Open-access CARACTERÍSTICAS FENOTÍPICAS DE PACIENTES COM OBESIDADE SUBMETIDOS A DERIVAÇÃO GÁSTRICA EM Y-DE-ROUX: QUAL AS REAIS MUDANÇAS COMPARANDO-SE 5 A 10 ANOS DE ACOMPANHAMENTO?

RESUMO

Racional:   A cirurgia bariátrica promove importante perda ponderal e melhora das comorbidades associadas; entretanto, deficiências nutricionais e reganho de peso podem ocorrer no pós-operatório médio e tardio.

Objetivo:   Investigar a evolução do estado nutricional de pacientes após cinco e 10 anos de pós-operatório.

Método:   Estudo retrospectivo longitudinal, no qual indicadores antropométricos, bioquímicos e a ingestão alimentar foram avaliados no período pré-operatório e após um, dois, três, quatro, cinco e dez anos da operação, por meio de revisão de prontuários.

Resultados:   Após 10 anos observou-se redução de 29,2% do peso inicial; no entanto, 87,1% dos pacientes tiveram reganho significativo de peso. Além disso, houve aumento da incidência de deficiência de ferro (9,2% para 18,5%), vitamina B12 (4,2% para 11,1%) e magnésio (14,1% para 14,8%). As concentrações de ácido fólico aumentaram e a porcentagem de indivíduos com alterações na glicemia (40,4% a 3,7%), triglicérides (38% a 7,4%), colesterol HDL (31% a 7,4%) e ácido úrico (70,5% a 11,1%) diminuiu. Além disso, houve redução na ingestão alimentar no primeiro ano de pós-operatório. Após 10 anos, houve aumento na ingestão de energia, proteína e lipídios, e redução na de ácido fólico.

Conclusões:   A derivação gástrica em Y-de-Roux é procedimento eficaz para promover perda de peso e melhorar as comorbidades associadas à obesidade. Entretanto, a comparação entre os períodos pós-operatórios de cinco e 10 anos mostrou que uma porcentagem de pacientes apresenta deficiências de vitaminas e minerais e reganho de peso significativo, evidenciando a necessidade do acompanho nutricional no período pós-operatório.

DESCRITORES: Obesidade; Cirurgia bariátrica; Deficiencias nutricionais; Reganho de peso

ABSTRACT

Background   : Bariatric surgery promotes significant weight loss and improvement of associated comorbidities; however, nutrients deficiencies and weight regain may occur in the middle-late postoperative period.

Aim:   To investigate nutritional status in 10 years follow-up.

Methods   : Longitudinal retrospective study in which anthropometric, biochemical indicators and nutritional intake were assessed before and after one, two, three, four, five and ten years of Roux-en Y gastric bypass through analysis of medical records.

Results   : After ten years there was a reduction of 29.2% of initial weight; however, 87.1% of patients had significant weight regain. Moreover, there was an increase of incidence of iron (9.2% to 18.5%), vitamin B12 (4.2% to 11.1%) and magnesium deficiency (14.1% to 14.8%). Folic acid concentrations increased and the percentage of individuals with glucose (40.4% to 3.7%), triglycerides (38% to 7.4%), HDL cholesterol (31 % to 7.4%) and uric acid (70.5% to 11.1%) abnormalities reduced. Also, there is a reduction of food intake at first year postoperative. After 10 years, there was an increase in energy, protein and lipid intake, also a reduction in folid acid intake.

Conclusions   : Roux-en Y gastric bypass is an effective procedure to promote weight loss and improve comorbidities associated with obesity. However, comparison between postoperative period of five and 10 years showed a high prevalence of minerals deficiency and a significant weight regain, evidencing the need for nutritional follow-up in the postoperative period.

HEADINGS: Obesity; Bariatric surgery; Nutritional deficiencies; Weight regain

INTRODUÇÃO

A obesidade é doença crônica que afeta milhões de indivíduos e sua incidência continua a aumentar em proporções pandêmicas27. Atualmente a cirurgia bariátrica é considerada um dos tratamentos mais efetivos, resultando em perda significativa de peso, além da melhora de comorbidades associadas18,19. Entre as técnicas cirúrgicas, a derivação gástrica em Y-de-Roux (DGYR) é o procedimento cirúrgico mais comumente realizado18,19.

Apesar dos resultados favoráveis associados à cirurgia bariátrica, as deficiências nutricionais são muito comuns, devido às alterações da ingestão alimentar, bem como a redução da capacidade gástrica e da superfície de absorção intestinal10,39. Desse modo a suplementação de micronutrientes é recomendada para prevenir tais deficiências pós-cirúrgicas10,38. Além disso, vários estudos em longo prazo identificaram recuperação do peso perdido em boa parcela dos pacientes, o que pode ser atribuído à presença de distúrbios alimentares, dilatação da bolsa gástrica, inatividade física, alterações endócrinas e metabólicas2,8,17,21,28.

Dado à importância de avaliar pacientes submetidos a DGYR no pós-operatório médio e tardio, este estudo teve como objetivo avaliar a evolução do estado nutricional, incluindo mudanças no perfil antropométrico e bioquímico em até 10 anos de DGYR, contribuindo para uma melhor compreensão das consequências do tratamento nesse período.

MÉTODOS

Pacientes e desenho do estudo

Trata-se de um estudo longitudinal retrospectivo realizado em pacientes com obesidade alta (Índice de massa corporal - IMC>35 kg/m²) submetidos à cirurgia bariátrica por DGYR entre os anos 2000 e 2009, seguidos no centro de cirurgia bariátrica de um hospital público. Foram excluídos pacientes submetidos à modificação da técnica cirúrgica, os que perderam seguimento com a equipe médica e aqueles que evoluíram ao óbito.

A coleta de dados antropométricos e bioquímicos de pré-operatório e pós-operatório (um, dois, três, quatro, cinco e 10 anos após a operação) foi realizada por meio de revisão de registros médicos. O estudo incluiu todos os pacientes submetidos à DGYR nesse serviço com pelo menos 10 anos após o procedimento. O estudo foi conduzido após aprovação pelo Comitê de Ética da instituição.

Procedimento cirúrgico

O procedimento cirúrgico consistiu em redução da capacidade 20-50 ml da capacidade gástrica e de bypass do duodeno e jejuno proximal, com alças alimentar e biliopancreática medindo cerca de 100 cm. Todas as operações foram realizadas por laparotomia e pela mesma equipe de cirurgiões. Todos os pacientes foram submetidos à suplementação multivitamínica diária ao longo do estudo, começando no 15º dia após a operação. De acordo com a recomendação, os pacientes ingeriram uma cápsula por dia do suplemento Maternal®.

Características fenotípicas

Para avaliação antropométrica foram utilizados o peso, estatura, índice de massa corporal (IMC), percentual de perda de excesso de peso (%PEP) e reganho de peso. A %PEP foi calculada por meio da diferença entre o peso pré-operatório e o peso ideal (IMC=22 kg/m²). O reganho de peso (%) foi calculado pela diferença percentual entre o peso final no período pós-operatório de 10 anos e o menor peso alcançado ao longo do pós-operatório. Um ponto de corte de 10% foi estabelecido para indicar a ocorrência de reganho de peso significativo16.

Parâmetros bioquímicos glicemia, colesterol total (TC), fração de lipoproteína de alta densidade (HDLc), fração de lipoproteína de baixa densidade (LDLc), triglicerídeos (TG), hemoglobina, hematócrito, ferro, capacidade de ligação de ferro latente (LIBC), magnésio, cálcio, vitamina B12, ácido fólico, proteína total, albumina, ácido úrico, zinco, fósforo inorgânico, ureia, creatinina, gamaglutamiltranspeptidase (gama-GT), aspartato aminotransferase (AST) e alanina aminotransferase (ALT) foram determinados de acordo com testes realizados rotineiramente pelo centro de cirurgia bariátrica.

A ingestão alimentar foi avaliada por meio do recordatório alimentar de 24 h e o consumo de energia, macronutrientes (carboidratos, proteínas e lípidos) e micronutrientes (ferro, cálcio, ácido fólico e vitamina B12) foram calculados por um software específico. Além disso, sintomas como vômito e a facilidade/dificuldade de ingerir alimentos específicos foram avaliados de acordo com os relatos dos pacientes (sim ou não, questões objetivas).

Análise estatística

Os valores foram expressos por média±desvio-padrão (DP). O modelo de regressão linear com efeitos mistos foi utilizado para a avaliação longitudinal das variáveis antropométricas e bioquímicas, com o auxílio software SAS® 9.3, utilizando a PROC MIXED. Estabeleceu-se como significantes valores de p<0,05.

RESULTADOS

Foram realizadas 830 operações bariátricas, até o momento, no referido hospital. Dos pacientes submetidos ao procedimento, 441 e 110 completaram cinco e 10 anos de pós-operatório, respectivamente, e seus prontuários foram selecionados para o presente estudo. Desses, 82,7% eram mulheres e a média de idade foi de 44,4±10,4 anos.

De acordo com os indicadores antropométricos no período pré e pós-operatório (Tabela 1), foi observado redução de peso até o segundo ano após a operação e manutenção dos valores nos três anos seguintes. Após cinco anos, a perda de peso total foi de 34,3%, correspondendo a 59,8% do excesso de peso. De fato, 75,3% dos pacientes atingiram mais de 50% de %PEP nesse período. No entanto, apesar da perda de peso em grande parte dos pacientes, observou-se que 40% tiveram reganho de peso significativo após cinco anos de DGYR (p<0.05). A classificação do estado nutricional pelo IMC mostrou redução no número de pacientes com obesidade grau III, mas apenas 4,8% atingiram a faixa de eutrofia. No entanto, embora tenha ocorrido perda de 29,2% do peso pré-operatório após 10 anos de DGYR, correspondendo a 51.5% do excesso de peso, esse mesmo período foi evidenciado pelo maior número de pacientes (87,1%) que tiverem reganho de peso.

TABELA 1
Evolução dos indicadores antropométricos no período pré-operatório e pós-operatório de 1, 2, 3, 4, 5 e 10 anos da DGYR

A Tabela 2 mostra a evolução dos exames de glicemia de jejum e lipidograma antes e após a operação. Observa-se que as principais alterações ocorreram no primeiro ano pós-cirúrgico, com redução significativa dos valores de glicemia e triglicérides (TG) e aumento da fração de colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDLc). Essas alterações permaneceram até o décimo ano pós-operatório. Houve redução das concentrações séricas de colesterol total (CT) e fração de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDLc) até o primeiro ano após o tratamento cirúrgico. No entanto, após cinco anos, 23% e 18% dos pacientes apresentaram aumento de CT e LDLc, respectivamente, permanecendo até o final do estudo

TABELA 2
Evolução dos indicadores bioquímicos de glicemia de jejum e lipidograma no período pré-operatório e pós-operatório de 1, 2, 3, 4, 5 e 10 anos da DGYR

Além disso, os níveis séricos de hemoglobina e hematócrito foram reduzidos e mantidos até o final do estudo. A ferritina diminuiu significativamente até o segundo ano pós-operatório, sem alterações nos valores após esse período. No primeiro e segundo ano pós-operatório evidenciou-se aumento das concentrações de ferro. No entanto, após 10 anos, 18,5% e 11,1% dos pacientes apresentavam deficiência de ferro e ferritina, respectivamente (Tabela 3).

TABELA 3
Evolução dos indicadores bioquímicos do metabolismo do ferro no período pré-operatório e pós-operatório de 1, 2, 3, 4, 5 e 10 anos da DGYR.

Após o primeiro ano da operação observou-se redução das concentrações de proteínas totais e vitamina B12, com manutenção dos valores até o quinto pós-operatório. Contudo, no mesmo período, não houve alterações nas concentrações de albumina e notou-se aumento dos níveis séricos do ácido fólico. Ao final do estudo, 11,1% dos pacientes apresentaram deficiência de vitamina B12 (Tabela 4).

TABELA 4
Evolução dos indicadores bioquímicos de vitaminas e do metabolismo proteico no período pré-operatório e pós-operatório de 1, 2, 3, 4, 5 e 10 anos da DGYR.

A Tabela 5 mostra os indicadores bioquímicos do metabolismo de minerais. Houve redução nas concentrações séricas de zinco até o segundo ano pós-operatório, sem alterações significativas após este período. Cinco anos após a realização da DGYR as concentrações séricas de cálcio diminuíram, enquanto as de fósforo inorgânico permaneceram sem modificações. Os valores de sódio e potássio aumentaram, respectivamente, até o primeiro e segundo ano de tratamento, com manutenção nos anos seguintes. A concentração de magnésio aumentou um ano após a operação, mas reduziu após 10 anos. É importante ressaltar que, 10 anos após o procedimento, o percentual de deficiência de magnésio foi de 14,8%.

TABELA 5
Evolução dos indicadores bioquímicos do metabolismo de minerais no período pré-operatório e pós-operatório de 1, 2, 3, 4, 5 e 10 anos da DGYR

Além disso, no primeiro ano pós-operatório, houve redução das concentrações séricas de ácido úrico e ureia, mas não ocorreram alterações nas concentrações de creatinina. Os indicadores hepáticos (gama GT, AST e ALT) apresentaram redução durante o primeiro ano após a DGYR e manutenção desta até o quinto ano pós-operatório. A porcentagem de indivíduos com alterações nas concentrações séricas de ácido úrico, Gama GT e AST, ao final do estudo foi, respectivamente, 11,1%, 3,7% e 7,4% (Tabela 6).

TABELA 6
Evolução dos indicadores bioquímicos do metabolismo hepático e renal no período pré-operatório e pós-operatório de 1, 2, 3, 4, 5 e 10 anos da DGYR.

Observou-se redução no consumo de calorias, macronutrientes, ferro, vitamina B12 e ácido fólico a partir do primeiro ano de pós-operatório, sem diferença até os cinco anos de seguimento. O consumo de cálcio aumentou no primeiro ano após a operação e diminuiu após o segundo, com manutenção desse consumo até o quinto ano pós-operatório (Tabela 7). Após 10 anos, houve aumento na ingestão de energia, proteína e lipídios, além de redução na ingestão de ácido fólico.

TABELA 7
Evolução da ingestão alimentar no período pré-operatório e pós-operatório de 1, 2, 3, 4, 5 e 10 anos após DGYR.

Após cinco anos de DGYR, 69% dos pacientes relataram episódios de vômitos, sendo que desses pacientes, 63% tinham associação à ingestão de alimentos específicos, principalmente carne (65%) e arroz (41%). Apenas 15% referiram boa aceitação a todos os tipos de alimentos. Observou-se melhor tolerância à carne branca (77%) em relação à vermelha (41%) e melhor tolerância ao pão (87%) e massas (69%) em relação ao arroz (56%). Cerca de 20% dos pacientes tinham intolerância aos vegetais folhosos e 31% aos doces. Após 10 anos, observou-se que grande parte dos pacientes relataram facilidade para a ingestão de vegetais e mais de 80% tolerância ao pão; no entanto, cerca de 40% relataram dificuldade em consumir carne vermelha.

DISCUSSÃO

Esse estudo avalia o impacto da cirurgia bariátrica no estado nutricional de indivíduos com obesidade no pós-operatório médio a tardio, caracterizado por 10 anos de seguimento. Apesar da perda de peso significativa até o segundo ano do pós-operatório, foi observado que a maioria dos pacientes teve reganho de peso após 10 anos de DGYR. O tratamento cirúrgico levou à melhora dos indicadores bioquímicos, como o perfil lipídico e glicemia de jejum e redução do número de pacientes com inadequação dos exames referentes às enzimas hepáticas e ácido úrico. Entretanto, a operação também resultou no aumento do número de pacientes com deficiência de vitaminas e minerais, como ferro e vitamina B12.

Após dois anos de DGYR houve redução de 39,2% do peso inicial, resultado que se assemelha à literatura1,3,9,20. De fato, o sucesso do tratamento cirúrgico pode ser avaliado por meio da %PEP, a qual deve corresponder a 50-75% do peso excedente no período pré-operatório. Portanto, observou-se sucesso no tratamento cirúrgico estudado, com %PEP de 59,8% e 51,5%, após cinco e 10 anos de pós-operatório, respectivamente 1,9,11,22,36.

No entanto, o reganho de peso foi verificado a partir do segundo ano de pós-operatório, como observado em outros estudos presentes na literatura12,20,37. Freire et al.12, durante o período pós-operatório de dois a cinco anos, observou reganho ponderal significativo em 24,2% dos pacientes submetidos à DGYR, dado semelhante ao encontrado por Bastos et al.3 e Nicoletti et al.28 no mesmo período. Entretanto, enfatiza-se que nossos resultados apontam porcentagem maior de pacientes (40%) com reganho de peso no pós-operatório da DGYR.

A avaliação do perfil bioquímico demonstrou melhora na glicemia sérica, sendo que 93,8% apresentaram concentrações normais após um ano do procedimento cirúrgico. Carvalho et al.6 observou que, após um ano, 42,5% dos pacientes tinham concentrações de glicemia de jejum normais. Neste estudo, a operação levou à melhora no perfil lipídico com diminuição do número de pacientes com dislipidemia, o que se assemelha à literatura1,5,7. Dados previamente publicados mostram que a melhora da glicemia e do perfil lipídico ocorrem principalmente no primeiro ano pós-operatório16, o que pode ser atribuído ao aumento da sensibilidade à insulina hepática observada após a perda de peso consequente da operação1,7.

Além disso, estudos mostraram redução da esteatose hepática após a cirurgia bariátrica. Os possíveis mecanismos responsáveis pela redução da incidência da doença hepática gordurosa não alcoólica nesses pacientes correspondem à melhora da sensibilidade periférica à insulina e à redução dos marcadores inflamatórios7,13,14. Apesar, das concentrações bioquímicas de enzimas hepáticas e suas alterações não serem consideradas o padrão-ouro para diagnóstico e avaliação da esteatose hepática, muitos estudos utilizam as transaminases AST e ALT para avaliar o efeito da cirurgia bariátrica no metabolismo hepático. Observa-se elevação transitória das enzimas hepáticas, as quais tendem a permanecer elevadas por um período entre dois a seis meses após o procedimento cirúrgico. Esse aumento é seguido por queda significativa observada no período de 10 a 12 meses de pós-operatório, com manutenção de baixos níveis até 10 anos da operação13,14. Assim, os estudos aqui apontados demonstram concordância com os dados da nossa pesquisa.

Concentrações séricas elevadas de ácido úrico são frequentemente observadas em pacientes com obesidade elevada. Vários mecanismos potenciais podem explicar a hiperuricemia nestes casos, entre eles o aumento da resistência à insulina, a qual possui efeito inverso no clearance renal de ácido úrico. Assim, como em nosso estudo, outros autores também observaram que a perda de peso induzida pela DGYR foi acompanhada pela redução nos níveis de ácido úrico e pela redução na prevalência de hiperuricemia. Tal efeito pode ser resultante da normalização da hiperinsulinemia e da resistência à insulina observada após a cirurgia bariátrica33.

A deficiência de vitamina B12 é a mais frequentemente relatada após a DGYR. Fatores que podem contribuir para esta deficiência incluem acloridria gástrica, redução da ingestão de alimentos fontes, especialmente carne vermelha, diminuição da secreção do fator intrínseco e crescimento bacteriano excessivo no íleo intestinal4,5. No presente estudo, observou-se redução das concentrações séricas e aumento da incidência de deficiência. Este resultado é inferior ao de outros estudos em que, no mesmo período, a prevalência variou de 19% a 35%35. As diretrizes sobre suplementação de vitamina B12 após a cirurgia bariátrica, recomendam doses diárias de 1.000 mg por via oral ou doses mensais de 10.00 mg por via intramuscular para aumentar as concentrações séricas desta vitamina e prevenir sua deficiência24.

Após a cirurgia bariátrica, a prevalência de pacientes com deficiência de ácido fólico varia de 9-38%35. No presente estudo, o número de pacientes com deficiência de nutriente diminuiu, sendo que após cinco anos, nenhum apresentou deficiência, estando os valores observados abaixo dos descritos na literatura35. A melhora dos níveis de ácido fólico após a cirurgia bariátrica pode ser explicada pela suplementação diária, juntamente com mecanismos adaptativos que possibilitam absorção desta vitamina em todo o intestino4,9,35. No entanto, no período de cinco a 10 anos a prevalência de pacientes com deficiência de ácido fólico aumentou para 3,7%. Isso pode ser atribuído à perda de segmento, à falta de acompanhamento nutricional e à resistência a mudanças de hábitos alimentares após a operação32.

A deficiência de ferro é a causa mais comum de anemia em pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico. Os principais fatores responsáveis pelo déficit desse mineral correspondem à intolerância e aversão aos alimentos com alta biodisponibilidade de ferro, redução da produção de ácido clorídrico no estômago e má absorção devido a exclusão dos locais primários de absorção4,7,9,31. A deficiência desse mineral é observada em 17% e 45% dos pacientes dois e cinco anos após o procedimento, respectivamente35. Nossos resultados são semelhantes aos de Moizé et al.26, no qual se observou deficiência em 15,5% dos pacientes após cinco anos da operação. Essa deficiência foi mantida até o décimo ano após o procedimento.

O impacto da cirurgia bariátrica no metabolismo do cálcio ainda não está totalmente esclarecido9, porém possíveis contribuintes para sua deficiência correspondem à intolerância alimentar às principais fontes desse mineral, deficiência de vitamina D e exclusão de áreas intestinais nas quais esse mineral é preferencialmente absorvido4,9. Em nosso estudo, após cinco anos da DGYR, foi observado cerca de 10% dos pacientes com deficiência de cálcio, resultado semelhante ao encontrado por Stein et al.35, porém superior ao encontrado por Moizé et al.26 no mesmo período. Ao longo de todo o período estudado, observou-se diminuição da porcentagem de pacientes com deficiência de magnésio. Sendo que no período pré-operatório, 14,1% apresentavam déficit, inferior ao valor observado em outros estudos, nos quais a prevalência variou de 19% a 35%29,35. Após cinco anos da operação, a porcentagem de indivíduos com deficiência foi semelhante à observada por Moizé et al.26.

A deficiência proteica é frequentemente relatada, sendo observada principalmente nas operações mistas4. Após a DGYR, a deficiência varia de 3-18% dos pacientes4,35. No presente estudo, a deficiência de albumina reduziu durante todo o período avaliado, resultado semelhante ao encontrado por outros autores26. Ressalta-se que os pacientes desse estudo são sistematicamente acompanhados por equipe multiprofissional e são orientados a realizar a suplementação de vitaminas e minerais diariamente.

Foi observado baixa ingestão alimentar no período pré-operatório. De acordo com o protocolo do referido hospital, os pacientes candidatos à operação devem perder pelo menos 10% do peso inicial antes de serem submetidos ao procedimento cirúrgico. Portanto, os resultados do período pré-operatório podem refletir uma dieta hipocalórica para perda de peso30. O fato relevante foi o aumento na ingestão de energia, proteína e lipídios em 10 anos de pós-operatório. Isso pode estar relacionado à recuperação de peso evidenciada no presente estudo. Além disso, transtornos alimentares, como episódios de compulsão alimentar são bastante comuns entre pacientes com obesidade, incluindo candidatos à cirurgia bariátrica. Assim, é importante identificar esse tipo de transtorno em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica e, no período pós-operatório, deve-se realizar intervenções apropriadas visando maximizar os resultados de perda de peso25.

É importante enfatizar como limitação do presente estudo a perda de seguimento com consequente número reduzido de pacientes avaliados ao longo do tempo, como também foi observado em outros estudos15,23. No entanto, esse fato já é esperado em estudos longitudinais com acompanhamento clínico e, infelizmente, não pode ser controlado.

A avaliação das características fenotípicas dos pacientes no pós-operatório tardio é de grande importância na prática clínica. Como observado, há grande número de pacientes que teve reganho de peso, ocasionando possível retorno de comorbidades, piora da qualidade de vida e maiores gastos com a saúde. Os motivos referentes à perda de seguimento por grande número de pacientes é fator que deve ser estudado. As razões pelas quais os pacientes não retornam às consultas médicas são numerosas e devem ser investigadas. Essa perda de acompanhamento pode ser um dos fatores determinantes que levam ao reganho do peso. Aspectos genéticos e psicológicos também podem ser apontados como preditores de reganho de peso. O monitoramento constante desses pacientes, a adequação das recomendações nutricionais e a identificação de biomarcadores para mudanças de peso devem ser vistos como novos alvos de estudo e o principal foco do tratamento individualizado da cirurgia bariátrica.

CONCLUSÃO

O bypass gástrico em Y-de-Roux é procedimento eficaz para promover a perda de peso e melhorar as comorbidades associadas à obesidade. No entanto, há uma porcentagem de pacientes com deficiências de vitaminas e minerais e recuperação significativa de peso no pós-operatório tardio. A comparação entre o pós-operatório de cinco e 10 anos mostra o aumento da porcentagem de pacientes que tiveram aumento do peso, assim como daqueles com deficiência de minerais, ácido fólico e proteína, enfatizando a necessidade de monitoramento nutricional no período pós-operatório.

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  • Fonte de financiamento:
    não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2018
  • Aceito
    28 Fev 2019
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