Open-access Tratamento cirúrgico da dilatação cística das vias biliares em adultos

Resumos

RACIONAL:  A dilatação cística da via biliar é uma patologia rara e de origem incerta. É diagnosticada mais frequentemente em crianças, porém sua incidência vem aumentando em adultos, representando 20% dos casos.

OBJETIVO:  Demonstrar a experiência dos autores no tratamento cirúrgico, e no manejo da evolução, dos pacientes com dilatação cística das vias biliares.

MÉTODO:  Foram avaliados, retrospectivamente, cinco adultos que tiveram o diagnóstico de cisto de colédoco e que foram submetidos a algum procedimento cirúrgico no Hospital da Restauração, PE, entre março de 2003 e junho de 2004.

RESULTADOS:  Dor abdominal foi a queixa comum a todos os pacientes. Icterícia esteve presente em 80% dos casos. A ultrassonografia foi realizada em todos os casos como exame inicial. Tomografia computadorizada, ressonância magnética e colangiopancreatografia retrógada endoscópica também foram realizadas em alguns pacientes, porém o diagnóstico foi estabelecido no intra-operatório em todos os casos. O tratamento cirúrgico variou de acordo com a experiência do cirurgião e o quadro clínico do paciente. A ressecção do cisto com reconstrução da via biliar foi realizada em 60%, a cistoduodenostomia em 20% e a drenagem da via biliar em 20% dos casos.

CONCLUSÃO:  A dilatação cística da via biliar é doença rara, principalmente em nosso meio. Porém, sua incidência vem aumentando na população adulta, devendo estar sempre presente no diagnóstico diferencial das icterícias obstrutivas.

Icterícia; Cisto de colédoco; Procedimentos cirúrgicos do sistema biliar


BACKGROUND:  The cystic dilatation of the biliary tract is a rare disease and uncertain origin. It is recognized more frequently in children; however, its incidence comes increasing in adults, representing 20% of the cases.

AIM:  To evaluate morbimortality rates, evolution and handing of patients with cystic dilatation bile ducts in adults.

METHODS:  Were evaluated, retrospectively, five adults who had the diagnosis of choledochal cyst and that had been submitted to some surgical procedure.

RESULTS:  Abdominal pain was the commonest complain to all patients. Jaundice was present in 80%. Ultrasound scanning was done in all the cases as initial examination. CT scan, magnetic resonance imaging and endoscopic retrograde cholangiopancreatography were also done in some patients; however, the diagnosis was established intra-operatively in all cases. The cyst resection with reconstruction of the biliary tract was done in 60%; the cystojejunostomy in 20%; and in 20% biliary tract drainage.

CONCLUSIONS:  Biliary tract cystic dilatation is a rare disease. However, its incidence is increasing in the adult population, so, it must be thought as differential diagnosis when facing obstructive jaundice.

Jaundice; Choledochal cyst; Biliary tract surgical procedures


INTRODUÇÃO

O cisto de colédoco é dilatação da árvore biliar extra-hepática, dos ductos biliares intra-hepáticos ou de ambos10. A maioria é diagnosticada antes dos 10 anos de idade, sendo aproxidamente 25% no primeiro ano de vida, 80% na primeira década e 20% na idade adulta. São raros, tendo prevalência maior no sexo feminino de 4:1 e o seu diagnóstico está crescendo em pacientes adultos14. A incidência do cisto de colédoco no ocidente está entre 1:100.000 e 1:190.000 nascidos vivos, sendo esta doença muito mais frequente na Ásia6.

A primeira descrição do cisto de colédoco foi feita por Vater e Ezler em 1723. E a primeira descrição de ressecção do cisto por McWhorter em 1924. Em 1959 Alonzo-Lej et al. classificaram os cistos, tendo sido modificada por Todani et al. em 1977, baseada na localização do cisto em cinco tipos (Figura 1)13,15. O tipo I é o clássico e mais comum representando em média 85-90% dos casos, que consiste em dilatação do ducto biliar comum que pode ser cística, focal ou fusiforme (subtipos A, B e C respectivamente). Nesta forma o ducto cístico geralmente entra no cisto do colédoco e os ductos hepáticos direito e esquerdo, assim como os ductos intra-hepáticos são de diâmetro normal. O tipo II é o mais raro de todos os cistos de colédoco representando menos de 5% dos casos. É descrito como um simples divertículo da árvore biliar extra-hepática. O tipo III ou coledococele é dilatação cística da porção intraduodenal da árvore biliar extra-hepática. O tipo IV, subtipo A é o segundo mais comum tipo de cisto de colédoco definido por dilatações císticas intra e extra-hepáticas. O subtipo B representa múltiplas dilatações da árvore biliar extra-hepática18,4. E por fim o tipo V, também conhecido como doença de Caroli, é dilatação cística do sistema biliar intra-hepático que pode estar associado à fibrose peri-portal e cirrose, podendo ser bilobar ou confinada a apenas um lobo3.

Figura 1 -
Classificação dos cistos de colédoco (Todani - modificada)

A patogênese do cisto de colédoco permanece incerta; porém, acredita-se que são lesões congênitas em sua origem, algumas sendo diagnosticadas por ultrassonografia anti-natal9.

O presente estudo tem como objetivo demonstrar o tratamento cirúrgico e o manejo da evolução dos pacientes com dilatação cística das vias biliares.

MÉTOdoS

Estudo retrospectivo no Serviço de Cirurgia Geral e Emergência do Hospital da Restauração, Recife, PE, Brasil. Foram incluídos os pacientes com o diagnóstico de dilatação cística de via biliar e que foram submetidos ao tratamento cirúrgico.

Características demográficas, como gênero, idade, sintomatologia, bioquímica sanguínea e exames de imagem foram avaliados.

Tipo de operação realizada, classificação da doença cística da via biliar, complicações pós-operatórias também fizeram parte do estudo.

RESULTADOS

Foram avaliados, retrospectivamente, cinco pacientes operados e que tiveram diagnóstico de cisto de colédoco. Dos cinco, quatro eram mulheres. A média de idade foi de 30,2 anos (22 a 48). Todos os pacientes foram admitidos através do setor de emergência. Dor abdominal foi queixa presente em todos os pacientes. Oitenta por cento tinham história de icterícia e 60% estavam ictéricos no momento da admissão. Um paciente tinha quadro de colangite leve, outro de colangite supurativa com abscesso hepático, e outro aumento de volume abdominal. Três (60%) tinham operações abdominais prévias (colecistectomia + retirada de áscaris da via biliar; cicatriz paramediana direita - não sabia qual operação havia sido realizada; e colecistectomia + coledocolitotomia).

O diagnóstico de doença cística da via biliar foi estabelecido no intra-operatório em 100% dos casos, apesar dos exames de imagem utilizados na avaliação do paciente. Três pacientes foram submetidos à ressecção do cisto + derivação biliodigestiva (duas hepaticojejunostomias em Y-de-Roux e uma hepaticogastrojejunostomia em Y-de-Roux). Um paciente foi submetido à cistoduodenostomia e o outro a apenas medidas paliativas, como drenagem de abscesso hepático e da via biliar.

O paciente com abscesso hepático morreu no 40° dia do pós-operatório e um que foi submetido à hepaticojejunostomia foi reoperado devido à coleção sub-hepática. Os outros pacientes não tiveram complicações maiores. A análise histopatológica confirmou o diagnóstico de cisto de colédoco nos três pacientes nos quais os cistos foram ressecados, não havendo degeneração maligna (Tabela 1).

Tabela 1 -
Dados demográficos dos pacientes, operação realizada e evolução

DISCUSSÃO

A doença cística da via biliar ou cisto de colédoco foi primeiramente descrito por Vater e Elzer em 1723. Porém, a primeira descrição clínica completa foi realizada por Douglas, 18238,2. É considerada doença de baixa incidência, acometendo entre 1:13.000 a 1:2.000 de pessoas em todo mundo, sendo mais frequente no Japão, onde encontra-se cerca de dois terços dos casos descritos na literatura. Pode acometer pessoas de qualquer faixa etária, porém é mais frequente em crianças até 10 anos de idade e em apenas 20% acomete pessoas com mais de 20 anos. Sua distribuição por sexo é de 4:1 (mulheres:homes).

A principal teoria etiológica da doença cística da via biliar é o refluxo de enzimas pancreáticas para o ducto biliar comum, devido à junção pancreatobiliar anômala, isto é, quando essa união ocorre a mais de 1,5 cm da ampola hepatoduodenal. Contudo, essa teoria não explica a formação dos cistos tipo II e V, que podem ter influência genética5.

A tríade clássica (icterícia, dor abdominal e massa palpável em quadrante superior direito do abdome) é rara em adultos, sendo encontrada em 0-17% dos casos. Porém, em cerca de 85% das crianças e em 25% dos adultos, pelo menos dois elementos da tríade estão presentes. Além disso, colangite, pancreatite ou peritonite biliar por ruptura do cisto podem ser a apresentação inicial.

É de importante citação a presença de malignidade concomitante. Sua incidência é maior quando se tem o diagnóstico de doença cística da via biliar com idade mais avançada: 2% aos 20 anos e 43% aos 60 anos. Os cistos tipo I e IV são os de maiores risco de sofrerem degeneração maligna. Já o tipo V é de menor risco (7%)11.

Em relação aos exames de imagem, a ultrassonografia é normalmente o exame de triagem16. A tomografia computadorizada pode diagnosticar cisto biliar, porém perde em acurácia para a colangiorressonância magnética, tendo sua maior utilidade no período pós-operatório, para diagnosticar estenose da anastomose bilioentérica. Já a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica é boa para definir a anatomia da via biliar e, portanto, diagnosticar a doença cística da via biliar. Porém, a colangiorressonância magnética fornece imagens pelo menos semelhantes, sem causar as possíveis complicações da colangiopancreatografia retrógrada endoscópica 17.

O tratamento cirúrgico se modificou ao longo dos anos. Anteriormente, a conduta cirúrgica era a realização de cistoenterostomia. Porém, devido às complicações pós-operatórias como colangite, pancreatite e hepatolitíase (taxa de reoperação de 70%) e o risco de degenaração maligna do cisto, esta conduta está em desuso. Atualmente, o tratamento padrão consiste na excisão do cisto e na realização de derivação biliodigestiva7.

Existem algumas controvérsias em relação ao tratamento do cisto tipo IV e V1. A excisão do cisto extra-hepático é a regra; porém, há dúvidas quanto à excisão ou não dos cistos intra-hepáticos. A tendência é que se realize hepatectomia se os cistos forem localizados. Caso sejam disseminados, tal conduta fica inviabilizada.

A estenose da anastomose biliodigestiva é uma das complicações mais temidas, e sua incidência varia com a técnica utilizada12.

Atendidos como em emergência, todos os pacientes apresentavam sintomas no momento da admissão. Dor abdominal estava presente em todos e icterícia em 60%.

Em todos os casos, o cisto era tipo I da classificação de Todani e o diagnóstico foi estabelecido sempre no intra-operatório. A ausência do diagnóstico pré-operatório ocorreu pelo fato de se tratar de doença rara e a hipótese não ter sido sugerida pelos exames de imagem realizados, Em todos os casos, a ultrassonografia foi realizada e nenhum laudo sugeriu a doença cística da via biliar. Ainda, em um paciente foi realizada colangiopancreatografia retrógrada endoscópica e colangiorressonância magnética, e a hipótese dela também não foi sugerida. Desse modo, como três pacientes apresentavam quadro de icterícia obstrutiva, a exploração da via biliar foi indicada. Outro paciente foi submetido à laparotomia exploradora pois tinha como hipótese diagnóstica cisto de mesentério ou linfangioma. O outro paciente tinha quadro de colangite supurativa com abscesso hepático e foi operado de urgência.

Dos pacientes que tiveram o cisto ressecado, em dois a reconstrução realizada foi a hepaticojejunostomia em Y-de-Roux. No outro paciente, foi realizada hepaticogastrojejunostomia, isto é, a anastomose do jejuno com o estômago e o ducto hepático na mesma alça, com intenção de facilitar a abordagem da via biliar intra-hepática por via endoscópica em caso de recidiva dos cálculos intra-hepáticos.

Não houve degeneração maligna do cisto em nenhum dos três casos em que foi realizada a análise histopatológica, nem no segmento pós-operatório. Porém, o seguimento foi curto em relação ao tempo (8 a 23 meses).

Em relação às complicações pós-operatórias precoces, dois pacientes apresentaram infecção da ferida operatória; um foi reoperado devido à coleção biliar intra-peritoneal, e outro no qual apresentou-se com abscesso hepático, foi reoperado mais duas vezes morrendo no 40° dia após a primeira operação por choque séptico. Nenhum dos sobreviventes desenvolveu pancreatite, colangite ou litíase intra-hepática pós-operatória.

CONCLUSÃO

A doença cística da via biliar é doença rara em nosso meio, porém deve ser pensada como diagnóstico diferencial das icterícias obstrutivas. A ressecção do cisto com reconstrução da via biliar é o tratamento padrão, com baixas taxas de complicações e de degeneração maligna pós-operatória.

Referências bibliográficas

  • 1 Abbas HMH, Yassin NA, Ammori BJ. Laparoscopic resection of type I choledochal cyst in an adult and Roux-en-Y. Hepaticojejunostomy: a case report and literature review. Surg Laparosc Endosc Percutan Tech 2006; 16:439-444.
  • 2 Alonso-Lej F, Rever WB, Pessagno DJ. Congenital choledochal cyst, with a report of 2, and an analysis of 94 cases. Int Abstr Surg 1959; 108:1-30.
  • 3 Akaraviputh T, Boonnuch W, Watanapa P, Lertakayamanee N, Lohsiriwat D. Surgical management of adult choledochal cysts. J Med Assoc Thai 2005; 88(7):939-43.
  • 4 Atkinson HDE, Fischer CP, Jong CHC, Madhavan KK, Parks RW, Garden OJ. Choledochal cysts in adults and their complications. HPB (Oxford) 2003; 5(2):105-110.
  • 5 Balbbitt DP. Congenital choledochal cysts: new etiological concept based on anomalous relationships of the common bile duct and pancreatic bulb. Ann Radiol 1969; 12(3):231-240.
  • 6 Benjamin IS. Biliary cystic disease: the risk of cancer. J Hepatobiliary Pancreat Surg 2003; 10:335-339.
  • 7 Chijiiwa K, Koga A. Surgical management and long-term follow-up of patients with choledochal cysts. Am J Surg 1993; 165:238-242.
  • 8 Douglas A. Case of dilation of the common bile duct. Mon J Med 1852; 14:97-100.
  • 9 Lipsett PA, Pitt HA. Surgical treatment of choledochal cysts. J Hepatobiliary Pancreat Surg 2003; 10:352-359.
  • 10 Liu DC, Rodriguez JA, Meric F, Geiger JL. Laparoscopic excision of a rare Type II choledochal cyst: case report and review of the literature. J Pediatr Surg 2000; 35(7):1117-1119.
  • 11 Shimonishi T, Sasaki M, Nakanuma Y. Precancerous lesions of intrahepatic cholangiocarcinoma. J Hepatobiliary Pancreat Surg 2000;7:542-550.
  • 12 Singham J, Schaeffer D, Yoshida E, Scudamore C. Choledochal cysts: analysis of disease pattern and optimal treatment in adult and pediatric patients. HPB (Oxford) 2007; 9(5):383-387.
  • 13 Todani T, Watanabe Y, Narusue M, et al. Congenital bile duct cysts: classification, operative procedures and review of thirty seven cases including cancer arising from choledochal cyst. Am J Surg 1977; 134:263-269.
  • 14 Visser BC, Suh I, Way LW, Kang Sang-MO. Congenital choledochal cysts in adults. Arch Surg 2004; 139:855-862.
  • 15 Yamaguchi M. Congenital choledochal cyst: Analysis of 1433 patients in the Japanese literature. Am J Surg 1980; 140(5):653-657.
  • 16 Yamaguchi M, Sakurai M, Takeushi S, Awazu S. Observation of cystic dilatation of the common bile duct by ultrasonography. J Pediatr Surg 1980; 15(2):207-210.
  • 17 Wiseman K, Buczkowski AK, Chung SW, Francoeur J, Schaeffer D, Scudamore CH. Epidemiology, presentation, diagnosis and outcomes of choledochal cysts in adults in an urban environment. The American Journal of Surgery 2005; 189:527-531.
  • 18 Yamashita H, Otani T, Shioiri T, Takayama T, Kakiuchi C, Todani T, Makuuchi M. Smallet Todani's type II choledochal cyst. Digestive and Liver Disease 2003; 35:498-502.
  • Fonte de financiamento: não há

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2015

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2014
  • Aceito
    06 Jan 2015
location_on
Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 - 6° - Salas 10 e 11, 01318-901 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (11) 3288-8174/3289-0741 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistaabcd@gmail.com
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro