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Ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal

Continent ileostomy with preservation of the ileocecal sphincter

Resumos

Seis doentes foram submetidos a ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, como tempo cirúrgico complementar à proctocolectomia e à colectomia totais, para tratamento de doença inflamatória intestinal e polipose adenomatosa familiar, associada a pólipo degenerado no reto inferior. A técnica utilizada de ileostomia continente preserva a papila íleo-cecal e uma pequena borda circular de parede cecal exteriorizados na parede abdominal. O débito ileal, na primeira semana pós-operatória, não ultrapassou 430 ml/dia, não houve complicações do procedimento e o aspecto estético ficou excelente. Conclui-se que a ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, definitiva ou temporária, é um procedimento cirúrgico eficiente, em casos selecionados, quando se deseja manter um controle eficaz do efluente intestinal.

Ileostomia definitiva; Ileostomia temporária; Esfíncter íleo-cecal; Proctocolectomia total; Colectomia total


The authors report three cases of patients submitted to definitive continent ileostomy and three cases of temporary continent ileostomy. Five of them had inflammatory bowel disease and one had familial adenomatous polyposis associated to lower rectal cancer. It was used the continent ileostomy technique, keeping the ileocecal sphincter and a small border of cecal wall. The ileal flow in the first week of post operative does not overflow 430 ml per day. They conclude that the continent ileostomy is useful procedure in selected cases when we need to keep an efficient control of the intestinal effluent.

Definitive ileostomy; Temporary ileostomy; Ileocecal sphincter; Total proctocolectomy; Total colectomy


ILEOSTOMIA CONTINENTE COM PRESERVAÇÃO DA PAPILA ÍLEO-CECAL

FORMIGA GJS.

Formiga GJS. Ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal. Acta Cir Bras 2000;15(Suppl 1):

RESUMO: Seis doentes foram submetidos a ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, como tempo cirúrgico complementar à proctocolectomia e à colectomia totais, para tratamento de doença inflamatória intestinal e polipose adenomatosa familiar, associada a pólipo degenerado no reto inferior. A técnica utilizada de ileostomia continente preserva a papila íleo-cecal e uma pequena borda circular de parede cecal exteriorizados na parede abdominal. O débito ileal, na primeira semana pós-operatória, não ultrapassou 430 ml/dia, não houve complicações do procedimento e o aspecto estético ficou excelente. Conclui-se que a ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, definitiva ou temporária, é um procedimento cirúrgico eficiente, em casos selecionados, quando se deseja manter um controle eficaz do efluente intestinal.

DESCRITORES: Ileostomia definitiva. Ileostomia temporária. Esfíncter íleo-cecal. Proctocolectomia total. Colectomia total.

INTRODUÇÃO

As proctocolectomias totais e as colectomias totais seguidas de ileostomias convencionais são caracterizadas por importantes alterações metabólicas, decorrentes do aumento de velocidade do conteúdo entérico e da redução da área de absorção de líquidos e nutrientes.

Com a finalidade de contornar esses inconvenientes, os cirurgiões têm procurado técnicas alternativas na feitura de ileostomias, nas quais o volume líquido exonerado não seja exagerado, e, conseqüentemente, favoreça um pós-operatório ameno, no qual a ileostomia não seja mais um fator complicador, em relação aos distúrbios hidro-eletrolíticos e metabólicos dos doentes. A ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, de acordo com a técnica proposta por Lázaro da Silva 7 , mostrou-se ser um procedimento técnico simples e obter resultados eficientes.

O objetivo deste trabalho é apresentar os casos operados, enfatizando a técnica e os resultados.

MÉTODOS

Seis doentes foram submetidos a ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, como complemento à proctocolectomia total eletiva e à colectomia total de urgência, no Serviço de Colo-Proctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo-SP, durante o período de dezembro de 1994 a setembro de 1998. Três doentes eram do sexo feminino e três do masculino. Três doentes situavam-se na faixa etária de 21 a 30 anos e os outros acima deste limite. Três doentes eram brancos e três negros. Cinco doentes estavam acometidos por doença inflamatória intestinal, sendo quatro por retocolite ulcerativa inespecífica (RCU) e um por doença de Crohn; e o outro por polipose adenomatosa familiar (PAF), associada a câncer de reto inferior.

Técnica

1. Liberação de todo o cólon ou do cólon remanescente, juntamente com a colostomia.

2. Ligadura dos vasos mesocólicos com ênfase para as ligaduras entre o ceco e a arcada marginal, com a finalidade de preservar o pedículo terminal da artéria mesentérica superior, segundo técnica proposta por Lázaro da Silva (6,7). A vascularização terminal do íleo e a implantação do piloro íleo-cecal mantêm-se íntegras.

3. Ressecção de todo o cólon, ou do cólon remanescente, juntamente com a colostomia..

4. Secção da parede cecal, em torno do piloro íleo-cecal, deixando-se uma borda circular de cerca de l,0 cm, constituída por todas as camadas.

5. Abertura da parede abdominal no flanco direito e passagem do segmento ileal contendo a papila íleo-cecal, sendo a fixação realizada por sutura direta entre a pele e a borda cecal.

6. Posicionamento e fixação do mesoíleo na parede lateral interna direita do abdome.

RESULTADOS

A cicatrização processou-se normalmente. Na primeira semana, a ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal apresentou um débito médio baixo, de acordo com a Tabela 1. Nas semanas subseqüentes, o efluente tornou-se consistente e a ileostomia de fácil adaptação. No seguimento ambulatorial, não foram observadas quaisquer alterações com as ileostomias continentes definitiva ou provisória, como: disfunção, irritação cutânea, estenose, prolapso ou dificuldade de manuseio para os pacientes ou estomatoterapeuta. Esteticamente, os resultados foram considerados excelentes.

DISCUSSÃO

As ileostomias definitivas sempre se constituíram em problemas de adaptação para os doentes e técnicos para os cirurgiões.

Desde os trabalhos iniciais sobre ileostomias terminais divulgados por Brooke 1, em 1952, com resultados até certo ponto satisfatórios, diversos cirurgiões tentaram modificações na feitura de ileostomias 2,6,7,9,10 . As alterações mais significantes foram a proposta de Di Dio 2 , exteriorizando a papila, temporariamente, para estudo direto e a de Lázaro da Silva 6,7, que fez a ileostomia definitiva implantando a papila íleo-cecal na parede abdominal. Diversos autores procuraram recursos para a contenção ileal, com bolsas em U (Kock), S (Parks), J (Utsunomiya) e em W (Nicholls), tanto no abdome como na pelve 5,12,15,18 . Palma 13,14 apresentou uma técnica de ileostomia continente adjacente a uma cecostomia. Myrvold 11 adaptou uma válvula ileal a uma bolsa de contenção, com exteriorização abdominal, conseguindo resultados satisfatórios para a época. Mattos 9,10 , em trabalho experimental, estudou aspectos funcional e microscópico eletrônico de varredura da ileostomia continente. Formiga e col.3 relataram quatro casos de ileostomia continente também com preservação da papila íleo-cecal, em humanos, sendo três casos em caráter definitivo e um temporário, com excelentes resultados, tanto funcionais como estéticos. Manzione 8 , em tese de docência livre, preconizava a construção de uma válvula mucosa ileal como operação complementar à colectomia total com anastomose íleo-retal, com a finalidade de evitar os problemas decorrentes da ressecção total do cólon. Safatle e col.16 e Safatle e Almeida 17 propuseram a manutenção do íleo terminal, juntamente com a papila íleo-cecal, para anastomoses íleo-retal ou íleo-cólica, nas colectomias que incluem o cólon direito, sobretudo as totais, com o intuito de se respeitar a fisiologia intestinal. Habr Gama e col.4 estudaram, em trabalho experimental, a contenção magnética nas ileostomias e colostomias, utilizando um dispositivo oclusivo, constituído por ímã e silicone, com resultados iniciais promissores.

Nos nossos casos, duas doentes acometidas por doença inflamatória intestinal e submetidas anteriormente a proctocolectomia parcial, mantinham parcialmente o cólon e a colostomia terminal bem adaptada, quanto à função. Entretanto, uma delas manifestou sérias dificuldades, quanto à qualidade de vida, devido à procidência recidivante e a outra foi hospitalizada com reagudização da RCU, quadro séptico e extenso acometimento do cólon residual. Ambas foram submetidas a totalização da colectomia e ileostomia continente definitiva com preservação da papila íleo-cecal. O doente portador de polipose adenomatosa familiar (PAF) e pólipo de reto degenerado, foi submetido a proctocolectomia total eletiva com ileostomia continente definitiva. A borda cecal residual, nesse caso, não mostrava pólipos e mostrou-se de fácil controle, devido a sua exteriorização junto à papila íleo-cecal. Em relação aos três doentes submetidos de urgência a colectomia total, fístula mucosa no terço inferior da incisão e ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, o foram por retocolite ulcerativa inespecífica (RCU), complicadas por megacólon tóxico, intratabilidade clínica e perfuração colônica com peritonite, respectivamente.

Estes três doentes, portadores de RCU, eram jovens, e em virtude de fatores como ausência de lesões degenerativas no reto ou de comprometimento perineal, condições clínicas favoráveis e situações de urgência, possibilitaram a manutenção do aparelho esfincteriano, para posterior realização de bolsa ileal com anastomose íleoanal.

Os resultados obtidos com a técnica utilizada mostraram-se amplamente satisfatórios, tanto no que tange à ausência de morbidade, como no aspecto funcional. De fato, o volume de líquido entérico eliminado, na primeira semana, não ultrapassou a média de 430 ml/dia, o que se compara favoravelmente à perda de 1.000 a 1.500 ml/dia nas ileostomias convencionais. A técnica de ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, definitiva ou temporária, foi indicada após criterioso estudo de opções, principalmente nas operações eletivas.

CONCLUSÃO

A ileostomia continente com preservação da papila íleo-cecal, definitiva ou temporária, constitui-se em procedimento eficiente para manter o controle do efluente ileal, nos casos de proctocolectomia total e colectomia total, respectivamente.

Formiga GJS. Continent ileostomy with preservation of the ileocecal sphincter. Acta Cir Bras 2000;15(Suppl 1):

ABSTRACT: The authors report three cases of patients submitted to definitive continent ileostomy and three cases of temporary continent ileostomy. Five of them had inflammatory bowel disease and one had familial adenomatous polyposis associated to lower rectal cancer. It was used the continent ileostomy technique, keeping the ileocecal sphincter and a small border of cecal wall. The ileal flow in the first week of post operative does not overflow 430 ml per day. They conclude that the continent ileostomy is useful procedure in selected cases when we need to keep an efficient control of the intestinal effluent.

SUBJECT HEADINGS: Definitive ileostomy. Temporary ileostomy. Ileocecal sphincter. Total proctocolectomy. Total colectomy.

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  • 2. Di Dio LJA, Carril CF. Observações sobre o mecanismo do piloro íleo-ceco-cólico em indivíduo vivo com papila íleo-ceco-cólica exteriorizada. Rev Bras Gastroenterol 1954; 6:67-9.
  • 3. Formiga GJS, Barreto Neto PF, Nossa FLC, Silva JH. Ileostomia continente - Relato de quatro casos. Rev bras Colo-Proct, 1995; 18(1):34-6.
  • 4. Habr Gama A, Arruda Alves PR, Mello S, Raia. Contenção magnética nas ileostomias e colostomias. Estudo experimental preliminar. Rev Ass Med Brasil 1978; 24:332-4.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2001
  • Data do Fascículo
    2000
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