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CIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA NO CÂNCER GÁSTRICO: TEMPO DE MUDAR O PARADIGMA

RESUMO

Introdução:

A cirurgia minimamente invasiva amplamente usada para tratar doenças benignas do aparelho digestivo, tornou-se o foco de intenso estudo nos últimos anos no campo da oncologia cirúrgica. Desde então, a experiência com este tipo de abordagem tem crescido, com o objetivo de fornecer os mesmos resultados oncológicos e sobrevivência à cirurgia convencional. Em relação ao câncer gástrico, o tratamento cirúrgico ainda é considerado o único tratamento curativo, considerando a extensão da ressecção e linfadenectomia realizada. A gastrectomia convencional continua a ser a principal modalidade realizada em todo o mundo. Não obstante, o papel do acesso minimamente invasivo tem ainda de ser esclarecido.

Objetivo:

Avaliar e resumir o estado atual da ressecção minimamente invasiva do câncer gástrico.

Método:

Foi realizada revisão da literatura utilizando as bases Medline/PubMed, Cochrane Library e SciELO com os seguintes descritores: câncer gástrico, cirurgia minimamente invasiva, gastrectomia robótica, gastrectomia laparoscópica, neoplasia de estômago. A língua usada para a pesquisa foi o inglês.

Resultados:

Foram considerados para elaboração desta revisão 28 artigos, entre eles ensaios clínicos randomizados, metanálises, estudos coorte prospectivos e retrospectivos.

Conclusão:

A gastrectomia minimamente invasiva é opção técnica no tratamento do câncer gástrico precoce. Quanto ao câncer avançado, estudos recentes têm demonstrado a segurança e a viabilidade do acesso videolaparoscópico. A gastrectomia robótica provavelmente melhorará os resultados obtidos com a laparoscopia. Porém, o alto custo ainda é impedimento para sua utilização em larga escala.

DESCRITORES:
Câncer gástrico; Cirurgia minimamente invasiva; Gastrectomia robótica; Gastrectomia laparoscópica; Neoplasia de estômago

ABSTRACT

Introduction:

Minimally invasive surgery widely used to treat benign disorders of the digestive system, has become the focus of intense study in recent years in the field of surgical oncology. Since then, the experience with this kind of approach has grown, aiming to provide the same oncological outcomes and survival to conventional surgery. Regarding gastric cancer, surgery is still considered the only curative treatment, considering the extent of resection and lymphadenectomy performed. Conventional surgery remains the main modality performed worldwide. Notwithstanding, the role of the minimally invasive access is yet to be clarified.

Objective:

To evaluate and summarize the current status of minimally invasive resection of gastric cancer.

Methods:

A literature review was performed using Medline/PubMed, Cochrane Library and SciELO with the following headings: gastric cancer, minimally invasive surgery, robotic gastrectomy, laparoscopic gastrectomy, stomach cancer. The language used for the research was English.

Results:

28 articles were considered, including randomized controlled trials, meta-analyzes, prospective and retrospective cohort studies.

Conclusion:

Minimally invasive gastrectomy may be considered as a technical option in the treatment of early gastric cancer. As for advanced cancer, recent studies have demonstrated the safety and feasibility of the laparoscopic approach. Robotic gastrectomy will probably improve outcomes obtained with laparoscopy. However, high cost is still a barrier to its use on a large scale.

HEADINGS :
Gastric cancer; Minimally invasive surgery; Robotic gastrectomy; Laparoscopic gastrectomy; Stomach neoplasm

INTRODUÇÃO

O acesso laparoscópico amplamente utilizado no tratamento de afecções benignas do aparelho digestivo passou a ser motivo de intensos estudos nos últimos anos no campo da Oncologia Cirúrgica. Entretanto, o desenvolvimento das operações para câncer do aparelho digestivo ainda está aquém do necessário. Incialmente os bons resultados do tratamento do câncer colorretal pelo método laparoscópico estimularam outras operações como hepatectomias, esofagectomias, pancreatectomia, dentre outras. Entretanto algumas operações como a duodenopancreatectomia e a gastrectomia total com linfadenectomia D2 ainda representam importante desafio por exigirem grande destreza do cirurgião para dissecção e síntese. Mais importante que os tradicionais benefícios do acesso laparoscópico como menor dor, melhor efeito estético, menor lesão tecidual, diminuição da estadia hospitalar e retorno precoce ao trabalho, é a aparente melhor resposta imunológica ao trauma cirúrgico experimentada pelo paciente o motivo que leva ao desenvolvimento da cirurgia laparoscópica. Os avanços tecnológicos, tais como a plataforma robótica, pinças com diversas formas de energia e melhora nos sistemas ópticos e de vídeo, têm se mostrado úteis na tentativa de realização de procedimentos menos traumáticos, com melhor recuperação pós-operatória e resultados oncológicos mais adequados2424. Yakoub D, Athanasiou T, Tekkis P et al. Laparoscopic assisted distal gastrectomy for early gastric cancer: Is it an alternative to the open approach? Surg Oncol 2009; 18: 333..

Por ser este câncer muito prevalente no oriente, as operações laparoscópicas pioneiras foram lá realizadas. As primeiras gastrectomias laparoscópicas datam do início da década de 1990. As ressecções subtotais foram realizadas por Kitano no Japão em 1991 com reconstrução à Billroth I e por Goh em Singapura em 1992, com reconstrução à Billroth II. A primeira gastrectomia total foi realizada por Azagra, na Bélgica em 199533. Goh PM, Alponat A, Mak K et al. Early international results of laparoscopic gastrectomies. Surg Endosc 1997; 11: 650-652.,1010. Kitano S, Iso Y, Moriyama M, Sugimachi K. Laparoscopy assisted Billroth I gastrectomy. Surg Laparosc Endosc 1994: 4:146-148..

Desde então a experiência com o método vem crescendo no mundo todo, tendo como objetivo conferir os mesmos índices de radicalidade e sobrevida da cirurgia convencional, com as vantagens dos métodos miniinvasivos. Sendo assim, a cirurgia minimamente invasiva no câncer gástrico precoce é considerada como alternativa segura e eficiente à gastrectomia convencional2626. Yasunaga H1, Horiguchi H, Kuwabara K et al. Outcomes after laparoscopic or open distal gastrectomy for early-stage gastric cancer: a propensity-matched analysis. Ann Surg. 2013 Apr;257(4):640-6. doi: 10.1097/SLA.0b013e31826fd541.
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,2727. Zilberstein B, Brucher BLDM, Barchi LC et al. Gastric Cancer: Aspects of Minimal Invasive Technique. Gastrointestinal & Digestive System 2013; 3: 3-5.. Por outro lado, ainda não há consenso em relação ao câncer gástrico avançado, mas muitos cirurgiões experientes têm utilizado deste método, reportando bons resultados a curto prazo44. Gordon AC, Kojima K, Inokuchi M et al. Long-term comparison of laparoscopy-assisted distal gastrectomy and open distal gastrectomy in advanced gastric cancer. Surg Endosc 2013;27:462-470.,2222. Viñuela EF, Brennan MF, Strong VE et al. Laparoscopic versus open distal gasyrectomy for gástrica cancer: a meta-analysis of randomized controlled trials and high-quality nonrandomized studies. Ann Surg 2012: 255: 446.

O objetivo deste estudo foi analisar o estado atual do acesso minimamente invasivo no tratamento do câncer gástrico.

CIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA NO CÂNCER GÁSTRICO PRECOCE

Incialmente o acesso laparoscópico foi aplicado dentro de protocolos de estudo em instituições do Japão e Coréia do Sul. Os autores descreveram séries com gastrectomia subtotais distais e linfadenectomias limitadas, preferencialmente em pacientes com câncer gástrico precoce. Posteriormente estudos com séries maiores foram publicados. Em 2009, Yakoub et al. publicaram revisão sistemática sobre a gastrectomia distal laparoscópica em comparação com as operações realizadas por laparotomia no tratamento do câncer gástrico precoce. O acesso laparoscópico esteve associado ao maior tempo cirúrgico e menor dor, febre, perda sanguínea, tempo até primeira caminhada e eliminação de flatos, tempo de hospitalização e morbidade reduzida (10,5% vs 20,1%). Não houve diferenças de complicações anastomóticas. Os pacientes operados por laparoscopia apresentaram menor número de linfonodos dissecados (diferença média de 4,6 linfonodos). Entretanto não houve diferença entre os grupos quando o objetivo foi uma linfadenectomia menor que D22525. Yang HK, Suh YS, Lee HJ. Minimally invasive approaches for gastric cancer-Korean experience. J Surg Oncol 2013; 107:277-281..

Kim et al. analisaram grande série com 753 pacientes operados com o auxílio da laparoscopia, sendo 78% tumores precoces. Linfadenectomia D2 foi realizada em 95% dos casos com média de linfonodos recuperados de 34,1 e 40,6 para gastrectomia subtotal e total, respectivamente. Ocorreram complicações em 9,2% e houve um óbito. Com seguimento médio de 56 meses, a sobrevivência global e livre de doença em 5 anos eram maiores que 96%99. Kim KH, Kim MC, Jung GJ et al. Long-term outcomes and feasibility with laparoscopic assisted for gastric cancer. J Gastric Cancer 2012: 12: 18-25..

Vinuela et al. publicaram metanálise de estudos randomizados e não randomizados de alta qualidade comparando gastrectomia laparoscópica e aberta em pacientes com câncer gástrico, sendo 83 % de estadio I. Apesar de a mortalidade ser semelhante, o acesso laparoscópico esteve associado a menor morbidade, tempo operatório, perda sanguínea, menor tempo de hospitalização e maior número de linfonodos recuperados2323. Woo Y, Hyung WJ, Noh SH et al. Robotic gastrectomy as an oncologically sound alternative to laparoscopic resections for the treatment of early-stage gastric cancers. Arch Surg 2011; 146: 1086-92..

Dois estudos prospectivos randomizados multicêntricos fase III estão em andamento, comparando a gastrectomia distal convencional com a laparoscópica para o câncer gástrico estadio I. O KLASS 01 (Korean Laparoscopic Gastrointestinal Surgery Study) iniciou o recrutamento em 2006 e finalizou em 2010. Foram 1.415 pacientes operados (704 LADG e 711 ODG) com estadiamentos cT1N0M0, cT1N1M0, cT2aN0M0, sendo os procedimentos realizados por cirurgiões com bastante experiência na gastrectomia laparoscópica (pelo menos 50 casos/ano). O objetivo primário deste estudo foi avaliar a sobrevida global em cinco anos, e os objetivos secundários foram analisar a sobrevida livre de doença, qualidade de vida, morbimortalidade, resposta inflamatória, imunológica e custos88. Kim HU, Hyung WJ, Song Y et al. Prospective randomized controlled trial (phase III) to comparing laparoscopic distal gastrectomy with open distal gastrectomy for gastric adenocarcinoma (KLASS 01) J Korean Surg Soc 2013;84:123-130.. Os resultados preliminares com 342 pacientes demostraram não haver diferença estatística quanto a morbidade e mortalidade77. Kim HH, Hyung WJ, Cho GS et al. Morbidity and mortality of laparoscopic gastrectomy versus open gastrectomy for gastric cancer: an interim report: a phase III multicenter, prospective, randomized Trial (KLASS Trial). Ann Surg 2010; 251:417-20.. Outro estudo prospectivo randomizado em andamento no Japão é o JCOG 0912 (Japan Clinical Oncology Group), que tem como objetivo primário demonstrar a não inferioridade da gastrectomia laparoscópica em relação à gastrectomia aberta nos pacientes operados por câncer gástrico precoce. Foram incluídos 920 pacientes estadio IA (T1N0) ou IB [T1N1 ou T2(MP)N0]. Os resultados interinos demostraram benefícios do acesso laparoscópico sem prejuízo a sobrevivência. Nos próximos meses devem ser abertos os resultados finais destes dois estudos, que provavelmente confirmarão a gastrectomia distal laparoscópica como opção de tratamento para o câncer gástrico estadio I1515. Nakamura K, Katai H, Sasako M et al. A phase III study of laparoscopy-assisted versus open distal gastrectomy with nodal dissection for clinical stage IA/IB gastric Cancer (JCOG0912). Jpn J Clin Oncol 2013; 43: 324-327 [PMID: 23275644 DOI: 10.1093/jjco/hys220].
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CIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA NO CÂNCER GÁSTRICO AVANÇADO

Enquanto para o câncer gástrico precoce parece haver consenso sobre a viabilidade e qualidade oncológica, os estudos sobre o tratamento radical por laparoscopia no câncer gástrico avançado começaram a ser publicados nos últimos anos. Isto é de particular importância para o ocidente, onde o índice ultrapassa 80%.

Lee e Kim analisaram 106 casos de gastrectomias com linfadenectomia D2 operados por laparoscopia com número médio de linfonodos ressecados em torno de 34. A análise da sobrevivência global e livre de doença, seja para todo o grupo bem como para cada estádio, foi semelhante aos resultados históricos obtidos com o tratamento por laparotomia1212. Lee J, Kim W. Long-term outcomes after laparoscopy-assisted gastrectomy for advanced gastric cancer: analysis of consecutive 106 experiences. J Surg Oncol 2009: 100: 693..

Cai et al. realizaram estudo prospectivo randomizado comparando 49 pacientes operados por laparoscopia e 47 submetidos à laparotomia, todos com câncer gástrico avançado e submetidos a linfadenectomia D2. Após seguimento médio de 22 meses, não houve diferença de sobrevivência entre os dois grupos22. Cai J, Wei D, Zhao T et al. A prospective randomized study comparing open versus laparoscopy-assisted D2 radical gastrectomy in advanced gastric cancer. Dig Surg 2011; 28: 331,7..

Martinez-Ramos et al. publicaram interessante metanálise onde analisaram os resultados dos estudos comparativos entre gastrectomia aberta e por laparoscopia. O acesso videolaparoscópico esteve associado ao menor tempo de hospitalização e perda sanguínea, redução de risco de morte por câncer ajustado para 60 meses, maior tempo de operação e menor número de gânglios recuperados1414. Martínez-Ramos D, Miralles-Tena JM, Salvador-Sanchís JL et al. Laparoscopy versus open surgery for advanced and resectable gástrica cancer: a meta-analysis. Rev Esp Enferm Dig 2011; 103:133..

Park et al. relataram os resultados de longo prazo de estudo multicêntrico (10 hospitais na Coréia do Sul, 239 pacientes) entre 1998 e 2005. A linfadenectomia D2 foi realizada em 68% dos casos e a média de linfonodos recuperados foi de 33,6. A mortalidade foi de 0,8 e as principais complicações observadas infecção de parede (5%), sangramento (1,7%), fístula (1,7%), complicações pulmonares (0,8%) dentre outras totalizando 15,9% dos casos. A sobrevivência global e a sobrevivência livre de doença em cinco anos foi de 78,8% e 85,6% , respectivamente. Os referidos autores relataram que os índices de sobrevivência por estadio foram semelhantes aos controles históricos operados por laparotomia. O estudo dos fatores prognósticos mostrou que a idade, o nível de invasão na parede gástrica (parâmetro T) e o status linfonodal (parâmetro N) foram estatisticamente significantes na análise multivariada1717. Park do J, Han SU, Kim HH et al. Korean Laparoscopic Gastrointestinal Surgery Study (KLASS) Group Long-term outcomes after laparoscopy-assisted gastrectomy for advanced gastric cancer: a large-scale multicenter retrospective study. Surg Endosc 2012: 26: 1548..

Em 2012, Shinohara et al. publicaram estudo onde analisaram a utilização do acesso laparoscópico no tratamento do câncer gástrico avançado entre 1998 e 2008. Neste período o uso da laparoscopia passou de cerca de 30% para quase 100% dos casos operados. Em 39% dos pacientes operados por laparoscopia foi realizada linfadenectomia D2 contra 69% daqueles tratados por laparotomia. Apesar de a mortalidade ser igual nos dois grupos, o índice de complicações foi menor nos pacientes operados por laparoscopia. Houve menor recuperação de linfonodos e menor tempo operatório, perda sanguínea e tempo de internação no grupo da laparoscopia1818. Shinohara T, Satoh S, Uyama I et al. Laparoscopic versus open D2 gastrectomy for advanced gastric cancer: a retrospective cohort study. Surg Endosc 2013; 27: 286-94..

Recentemente, três estudos prospectivos randomizados multicêntricos começaram a avaliar a viabilidade de cirurgia minimamente invasiva para câncer gástrico avançado na Coréia do Sul, Japão e China. Provavelmente, eles fornecerão evidências sólidas quanto ao uso deste método em pacientes em estadios mais avançados (Tabela 1).

TABELA 1
Ensaios clínicos multicêntricos, randomizados sobre gastrectomia laparoscópica no câncer gástrico

Quanto à gastrectomia total no tratamento do câncer gástrico avançado, operação de grande dificuldade técnica na reconstrução do trânsito digestivo, poucas séries são relatadas. Lee et al. analisaram 94 casos de gastrectomias totais com linfadenectomia D2, todas com reconstrução a Y-de-Roux. Complicações foram relatadas em 42,6% dos pacientes, sendo 9,6% de grau III (Clavien-Dindo)1111. Lee JH, Ahn SH, Yang HK et al. Laparoscopic Total gastrectomy with D2 Lymphadnectomy for advanced gastric cancer. World J Surg 2012: 36: 2394.. Zilberstein et al. reportaram 21 casos de gastrectomia total com linfadenectomia D2 laparoscópica com reconstrução do trato digestivo através de esofagojejuno anastomose laterolateral com grampeador linear, com apenas uma fístula de evolução benigna. O tempo operatório foi semelhante à série histórica, assim como ao número de linfonodos ressecados29.

A curva de aprendizado para realização de gastrectomia oncológica videolaparoscópica é longa. O cirurgião deve estar bastante familiarizado com a gastrectomia com linfadenectomia D2 convencional e possuir grande experiência com o acesso minimamente invasivo, inclusive endosuturas. Hu et al. relataram necessidade de cerca de 40 casos para melhorar o tempo cirúrgico, diminuir a perda sanguínea e aumentar o número de linfonodos ressecados55. Hu WG1, Ma JJ, Zheng MH et al. Learning curve and long-term outcomes of laparoscopy-assisted distal gastrectomy for gastric cancer. J Laparoendosc Adv Surg Tech A. 2014 Jul;24(7):487-92..

CIRURGIA MINIMAMENTE INVASIVA DO CÂNCER GÁSTRICO NO BRASIL

A primeira gastrectomia laparoscópica no Brasil foi realizada por Tinocco et al. em 1993. Mais de duas décadas após este relato, o acesso minimamente invasivo no tratamento do câncer gástrico ainda pouco difundido em nosso meio e apenas alguns centros realizam esta modalidade terapêutica. Muitos são os fatores, como o alto custo da videocirurgia para o sistema público de saúde, altas taxas do governo sobre os materiais importados (endogrampeadores, dispositivos de energia, etc.), a dificuldade na difusão/ensino do método e a descentralização no tratamento das diversas doenças oncológicas. Este grupo pioneiro relatou a realização de gastrectomia laparoscópica para o câncer gástrico em 92 pacientes entre 1993 e 2008, com conversão para laparotomia em 7,6%, morbidade de 14,1% e mortalidade de 5,4%. O número de linfonodos ressecados variou de 21 a 57, com tempo médio de operação de 162 minutos. Segundo os autores, a gastrectomia laparoscópica é segura e efetiva, porém demanda longa curva de aprendizado2020. Tinoco R, Tinoco A, Conde LM et al. Laparoscopic Gastrectomy for Gastric Cancer. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech 2009; 19:384-387)..

Oliveira et al. publicaram estudo retrospectivo comparando a gastrectomia total laparoscópica com a laparotômica para o tratamento do câncer gástrico. Foram analisados 111 pacientes operados entre 2009 e 2013, estadios I, II e III. A operação convencional foi realizada em 64 (57,7%) e 47 (42,3%) receberam o tratamento por laparoscopia, todos com linfadenectomia D2. Não houve diferença significante entre os grupos estudados quanto à idade, gênero, classificação ASA (American Society of Anaesthesiologists), estadiamento, necessidade de hemotransfusão, classificação de Bormann, comprometimento de margens, complicações e mortalidade. Na técnica laparoscópica o tempo cirúrgico foi menor e o período para realimentação oral e enteral mais precoce em relação a técnica convencional. No entanto, a média de linfonodos ressecados foi de 29,1 no grupo da laparoscopia e 35,1 na operação convencional (p=0,014). Estes resultados a curto prazo demostraram o benefício da cirurgia minimamente invasiva sobre a operação convencional1616. Oliveira ATT, Ramagem CAG, Linhares M et al. Comparison of laparoscopic total gastrectomy and laparotomic total gastrectomy for gastric cancer. ABCD Arq Bras Cir Dig 2015;28(1):65-69 DOI:http://dx.doi.org/10.1590/S0102-67202015000100017
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O Serviço de Cirurgia de Estômago e Intestino Delgado do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo também foi um dos pioneiros no Brasil no tratamento minimamente invasivo do câncer gástrico. Zilberstein et al. publicaram a realização da gastrectomia laparoscópica com linfadenectomia D2 em 70 pacientes entre o período de 2007 e 2013. A maioria foi submetida à gastrectomia subtotal (70%), com pelo menos 37 linfonodos removidos. Não houve conversão para laparotomia e não houve mortalidade. Quanto as complicações, houve apenas uma fístula da anastomose esofagojejunal e duas lesões inadvertidas dos vasos cólicos médios2727. Zilberstein B, Brucher BLDM, Barchi LC et al. Gastric Cancer: Aspects of Minimal Invasive Technique. Gastrointestinal & Digestive System 2013; 3: 3-5..

GASTRECTOMIA ROBÓTICA NO CÂNCER GÁSTRICO

Apesar do benefício ao paciente obtido através do acesso laparoscópico, sabe-se que esta via, muitas vezes, causa maior esforço físico e desgaste da equipe médica, além de outros inconvenientes como, por exemplo, a visão em duas dimensões. Neste sentido, a cirurgia robótica foi introduzida como método minimamente invasivo para o tratamento das neoplasias gástricas, sendo útil em muitos casos atualmente uma vez que propicia ao cirurgião posição mais ergonômica e visão tridimensional do campo operatório.

Os primeiros estudos com a utilização do acesso robótico datam da segunda metade da década passada, habitualmente com gastrectomias subtotais e linfadenectomias limitadas em pacientes com câncer gástrico precoce. Em 2009, Song et al. publicaram a primeira grande série com o estudo de 100 pacientes, sendo 42 submetidos à linfadenectomia D2. A média de linfonodos recuperados foi de 36,7, número próximo ao obtido nas laparotomias1919. Song J, Oh SJ, Noh SH et al. Robot-Assisted Gastrectomy With Lymph Node Dissection for Gastric Cancer - Lessons Learned From an Initial 100 Consecutive Procedures. Ann Surg 2009; 249: 927-32..

Em grande série publicada pela Yonsei University da Coréia do Sul, provavelmente o centro com o maior número operações em câncer gástrico com auxílio do robô, Woo et al. compararam 591 operações por laparoscopia com 236 casos operados com o auxílio do robô. O tempo operatório foi maior no segundo grupo. Porém, a perda sanguínea foi menor, os resultados cirúrgicos em curto prazo foram melhores e os resultados oncológicos foram semelhantes2323. Woo Y, Hyung WJ, Noh SH et al. Robotic gastrectomy as an oncologically sound alternative to laparoscopic resections for the treatment of early-stage gastric cancers. Arch Surg 2011; 146: 1086-92..

Em recente metanálise, Marano et al. analisaram 1.967 pacientes operados por câncer gástrico, sendo 404 gastrectomias robóticas, 718 convencionais e 845 laparoscópicas e concluíram que a gastrectomia robótica para câncer gástrico reduz a perda sanguínea intraoperatória e o tempo de internação pós-operatória em comparação com gastrectomia laparoscópica e gastrectomia convencional ao custo de maior tempo cirúrgico. A gastrectomia robótica também fornece linfadenectomia oncologicamente adequada1313. Marano A, Hyung WJ, Noh SH et al. Robotic versus Laparoscopic versus Open Gastrectomy: A Meta-Analysis. J Gastric Cancer. 2013 Sep;13(3):136-48..

Hyung et al. conduziram estudo prospectivo multicêntrico com 434 pacientes comparando gastrectomia robótica vs laparoscópica para câncer gástrico. Os resultados em curto prazo mostraram similaridade nos dois grupos em relação às complicações gerais, mortalidade, número de linfonodos ressecados, com maior tempo operatório e custos mais elevados no grupo robótico66. Hyung WJ, Kim HI, Han SU et al. Multicenter Prospective Comparative Study of Robotic Versus Laparoscopic Gastrectomy for Gastric Adenocarcinoma. Ann Surg 2016; 263:103-10..

Barchi et al. descreveram técnica simplificada totalmente robótica de reconstrução do trato digestivo após gastrectomia total em seis pacientes com anastomose laterolateral com grampeador linear. Apesar de se tratar de casuística pequena, os autores demostraram ser técnica segura, sem complicações graves e que demanda tempo curto para sua realização, mesmo no início da experiência11. Barchi LC, Jacob CE, Zilberstein B et al. Robotic digestive tract reconstruction after total gastrectomy for gastric cancer: a simple way to do it. Int J Med Robot. 2015 Dec 9. doi: 10.1002/rcs.1720. [Epub ahead of print]
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CONCLUSÃO

A gastrectomia com linfadenectomia D2 minimamente invasiva é opção técnica no tratamento do câncer gástrico precoce. Metanálises recentes mostraram que o acesso laparoscópico está associado com menores índices de dor, perda sanguínea, tempo de hospitalização, complicações e mortalidade. O número de linfonodos ressecados é pelo menos igual ao das laparotomias e apesar de poucos estudos com seguimento maior de cinco anos, os resultados oncológicos parecem ser semelhantes. Estes dados provavelmente serão confirmados através dos estudos de alta qualidade em fase final no Japão e Coréia do Sul. Quanto ao câncer gástrico avançado, trabalhos recentes têm demonstrado segurança e viabilidade do acesso videolaparoscópico. Os resultados oncológicos em médio prazo tem encorajado os cirurgiões a continuar no desenvolvimento do método. O alto custo ainda é obstáculo para a utilização em larga escala da cirurgia robótica. Esta avançada plataforma tecnológica nada mais é do que sofisticada ferramenta de trabalho laparoscópica para procedimentos mais complexos. É a evolução em tecnologia e o aperfeiçoamento dos instrumentos que podem facilitar procedimentos como a gastrectomia radical. O conhecimento adquirido com a cirurgia laparoscópica deveria ser usado e incorporado na cirurgia robótica, o que certamente irá resultar em melhoria dos resultados obtidos no tratamento minimamente invasivo do câncer gástrico.

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  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2015
  • Aceito
    26 Jan 2016
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