Acessibilidade / Reportar erro

BYPASS VS. SLEEVE E SEUS RESULTADOS NA DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA: QUAL A MELHOR TÉCNICA?

RESUMO

Racional:

Fortemente associada à obesidade, a doença hepática gordura não alcoólica é considerada a manifestação hepática da síndrome metabólica. Ela apresenta-se como esteatose simples e esteato-hepatite, podendo evoluir para cirrose e suas complicações. Entre as alternativas terapêuticas está a cirurgia bariátrica.

Objetivo:

Comparar o efeito sobre a doença hepática dos dois procedimentos bariátricos mais frequentes - sleeve e bypass - e comparar dados epidemiológicos, demográficos, parâmetros clínicos e laboratoriais.

Métodos:

Utilizou-se o resultado das biópsias hepáticas realizadas no intra-operatório e 12 meses após a operação. O NAFLD activity score foi utilizado para avaliar e comparar os estágios da doença hepática.

Resultados:

Dezesseis (66,7%) pacientes foram submetidos ao bypass e oito (33,3%) ao sleeve. Observou-se melhora significativa no IMC e glicemia nas duas técnicas cirúrgicas enquanto que os níveis de fosfatase alcalina, ferritina, Gama-GT e TGP reduziram com significância apenas no grupo bypass. A redução no NAFLD activity score foi significativamente maior no grupo bypass que no sleeve (p=0,040).

Conclusão:

Ambas as técnicas foram eficazes em promover a melhora da histologia hepática da maior parte dos pacientes operados. Quando comparadas o bypass apresentou melhores resultados.

DESCRITORES:
Bypass; Sleeve; Doença hepática gordurosa não alcoólica; Obesidade mórbida; Cirurgia bariátrica

ABSTRACT

Background:

Strongly associated with obesity, non-alcoholic fatty liver disease is considered the hepatic manifestation of the metabolic syndrome. It presents as simple steatosis and steatohepatitis, which can progress to cirrhosis and its complications. Among the therapeutic alternatives is bariatric surgery.

Aim:

To compare the effect of the two most frequent bariatric procedures (sleeve and bypass) on liver disease regarding to epidemiological, demographic, clinical and laboratory parameters.

Methods:

The results of intraoperative and 12 months after surgery liver biopsies were used. The NAFLD activity score (NAS) was used to assess and compare the stages of liver disease.

Results:

Sixteen (66.7%) patients underwent Bypass procedure and eight (33.3%) Sleeve. It was observed that the variation in the NAFLD activity score was significantly greater in the Bypass group than in Sleeve (p=0.028) and there was a trend regarding the variation in fibrosis (p=0.054).

Conclusion:

Both surgical techniques were effective in improving the hepatic histology of most operated patients. When comparing sleeve and bypass groups, bypass showed better results, according to the NAS score.

HEADINGS:
Bypass; Sleeve; Non-alcoholic fatty liver disease; Morbid obesity; Bariatric surgery

INTRODUÇÃO

A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) apresenta distribuição global e já é a doença hepática mais comum nos países industrializados do ocidente, provavelmente por estar fortemente relacionada com a obesidade, diabete melito tipo 2 (DM2), dislipidemia e síndrome metabólica. A prevalência de DHGNA é relatada como 6-35%, com média de 20%, na população geral3333 Williams CD, Stengel J, Asike MI, et al. Prevalence of nonalcoholic fatty liver disease and nonalcoholic steatohepatitis among a largely middle-aged population utilizing ultrasound and liver biopsy: a prospective study. Gastroenterology. 2011; 140(1):124-31..

Existem fortes evidências de que a DHGNA representa o componente hepático da síndrome metabólica, caracterizada por obesidade, hiperinsulinemia, resistência insulínica (RI), DM2, hipertrigliceridemia e hipertensão arterial sistêmica (HAS). Obesidade é um fator de risco comum e bem documentado para DHGNA. Em pacientes com a forma severa submetidos à cirurgia bariátrica, a prevalência de DHGNA pode exceder os 90%, com até 50% dos pacientes apresentando esteato-hepatite não alcoólica (NASH) e 5% cirrose66 Beymer C, Kowdley KV, Larson A, et al. Prevalence and predictors of asymptomatic liver disease in patients undergoing gastric Bypass surgery. Arch Surg. 2003;138(111):1240-4.,2525 NCD Risk Factor Collaboration (NCD-RisC). Trends in adult body-mass index in 200 countries from 1975 to 2014: a pooled analysis of 1698 population-based measurement studies with 19·2 million participants. Lancet. 2016;387:1377-96..

A ecografia abdominal é amplamente utilizada como a primeira linha na investigação da DHGNA, e evidência com qualidade o acúmulo de gordura quando este acomete mais de 33% dos hepatócitos.

A biópsia hepática é o método padrão-ouro para o diagnóstico da DHGNA. Consegue avaliar o grau de infiltração gordurosa, o dano hepatocelular, inflamação e fibrose. A presença histológica da balonização em associação com a esteatose é a chave para o diagnóstico diferencial entre esteatose simples e NASH2929 Saadeh S, Younossi ZM, Remer EM, et al. The utility of radiological imaging in nonalcoholic fatty liver disease. Gastroenterology. 2002;123(3):745-50..

Todos os pacientes com DHGNA devem ser submetidos a intervenções que visem promover estilo de vida mais saudável e controle rigoroso dos fatores de risco metabólico associados com DHGNA1717 Kirkil C, Aygen E, Korkmaz M F, Bozan M B. Quality of life after laparoscopic Sleeve gastrectomy using baros system. ABCD, arq. bras. cir. dig. 2018; 31(3): e1385.. A perda de peso figura como fator mais importante. Perdas relativamente pequenas de aproximadamente 7-10% do peso corporal em 12 meses parecem já ser efetivas na melhora da DHGNA1111 Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guidance from the American Association for the Study of Liver Deseases. Hepatology, vol 67, no 1, 2018.,2020 Marchesini G, Roden M, Vettor R, et al. The management of non-alcoholic fatty liver desease, EASL, EASD, EASO Clinical Practice Guidelines.The Journal of Hepatology, vol 64, 2016..

Obesidade e DM2 isolados ou interligados pela síndrome metabólica, são os fatores de risco mais importantes na gênese da DHGNA. Nesse contexto encontra-se o papel da cirurgia bariátrica. Diversos trabalhos consistentes ao longo dos últimos anos, culminando com a publicação de Philip Schauer e colaboradores em 20173131 Schauer PR, Bhatt DL, Kirwan JP, et al. Bariatric surgery versus intensive medical therapy for diabetes - 5 year outcomes. N Engl J Med. 2017;376:641-51 evidenciaram que tanto a perda de peso quanto o controle da glicemia e da síndrome metabólica têm sua maior efetividade com o tratamento cirúrgico, quando comparados com o tratamento clínico intensivo e otimizado, no curto, médio e longo prazos.

Embora ainda não existam ensaios clínicos randomizados sobre o papel da cirurgia bariátrica no tratamento da DHGNA, há na literatura diversos estudos retrospectivos e alguns prospectivos, além de algumas poucas metanálises, que avaliam o efeito do tratamento cirúrgico na DHGNA1-3,5, 8-10,12-14,16,20,21,23-26, 32, 34. As diretrizes da AASLD e EASL definem a cirurgia bariátrica como opção terapêutica na DHGNA, especialmente naqueles pacientes que não responderam ao tratamento clínico conservador1111 Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guidance from the American Association for the Study of Liver Deseases. Hepatology, vol 67, no 1, 2018.,2020 Marchesini G, Roden M, Vettor R, et al. The management of non-alcoholic fatty liver desease, EASL, EASD, EASO Clinical Practice Guidelines.The Journal of Hepatology, vol 64, 2016..

O bypass em Y-de-Roux (bypass) e a gastrectomia vertical (sleeve) têm sido comparados em diversos estudos para determinar qual possui maior benefício na perda de peso ou na resolução das comorbidades relacionadas à obesidade. Entretanto, pouco se sabe qual dessas técnicas está associada aos melhores resultados sobre a DHGNA. Existem poucos estudos comparativos, além disso, os existentes são casuísticas pequenas e com grande número de vieses, como heterogeneidade dos grupos e dos sistemas de avaliação77 Billeter AT, Senft J, Gotthardt D, et al. Combined non-alcoholic fatty liver disease and type 2 diabetes mellitus: Sleeve gastrectomy or gastric Bypass? - a controlled matched pair study of 34 patients. Obes Surg. 2016;26(8):1867-74.,1515 Froylich D, Corcelles R, Daigle C, et al. Effect of Roux-en-Y gastric Bypass and Sleeve gastrectomy on nonalcoholic fatty liver disease: a comparative study. Surg Obes Relat Dis. 2016;12(1):127-31.,2828 Praveen Raj P, Gomes RM, Kumar S, et al. The effect of surgically induced weight loss on nonalcoholic fatty liver disease in morbidly obese Indians: "NASHOST" prospective observational trial. Surg Obes Relat Dis. 2015;11(6):1315-22..

Em um grupo de pacientes obesos, o objetivo do presente estudo foi comparar as técnicas bariátricas sleeve e bypass em Y-de-Roux e seus efeitos sobre DHGNA, analisando dados epidemiológicos, demográficos, parâmetros clínicos e laboratoriais.

MÉTODOS

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição onde foi realizado. CAAE: 90475215500005335.

Seleção dos pacientes

Estudo retrospectivo onde foram avaliados pacientes submetidos a procedimentos de cirurgia bariátrica na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil, entre 2014 e 2016 por uma mesma equipe cirúrgica.

Apenas pacientes com biópsia hepática intraoperatória e pós-operatória foram incluídos no estudo. O tempo médio entre as biópsias foi de 12 meses.

Características demográficas (gênero e idade), parâmetros clínicos (peso, altura, IMC, HAS, perda de peso, excesso de peso perdido) e laboratoriais (plaquetas, FA, ferritina, GGT, TGO, TGP), análise histopatológica e escore NAS1616 Karcz WK, Krawczykowski D, Kuesters S, et al. Influence of Sleeve gastrectomy on NASH and type 2 diabetes mellitus. J Obes. 2011;2011:765473. foram os dados coletados e analisados.

Técnica operatória

Todos os procedimentos foram realizados por videolaparoscopia.

O sleeve foi confeccionado com liberação da grande curvatura gástrica desde 3 cm do piloro até a flexura esofagogástrica. A secção gástrica foi calibrada com sonda de Fouchet 36F e realizada sutura de reforço contínua transfixante com Caprofyl® 2.0.

No bypass foi confeccionada bolsa gástrica com 4 cm de comprimento calibrada com sonda de Fouchet 36F, alça alimentar com 100 cm e alça biliopancreática com 120 cm. A anastomose gastroentérica foi realizada de forma laterolateral com grampeador linear calibrada com sonda de Fouchet 36F.

Avaliação histopatológica

Todas as amostras hepáticas foram analisadas pelo laboratório de patologia do hospital por um mesmo profissional experiente em patologia hepática. O NAFLD activity score (NAS) foi utilizado para avaliar e comparar os estágios da doença hepática1818 Kleiner DE, Brunt EM, Van Natta M, et al. Design and validation of a histological scoring system for nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2005;41(6): 1313-21.. Propõe-se caracterização da DHGNA quanto ao grau de esteatose, presença de balonização e atividade da inflamação. Pontua-se a análise histológica de 0 a 3, a saber: grau de esteatose (0-3), inflamação lobular (0-3) e balonização (0-2). O grau de fibrose foi avaliado semiquantitativamente com escala de 0 a 4.

Análise estatística

Os resultados categóricos foram apresentados através de frequência e percentual e foram analisados através do teste X22 Almogy G, Crookes PF, Anthone GJ. Longitudinal gastrectomy as a treatment for the high-risk super-obese patient. Obes Surg. 2004;14(4):492-7. (qui-quadrado). O teste da razão de verossimilhança foi realizado nas comparações em que havia mais de 20% das células com valor esperado inferior a 20%. Os resultados quantitativos foram exibidos através de médias±desvios-padrão e, quando normalmente distribuídos, analisados através dos testes t de Student para amostras pareadas e independentes; quando não paramétricos, através dos testes Wilcoxon e Mann-Whitney. A normalidade dos dados foi verificada através do teste Shapiro-Wilk. A variação do escore NAS foi calculada como a diferença do escore pós em relação ao intra-operatório. As análises foram realizadas com o software SPSS, versão 21 e foram considerados resultados significativos quando p <0,05.

RESULTADOS

Foram avaliados 24 pacientes obesos submetidos a cirurgia bariátrica, sendo 16 (66,7%) ao bypass e oito ao sleeve com tempo de segmento médio de 21,3±16 meses e 15,5±12,5 meses, respectivamente (p=0,380). Dos submetidos ao bypass 68,8% eram mulheres vs. 75% no sleeve (p=0,571); 31,3% eram hipertensos vs. 37,5% no sleeve (p=0,553); idade e peso máximo foram 38,6±11,3 anos e 119,1±14,1 kg, respectivamente vs. 36,7±8,4 anos, p=0,692 e 119,1±13,5, p=0,999 no grupo sleeve. Ademais, as duas técnicas foram similares também quanto à perda de peso (44,2±15,1kg vs. 37,9±7,4 kg, p=0,180, respectivamente) e ao excesso de peso perdido (84,4±29,8 kg vs. 83,2±26,8 kg, p=0,904, respectivamente).

Na Tabela 1 são apresentados os resultados dos parâmetros clínicos e laboratoriais no pré-operatório e após a realização dos procedimentos cirúrgicos. Em ambos os momentos e em todos os parâmetros analisados não foram encontradas evidências significativas de diferença entre as técnicas. Entretanto, houve reduções significativas de IMC e glicemia nas duas técnicas analisadas enquanto que as reduções de fosfatase alcalina, ferritina, GGT e TGP foram significativas apenas no grupo bypass.

TABELA 1
Parâmetros clínicos e laboratoriais pré e pós-operatórios de acordo com o tipo de operação realizada

Quanto à evolução do grau de DHGNA avaliada na segunda biópsia com relação a primeira, 19 (79,2%) pacientes apresentaram melhora, dois (8,3%) permaneceram no mesmo grau e três (12,5%) pioraram. Houve associação significativa da evolução com o procedimento cirúrgico adotado (p=0,024). Do grupo sleeve, três (37,5%) pioraram o grau contra nenhum paciente do grupo bypass (Figura 1).

FIGURA 1
Evolução do grau de DHGNA

Na Tabela 2 são apresentadas as diferenças na classificação NAS1616 Karcz WK, Krawczykowski D, Kuesters S, et al. Influence of Sleeve gastrectomy on NASH and type 2 diabetes mellitus. J Obes. 2011;2011:765473. também entre a primeira e segunda biópsias. Em todas as categorias foi observada redução significativa quando a técnica utilizada era o bypass. Porém, quando era o sleeve, apenas esteatose e o escore NAS apresentaram reduções significativas.

TABELA 2
Comparação entre a primeira e segunda biópsias hepáticas

A magnitude das variações foi comparada entre os grupos sem diferença significativa entre eles (p>0,05), exceto pelo escore NAS apresentado na Figura 2, cuja redução observada no bypass foi significativamente superior a do sleeve (-3,81±1,80 vs. -1,87±2,10, respectivamente; p=0,040).

FIGURA 2
Comparação da variação média do escore NAS

DISCUSSÃO

De maneira geral, em nosso meio o Bypass ainda é a técnica mais utilizada; entretanto, nos últimos anos, houve aumento importante na realização da gastrectomia vertical, o que segue a tendência mundial de preferência técnica atualmente44 Angrisani L, Santonicola A, Iovino P, et al. Bariatric surgery and endoluminal procedures: IFSO worldwide survey 2014. Obes Surg. 2017;27(9):2279-89..

Historicamente, pacientes com obesidade mórbida ou aqueles com presença de sinais e sintomas clínicos da síndrome metabólica tinham nas operações de caráter misto (bypass) - com componente restritivo e disabsortivo -, sua indicação mais frequente. Procedimento puramente restritivo - gastrectomia vertical - técnica relativamente mais recente, inicialmente foi indicada para pacientes com obesidade grau II ou IMCs muito elevados como maiores que 60 kg/m², abrangendo aqueles onde a perda de peso necessária não era demasiada ou aqueles onde as operações mistas se tornavam impraticáveis devido ao grande excesso de peso. Sendo assim, por vezes se tornou difícil comparar os resultados entre as técnicas, já que os pacientes geralmente apresentavam diferenças clínicas e epidemiológicas importantes tornando os grupos estatisticamente distintos.

No presente estudo, avaliando-se as características demográficas de ambos os grupos - bypass e sleeve - observou-se que não houve diferenças estatísticas entre eles. Gênero, raça e idade foram similares. HAS se mostrou presente em aproximadamente 30% dos pacientes. Não havia pacientes diabéticos e a glicemia média foi praticamente a mesma nos dois grupos, 100 mg/dl. Com relação ao peso, IMC, exames laboratoriais - plaquetas, fosfatase alcalina, ferritina, gama-GT, glicemia, TGO e TGP pré-operatórios - os grupos também apresentaram similaridade. Essa paridade entre os grupos contribui para análise comparativa mais fidedigna com menor incidência de vieses.

Já amplamente discutidos e consolidados na literatura, estes procedimentos bariátricos têm importante efeito sobre o emagrecimento. No presente trabalho, no seguimento médio de 12 meses, o IMC apresentou redução média 16,3±5,23 kg/m2 e 13,4±2,7 kg/m2 no bypass e sleeve, respectivamente. Essa redução representa a perda média para ambas as técnicas de aproximadamente 84% do excesso de peso corporal. Como já publicado anteriormente por diversos autores e, mais recentemente, por Peterli e cols.2727 Peterli R, Wölnerhanssen BK, Peters T, et al. Effect of Laparoscopic Sleeve Gastrectomy vs Laparoscopic Roux-en-Y Gastric Bypass on Weight Loss in Patients With Morbid Obesity: The SM-BOSS Randomized Clinical Trial. JAMA. 2018 Jan 16;319(3):255-265., a tendência é não haver diferenças estatísticas entre bypass e sleeve quando considerar-se a perda de peso a curto, médio e em longo prazos.

Analisando separadamente a glicemia, observou-se que ambas as técnicas cirúrgicas foram eficazes, reduzindo estatisticamente os níveis séricos de glicose em 17,3±15,7 mg/dl e 12,5± 9,4 mg/dl, considerando bypass e sleeve respectivamente. Quando comparados os resultados finais entre as técnicas, vê-se tendência favorável ao bypass (p=0,059), a depender de casuística maior. Nos últimos anos associou-se às técnicas com desvio intestinal condição de mudança metabólica que levaria a resultados melhores sobre o controle da glicemia, comparativamente às técnicas puramente restritivas. O aumento dos hormônios intestinais como o GLP-1 e o PYY, resultado do contato mais precoce do alimento com o íleo, seria o responsável por esse fato. Porém, mais recentemente, ainda que sem explicação fisiopatológica consagrada, há trabalhos mostrando resultado similar entre o sleeve e bypass no que se refere ao controle da glicemia3030 Salminen P, Helmio M, Ovaska J, et al. Effect of Laparoscopic Sleeve Gastrectomy vs Laparoscopic Roux-en-Y Gastric Bypass on Weight Loss at 5 year among patients with morbid obesity: the Sleevepass randomized clinical trial. JAMA 2018 Jan 16;319(3):241-254..

Considerando os demais exames laboratoriais avaliados no estudo, observamos que no bypass houve melhora significativa nos níveis de fosfatase alcalina, ferritina, Gama-GT e TGP, o que não ocorreu no sleeve. TGO e plaquetas não apresentaram alterações com significância.

Como já mencionado anteriormente, o mecanismo pelo qual a cirurgia bariátrica desempenha potencial tratamento para a DHGNA é complexo e ainda não completamente elucidado. Provavelmente está relacionado com a melhora de fatores como resistência insulínica, perfil lipídico, inflamação, perda de peso e adipocinas, os quais estão envolvidos diretamente no desenvolvimento da síndrome metabólica e, consequentemente, no seu fenótipo hepático, a DHGNA. Essas alterações acontecem logo após o procedimento cirúrgico, durante a fase em que a perda de peso ainda não é significativa. Está claro que a perda de peso possui papel fundamental no controle das anormalidades metabólicas; entretanto, as alterações endocrinofisiológicas decorrentes da operação podem apresentar efeito mais relevante a longo prazo na DHGNA. Na prática, esses achados foram confirmados por diversos trabalhos publicados na literatura internacional. Assim como no presente estudo, a DHGNA em seus variados estágios, esteatose simples, NASH e fibrose, apresenta importante melhora após o procedimento bariátrico, seja ele o bypass ou sleeve11 Algooneh A, Almazeedi S, Al-Sabah S, et al. Nonalcoholic fatty liver disease resolution following Sleeve gastrectomy. Surg Endosc. 2016;30(5):1983-7.,99 Caiazzo R, Lassailly G, Leteurtre E, et al. Roux-en-Y gastric Bypass versus adjustable gastric banding to reduce nonalcoholic fatty liver disease: a 5-year controlled longitudinal study. Ann Surg. 2014;260(5):893-8; discussion 898-9.,1010 Cazzo E, Jimenez LS, Pareja JC, Chaim EA. Effect of Roux-en-Y gastric Bypass on nonalcoholic fatty liver disease evaluated through NAFLD fibrosis score: a prospective study. Obes Surg. 2015;25(6):982-5.,1313 Clark JM, Alkhuraishi AR, Solga SF, et al. Roux-en-Y gastric Bypass improves liver histology in patients with non-alcoholic fatty liver disease. Obes Res. 2005;13(7):1180-6.,1414 Deitel M, Gagner M, Erickson AL, Crosby RD. Third international summit: current status of Sleeve gastrectomy. Surg Obes Relat Dis. 2011;7:749-759.,1616 Karcz WK, Krawczykowski D, Kuesters S, et al. Influence of Sleeve gastrectomy on NASH and type 2 diabetes mellitus. J Obes. 2011;2011:765473.,1919 Lassailly G, Caiazzo R, Buob D, et al. Bariatric surgery reduces features of non-alcoholic steatohepatitis in morbidly obese patients. Gastroenterology. 2015;149:377-88.,2121 Mattar SG, Velcu LM, Rabinovitz M, et al. Surgically-induced weight loss significantly improves nonalcoholic fatty liver disease and the metabolic syndrome. Ann Surg. 2005;242(4):610-7; discussion 618-20,2222 Moretto M, Kupski C, da Silva VD, et al. Effect of bariatric surgery on liver fibrosis. Obes Surg. 2012;22(7):1044-9.,2323 Mottin CC, Moretto M, Padoin AV, et al. Histological behavior of hepatic steatosis in morbidly patients with obesity after weight loss induced by bariatric surgery. Obes Surg. 2005;15(6):788-93..

Entretanto, pode-se observar que parte dos pacientes operados não apresenta melhora ou pode piorar o grau da DHGNA, dado que oscila entre 7-20% dos pacientes2222 Moretto M, Kupski C, da Silva VD, et al. Effect of bariatric surgery on liver fibrosis. Obes Surg. 2012;22(7):1044-9.,2323 Mottin CC, Moretto M, Padoin AV, et al. Histological behavior of hepatic steatosis in morbidly patients with obesity after weight loss induced by bariatric surgery. Obes Surg. 2005;15(6):788-93.,3232 Vargas V, Allende H, Lecube A, et al. Surgically induced weight loss by gastric Bypass improves non-alcoholic fatty liver disease in morbid obese patients. World J Hepatol. 2012;4(12):382-8.. No presente estudo observou-se que cinco pacientes (20,8%) não apresentaram resolução completa da DHGNA. Destes, três (12,5%) apresentaram progressão da doença, todos submetidos ao sleeve.

Na análise quantitativa da DHGNA, o grupo bypass apesentou melhora significativa em todos os parâmetros do NAS (esteatose, inflamação e balonização), na fibrose e no próprio escore NAS entre a primeira e segunda biópsias. No grupo sleeve, a significância estatística foi observada apenas na categoria esteatose e no escore NAS. Na comparação da magnitude da variação nos parâmetros entre os grupos, observou-se que esta foi significativamente maior no grupo bypass (-3,81±1,80 vs. -1,87±2,10; p=0,040).

Em consonância com a literatura, no presente estudo encontrou-se expressiva melhora da DHGNA após os procedimentos bariátricos, seja na operação puramente restritiva, como sleeve, ou na mista, como o bypass. Contudo, diferentemente dos achados prévios publicados por Froylich1515 Froylich D, Corcelles R, Daigle C, et al. Effect of Roux-en-Y gastric Bypass and Sleeve gastrectomy on nonalcoholic fatty liver disease: a comparative study. Surg Obes Relat Dis. 2016;12(1):127-31., Billeter77 Billeter AT, Senft J, Gotthardt D, et al. Combined non-alcoholic fatty liver disease and type 2 diabetes mellitus: Sleeve gastrectomy or gastric Bypass? - a controlled matched pair study of 34 patients. Obes Surg. 2016;26(8):1867-74. e Praveen2828 Praveen Raj P, Gomes RM, Kumar S, et al. The effect of surgically induced weight loss on nonalcoholic fatty liver disease in morbidly obese Indians: "NASHOST" prospective observational trial. Surg Obes Relat Dis. 2015;11(6):1315-22., os quais apresentaram os resultados operatórios sobre a DHGNA comparando as técnicas sleeve e bypass e não encontraram diferenças estatísticas ou tenderam ao sleeve como procedimento de melhores resultados, no presente estudo o bypass apresentou melhores efeitos sobre a DHGNA, inclusive com diferença estatística quando considerada a evolução do escore NAS. Não há no momento clara explicação, mas é provável que as alterações anatômicas, particularmente a exclusão duodenal, o aumento do fluxo de nutrientes ao intestino delgado distal e as mudanças hormonais e metabólicas decorrentes relacionadas ao bypass sejam os responsáveis por esses achados.

A natureza retrospectiva do estudo, o pequeno número de pacientes entre os grupos e os possíveis vieses de seleção são limitações importantes que devem ser consideradas quando são analisados estes resultados.

CONCLUSÃO

Ambas as técnicas, sleeve e bypass, foram eficazes em reestabelecer a histologia hepática na maior parte dos pacientes operados. O IMC e a glicemia apresentaram melhora significativa nas duas técnicas cirúrgicas, sem diferença significativa dos resultados entre elas. Os níveis de fosfatase alcalina, ferritina, Gama-GT e TGP reduziram com significância apenas no grupo bypass, mas ao final não diferiram dos valores observados no sleeve. Porém, o bypass apresentou significativamente melhor resultado na variação do escore NAS que o sleeve.

REFERENCES

  • 1
    Algooneh A, Almazeedi S, Al-Sabah S, et al. Nonalcoholic fatty liver disease resolution following Sleeve gastrectomy. Surg Endosc. 2016;30(5):1983-7.
  • 2
    Almogy G, Crookes PF, Anthone GJ. Longitudinal gastrectomy as a treatment for the high-risk super-obese patient. Obes Surg. 2004;14(4):492-7.
  • 3
    Angrisani L, Santonicola A, Iovino P, et al. Bariatric surgery and endoluminal procedures: IFSO worldwide survey 2014. Obes Surg. 2017;27(9):2279-89.
  • 4
    Angrisani L, Santonicola A, Iovino P, et al. Bariatric surgery and endoluminal procedures: IFSO worldwide survey 2014. Obes Surg. 2017;27(9):2279-89.
  • 5
    Barros F, Negrão M G, Negrão G G. Weight loss comparison after Sleeve and Roux-en-Y Gastric Bypass: systematic review. ABCD, Arq. Bras. Cir. Dig. 2019; 32(4): e1474.
  • 6
    Beymer C, Kowdley KV, Larson A, et al. Prevalence and predictors of asymptomatic liver disease in patients undergoing gastric Bypass surgery. Arch Surg. 2003;138(111):1240-4.
  • 7
    Billeter AT, Senft J, Gotthardt D, et al. Combined non-alcoholic fatty liver disease and type 2 diabetes mellitus: Sleeve gastrectomy or gastric Bypass? - a controlled matched pair study of 34 patients. Obes Surg. 2016;26(8):1867-74.
  • 8
    Bower G, Athanasiou T, Isla AM, et al. Bariatric surgery and nonalcoholic fatty liver disease. Eur J Gastroenterol Hepatol. 2015;27(7):755-68.
  • 9
    Caiazzo R, Lassailly G, Leteurtre E, et al. Roux-en-Y gastric Bypass versus adjustable gastric banding to reduce nonalcoholic fatty liver disease: a 5-year controlled longitudinal study. Ann Surg. 2014;260(5):893-8; discussion 898-9.
  • 10
    Cazzo E, Jimenez LS, Pareja JC, Chaim EA. Effect of Roux-en-Y gastric Bypass on nonalcoholic fatty liver disease evaluated through NAFLD fibrosis score: a prospective study. Obes Surg. 2015;25(6):982-5.
  • 11
    Chalasani N, Younossi Z, Lavine JE, et al. The diagnosis and management of non-alcoholic fatty liver disease: practice guidance from the American Association for the Study of Liver Deseases. Hepatology, vol 67, no 1, 2018.
  • 12
    Chavez-Tapia NC, Tellez-Avila FI, Barrientos-Gutierrez T, et al. Bariatric surgery for non-alcoholic steatohepatitis in obese patients. Cochrane Detabase Syst Rev. 2010; 20(1):CD007340.
  • 13
    Clark JM, Alkhuraishi AR, Solga SF, et al. Roux-en-Y gastric Bypass improves liver histology in patients with non-alcoholic fatty liver disease. Obes Res. 2005;13(7):1180-6.
  • 14
    Deitel M, Gagner M, Erickson AL, Crosby RD. Third international summit: current status of Sleeve gastrectomy. Surg Obes Relat Dis. 2011;7:749-759.
  • 15
    Froylich D, Corcelles R, Daigle C, et al. Effect of Roux-en-Y gastric Bypass and Sleeve gastrectomy on nonalcoholic fatty liver disease: a comparative study. Surg Obes Relat Dis. 2016;12(1):127-31.
  • 16
    Karcz WK, Krawczykowski D, Kuesters S, et al. Influence of Sleeve gastrectomy on NASH and type 2 diabetes mellitus. J Obes. 2011;2011:765473.
  • 17
    Kirkil C, Aygen E, Korkmaz M F, Bozan M B. Quality of life after laparoscopic Sleeve gastrectomy using baros system. ABCD, arq. bras. cir. dig. 2018; 31(3): e1385.
  • 18
    Kleiner DE, Brunt EM, Van Natta M, et al. Design and validation of a histological scoring system for nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2005;41(6): 1313-21.
  • 19
    Lassailly G, Caiazzo R, Buob D, et al. Bariatric surgery reduces features of non-alcoholic steatohepatitis in morbidly obese patients. Gastroenterology. 2015;149:377-88.
  • 20
    Marchesini G, Roden M, Vettor R, et al. The management of non-alcoholic fatty liver desease, EASL, EASD, EASO Clinical Practice Guidelines.The Journal of Hepatology, vol 64, 2016.
  • 21
    Mattar SG, Velcu LM, Rabinovitz M, et al. Surgically-induced weight loss significantly improves nonalcoholic fatty liver disease and the metabolic syndrome. Ann Surg. 2005;242(4):610-7; discussion 618-20
  • 22
    Moretto M, Kupski C, da Silva VD, et al. Effect of bariatric surgery on liver fibrosis. Obes Surg. 2012;22(7):1044-9.
  • 23
    Mottin CC, Moretto M, Padoin AV, et al. Histological behavior of hepatic steatosis in morbidly patients with obesity after weight loss induced by bariatric surgery. Obes Surg. 2005;15(6):788-93.
  • 24
    Mummadi RR, Kasturi KS, Chennareddygari S, Sood GK. Effect of bariatric surgery on nonalcoholic fatty liver disease: systematic review and meta- analysis. Clin Gastroenterol Hepatol. 2008;6(12):1396-402.
  • 25
    NCD Risk Factor Collaboration (NCD-RisC). Trends in adult body-mass index in 200 countries from 1975 to 2014: a pooled analysis of 1698 population-based measurement studies with 19·2 million participants. Lancet. 2016;387:1377-96.
  • 26
    Palermo M, Serra E, Duza G. N-Sleeve gastrectomy: an option for obesity and GERD. ABCD, arq. bras. cir. dig. 2019; 32(4): e1482.
  • 27
    Peterli R, Wölnerhanssen BK, Peters T, et al. Effect of Laparoscopic Sleeve Gastrectomy vs Laparoscopic Roux-en-Y Gastric Bypass on Weight Loss in Patients With Morbid Obesity: The SM-BOSS Randomized Clinical Trial. JAMA. 2018 Jan 16;319(3):255-265.
  • 28
    Praveen Raj P, Gomes RM, Kumar S, et al. The effect of surgically induced weight loss on nonalcoholic fatty liver disease in morbidly obese Indians: "NASHOST" prospective observational trial. Surg Obes Relat Dis. 2015;11(6):1315-22.
  • 29
    Saadeh S, Younossi ZM, Remer EM, et al. The utility of radiological imaging in nonalcoholic fatty liver disease. Gastroenterology. 2002;123(3):745-50.
  • 30
    Salminen P, Helmio M, Ovaska J, et al. Effect of Laparoscopic Sleeve Gastrectomy vs Laparoscopic Roux-en-Y Gastric Bypass on Weight Loss at 5 year among patients with morbid obesity: the Sleevepass randomized clinical trial. JAMA 2018 Jan 16;319(3):241-254.
  • 31
    Schauer PR, Bhatt DL, Kirwan JP, et al. Bariatric surgery versus intensive medical therapy for diabetes - 5 year outcomes. N Engl J Med. 2017;376:641-51
  • 32
    Vargas V, Allende H, Lecube A, et al. Surgically induced weight loss by gastric Bypass improves non-alcoholic fatty liver disease in morbid obese patients. World J Hepatol. 2012;4(12):382-8.
  • 33
    Williams CD, Stengel J, Asike MI, et al. Prevalence of nonalcoholic fatty liver disease and nonalcoholic steatohepatitis among a largely middle-aged population utilizing ultrasound and liver biopsy: a prospective study. Gastroenterology. 2011; 140(1):124-31.
  • 34
    Zilberstein B, Santo M A, Carvalho M H. Critical analysis of surgical treatment techniques of morbid obesity. ABCD, arq. bras. cir. dig. 2019; 32(3): e1450.
  • Financiamento:

    não há
  • Mensagem central

    Ao comparar o resultado sobre o fígado dos dois procedimentos bariátricos mais frequentes - sleeve e bypass - ambos foram eficazes em promover melhora histológica da doença hepática gordurosa não alcoólica. Quando comparados, o bypass apresentou melhores resultados.
  • Perspectivas

    A doença hepática gordurosa não alcoólica é considerada a manifestação hepática da síndrome metabólica e tem a cirurgia bariátrica como alternativa terapêutica. Ambas as técnicas mais utilizadas - sleeve e bypass - foram eficazes em promover melhora da histologia hepática. Quando comparadas através do NAFLD activity score, o bypass apresentou melhores resultados, aparecendo como operação de escolha para esse fim, a depender de mais estudos, principalmente ensaios clínicos randomizados.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2020
  • Aceito
    16 Jul 2020
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com