofágica. No presente estudo, dor torácica ou epigástrica foram observadas em 52% dos pacientes, durante a monitorização. Esse achado é consistente com a literatura, que demonstra dor torácica de 10,5% a 65% dos pacientes submetidos à pHmetria sem cateter1,4,23,24,28,34. Estudando a presença de sintomas relacionados à cápsula, Remes-Troche et al.11 observaram: dor torácica (em 33% dos casos), sensação de corpo estranho (14%), náusea (6%) e mais de um sintoma (11%) dos casos.

O achado de 4% de desprendimento precoce da cápsula durante a pHmetria sem cateter corrobora com os dados da literatura, que menciona a ocorrência dessa falha técnica em 4,1% a 5% dos casos4,11,24.

Com controle radiológico do tórax no 14º dia, Lin et al.17 observaram que a cápsula permaneceu em 1% dos casos. Há relatos de retirada endoscópica da cápsula em 1,4% a 3,5% dos casos1,4 e a dor torácica intensa foi a causa mais frequente para a retirada da cápsula23.

Outras complicações raras da pHmetria sem cateter relatadas na literatura são: perfuração esofágica durante a introdução, úlcera esofágica, deslocamento da cápsula para o seio piriforme, migração da cápsula para a nasofaringe após tosse, aspiração da cápsula para dentro do brônquio do lobo inferior e retenção da cápsula em divertículo do cólon7,9,12,13,31,32. Devido a essa complicação, acredita-se que uma radiografia simples de abdome deva também ser necessária para avaliação completa da eliminação da cápsula.

O presente estudo comprovou efetivamente que, durante a monitorização, a pHmetria sem cateter proporciona redução significante no grau de desconforto e limitações nas atividades diárias; no entanto, foi evidenciado que a presença da cápsula foi associada à dor torácica em número expressivo de pacientes. Além disso, provou que a melhor tolerabilidade não proporciona aumento significante na sensibilidade diagnóstica da DRGE; esse fato é corroborado pela revisão de literatura publicada por Maerten et al18.

A pHmetria sem cateter é um procedimento de alto custo, limitando seu uso na prática diária e não tem capacidade de identificar o refluxo não ácido. A impedâncio-pHmetria é método promissor que detecta vários tipos de refluxo (ácido, não ácido, líquido, gasoso), avalia outras variáveis importantes (capacidade esofágica de transporte do bolus, impedância basal da mucosa e peristalse primária pós-refluxo) e está consolidada como novo padrão-ouro para o diagnóstico do refluxo gastroesofágico21,22.

CONCLUSÕES

Pode-se concluir que: 1) não há diferença significante entre o desconforto na introdução da cápsula de pHmetria sem cateter e do cateter de pHmetria convencional; 2) durante a monitorização do refluxo, a pHmetria sem cateter proporciona significante menor desconforto e limitações nas atividades diárias em comparação com a pHmetria convencional; 3) apesar da melhor tolerabilidade da cápsula, não há diferença significante entre os dois métodos de pHmetria na capacidade de diagnosticar o refluxo gastroesofágico patológico; 4) a pHmetria sem cateter tem custo maior.

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  • Financiamento:
    .
  • Mensagem central
    A pHmetria sem cateter proporciona melhor tolerabilidade (menor desconforto e limitações nas atividades diárias); contudo, possui maior custo e não aumenta de modo significante o diagnóstico do refluxo ácido gastroesofágico patológico em relação à pHmetria esofágica convencional.
  • Perspectiva
    Este é o primeiro estudo brasileiro que comparou simultaneamente a pHmetria esofágica com e sem cateter, demonstrando melhor tolerabilidade no método com a cápsula. O alto custo e incapacidade de identificar o refluxo não ácido limitam o uso da pHmetria sem cateter na prática clínica. A impedâncio-pHmetria, consolidada como novo padrão-ouro para o diagnóstico do refluxo gastroesofágico, detecta vários tipos de refluxo (ácido, não ácido, líquido, gasoso).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2020
  • Aceito
    18 Set 2020
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